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T227 Tecnologia, comunicação e ciência cognitiva [livro eletrônico] / organização de Walter Teixeira Lima Junior, Murilo Bansi Machado. São Paulo : Momento, 2014. 19 Kb ; ePUB Coletânia de artigos dos membros do Grupo de Pesquisa Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo. Bibliografia ISBN 978-85-62080-08-1 1. Tecnologia 2. Comunicação 3. Ciência cognitiva 4. Comunicação digital 5. Cibercultura 6. Comunicação móvel 7. Sociedade do conhecimento 8. Novas tecnologias (Educação) 9. Ciberativismo 10. Sites (Internet) - Compras coletivas I. Lima Junior, Walter Teixeira II. Machado, Murilo Bansi III. TECCCOG CDD 302.2 www.tecccog.net CAPA: Cristiano Freitas IMAGEM DA CAPA: AGICOM Metodista EDITORAÇÃO: Claudia M. Arantes de Assis Saar REVISÃO:Amanda Luiza S. Pereira Daniel Costa de Paiva Diego Franco Gonçales Murilo Machado Bansi SUMÁRIO Introdução 05 Apontamentos sobre o imprescindível debate da 07 tecnologia para a comunicação social Amanda Luiza S. Pereira Mobile Learning: Novos meios, velhas questões 27 Ana Graciela M. F. da Fonseca Processos comunicacionais assíncronos em ambientes 44 virtuais de aprendizagem: verificação de colaboração por meio de uma visualização estrutural André Rosa de Oliveira Social Games: entretenimento democrático na internet 73 Cláudia Maria Arantes de Assis e Jefferson Ferreira Saar Simulação Computacional de Fluxos de Informação: 96 uma abordagem no âmbito da Comunicação Social Daniel Costa de Paiva Os espaços da recepção: elementos para pensar a 114 interação mídia-mente Diego Franco Gonçales Governança da internet, modelos de negócios, 129 cibercrime e ciberespionagem Diólia de Carvalho Graziano T227 Tecnologia, comunicação e ciência cognitiva [livro eletrônico] / organização de Walter Teixeira Lima Junior, Murilo Bansi Machado. São Paulo : Momento, 2014. 19 Kb ; ePUB Coletânia de artigos dos membros do Grupo de Pesquisa Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo. Bibliografia ISBN 978-85-62080-08-1 1. Tecnologia 2. Comunicação 3. Ciência cognitiva 4. Comunicação digital 5. Cibercultura 6. Comunicação móvel 7. Sociedade do conhecimento 8. Novas tecnologias (Educação) 9. Ciberativismo 10. Sites (Internet) - Compras coletivas I. Lima Junior, Walter Teixeira II. Machado, Murilo Bansi III. TECCCOG CDD 302.2 www.tecccog.net Sociedade do conhecimento: o longo caminho entre 153 democratização da tecnologia e acesso à informação Eduardo Fernando Uliana Barboz Mechanical Turk e a conveniência cognitiva como 174 objeto da linguagem Leandro Golçalves O Reencontro com o Tangível: notas sobre a 187 materialidade em McLuhan, Gumbrecht e Sennett Márcio Carneiro dos Santos Sociedade Digital: A revolução digital na escola e o 203 papel do professor Michele Loprete Vieira Hacktivismo e Anonymous Brasil: a força de 221 uma ideia disforme Murilo Bansi Machado Avanços tecnológicos e gerações do futuro: novos 240 rumos para a educação e desenvolvimento de criações coletivas Rafael Vergili Os sites de compra coletiva: uma análise com foco 256 nos aspectos cognitivos Daniel Costa de Paiva, Vanessa Moreira N. de Paiva e Walter Teixeira Lima Junior INTRODUÇÃO A rápida e expressa adoção das mais variadas tecnologias digitais de comunicação por parte das sociedades contemporâneas alterou, em grande medida, a dinâmica dessas sociedades, bem como o rumo das áreas do conhecimento que se debruçam sobre elas, propondo novas questões para responder a situações e hábitos inteiramente insólitos. Particularmente, a Comunicação, enquanto campo do conhecimento pertencente à área das Ciências Sociais, vem dispendendo contínuos esforços no sentido de estabelecer e compreender, sob uma perspectiva inter e transdisciplinar, a complexidade das relações entre ciência e tecnologia. Mas, mais do que isso, o grupo de pesquisa Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva (TECCOG) acredita que, para acompanhar efetivamente os caminhos trilhados pela evolução tecnológica, é necessário que os ferramentais teórico-metodológicos das pesquisas em Comunicação também se adaptem aos instrumentos de verificação desenvolvidos em outras áreas do conhecimento – em especial, na Ciência Cognitiva. Por isso, liderados pelo Prof. Dr. Walter Lima, os pesquisadores do TECCOG dedicam-se a pesquisas que tratam dos dispositivos tecnológicos de comunicação tendo em vista a introdução das tecnologias digitais de informação e as descobertas da neurociência no que tange ao processamento, transmissão e transdução de informações. Nesse sentido, o e-book Comunicação, Tecnologia e Ciência Cognitiva tem como objetivo explorar a complexidade dos temas e objetos de pesquisa dos estudos de Comunicação, relacionando essas três áreas do conhecimento, ensejando o entendimento e a ampliação das possibilidades de conexão entre elas. Afinal, à medida que avança sem precedentes a apropriação tecnológica por parte das sociedades, tal ato inevitavelmente modifica o comportamento destas quanto ao consumo de informações. Logo, compreender as diversas formas por meio das quais as tecnologias da informação são cognitivamente apropriadas pelos indivíduos, bem 5 como o modo como estes interagem com novas maneiras de consumir informações, por meio de seus impulsos sensoriais, certamente está e estará entre um dos maiores desafios dos pesquisadores dessas áreas. Portanto, este livro pretende contribuir para esta auspiciosa gama de estudos que vem ganhando viço e número nos últimos anos como um campo de investigação, ação e metodologias transdisciplinares. Para isso, desejamos ao leitor aproveitamento científico sobre o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social, aqui travado por meio de textos assinados por pesquisadores e colaboradores do TECCCOG. Boa leitura a todos. Walter Teixeira Lima Junior Murilo Bansi Machado 6 Apontamentos sobre o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social Amanda Luiza S. Pereira1 Introdução O pensamento científico contemporâneo, especialmente por intermédio de sua estruturação metodológica, axiomatiza suas possibilidades e limitações em função da admissão da falibilidade humana e das consequentes condições de conhecimento científico como aproximação racional da realidade (BUNGE, 2008). São patentes os limites difusos entre os conhecimentos científico e filosófico no que tange à questão metodológica, bem como o são as delimitações entre os domínios científicos, visto que versar a ou se aproximar da realidade não é necessariamente o mesmo que dominá- la/domesticá-la em função de uma determinada perspectiva reflexivaou interventiva. Tal constatação repete-se no debate endógeno das Ciências, regulando seu exercício sem, contudo, inviabilizá-lo. Isso se dá porque mais do que produzir descrições ou classificações dos fenômenos, a investigação científica se presta primordialmente à teorização, isto é, equilibra a relação entre o observável e o inobservável da realidade, inferindo sobre o segundo a partir do primeiro, ocupando-se essencialmente com o sentido atribuído às evidências empíricas. 1 Doutoranda em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo. E-mail: amanda.luiza@gmail.com 7 Esse sentido advém da referência ou universo de discurso de dada teoria, isto é, estabelece-se através da articulação conceitual. E é neste ponto que a investigação científica distancia-se da Filosofia – se não no exercício prático, ao menos no plano reflexivo –, ainda que o diálogo entre ambas seja necessário e evidente. Em uma pesquisa particular, isso justifica o viés científico como atividade cognitiva produtiva e imprescindível, tanto quanto outros conhecimentos. No caso da Comunicação Social, a Teoria do Meio é identificada como programa de investigação importante e adequado às prerrogativas científicas apontadas e ao domínio da Comunicação em si (MARTINO, 2000). Tomando-a como subjacente, investe-se no exame da questão tecnológica. Além disso, uma vez que para o estabelecimento e manutenção do fazer científico como produtivo há o constante retorno ao debate filosófico, as questões das quais este texto se ocupa são oriundas da premissa de que a reflexão sobre o tecnológico se impõe ao exercício científico da Comunicação Social, dada a imbricação da tecnologia com os fenômenos contemporâneos e aos Objetos de estudo. Dessa forma, cabe buscar a manutenção dos princípios científicos frente à tecnologia, afastando-se da noção de que seu entrelaçamento com outros aspectos da realidade a transformam em um fenômeno trivial, que não demanda esforço reflexivo, pois passa a ser evidente no contexto da formulação dos Objetos de pesquisa. Filosofia da Tecnologia Em uma visão panorâmica, há dois aspectos constantes nos diferentes posicionamentos acerca da tecnologia que são aqui explorados: (1) a pergunta primordial refere-se à essência da técnica e/ou da tecnologia, isto é, a questão que se coloca é: “O que é?”; (2) existe uma preocupação com a historicidade da técnica/tecnologia e com o pensamento sobre a mesma, dentro da qual, a partir da 8 Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva Revolução Industrial, há um deslocamento relevante. Tanto no caso da pergunta sobre a essência, cuja percepção de demanda é consensual, quanto em relação a outras questões sobre as quais é possível identificar discordância, verifica-se a incidência de uma abordagem específica que pode ser, segundo Mitcham (1994), centrada em quatro enquadramentos básicos, nos quais tecnologia é: objeto, atividade particular, conhecimento ou em função de sua determinação (ou não).2 A breve explanação de Feenberg (2003), ainda que dedicada à questão da determinação, termina por refutar a noção de tecnologia como dominadora do homem. Para tanto, ele distingue as possíveis concepções de tecnologia a partir de dois elementos diferentes, mas interdependentes: o valor e o controle humano. Dessa forma, quando a tecnologia é neutra e humanamente controlada, trata-se de Instrumentalismo; quando é neutra e autônoma, Determinismo; se carregada de valor e autônoma, Substantivismo; e, finalmente, se carregada de valor e humanamente controlada, é Teoria Crítica. Feenberg (2003) não admite a possibilidade de neutralidade da tecnologia, presente nas abordagens instrumental e determinista. Explica primeiro que o Instrumentalismo prefere o questionamento “Como funciona?”, dado que se ocupa dos fins das coisas, cuja essência é convenção e não realidade, sem se questionar sobre a(s) principal(is) qualidade(s) da tecnologia. Sequencialmente, soma à negação da neutralidade a contestação da autonomia. Isso porque a tecnologia autônoma controlaria o homem através da regulação da sociedade – de acordo, exclusivamente, com demandas de progresso e eficiência (Determinismo). Também refuta o fundamento do Substantivismo, para o qual “na medida em que nós usamos a tecnologia, estamos comprometidos com o mundo num movimento de maximização e controle [...] O 2 Evitando reduções demasiadas, buscou-se no exame dos textos que compuseram o referencial a abrangência das possibilidades colocadas por Mitcham (1994). 9 Apontamentos sobre o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social elemento de controle humano seria como escolher marcas de sabão no supermercado, trivial e ilusório” (FEENBERG, 2003, online). Finalmente, o autor opta pela Teoria Crítica: De acordo com a teoria crítica, os valores incorporados na tecnologia são socialmente específicos e não são representados adequadamente por tais abstrações como a eficiência ou o controle. A tecnologia não molda só um modo de vida, mas muitos possíveis estilos diferentes de vida, cada um dos quais reflete as escolhas diferentes de objetivos e extensões diferentes da mediação tecnológica [...] As molduras são os limites e contêm o que está por dentro. Semelhantemente, a eficiência “molda” todas as possibilidades da tecnologia, mas não determina os valores percebidos dentro daquela moldura (FEENBERG, 2003, online). Com isso, pretende-se argumentar que, além do controle técnico que viabiliza a eficiência,3 a essência da Tecnologia também é constituída por um controle de outra ordem, humana. Há um controle humano porque, mesmo que o controle técnico emoldure as possibilidades tecnológicas pelos limites da eficiência, ele não determina o homem, e é também influenciado por uma intencionalidade ou condição social (FEENBERG, 2009). A focalização de Feenberg (2003) no aspecto da determinação (ou não) se estabelece melhor do que a perspectiva que trata a tecnologia como objeto, por conta dos motivos pontuados por Bunge (1985). O autor afirma que, na abordagem da tecnologia como objeto, há uma redução oriunda da noção de que a tecnologia é somente um resultado, alijando a capacidade de abarcar o processo mais abrangente, que dá origem ao produto tecnológico e que também é importante e faz 3 A distinção apontada por Galloway (2004 e 2010) acerca do protocolo TCP/IP, em que o controle da ordem da eficiência também não é o único e diz respeito à correta forma, o saber-fazer e, no recorte da Filosofia da Tecnologia, “technoi”, isto é, à técnica. 10 Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva parte de sua essência. Além disso, dificultaria a distinção entre técnica e tecnologia, o que preocupa não só Bunge, mas também Heidegger. Entretanto, ao contrário de Heidegger, Bunge (1985) tende para a Tecnologia, entendendo que esta é identificada a partir do domínio da técnica pela atividade científica. Em linha semelhante, Vargas (1994) abrange a historicidade da tecnologia, relacionando-a com o estabelecimento das bases da ciência moderna, após a Idade Média: A teoria abandona, então, o critério de verdade, baseado na evidência dos princípios e logicidade dos argumentos, e adota o critério de parte de experiências semelhantes às da técnica, para com elas formular uma conjetura. A partir da conjetura, formula-se uma teoria da qual uma conclusão particular deva ser verificada pelo confronto com um experimento organizado de acordo com a teoria. Sob esse mesmo critério de verdade, ao lado da ciência, surge um novo sistema simbólico até aquele momento inteiramente desconhecido. E a tecnologia, entendendo-se essa como a solução de problemas técnicos por meio de teorias, métodos e processos científicos(VARGAS, 1994, p. 178- 179). Aqui também estão abarcadas, além da perspectiva de atividade particular, a distinção e a convergência fundamentais da tecnologia em relação à técnica: enquanto técnica diz respeito a um saber-fazer descolado da atividade científica, tecnologia é um fazer distinto que se apropria, para manter os termos de Vargas (1994), das características dos sistemas simbólicos técnica e exercício científico. Dito de outra forma: não é restrita ao produto final porque está imbrincada com as práticas puramente técnicas, bem como com as científicas. A partir da técnica e/ou da tecnologia, o homem cria os objetos e os processos artificiais, isto é, os Artefatos que, como sintetizado por Cupani (2004): 11 Apontamentos sobre o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social [...] O artefato não precisa ser todavia uma coisa (por exemplo, uma bicicleta, ou um remédio), podendo tratar-se também da modificação do estado de um sistema natural (por exemplo, desviar ou represar o curso de um rio), ou bem da transformação de um sistema (por exemplo, ensinar alguém a ler). Em todos os casos, a ação técnica – uma forma de trabalho, para Bunge – opera utilizando recursos naturais (como empregar o cérebro próprio para resolver um problema de maneira metódica, usar troncos de árvore para construir uma cabana etc.), transformando- os (produzir tecidos com base no linho, domesticar animais etc.), ou bem reunindo elementos naturais para dar origem a algo inédito (sintetizar moléculas, organizar pessoas numa firma comercial etc.) (CUPANI, 2004, p. 495). Para Bunge (1980, p. 186), a tecnologia também pode ser conhecimento “[...] se e, somente se: (i) é compatível com a ciência contemporânea e controlável pelo método científico e (ii) é empregado para controlar, transformar ou criar coisas ou processos, naturais ou sociais”. Assim, enquanto a Tecnologia possui um objetivo prático (que é sempre pontuado como melhoramento em materialidade ou processo), a Ciência aplicada, tipo que, no âmbito da prática, é mais próximo, visa a um saber útil (também percebido como positivo). Verifica-se em Feenberg (2003 e 2009) e Bunge (1980 e 1985) a já mencionada preocupação com o contexto da tecnologia, mas nem tanto com o da Filosofia da Tecnologia.4 Nesse ponto, acompanha-se Vargas (1994) quando explica que: Uma Filosofia da Tecnologia nada tem a ver com as teorias, métodos, processos e critérios da própria Tecnologia. Ela será uma “visão” da essência da tecnologia; mas essa visão será falsa se pretender que a Tecnologia subordine-se à sua posição. Será ainda mais falsa a Filosofia da Tecnologia que tentar incorporar às suas conclusões filosóficas soluções 4 Entretanto, cabe considerar que tais textos são artigos e não obra maior, como, por exemplo, um livro. 12 Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva particulares da própria Tecnologia (VARGAS, 1994, p. 181). Aqui, identifica-se contraponto ou complementação à Filosofia da Tecnologia de Bunge em outros autores que não Feenberg (2003 e 2009). Entretanto, considera-se contraproducente recorrer ao lugar comum das dicotomias – seja otimismo ou pessimismo, realismo ou antirrealismo, e assim por diante –, inclusive porque a delimitação e o objetivo são aqui antes científicos e não filosóficos. Seria mais adequado, ao menos no que se refere ao exercício filosófico, preferir um viés que se distancia, já de início, na questão principal. Neste entendimento particular, seria o resgate de Heidegger, já que ao menos mantém a preocupação com o histórico, bem como a pergunta pela essência, mas o faz em parâmetros bem diferentes, a começar porque o centro é a Técnica. A preferência pela técnica possui, mesmo observando as colocações de Bunge e Feenberg, a vantagem metodológica de abarcar não só uma técnica em especial (a tecnologia), mas toda a diversidade técnica. Por outro lado, na concepção aqui declarada sobre a investigação científica, a proposta de Heidegger é a que mais se distancia dos domínios das Ciências, ainda que o compromisso que mantém com a Filosofia resulte em uma perspectiva interpretativa fértil. Finalmente, examinar seriamente a obra de Heidegger, mais do que um trabalho filosófico, demandaria o questionamento direto das premissas deste texto e inviabilizaria a realização de seu objetivo, cuja relação direta é com o pensamento científico. Por isso, os argumentos de Vargas (1994) são, novamente, pertinentes: Com referência à técnica – um dos pólos dessa simbiose – é difícil falar em verdade; pois os seus produtos não são sentenças mas objetos concretos; e não tem sentido falar em verdade ou falsidade quando se trata de obras, instrumentos ou máquinas. Essas, em essência, não tem um ser próprio; como tais elas simplesmente “servem- 13 Apontamentos sobre o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social para”; tem um valor como utilidade. Com referência à ciência, pelo contrário, tem sentido falar em verdade ou falsidade de suas sentenças. Como foi dito, seu critério de verdade, no fundo, enquadra-se na definição clássica de “adequação entre a mente e a coisa”. A dificuldade está em como estabelecer a adequação entre algo mental e algo material. Já foi dito que a ciência moderna resolveu a dificuldade, procurando a adequação entre a teoria e o experimento inteligido; isto é, organizado de acordo com a teoria (VARGAS, 1994, p. 183). Filosofia da Tecnologia e princípios da tecnologia Em Arthur (2009), a preocupação com a natureza da tecnologia se dá em função da busca por estipular princípios da tecnologia, de modo que as possibilidades conceituais do Objeto fossem tratadas pelo domínio que, evidentemente, precisa fornecer as articulações conceituais que lhes são próprias. Ao estipular três abordagens para o termo, o autor reflete sobre questões que dizem respeito às perspectivas filosóficas indicadas por Mitcham (1994), referindo-se diretamente à relação com propósitos humanos (patente em Feenberg, 2003 e 2009); ao conjunto de práticas e componentes (o debate técnica e tecnologia, bem como sobre o artefato de Bunge); e a aparatos da engenharia pertencentes a uma determinada cultura (na atenção histórica da Filosofia da Tecnologia e da Técnica em geral, mas especialmente em Vargas, 1994). Como resultado, tem-se o desdobramento das abordagens em “tecnologia singular”, “tecnologia plural” e “tecnologia geral”, sendo que: Tecnologia singular – máquina a vapor – origina-se como um novo conceito e desenvolve-se por modificar suas partes internas. Tecnologia plural – eletrônicos – surge construindo ao seu redor certos fenômenos e componentes 14 Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva e se desenvolve alterando suas partes e práticas. E tecnologia-geral, todo o conjunto de todas as tecnologias que já existiram no passado e presente, origina-se do uso de fenômenos naturais e constrói-se organicamente com novos elementos formados pela combinação com os antigos (ARTHUR, 2009, p. 29, tradução nossa).5 As apropriações de tecnologias por outras são engendradas por três princípios da Tecnologia. Em primeiro lugar, a Fenomenalidade, direcionada à relação fenômeno-efeito6, isto é, a: [...] um grupo de fenômenos capturados e colocados em prática. A razão pela qual isso é central é que a base do conceito de tecnologia – o que faz a tecnologia simplesmente funcionar – é sempre o uso de algum efeito ou efeitos centrais. Em sua essência, uma tecnologia consiste em fenômenos programados para algum propósito. Eu uso aqui o termo “programado” deliberadamente para significar que os fenômenos que fazem uma tecnologia funcionar são organizados de um modo planejado; eles são orquestrados parao uso (ARTHUR, 2009, p. 51, tradução nossa).7 5 No original: “A technology-singular – the steam engine – originates as a new concept and develops by modifying its internal parts. A technology-plural – electronics – come into being by building around certain phenomena and components and develops by changing its parts and practices. And technology-general, the whole collection of all technologies that have ever existed past and present, originates from the use of natural phenomena and builds up organically with new elements forming by combination from olds one” (ARTHUR, 2009, p. 29). 6 Neste contexto específico, “fenômeno” refere-se às relações causais que resultam na satisfação do propósito estipulado na concepção da tecnologia, enquanto “efei- to” diz respeito ao funcionamento e eficiência (ou não) de dada tecnologia. 7 No original: “[...] a set of phenomena captured and put to use. The reason this is central is that the base concept of the technology – what makes a technology work at all – is always the use of some core effect or effects. In its essence, a technology consists of certain phenomena programmed for some purpose. I use the word “programmed” here deliberately to signify that the phenomena that make a technology work are organized in a planned way; they are orchestrated for use” 15 Apontamentos sobre o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social Ficam em relevo duas convergências de Arthur (2009) com a Filosofia da Tecnologia: (1) uma relação aproximada com o artificial/ artefato proposto por Bunge, visto que este se utiliza do natural e, portanto, depende das satisfações de suas leis (físicas, químicas, e assim por diante); (2) a indicação de duas esferas de controle (o técnico e o humano/social), em que o técnico não suprime o humano/social. O princípio de Combinação refere-se à organização8 de um método ou ideia de funcionamento que constitui um artefato. Além disso, o método ou ideia de funcionamento é materializado (acontece) com alicerce de componentes que executam tarefas subsidiárias: [...] um princípio base é usado – o conceito central ou a lógica por trás do programa. Isso é implementado por um conjunto principal contituído por blocos instrucionais ou funções – apropriadamente chamado de “Main” em algumas linguagens de computador. Estas chamadas em outras subfunções ou subrotinas apoiam o seu funcionamento. Um programa que cria uma janela gráfica em uma tela de computador chama subfunções para criar a janela, definir seu tamanho, sua posição, mostrar o seu título, buscar o seu conteúdo, trazê-lo para a frente de outras janelas e excluí-lo quando terminado (ARTHUR, 2009, p. 34, tradução nossa)9. Depreende-se daí que os componentes que formam uma determinada tecnologia constituem uma arquitetura, normalmente (ARTHUR, 2009, p. 51). 8 Disposição dos componentes que constituem determinada tecnologia e, portanto, das condições técnicas e tecnológicas que são apropriadas. 9 No original: “[...] a base principle is used - the central concept or logic behind the program. This is implemented by a main set of instructional building blocks or functions - appropriately enough called “Main” in some computer languages. These call on other subfunctions or subroutines to support their workings. A program that sets up a graphic window on a computer display calls on subfunctions to create the window, set its size, set its position, display its title, fetch its content, bring it to the front of other windows, and delete it when it is done with” (ARTHUR, 2009, p. 34). 16 Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva modular10 (ARTHUR, 2009) e, portanto, sujeita ao princípio da Recursividade, implicando a afirmação de que: Cada conjunto ou subconjunto ou parte tem uma tarefa a ser executada. Se não fosse isso, não estaria lá. Portanto, cada um é um meio para um propósito. Cada um, a partir da minha definição anterior, é uma tecnologia. Isto significa que os conjuntos, subconjuntos e peças individuais são todos executáveis – são todos tecnologias. Por conseguinte, uma tecnologia consiste em blocos de construção que são tecnologias, que consistem em mais blocos de construção que são tecnologias, que consistem em outros blocos que são tecnologias, com o padrão se repetindo em todo o caminho até o nível fundamental de sua composição. Tecnologias, em outras palavras, têm uma estrutura recursiva. Elas consistem em tecnologias dentro de tecnologias por todo o caminho até as partes elementares (ARTHUR, 2009, p. 38, radução nossa).11 A Fenomenalidade é o princípio mais básico,12 enquanto Combinação e Recursividade se fundem mais facilmente (ao menos no que tange à evidência empírica sem as condições reflexivas aqui colocadas), visto que as estruturas tecnológicas possuem uma delimitação ou hierarquia endógena da arquitetura relacionada tanto 10 O autor explica que apenas tecnologias de extrema simplicidade podem ser estruturadas por componentes individuais. 11 No original: “Each assembly or subassembly or part has a task to perform. If it did not would not be there. Each therefore is a means to a purpose. Each therefore, by my earlier definition, is a technology. This means that the assemblies, subas- semblies, and individual parts are all executables - are all technologies. It follows that a technology consists of building blocks that are technologies, which consist of yet further building blocks that are technologies, with the pattern repeating all the way down to the fundamental level of elemental components. Technologies, in other words, have a recursive structure. They consist of technologies within technologies all the way down to the elemental parts” (ARTHUR, 2009, p. 38) 12 Porque “para se realizar na realidade física, um princípio precisa ser expresso na forma de componentes físicos” (ARTHUR, 2009, p. 33, tradução nossa). 17 Apontamentos sobre o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social à questão da eficiência quanto da materialização dos princípios e objetivos de determinada tecnologia. Considerando convergências e complementações entre Arthur (2009) e a Filosofia da Tecnologia (BUNGE, 1980 e 1985; FEENBERG, 2003 e 2009; VARGAS, 1994), depreende-se que a Tecnologia é mais facilmente percebida como objeto, isto é, resultado de um processo que se apropria, a partir de específico momento histórico, de técnica e de investigação científica, formando um conhecimento particular (BUNGE, 1980). Do ponto de vista conceitual, o processo subjacente não pode ser suprimido. Assim, a Tecnologia, que sempre terá uma instância material (oriunda da necessária relação fenômeno-efeito), carrega um determinado valor enquadrado nas exigências da eficiência e do controle técnico, mas que não é por eles encerrado. Soma-se ao controle humano (FEENBERG, 2003 e 2009). Isso quer dizer que, se o controle humano e seu consequente valor contido em Tecnologia encerrarem-se no controle técnico, ainda assim, serão socialmente específicos, e não tecnicamente específicos.13 Então se explica porque, mesmo com otimismo, Bunge se dedica em parte do Tratado de Filosofia ao debate contextualizado pela ética, e Feenberg (2009) sugere a reavaliação de estabelecimentos sociais. Essa condição da Tecnologia independe do grau de simplicidade da tecnologia singular, plural ou geral colocada em relevo. Porém, cabe ressaltar que o controle técnico impõe delimitações às tecnologias das quais faz parte: não é possível extrair de uma determinada tecnologia qualquer resultado ou utilizá-la indistintamente. A materialização de um diferente valor socialmente específico, dependendo do distanciamento que toma de seu predecessor, implicará a concepção de uma nova tecnologia. 13 Porque seria uma redução conceitual injustificadaequivaler atitude humana à atitude técnica, ainda que se conceba entre ambas entrelaçamento. O pano de fundo particular neste texto coincide com o de Vargas (1994), fundamentalmente Cassirer (1994). 18 Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva O que é central a partir daí é a condição, própria da Tecnologia, de suportar alterações superficiais ou profundas, de se apropriar de outras com base nos princípios de Combinação e Recursividade (ARTHUR, 2009). Filosofia da informação A opção por Floridi no que tange à Informação se dá porque, apesar de existir condição de diálogo com o referencial de Filosofia da Tecnologia utilizado, bem como com Arthur (2009), a observação de sua proposta força o desvelamento de questões pertinentes à preocupação geral sobre a Tecnologia, sem recair em dualidades comuns. Tal como pontua Gonzalez (2013), Floridi busca “[...] elucidar problemas da Filosofia da informação, e não sobre a Filosofia da Informação, e uma das condições será evitar a mera translação a uma linguagem filosófica de problemas que sejam de outra ordem [...]” (GONZALEZ, 2013, p. 4). Em Information: a very short introduction, Floridi (2010) realiza um mapeamento conceitual da Informação com o objetivo de estabelecer bases para o enquadramento de problemáticas para as investigações. Já a partir da organização dos tópicos da obra e da leitura de sua introdução é possível verificar que, apesar do privilégio do aporte tecnológico, o autor não considera essa perspectiva suficiente. Isto significa dizer que, se a Informação não equivale ao conhecimento, pelo menos viabiliza um em particular que, para além do universo computacional, atinge, inclusive, o biológico. Não sendo a única colocação e entendimento possível, o autor (2010) entende que a essência da Informação é constituída pelas relações que evidenciam os dados, imbrincadas com as possibilidades de significação atribuída aos mesmos. Dessa forma, aponta que a Informação é constituída por dados articulados a partir da sintaxe de um determinado sistema, considerando-se que “[...] Sintaxe aqui deve 19 Apontamentos sobre o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social ser entendida em sentido lato, e não apenas linguisticamente, como o que determina forma, construção, composição ou estrutura de algo [...]” (FLORIDI, 2010, p. 22, tradução nossa).14 A propósito do dado, o autor (2010) se preocupa em esclarecer uma classificação para as relações que o torna passível de identificação. O que os tipos de dados guardam em comum é o fato de o reconhecimento se dar frente um segundo dado. Os chamados de primários correspondem ao estado “puro”, isto é, não estão estruturados. Para Floridi (2010), um dado primário pode ser percebido em relação a outro do mesmo tipo ou não, ainda que não subsidie qualquer sentido. Já o dado secundário é oriundo de uma falta de informação que conduz à dedução de uma informação indireta como, por exemplo, quando o silêncio de um dos indivíduos em contato numa ligação telefônica pode levar à noção de que o outro não pode ouvir (dado derivado). Metadados informam sobre a natureza e dinâmica de outros (como no caso da indicação de atualização de um dado em que 18 é a classe idade do objeto paciente), enquanto os operacionais referem-se à dinâmica dos dados de um determinado sistema. E, finalmente, os dados derivados são os extraídos a partir de outros como, por exemplo – e para manter a elucidação do autor (2010) –, inferir a localização de um indivíduo em certo horário em função do registro de uso de cartão de crédito em um posto de gasolina. Se, por um lado, sugere-se que os Dados se relacionam com índices da realidade, a Sintaxe que constitui a Informação envolve pensar o conteúdo semântico e, em alguma instância, implica uma convenção simbólica. Assim, a Informação com conteúdo semântico é resultado da adequação dos dados à Sintaxe e, pelo menos, na condição de potencialmente interpretáveis, constituindo uma Informação instrutiva 14 No original: “[…] Syntax here must be understood broadly, not just linguistically, as what determines the form, construction, composition, or structuring of something […]” (FLORIDI, 2010, p. 22). 20 Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva ou factual.15 Visto que a informação instrutiva não se refere a um fato/ fenômeno diretamente (limitando-se a propulsionar sua verificação), diferente da factual, não está submetida às classificações Verdadeiro ou Falso. É neste ponto que está calcada a crítica de Floridi (2010) à Teoria matemática da comunicação proposta por Shannon e Weaver, que exclui a informação factual e, nesse raciocínio de instrução, preocupa- se em evitar o descumprimento da instrução fornecida/emitida. Em se tratando de um tipo de informação específica, o autor (2010) prefere a denominação Teoria matemática da comunicação de dados, entendendo que se limita aos fenômenos que envolvem a codificação e a transmissão dos mesmos, do ponto de vista da eficiência. Consequentemente, o valor da informação é estritamente quantitativo e a sua mensuração é propulsionada pelo parâmetro de redução de incerteza: se para diferentes demandas (déficit de dados/incerteza) a resposta é sempre a mesma ou não ocorre, o resultado não deveria ser classificado como informativo. Nesse contexto, Informação não está calcada naquilo que é informado (conteúdo, natureza e correlatos), mas nas condições de informar. Por isso, a ênfase está nos símbolos e sinais que são portadores da Informação, e não na Informação em si. Dito de outra forma, diz respeito ao dado sem sentido atribuído porque contextualizado apenas pelo valor quantitativo, não sendo ainda significativo. É um dado submetido somente às regras de um determinado sistema. Novamente mantendo a elucidação de Floridi (2010), nesse contexto a resposta “sim” para duas perguntas diferentes (“Você está aí?” e “Você quer se casar comigo?”) possuem o mesmo valor. Nessa linha, volta-se para redundância e ruído, sendo este último indesejável: 15 A exceção seria a informação ambiental, cuja verificação ou atribuição como verdadeira ou falsa se dá a partir de dado derivado que, mesmo assim, não a abrange como um todo. 21 Apontamentos sobre o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social Na vida real, uma boa codificação é modestamente redundante. Redundância refere-se à diferença entre a representação física de uma mensagem e a representação matemática da mesma mensagem, que não usa mais bits do que o necessário [...] mas redundância não é sempre negativa/ruim [...] A mensagem somada a ruído contém mais dados do que a mensagem original por si só, mas o objetivo do processo de comunicação é a fidelidade, a transferência exata da mensagem original do remetente ao destinatário, não aumento de dados. Estamos mais propensos a reconstruir corretamente uma mensagem no final de uma transmissão se algum grau de redundância contrabalança o inevitável ruído e equívocos introduzidos pelo processo físico de comunicação e pelo ambiente [...] (FLORIDI, 2010, p. 40, tradução nossa).16 A consequência da crítica da redução da Informação à informação instrutiva é o questionamento do autor (2010) sobre a suficiência da compreensão do princípio “não há informação sem dados” como envolvendo a realização material de dado: [...] Vários filósofos aceitaram o princípio enquanto defendiam a possibilidade de que o universo pode vir a ser não-material ou baseado em uma fonte não-material. Na verdade, o debate clássico sobre a natureza última da realidade poderia ser reconstruído em termos das possíveis interpretações desse princípio (FLORIDI, 2010, p. 61-62, tradução nossa).17 16 No original: In real life, agood codification is modestly redundant. Redundancy refers to the difference between the physical representation of a message and the mathematical representation of the same message that uses no more bits than necessary […] but redundancy is not always a bad thing […] A message + noise contains more data than the original message by itself, but the aim of a communication process is fidelity, the accurate transfer of the original message from sender to receiver, not data increase. We are more likely to reconstruct a message correctly at the end of the transmission if some degree of redundancy counterbalances the inevitable noise and equivocation introduced by the physical process of communication and the environment […]” (FLORIDI, 2010, p. 40). 22 Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva Entre dados/informação, tecnologia e comunicação Apesar de se discordar da colocação de Floridi (2010) de que a informação pode não possuir materialidade, concorda-se com a insuficiência da informação instrutiva como base explicativa para qualquer informação. Isso se dá porque a divergência com a proposta do autor tem origem em duas questões interdependentes: (1) as consequências do alargamento de suas colocações para o exercício científico podem chegar ao questionamento da base contemporânea das Ciências, que no caso deste texto é axiomática; (2) o argumento do autor só é possível se considerarmos que a Informação não apenas é mais larga do que o tecnológico, mas absolutamente neutra do ponto de vista ontológico, o que não interessa aos domínios científicos em função da questão (1). Nesse ponto, não há prejuízo à noção de que a informação instrutiva é insuficiente porque ela o é, mesmo para Floridi (2010), já na instância particular do tecnológico e no seu conceito: afirmar que o dado independe do que é informado é plausível frente à preponderância da contraposição de um dado a outro para que o primeiro seja desvelado e não de um sentido semântico e, em alguma medida, convencional, que só existe a partir da informação. O dado, assim como a informação ambiental, não depende da convenção para existir. O recorte tecnológico que é utilizado por Floridi (2010) exclui a preocupação com processos comunicacionais, ainda que ele mencione superficialmente a confusão entre informação e comunicação. Assim, quando critica a Teoria matemática da comunicação, fornece espaço para 17 No original: “[...] Several philosophers have accepted the principle while defending the possibility that the universe might ultimately be non-material, or based on a non- material source. Indeed, the classic debate on the ultimate nature of reality could be reconstructed in terms of the possible interpretations of that principle”. (FLORIDI, 2010, p. 61-62). 23 Apontamentos sobre o imprescindível debate da tecnologia para a comunicação social que se compreenda como fenômeno de comunicação a transmissão de dados. Não parece razoável que o Objeto da Comunicação seja encerrado por tal perspectiva, ainda que seja notória a transmissão de dados como aspecto técnico de processos comunicacionais sustentados por suportes tecnológicos. Por outro lado, não se depreende disso a defesa de que o processo comunicacional (em qualquer condição) e o Objeto da Comunicação podem ser idênticos. A evidente interface com o tecnológico parece justificar a supressão de questionamentos básicos acerca do próprio Meio de Comunicação, já que aparentemente tecnologia e técnica são equivalentes. Na elaboração aqui realizada, essa identificação de equivalências se deve à inobservância epistemológica em relação ao Objeto (articulação observável e inobservável). Quando se percebe que nem mesmo a Tecnologia é subsumida pela técnica ou pelo seu tipo de controle e eficiência, a retomada do Meio de Comunicação torna-se mais plausível na medida em que conduz aos questionamentos sobre os mecanismos (e não apenas ao emissor e aos possíveis efeitos) pelos quais o processo comunicacional se realiza. Estes mecanismos implicam também aspectos simbólicos, culturais e sociais que não são abarcados pela problematização da tecnologia, inclusive porque está na alçada da Comunicação Social. Mas, em contrapartida, a consideração da tecnologia propulsiona a delimitação clara desses aspectos na superfície do Objeto de pesquisa, além de viabilizar o mínimo de dissensão necessária para a investigação produtiva. Referências ARTHUR, W. B. The nature of technology: what it is and how it evolves. New York: Free Press, 2009. 24 Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva BUNGE, Mario. Epistemologia. São Paulo: T. A. Queiróz/ EDUSP, 1980 ______. 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F. da Fonseca1 As duas últimas décadas têm sido marcadas pela disseminação das Tecnologias de Informação e Comunicação – TIC’s, sobretudo os dispositivos móveis. Segundo Straubhaar e LaRose (2004), a tecnologia é um agente de transformação e gera implicações na sociedade. Várias áreas foram afetadas pela popularização e uso desses aparatos, como, por exemplo, a Educação. De acordo com Dertouzos (1997), a Educação é afetada pelo mercado da informação. A combinação tecnologias de comunicação e ensino-aprendizagem é um assunto que vem sendo bastante debatido, especialmente com a profusão de dispositivos comunicacionais cada vez mais atraentes, interessantes e multifuncionais. Assim, a apropriação para fins de ensino-aprendizagem é um ponto que tem despertado a atenção dessa área. A necessidade de “modernizar” o ensino-aprendizagem é apontada como consequência da disseminação e uso das TICs pelos alunos, fator que, de acordo com o discurso atual, interfere na tarefa de ensinar e aprender. A apropriação das TICs tem sido colocada como caminho para a atualizaçãode metodologias e práticas de ensino-aprendizagem. Ainda, o uso de novas tecnologias pode ser uma alternativa para suprir defasagens na aprendizagem. Não é de hoje que a escola e as formas de ensino são questionadas (FREIRE; GUIMARÃES, 2011). Paulo Freire e Sérgio Guimarães 1 Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), bolsista CAPES, membro do Grupo de Pesquisa TECCCOG – Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva. E-mail: ana_gcos@hotmail.com, http://lattes.cnpq.br/1689227823117809. 27 (2011) também destacam que a presença dos meios de comunicação no dia-a-dia de alunos e professores não é uma novidade, seja como ferramenta pedagógica ou na interferência das informações advindas desses aparatos. Para os autores, a união de tecnologias de comunicação e educação apresenta potencialidades que podem ser aproveitadas para o ensino-aprendizagem. Embora apontem que a relação escola e meios de comunicação é antiga, vale ressaltar a existência de uma nova dinâmica nessa relação no universo das tecnologias digitais. As características dos dispositivos digitais são fluxo de informação mais intenso e bidirecional, além da variedade de formatos, diferentemente dos meios de comunicação de massa, contexto sobre o qual os autores dissertam o assunto. As diferenças entre os meios de massa e as TICs pode ser explicada pelo que André Lemos (2007) denomina de função massiva e pós-massiva. A função massiva é caracterizada pelo fluxo centralizado de informação, no qual há o controle do pólo da emissão. Na função pós-massiva, há uma descentralização e liberação do pólo emissor, de modo que o fluxo comunicacional torna-se bidirecional (de todos para todos). Diante da forte presença das TICs no cotidiano e do cenário atual, que permite o contato com diversos conteúdos em diferentes formatos e acessíveis em diferentes dispositivos, educadores e sociedade em geral acreditam que a escola e o processo de ensino- aprendizagem precisam ser repensados. Sendo assim, a adoção das TICs como ferramenta pedagógica é colocada como alternativa para atender essa demanda e, ao mesmo tempo, suprir problemas no ensino-aprendizagem. Neste universo de possibilidades, surge o Mobile Learning – aprendizagem móvel, conceito que representa a aprendizagem entregue ou suportada por meio de dispositivos de mão tais como PDAs (Personal Digital Assistant), smartphones, iPods, tablets e outros pequenos dispositivos digitais que carregam ou manipulam informações (MÜLBERT; PEREIRA, 2011). Convergentes, 28 Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva portáteis e multimídias, esses aparatos têm possibilitado um conjunto de alternativas que podem ser exploradas também para a aprendizagem. Entre as justificativas para incentivar o Mobile Learning está à popularização dos dispositivos móveis – celulares e smartphones –, a extensão do tempo e espaço de ensino e a personalização da aprendizagem. No entanto, mesmo sendo um fenômeno recente, algumas preocupações e questões que envolvem o uso de novas tecnologias para aprendizagem, como o Mobile Learning, são semelhantes às do contexto relacionado às mídias de massa, como a figura e postura do professor e a tarefa de ensinar e aprender num universo permeado por meios de comunicação. Segundo Paulo Freire e Sérgio Guimarães (2011), na década de 70, as crianças já traziam fatos e ideias que não tinham sido levados pela escola, e sim pelos meios de comunicação. De acordo com os autores, isso seria um reflexo de uma vivência num mundo em que os meios de comunicação já estavam muito ativos. Sobre o conflito professor e meios de comunicação: “Claro! inclusive no sentido de o professor se atualizar. O uso dos meios, de um lado, desafia, mas, de outro, possibilita uma amplitude da criatividade dele e do educando” (2011, p.71). Nesse sentido, podemos de antemão pressupor que algumas inquietações escola/professor com relação aos meios de comunicação parecem ter origem bem antes da chegada e ascensão das tecnologias digitais, embora com nuances diferenciadas, pois é preciso levar em consideração características como a convergência desses aparatos, o cerne parece o mesmo. Parte-se do pressuposto, portanto, de que as preocupações que afligem a apropriação e relação TICs e ensino-aprendizagem se assemelham em grande parte às mesmas já delineadas no período da mídia de massa. Podemos, a priori, definir que, em alguns momentos, trata-se de novos meios e velhas questões. Sendo assim, temos aqui a oportunidade para que possamos tentar e/ou ensaiar certas 29 Mobile Learning: Novos meios, velhas questões aproximações em relação à apropriação e uso das novas tecnologias, neste caso o Mobile Learning, com as demais mídias consideradas massivas. Dessa maneira, este artigo busca fazer uma reflexão sobre esse aspecto por meio de alguns exemplos de práticas de Mobile Learning. Mobile Learning - “Aprendizagem Móvel” O Mobile Learning ou M-learning pode ser definido como uma modalidade de ensino que permite ao aluno acessar materiais, assistir aulas síncronas e assíncronas, interagir de qualquer lugar e a qualquer tempo (TAROUCO et al., 2004). De acordo com Mülbert e Pereira (2011), o termo aparece pela primeira vez em uma publicação científica de 2001 que destaca a tendência e o potencial dessa metodologia para a aprendizagem, ressaltando as vantagens de se estudar em qualquer lugar e tempo. Em 2013, a UNESCO produziu o guia Policy Guidelines for Mobile Learning com dez recomendações em que tenta ajudar governos a implantar tecnologias móveis nas salas de aula. O guia foi apresentado em Paris durante a Mobile Learning Week. Constam nele, além das recomendações, treze motivos para o uso de dispositivos comunicacionais móveis pela educação. A UNESCO tem sido grande incentivadora do uso de dispositivos móveis pela educação, com ênfase no telefone celular.2 Em 2011, realizou a “Semana do Aprendizado pelo Celular” com o objetivo de discutir o impacto dessa tecnologia na educação e no aprendizado, bem como o modo como telefones celulares podem apoiar professores e alunos. De acordo com o Policy Guidelines for Mobile Learning (2013), os pilares do Mobile Learning são levar informação onde ela é escassa, 2 Disponível em: http://www.onu.org.br/unesco-lanca-iniciativa-de-telefones- celulares-a-servico-da-educacao. Acesso em: 15 out. 2013. 30 Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva personalizar e flexibilizar a aprendizagem, proporcionar feedback imediato e ampliar a produtividade aproveitando a aprendizagem em qualquer tempo e espaço. O guia enfatiza a necessidade de incorporar dispositivos comunicacionais móveis aos processos de ensino- aprendizagem devido à popularização desses aparatos, especialmente o telefone celular, mas também pela importância do aspecto portátil, que permite ao usuário transportá-los com facilidade e, por isso, tê-los sempre a mão. No caso do telefone celular, que, como Castells (2008) lembra, é a tecnologia mais rapidamente adotada na história da humanidade, também é preciso destacar as diversas transformações que ampliaram a sua função inicial. As novas funcionalidades incorporadas representam recursos que podem ser usados para práticas de Mobile Learning. Sobre a evolução tecnológica dos celulares: Os telefones celulares atuais possuem outras características além de fazer uma simples chamada telefônica. Os aparelhos celulares agora podem enviar mensagens de texto; realizar navegação na Internet; reproduzir música MP3; gravar memorandos; organizar informações pessoais, contatos e calendários; enviar e receber e-mails e mensagens instantâneas; gravar, enviar, receber e assistir a imagens e vídeos usando câmeras e filmadorasembutidas; executar diferentes toques, jogos e rádio; realizar push-to-talk (PTT); utilizar infravermelho e conectividade Bluetooth; realizar vídeo-chamadas e servir como um modem sem fio para um PC (SAFKO; BRAKE, 2010, p. 266). Atualmente, o mercado oferece mais que um telefone, e sim um dispositivo multimídia que executa diversas funções em diferentes formatos. Esses modelos são chamados de smartphones, ou “telefones inteligentes”. Os smartphones apresentam-se como uma tecnologia que reúne várias mídias num só aparelho (telefone, internet, console de jogos, recursos dos computadores pessoais, entre outras) (MERIJE, 31 Mobile Learning: Novos meios, velhas questões 2012). Dentre os dispositivos que podem suportar o Mobile Learning, o telefone celular é o mais popular. “Se o computador ainda é um objeto restrito, o celular está presente em boa parte das escolas, nas mochilas dos alunos de diferentes classes sociais” (MERIJE, 2012, p. 81). O aparelho é uma ferramenta disponível e pode prontamente ser incorporada como objeto de aprendizagem. Para o Policy Guidelines (2013), os celulares são populares em locais onde as demais tecnologias são escassas, como em alguns países africanos. Ainda representa uma aprendizagem interrupta, ampliada e teoricamente de baixo custo, se levar em conta que grande parte da população possui um telefone celular. Mesmo assim, apesar de comum no cotidiano, o governo brasileiro tem flertado com o uso de tablets3 e não de celulares. Em 2012, escolas públicas receberam tablets distribuídos a alunos e professores, processo que continuou em 20134. Em contrapartida, a pesquisa Perspectivas Tecnológicas para o Ensino Fundamental e Médio Brasileiro de 2012 a 2017, produzida pelo Horizon Project, analisando o contexto brasileiro, coloca o telefone celular num horizonte de um ano para que seja adotado massificamente pelas escolas. Tendo em vista a difusão, a condição portátil e a variedade de recursos, dispositivos móveis como telefones celulares, smartphones e tablets oferecem um conjunto de possibilidades para a aprendizagem. Permitem trocar informações, compartilhar ideias, experiências, resolver dúvidas, acessar uma gama de recursos e materiais didáticos, incluindo texto, imagens, áudio, vídeo, notícias, conteúdos de blogs e jogos, tudo isso no exato momento em que é necessário, devido à portabilidade (FERREIRA et al., 2012). 3 Disponível em: http://info.abril.com.br/noticias/tecnologia-pessoal/mec-distribuira- tablets-para-escolas-em-2012-01092011-41.shl. Acesso em: 15 out. 2013. 4 Disponível em: http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/vida- urbana/2013/06/10/interna_vidaurbana,443944/estudantes-da-rede-municipal-vao- ganhar-16-mil-tablets.shtml. Acesso em: 15 out. 2013. 32 Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva A execução de ações como as descritas acima só é possível devido à associação dos recursos dos aparelhos celulares e das redes de telefonia móvel com os da internet, o que potencializou as possibilidades de acesso e compartilhamento de conteúdo (MERIJE, 2012). Aspecto ressaltado também por Rachid e Ishitani (2012), modernas tecnologias e padrões de telecomunicação para a computação móvel tornam cada dia mais viável o m-learning. Por outro lado, ainda existe uma disparidade em relação ao acesso à internet de banda larga, especialmente fora dos centros urbanos. Enquanto grande parte da população do Brasil possui um smartphone, a infraestrutura para suportar a navegação é insuficiente (PERSPECTIVAS TECNOLÓGICAS... 2012). Para Rachid e Ishitani (2012), as características da aprendizagem móvel é que ela utiliza dispositivos móveis que são: usados em qualquer lugar; considerados de uso pessoal; mais baratos que computadores pessoais e mais fáceis de usar; utilizados em diversas configurações. Esses fatores, aliados à convergência e multifuncionalidade dos dispositivos comunicacionais móveis, criam condições para o desenvolvimento de atividades de aprendizagem móvel. Com isso, instituições e educadores vêm se apropriam desses aparatos, utilizados com objetivos pedagógicos para apoiar o processo de ensino-aprendizagem (TAROUCO et al., 2004). Mobile Learning: Novos meios, velhas questões Descrevendo na íntegra as recomendações e motivos para adoção de dispositivos comunicacionais móveis propostas pelo guia Policy Guidelines for Mobile Learning (UNESCO, 2013), elas ficam dessa forma: criar ou atualizar políticas relacionadas com a aprendizagem móvel; treinar os professores para o uso de tecnologias móveis; prestar apoio e treinamento aos professores; criar conteúdo educacional próprio e adequado para ser usado em dispositivos móveis; garantir a igualdade 33 Mobile Learning: Novos meios, velhas questões de gênero para os alunos móveis; expandir e melhorar as opções de conectividade, garantindo equidade; desenvolver estratégias para proporcionar igualdade de acesso para todos; promover o uso seguro, responsável e saudável de tecnologias móveis; usar a tecnologia móvel para melhorar a comunicação e gestão da educação e aumentar a consciência da aprendizagem móvel através do apoio, controle e diálogo. Dos motivos para o uso de tecnologias móveis: expandir o alcance e a equidade em educação; personalizar a aprendizagem; provê avaliação e feedback imediatos; permite que se aprenda em qualquer hora e lugar; garantir o uso produtivo do tempo gasto em sala de aula; criar novas comunidades de alunos; dá suporte a aprendizagem in loco; melhora a aprendizagem contínua; união da aprendizagem formal e informal; minimizar a interrupção do ensino em áreas de conflito e desastres; auxiliar os alunos com deficiência; melhorar a comunicação e administração e maximizar a relação custo-eficiência. Entre as recomendações e motivos, podemos destacar: treinamento/preparação de professores; conteúdo educacional próprio e adequado para cada meio; promoção do uso seguro e responsável; permitir que se aprenda em qualquer hora e lugar; e união da aprendizagem formal e informal como pontos em comum com a apropriação de meios de comunicação para o ensino-aprendizagem, sejam eles novas tecnologias ou meios massivos. Paulo Freire e Sérgio Guimarães (2011) destacam a necessidade de preparar o professor para a realidade de ensinar em um ambiente cercado pelos meios de comunicação, mas também com um conteúdo que esteja de acordo e que justifique o uso da tecnologia para, assim, ser possível fazer a diferença no processo de ensino-aprendizagem: Acontece que as nossas escolas ficam tão preocupadas, tão comprometidas com o cumprimento tradicional dos programas já estabelecidos que elas procuram, apenas, quando utilizam esses recursos, esses instrumentos audiovisuais, utilizá-los como exclusivos auxiliares da 34 Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva execução de programas, e não no sentido de aproveitar esses instrumentos para desenvolver um novo campo de atuação e expressão (2011, p. 78-9). Os autores, que discutem o tema num contexto de mídias massivas, também apontam para a necessidade de preparar o aluno para dominar as linguagens da mídia. Ele precisa de suporte para que o processo de ensino-aprendizagem com tecnologias de comunicação seja proveitoso, a meta é ensinar o aluno a se servir dos meios. É preciso instruir sobre os meios para que estes possam ser bem utilizados, cabendo ao professor essa função. Outro ponto, é que a formação também pode se dar fora da instituição, e já se considerava isso com a televisão. Sobre o professor, a obrigação de atualização e compreensão desse universo dos meios de comunicação não é de hoje, conforme posto por Freire e Guimarães (2011), e parece ainda uma questão a ser superada. De acordo com a pesquisa do Horizon Project, apesar de existirmuita inovação ocorrendo dentro da indústria de tecnologia, as ferramentas ainda não estão completamente integradas às escolas porque os professores não estão preparados para implementá-las. Embora o professor já tivesse que lidar com a presença e influência dos meios de comunicação desde as mídias massivas, como o rádio e a televisão e atualmente o fluxo informacional ser diverso, maior e bidirecional, a postura proposta por Louis Porcher parece caber em ambos os contextos, pois é necessária uma triagem da informação, independente do ambiente: E as pessoas – os professores, os educadores – podem se dedicar a explicar como procurar a informação, como “recortar” a informação, uma vez que agora há uma tal diversidade, uma tal acumulação, vertiginosa, diária, de informação, que é preciso “recortá-las” (PORCHER apud FREIRE; GUIMARÃES, 2011, p. 177). 35 Mobile Learning: Novos meios, velhas questões “Escola com Celular” é um projeto realizado na cidade de São Vicente, no estado de São Paulo, que parte da constatação de que o telefone celular é muito mais do que um aparelho de comunicação. O celular é um recurso para trabalhar conteúdos curriculares, efetivar novas conexões e difundir a educação ambiental. A iniciativa trabalha pelo viés da sustentabilidade, com foco no descarte de resíduos e consumo. A proposta consiste, por meio de uma imersão em suas comunidades, em os alunos estudarem o tema “resíduos e consumo” e o princípio dos 3Rs (reduzir, reutilizar e reciclar). O resultado das observações é transformado em conteúdos públicos disponibilizados em uma rede social desenvolvida para o projeto e, além da construção de um mapa georreferenciável, sendo esse serviço disponibilizado a comunidade, indicando os pontos para coleta e reciclagem de resíduos. No projeto, o celular é instrumento de apoio para as atividades, sendo usado para a comunicação através de mensagens de texto – SMS com tarefas, “pílulas de informação” e feedbacks das atividades, além de registro das observações por meio de vídeos, fotos e texto. O objetivo é ultrapassar os muros da escola: utilizar os dados da realidade para estimular a aprendizagem de conteúdos e desenvolver habilidades e competências. O projeto piloto foi executado em 2011, envolvendo alunos do ensino fundamental de escolas municipais, e parte do currículo escolar foi organizado em projetos interdisciplinares que têm não só o ambiente escolar como contexto, mas também o ambiente doméstico e a cidade, visando à integração dos espaços. Olhando para esse projeto, encontramos respaldo no conceito “escola paralela”, resgatado por Freire e Guimarães (2011). O conceito aparece pela primeira vez numa série de artigos assinados pelo sociólogo Georges Friedmann publicados em janeiro de 1966. Em 1974, o sociólogo e professor francês Louis Porcher publicou a primeira edição de Escola Paralela: “A escola paralela é constituída pelo conjunto dos circuitos graças aos quais chegam aos alunos (bem 36 Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva como aos demais), de fora da escola, informações, conhecimentos, uma certa formação cultural, nos mais variados domínios” (PORCHER apud FREIRE; GUIMARÃES, 2011, p. 27). O conjunto de meios de comunicação de massa foi chamado de escola paralela, assim como também podemos chamar de “escola paralela” projetos de Mobile Learning como o Escola com Celular. No caso do Mobile Learning, podemos afirmar que a aprendizagem ganha mais “espaços” devido à portabilidade dos dispositivos. “As tecnologias móveis ampliam o tempo e o espaço de estudo ao quebrar as barreiras temporais e espaciais, visto que o aluno pode aceder ao material de estudo em diversos momentos e contextos” (MOURA; CARVALHO, 2009, p. 36). Desse modo, os dispositivos comunicacionais móveis permitem mais “escolas paralelas” em relação às mídias massivas e não móveis. O projeto “Minha Vida Mobile – MVMob” é desenvolvido desde 2005 e tem como foco as TICs, especialmente o telefone celular. O MVMob capacita estudantes e educadores para a produção de conteúdos audiovisuais com celulares – áudio, foto e vídeo. De acordo com o seu idealizador, Wagner Merije, as atividades do projeto geram exercícios de interpretação, síntese, categorização, criticidade, organização, relação grupal, autonomia, criatividade, num processo de articulação visual com os saberes da prática social dos educandos. A metodologia consiste na realização de oficinas de produção de vídeos, fotos, áudios e notícias com o celular, premiação e organização de mostras dos trabalhos, além da produção de tutoriais e materiais de subsídio pedagógico. Segundo Merije (2012), essa metodologia de aprendizagem se mostra mais prazerosa e envolvente para os estudantes, pois inclui um objeto que faz parte do seu cotidiano, o celular. Sobre o projeto MVMob, podemos relacioná-los: Incorporar às atividades escolares os conteúdos e vivências 37 Mobile Learning: Novos meios, velhas questões veiculados pelos meios de comunicação de massa equivale, a nível de motivação, a trabalhar com dados extraídos do próprio cotidiano dos alunos. Não é de surpreender, por isso, que se obtenham assim melhores resultados do que quando se introduzem conteúdos estranhos à sua realidade, mesmo que se trate de programas rigorosamente elaborados numa progressão lógico-linear (FREIRE; GUIMARÃES, 2011, p. 212). É possível atestar, no caso do projeto MVMob, que, mais que o dispositivo utilizado, é a identificação, a relação com o cotidiano dos alunos, que parece ser mais crucial para as atividades do que a tecnologia em si. A metodologia consiste em trabalhar temas propostos pelos alunos. Por fim, sobre como os meios podem ser benéficos e servir de apoio ao processo de ensino-aprendizagem, o projeto “PALMA – Programa de Alfabetização na Língua Materna” tem como objetivo desenvolver competências básicas de leitura e escrita por meio digital em jovens e adultos. A iniciativa vem sendo realizada em oito municípios do estado de São Paulo. Trata-se de um aplicativo para telefones inteligentes que consiste na combinação de sons, letras e imagens, propondo um aprendizado por associação de ideias. O aplicativo foi desenvolvido para complementar a educação formal de jovens e adultos que não sabem ler e escrever. Segundo uma professora que integra o projeto: O uso dos smartphones diminuiu os índices de evasão e o aumento da frequência em sala de aula. “Eles tentam faltar menos, se preocupam em não deixar de fazer a atividade. Tornaram-se mais responsáveis”, avalia a professora. Mas o principal diferencial em relação às aulas tradicionais, segundo ela, é que os alunos estudam por mais tempo (OJEDA, 2012, online). O projeto aproveita a portabilidade do celular para proporcionar um aprendizado a qualquer hora, em qualquer lugar. De acordo com 38 Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva Lemos, “a questão do tempo também é crucial nesta comunicação móvel já que cria temporalidades diferenciadas em relação a espaços diferenciados” (2009, p. 28). A respeito da discussão sobre tempo e espaço: Antônio Sabino de Sousa, colega de Nilma, quase chegou lá. Aos 62 anos, trabalha no departamento de reposição de uma loja de material de construção. Sai de casa às cinco da manhã. No ônibus que o leva para o serviço, liga seu smartphone, põe um fone de ouvido e faz os exercícios. Às quatro da tarde, quando volta para casa, repete o ritual. (OJEDA, 2012,). [...] Aprendi a ler muito mais com o celular do que com a lousa. Antes não conseguia reter o que era passado nas aulas. O telefone ajuda a memorizar, pois eu levo para casa. É como se um professor estivesse do nosso lado, falando que tem que fazer de novo (OJEDA, 2012,). Para Michael Dertouzos,“a imagem que emerge dessa discussão é a de um Mercado da Informação robusto, dedicado a aperfeiçoar a educação por expansão e acréscimo, e não pela substituição dos meios mais próximos de ensino e aprendizado” (1997, p. 241). Considerações Finais A apropriação de tecnologias de comunicação pela Educação não é um fenômeno recente. Os computadores, por exemplo, segundo Dertouzos (1997), são usados para aperfeiçoar o ensino desde a década de 1960. De acordo com Paulo Freire e Sérgio Guimarães, em obra seminal sobre Mídia e Educação, Educar com a Mídia, reeditada em 2011, os meios de comunicação como ferramenta pedagógica não são uma novidade. Rádio, televisão, videocassete, jornal, projetores, 39 Mobile Learning: Novos meios, velhas questões história em quadrinhos fizeram e ainda fazem parte dos recursos disponíveis tanto para professores quanto para alunos. Para os autores, os meios de comunicação podem tanto ser incorporados como recurso didático quanto contribuir na formação dos indivíduos, abastecendo-os de informação. Diante dos meios de comunicação disponíveis no ano de 1983 (data em que a obra foi escrita), Freire e Guimarães já alertavam para conflitos apregoados com frequência na atualidade: a necessidade de mudança na postura da escola e dos modelos educacionais e a influência e implicações dos aparatos comunicacionais na tarefa de ensinar e aprender. Sobre a influência de outros circuitos informativos no cotidiano da escola, como os meios de comunicação, por exemplo, Freire e Guimarães resgatam o conceito de “escola paralela”. Segundo este conceito, existem outros canais de comunicação e informação (além da escola) que os professores não controlam e que são frequentados massivamente pelos alunos, não podendo, qualquer que seja a opinião, negligenciar o problema pedagógico e sociológico que eles colocam. “Trata-se de saber se a escola e a escola paralela vão se ignorar, comportar-se como adversárias ou se aliar” (2011, p. 27). A atribuição do status de seminal a essa obra se deve ao fato de que os autores apontaram questões em um outro contexto comunicacional, que ainda não contava com a diversificação de dispositivos e computação ubíqua. Entretanto, os conflitos se mostram extremamente atuais e continuam permeando as discussões quando o assunto é a relação entre Educação e TICs. Para Freire e Guimarães (2011), a apropriação dos meios de comunicação para fins de ensino-aprendizagem é perfeitamente possível e benéfica – como no projeto PALMA –, sejam estes analógicos ou digitais. Porém, essa apropriação requer habilidades, planejamento e esforço para que possa de fato ser útil e representar um diferencial. O uso de aparatos de comunicação pode ser uma 40 Tecnologia, Comunicação e Ciência Cognitiva alternativa para renovação de metodologias, passando esta a ser uma tarefa também do professor, o que implica rever sua postura e métodos. É importante ressaltar que, segundo Freire e Guimarães (2011), essa percepção já existia, no entanto, é reconfigurada com a TICs, que têm como característica intensificar o fluxo comunicacional, pois são meios bidirecionais (de todos para todos), nos quais a informação pode ser acessada e compartilhada de múltiplos dispositivos. Uma questão que figura com a profusão de tecnologias e dispositivos comunicacionais é justamente a figura do professor. Para Muniz Sodré, “não há dúvida de que as tecnologias da comunicação e da informação impõem uma revisão do estatuto tradicional do professor” (2012, p. 202). No entanto, Freire e Guimarães (2011) afirmam que sempre foi necessário o professor se atualizar e os meios de comunicação sempre representaram um desafio no exercício de ensinar. Tendo em vista os argumentos apresentados, é possível afirmar que, em alguns momentos, as questões e preocupações que afligem a apropriação e a relação TICs e ensino-aprendizagem se assemelham em partes com as mesmas delineadas no período das mídias massivas. Referências CASTELLS, Manuel. 2008. Afterword. In: Handbook of Mobile Communication Studies, Cambridge: MIT Press. DERTOUZOS, Michael. 1997. O que será. São Paulo: Cia. das Letras. FERREIRA, Jorge Brantes; SILVA, Jorge Ferreira da; CAMPOS, Helga; CARVALHO, Maria Luíza A. de; SABINO, Angilberto; SACCOL, Amarolinda; SCHLEMMER, Eliane. 2012. A disseminação da aprendizagem com mobilidade (M-learning). DataGramaZero: Rio de Janeiro, v. 13, n. 4, ago. Disponível em: <http://www.dgz.org. br/ago12/Art_02.htm>. Acesso em: 9 set. 2012. 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