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Bielschowsky Mussi 2005 B

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O pensamento desenvolvimentista no Brasil: 
1930-1964 e anotações sobre 1964-2005*
						Ricardo Bielschowsky e Carlos Mussi** 
						Escritório da CEPAL no Brasil
						Brasília, Julho de 2005
Versão “mimeo”, em portugues, de “El pensamiento desarrollista en Brasil: 1930-1964 y anotaciones sobre 1964-2005”, in Brasil y Chile, una mirada hacia América Latina Santiago de Chile: RIL editores, 2006;
** Economistas do Escritório da CEPAL no Brasil. As idéias aqui expressas são de responsabilidade exclusiva dos autores.
�
O pensamento desenvolvimentista no Brasil: 1930-1964 e anotações sobre 1964-2005
						Ricardo Bielschowsky e Carlos Mussi� 
Introdução
Este artigo apresenta elementos para a elaboração de uma história intelectual brasileira no terreno do desenvolvimento econômico nos últimos 75 anos. O pensamento sobre desenvolvimento econômico é entendido aqui como aquele que se ocupa dos processos de transformação econômica resultantes de investimento e progresso técnico, que provocam redução da pobreza e, às vezes, melhoria da distribuição de renda. Nosso tema central é a evolução do pensamento desenvolvimentista, entendido como aquele devotado a projetos de transformação que requerem ação estatal.
Contém uma síntese da evolução das idéias desenvolvimentistas entre 1930 e 1964, período para o qual dispomos de uma pesquisa em profundidade. A partir daí, trata-se de um ensaio exploratório, que limita-se a refletir uma seleção preliminar de livros e artigos que nos pareceram corresponder a momentos de maior relevância na trajetória das idéias sobre o desenvolvimento econômico no Brasil, e que possivelmente padece de omissão de textos importantes e de supressão de ênfases em temas relevantes �. 
Como se sabe, uma periodização adequada é um instrumento indispensável a qualquer trabalho de história, e o terreno das idéias econômicas brasileiras não é exceção. A identificação de uma periodização para narrar a evolução do pensamento econômico brasileiro é facilitada pelo fato de que o mesmo foi fortemente condicionado pela história real, econômica e política, pois, como é óbvio, o pensamento econômico brasileiro tem sido forjado ao sabor de um debate historicamente determinado quase que em seus mínimos detalhes. 
A periodização que aqui utilizamos para descrever o movimento das idéias sobre desenvolvimento econômico no Brasil consiste em três grandes fases, por sua vez compostas de subperíodos. As duas primeiras fases pertencem ao que podemos denominar de “era desenvolvimentista”, que se estende aproximadamente de 1930 a 1980. Nesse cinqüenta anos, o pensamento desenvolvimentista descreveu dois ciclos, um que vai até 1964 – o “ciclo original” – e outro que vai daí até 1980 – o “ciclo desenvolvimentista no regime autoritário”. O meio século corresponde ao período de rápida industrialização e urbanização por via de forte crescimento do PIB (média anual de 6,5%), em que a continuidade da expansão foi marcante: entre 1932 e 1980 registram-se tão somente dois períodos semi-recessivos (1939 a 1942 e 1963 a 1966), e o investimento elevou-se sistematicamente, de um nível médio de cerca de 15% do PIB nos anos 1950 a cerca de 23% do PIB nos anos 1970. 
A terceira fase se inicia por volta de 1980 e se estende até hoje. Trata-se da “era da instabilidade macroeconômica inibidora”, de baixo crescimento (média de 2,7% ao ano), taxa anual média de investimento que se reduziu a cerca de 18 % do PIB nos anos 1980 e a cerca de 16% nos período 1990-2004 (a preços de 1980), e forte instabilidade macroeconômica, que obstaculizaram o pensamento sobre crescimento e desenvolvimento. O que predominou, nesse período, foi o debate sobre as “restrições ao crescimento” – inflação, endividamento externo, dívida pública, taxas de juros, etc. Discutiram-se e introduziram-se reformas neoliberais, e esboçaram-se alguns esforços de formulação de projetos de transformação, mas a sustentação de projetos tem se mostrado tão efêmera quanto a sustentação do próprio crescimento. 
A seção 2 sintetiza a evolução do pensamento desenvolvimentista até 1964, e as seções 3 e 4 apresentam anotações sobre o desenvolvimentismo nos períodos 1964-1980 e 1980-2005, respectivamente. Analisamos o significado histórico da continuidade e da ruptura nos eixos temáticos entre os períodos e subperíodos, e identificamos as principais correntes de pensamento econômico e seus momentos analíticos de maior inspiração. 
 
O primeiro ciclo ideológico do desenvolvimentismo(1930-64)�
O “desenvolvimentismo” foi a ideologia de transformação da sociedade brasileira cujo projeto econômico teve, na fase que vai até 1980, os seguintes postulados principais: i) A industrialização integral é o caminho para superar a pobreza e o subdesenvolvimento no Brasil; ii) Não há possibilidade de conquistar uma industrialização eficiente mediante o jogo espontâneo das forças do mercado, e por isso é necessário que o Estado planeje o processo; iii) O planejamento deve definir a expansão desejada dos setores econômicos e os instrumentos para promover essa expansão; iv) O Estado deve, ainda, orientar a expansão, captando e orientando recursos financeiros, provendo estímulos especiais, e realizando investimentos diretos naqueles setores nos quais a iniciativa privada é insuficiente.
	
	Com essa definição, é possível identificar cinco correntes de pensamento econômico no período 1930-64, a saber, três variantes do desenvolvimentismo (desenvolvimentismo do setor privado, desenvolvimentismo não “nacionalista” do setor público, e desenvolvimentismo “nacionalista” do setor público); a corrente neoliberal e a corrente socialista.
2.1. O movimento das idéias 
O processo de elaboração do projeto desenvolvimentista passou, no período, por quatro subperíodos, que descrevem um ciclo ideológico: nascimento (1930-1945), amadurecimento (1945-1955), auge (1956-1960) e crise (1961-1964).
No período 1930-1945 houve uma primeira e limitada tomada de consciência do projeto, por parte de uma pequena elite de empresários reunidos em entidades como a FIESP e a CNI e, sobretudo, por parte de um pequeno núcleo de técnicos governamentais, civis e militares, que formavam o quadro técnico das novas instituições criadas pelo Estado centralizador de Vargas, especialmente a partir de 1937. As questões de alcance nacional que esses técnicos enfrentavam em seus gabinetes levavam-nos a pensar nos problemas de longo prazo da economia e, com isso, na solução histórica da industrialização. 
Apareceram, mais ou menos simultaneamente, quatro elementos ideológicos fundamentais para o projeto desenvolvimentista, que ultrapassaram os limites de idéias industrialistas anteriores�, e se chocaram com a ideologia liberal da vocação agrária, previamente hegemônica: i) Despertou-se para a idéia de que era viável implantar um setor industrial integrado, capaz de produzir internamente os insumos e bens de capital para a produção de bens finais; ii) Despertou-se para a idéia de que era preciso instituir mecanismos de centralização dos recursos financeiros para tornar possível a acumulação industrial pretendida. Para isso contribuíram, por exemplo, as discussões sobre a viabilidade de grandes projetos, como o da pioneira Companhia Siderúrgica Nacional; iii) Despertou-se parte das elites empresariais e técnicas do país para a idéia de que o Estado deve planejar a economia, apoiar a iniciativa privada na indústria e realizar investimentos em setores estratégicos, e iv) Surgiram formulações nacionalistas com ênfase nas questões econômicas, algo que até então praticamente não se havia manifestado no país. 
	Entre 1945 e 1955 ocorreu a etapa de amadurecimento do desenvolvimentismo, em dois sentidos: o de avanço na difusão das idéias desenvolvimentistas na literatura econômica, e o de avanços no conteúdo analítico das proposições. É adequado descrever o amadurecimento em três etapas: a) resistência desenvolvimentista à ideologianeoliberal na transição do pós-guerra (1945-1947); b) avanços num contexto histórico favorável (1948-1952), e c) reafirmação desenvolvimentista frente a um ressurgimento neoliberal (1953-55).
	A transição democrática nos primeiros anos do pós-guerra trouxe consigo uma intensa mobilização política e institucional no país, com evidente influência sobre sua vida intelectual. O significado econômico da superação da guerra, a criação de partidos políticos, as eleições presidenciais e de membros da Assembléia Constituinte, a elaboração da Constituição, a organização de novas instituições na sociedade civil, foram aspectos que contribuíram para criar um clima de controvérsia sobre o futuro a médio e longo prazos que o país não havia conhecido até então. A onda de liberalismo político foi aproveitada por opositores de Vargas - e pelo novo governo do Presidente Dutra - como apoio ideológico para, sob pretexto de defender o liberalismo econômico, destruir o aparato de intervenção econômica estatal que Vargas havia criado durante o Estado Novo, que se considerava elemento de continuidade do poder político de Vargas. 
Foi um período “doutrinário por excelência”, em que a jovem ideologia desenvolvimentista, em busca de hegemonia para reorientar a “ordem econômica brasileira”, cresceu num confronto sem vencedores com o liberalismo econômico, alimentado por uma crença na “normalização” do comércio internacional. A intensificação do debate e a multiplicação dos canais de expressão intelectual nos meados dos anos quarenta permitem considerar este período como um ponto de inflexão no ciclo ideológico desenvolvimentista e, mais precisamente, como o início do amadurecimento do pensamento dessa corrente. 
	
O segundo movimento nesse amadurecimento dá-se no período 1948-52. O pensamento econômico diferenciou-se, por um lado, do triênio imediatamente anterior por não refletir, no essencial, as recomposições e acomodações da estrutura de poder características da transição do pós-guerra; e também por não refletir com a mesma intensidade as incertezas, esperanças e perplexidades vinculadas ao problema básico daquele triênio: o funcionamento da economia em tempos de paz. Por outro lado, diferenciou-se também do triênio imediatamente posterior pela relativa estabilidade econômica e política, que os anos 1953-1955 não teriam�.
	
O contexto histórico em muito contribuiu para o amadurecimento do desenvolvimentismo. Houve crise cambial em 1947, com reversão das expectativas de normalização dos mecanismos do comércio internacional e aceitação da inevitabilidade de intervenção governamental no comercio exterior brasileiro. E ampliou-se a preocupação com a questão do “reaparelhamento econômico”, que é como era chamada a questão da reposição de bens de capital; a preocupação se intensificou com o reconhecimento da impossibilidade de emprego das reservas externas acumuladas durante a guerra para importar bens de capital, pelas críticas aos Estados Unidos pelo abandono da América Latina com o Plano Marshall, pelas negociações com esse país sobre um tratamento especial em troca de um alinhamento político sem restrições, e por um crescente temor de uma terceira guerra mundial. O debate sobre reaparelhamento culminou, por um lado, com maciças importações em 1951 e 1952, e com a criação da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (planejadora de grandes investimentos) em 1951 e do BNDE em 1952; e, por outro lado, com a eleição de Eisenhower, que representou uma clara interrupção nas expectativas de se obter um apoio decisivo dos Estados Unidos para investimentos no país.
O período foi também marcado pela campanha nacionalista do petróleo. Por último, a ideologia desenvolvimentista originada nos anos 1930, fortaleceu-se, durante o governo de Dutra, com um intenso processo de crítica à passividade e ao liberalismo deste. Até certo ponto, o desenvolvimentismo consciente do governo de Vargas foi um resultado direto das frustrações que o governo de Dutra causou àqueles que defendiam uma política de industrialização para o país (Lessa, 1975).
	
Nesse clima propício, a literatura econômica gradativamente expressaria o relativo fortalecimento da visão desenvolvimentista. À sua direita, de forma bastante tímida, os liberais assistiam a uma evolução de fatos que contrariavam seus princípios; buscavam explicar que a tendência do sistema internacional seria a superação da “escassez de dólares” e a recuperação da “normalidade”, e concentravam sua atenção no problema da estabilidade monetária. À sua esquerda, os socialistas distanciavam-se da discussão nacional, como resultado da repressão que o Partido Comunista sofria�. 
Nesse período as idéias desenvolvimentistas difundiram-se muito na literatura econômica. Por exemplo, a Confederação Nacional da Indústria e a Fundação Getúlio Vargas publicariam os textos inaugurais da CEPAL, que contribuíram duplamente para a maturação do desenvolvimentismo. Primeiro, porque deram impulso à ideologia desenvolvimentista: um órgão com o selo das Nações Unidas não apenas afirmava que estava em curso no continente um vigoroso processo de industrialização, como também o considerava uma nova etapa na história da humanidade. Segundo, porque proporcionaram aos defensores do planejamento e do apoio estatal à industrialização toda uma nova argumentação, construída sobre bases analíticas muito superiores às que se haviam utilizado até esse momento. Voltaremos ao tema mais adiante.
A terceira e última etapa do amadurecimento da ideologia desenvolvimentista ocorreram no enfrentamento com um ressurgimento neoliberal, que ocorreu no contexto da instabilidade que marcou o triênio 1953-55. Tratava-se, como tende a reconhecer a historiografia brasileira, de uma crise essencialmente política, o que não significa inexistência de elementos perturbadores na conjuntura econômica. Uma crise cambial em 1953 e 1954 e, sobretudo, a tendência altista da taxa de inflação nesses mesmos anos reforçaram o clima geral de instabilidade política, e deram argumentos eficazes aos opositores de Vargas. 
	
O contexto era, pois, favorável a um contra-ataque liberal às idéias desenvolvimentistas, o que de fato se observou. Os desenvolvimentistas seguiram atentamente as incursões liberais, e reagiram com reafirmações de seus princípios fundamentais. Dessa interessante disputa no campo das idéias, talvez o mais importante foi que pôs em relevo que o país havia amadurecido muito a formulação e a aceitação da estratégia de industrialização. Diferentemente de épocas anteriores, o que se discutia não era a validade de uma política econômica de apoio à industrialização, mas a intensidade da intervenção estatal e o ritmo que se podia imprimir ao desenvolvimento urbano-industrial. Esse debate desdobrou-se em discussões sobre o grau de tolerância admissível perante os desequilíbrios monetários e cambiais gerados pelo processo em curso, e sobre a relação entre a intervenção do Estado, a superação dos desequilíbrios e a continuidade do desenvolvimento.
	
A palavra do líder do neoliberalismo, Eugenio Gudin, por exemplo, tinha força quando propunha reduzir a intervenção estatal ou conseguir a estabilização monetária, mas começava a ficar anacrônica quando insistia em suas críticas às possibilidades de industrialização. A ameaça que esse tipo de discurso significava para o projeto desenvolvimentista era cada dia menor. Ademais, as idéias opostas ao projeto recebiam pronta resposta, muitas vezes reforçada pelo instrumental analítico trazido pela CEPAL. Os anos 1953-1955 podem ser considerados uma fase avançada no processo de amadurecimento ideológico do projeto desenvolvimentista também pelo fato de que por essa época renovou-se e ampliou-se o quadro de instituições de produção intelectual, o que significou um avanço na tomada de consciência sobre a importância da luta política no campo intelectual�.
	
	O auge do ciclo ideológico desenvolvimentista inaugural ocorreu durante o governo de Kubitschek (1956-1960),que combinou uma relativa estabilidade política com um forte crescimento econômico e industrial, sob a clara definição de uma estratégia desenvolvimentista. Já em sua campanha presidencial, em 1955, Kubitschek anunciava que em seu mandato iria fazer “50 anos em cinco”. Nos primeiros dias de governo criou o Conselho Nacional de Desenvolvimento, que formulou e acompanhou a execução do que, ao lado do PND II, se considera a mais importante peça de planejamento da história do país, o Plano de Metas. Em 1956 já estava superada a situação de perplexidade e indefinição dos rumos econômicos que havia afetado o país nos anos anteriores, como resultado da crise política. A ideologia desenvolvimentista incorporava-se neste momento à retórica oficial do governo.
	
A literatura econômica expressa muito claramente a percepção dessas mudanças pelas elites intelectuais do país. O pensamento econômico desenvolvimentista que havia amadurecido nos dez anos anteriores, alcançava uma fase de auge. Em outras palavras:
O projeto de industrialização planejada difundia-se plenamente na literatura econômica e, ademais, impunha-se ao neoliberalismo. Este, ainda que tentasse reagir, estava debilitado pelas circunstâncias históricas, e na defensiva. O que gradualmente passaria à ofensiva seria o pensamento socialista que contribuiria, no período, para difundir alguns elementos, como os relativos ao nacionalismo e às questões distributivas, que teriam muita importância mais adiante, na crise provisória do desenvolvimentismo ocorrida no início dos anos 1960;
A reflexão econômica que nos anos anteriores havia sido muito influenciada pelo debate sobre a estabilização monetária e o equilíbrio no balanço de pagamentos, tornou-se fortemente subordinada à discussão sobre o problema do desenvolvimento econômico. O que dominava as discussões da época era, em resumo, a proposta de aprofundar a industrialização, planejando-a, ampliando a infra-estrutura de bens e serviços, garantindo as importações necessárias e evitando políticas antiinflacionárias recessivas.
Entre 1961 e o golpe militar de 1964 houve grande instabilidade política, inédita mobilização em prol de reformas sociais, grandes dificuldades monetárias, financeiras e cambiais e, a partir de 1962 (sobretudo em 1963), pronunciadas quedas nas taxas de expansão do produto e do emprego. Como reflexo dessa nova conjuntura, do maior grau de politização alcançado pela sociedade e, não menos importante, do fato de que a industrialização e sua ideologia já estavam razoavelmente consolidadas - e haviam deixado de ter atrativo vanguardista - o pensamento desenvolvimentista passou por uma crise. 
Por alguns anos, o otimismo anterior cederia espaço a forte ceticismo, e o projeto de industrialização passaria a ser questionado em base a avaliações sobre as dificuldades de sustentar o crescimento brasileiro, e em dúvidas do alcance social de seus benefícios – de um modo geral acompanhadas pela idéia da necessidade de “reformas de base” para permitir a superação da crise. Os problemas de inflação, balanço de pagamentos e financiamento do crescimento ganhariam amplo espaço no debate, assim como a da definição dos benefícios sociais do processo de crescimento, na qual se incluíam as questões distributivas, e em especial a reforma agrária. Iniciava-se uma ampla avaliação da experiência anterior e das possibilidades de desenvolvimento futuro da economia. Esta se processava mediante uma interessante combinação entre a ênfase nos problemas de curto prazo, típica da crise conjuntural, com a ênfase no problema mais geral de introdução de mudanças básicas no padrão de crescimento, típica da crise estrutural. Esta última viu-se reforçada por um elemento ideológico que voltou a estar presente no cenário brasileiro: o nacionalismo, que, ao estimular o debate sobre a afirmação econômica e política da nação, contribuiu para incentivar a discussão sobre as mudanças de rumo da economia brasileira.
Ganhava espaço no cenário ideológico o ensaio de um novo projeto, estimulado pelas campanhas “reformistas” e subordinado à noção de que, dentro das estruturas institucionais existentes, a continuidade do desenvolvimento seria problemática. Pensava-se que faltava uma equação financeira que permitisse um crescimento sem profundos desequilíbrios fiscais e monetários, o que exigia uma reforma fiscal e financeira, e havia um razoável consenso de que o Estado brasileiro não estava suficientemente preparado para enfrentar as exigências que o país impunha, o que exigia reformas nos âmbitos administrativo, fiscal-tributário e financeiro. Para alguns, teria que preparar-se também para estabelecer limites às atividades das empresas estrangeiras – que desde meados dos anos 1950 tornara-se um novo “dado” da realidade industrial brasileira - e poder tomar-lhe o espaço em uma série de setores. E afirmava-se que sem uma reforma na estrutura agrária e uma mudança na distribuição da renda o desenvolvimento industrial não conseguiria resolver os problemas de desemprego e pobreza da maioria da população e de amplas regiões do país; a recessão de 1963 acentuou o ceticismo, ajudando a minar a perspectiva desenvolvimentista tradicional. Ademais, concomitantemente a outras partes da América Latina, surgia a idéia de que as reformas institucionais com vistas à melhoria distributiva não apenas eram necessárias como uma questão de justiça social, mas também para a recuperação da capacidade de crescimento das economias. 
Em síntese, o problema que se colocava no início dos anos 1960 no Brasil não era o de propor ou refutar estratégias industrializantes, mas de definir como e para onde deveria caminhar a economia industrial brasileira que teria nascido com insuficiências institucionais e distorções sociais. 
Diante dessa redefinição temática, os economistas se reagruparam segundo considerações de ordem política e ideológica que não haviam sido feitas no passado. Por exemplo, à “direita” do quadro político, os neoliberais e os desenvolvimentistas não nacionalistas – e, em alguma medida, também os desenvolvimentistas do setor privado -passaram a pensar e, às vezes, a trabalhar juntos. O melhor exemplo de fusão viria a ser talvez a “sociedade” entre Bulhões e Campos, respectivamente ministros da fazenda e de planejamento no primeiro governo militar (1964-1967). O melhor exemplo de separação foi talvez o da desunião das esquerdas brasileiras, que se distribuíram numa multidão de tendências e organizações.
2.2. As correntes de pensamento e os momentos de maior contribuição analítica
Conforme assinalado, são cinco as correntes de pensamento identificáveis a partir do conceito “desenvolvimentismo”: a neoliberal, três correntes desenvolvimentistas e a socialista. O quinteto presta-se a classificar a grande maioria dos economistas e intelectuais que participaram do debate econômico brasileiro em 1945-1964, com a exceção principal de Ignácio Rangel.
A corrente neoliberal (Eugenio Gudin, Daniel de Carvalho, Octavio Gouveia de Bulhões, Denio Nogueira, Alexandre Kafka) foi, conjuntamente com a desenvolvimentista nacionalista, a mais importante expressão do pensamento econômico até o início dos anos 1960. A posição dos economistas neoliberais caracterizava-se por três aspectos fundamentais: i) Eram partidários da redução da intervenção do Estado na economia brasileira, opositores à estatização da economia e defensores da atração de capitais estrangeiros à infra-estrutura�; ii) Priorizavam políticas de equilíbrio monetário e fiscal, mesmo em circunstancias de relativa estabilidade macroeconômica; iii) Não propunham medidas de apoio ao projeto de industrialização, e muitos eram partidários da idéia da “vocação agrária” brasileira; .
	
Eugenio Gudin foi o líder da corrente neoliberal. Seus textos não apenas atraíam a atenção dos economistas e políticos conservadores em busca de argumentos que respaldassem suas proposições, como também a atenção da intelectualidade desenvolvimentista, obrigada aoexercício da crítica a suas provocativas análises�. É dele o momento analítico mais inspirado da produção da corrente neoliberal, um texto que, curiosamente, dista de ser ortodoxo em sua formulação. Gudin argumentou que a inserção externa brasileira por meio da produção primária produzia aqui uma “economia reflexa”, vulnerável a ciclos internacionais. Havia, segundo ele, inelasticidade (de preço e de renda) da demanda internacional pelos principais produtos da pauta de exportação, inclusive produtos minerais, assim como inelasticidade-preço da oferta dos mesmos pelo Brasil e demais países em desenvolvimento; essas condições produziam fortes oscilações de preços internacionais dos produtos primários. Como conseqüência disso, e da baixa diversidade exportadora, o Brasil seria vulnerável a ciclos, que se acirrariam pelo movimento de capitais, pró-cíclico. Salientava, ademais, que, dado o peso do Brasil no comercio de café, uma desvalorização cambial poderia provocar deterioração dos termos de troca e agravamento de crises cambiais. 
políticas tais como assistência técnica e crédito seletivo à agricultura, educação, apoio a infra-estrutura (privada, com minimização de intervenção direta estatal) e aperfeiçoamento do sistema financeiro. 
Os traços comuns das três correntes desenvolvimentistas (setor privado, setor público não-nacionalista e setor público nacionalista) eram, fundamentalmente, o projeto de estabelecer um capitalismo industrial moderno no país, e a convicção de que para isso era necessário planejar a economia e praticar distintas formas de intervenção governamental. As semelhanças e diferenças podem ser assim resumidas:
Os economistas desenvolvimentistas tinham, segundo sua carreira profissional, preocupações e linguagens de algum modo diferentes. Aqueles que atuavam no setor privado defendiam os interesses empresariais de uma forma que era alheia aos que trabalhavam no setor público; 
No setor público havia duas posições desenvolvimentistas básicas quanto à intervenção estatal. Os economistas que denominamos “não nacionalistas” propunham soluções privadas para projetos industriais e de infra-estrutura, com uso de capital estrangeiro ou nacional, e admitiam a intervenção direta estatal somente em último caso. Os nacionalistas, pelo contrário, propunham a forte presença direta estatal nos setores de mineração, transporte, energia, serviços públicos em geral e alguns ramos da indústria básica. Entre os desenvolvimentistas do setor privado, as posições sobre o tema não eram uniformes, pois alguns se aproximavam da primeira posição e outros tinham uma visão mais nacionalista;
As três correntes adotavam posições distintas perante o controle da inflação: a corrente não nacionalista inclinava-se por programas de austeridade monetária e fiscal, enquanto as outras duas eram cautelosas com relação a esses programas, pelos efeitos sobre a produção corrente e os investimentos, ainda que se diferenciassem na análise do problema. No setor privado, a grande preocupação era evitar a diminuição do crédito, e não se adotava a interpretação estruturalista; os nacionalistas preocupavam-se tanto com a redução do crédito como com a redução da capacidade de gastos do Estado, e tenderam a adotar, nos anos 1950, uma visão estruturalista da questão inflacionária. 
As entidades representativas do empresariado, universidades e outras organizações reuniam economistas da corrente desenvolvimentista do setor privado (Roberto Simonsen, Nuno Figueiredo, João Paulo de Almeida Magalhães, etc) As idéias da corrente transmitiam uma dupla preocupação: defender um projeto de industrialização planejada e proteger os interesses do capital industrial privado. Como é óbvio, o local de trabalho determinava a linguagem a forma e o conteúdo das proposições. 
Seu momento de maior criatividade foi, possivelmente, a participação do pioneiro do desenvolvimentismo, o industrial Roberto Simonsen, na controvérsia com Eugenio Gudin, em 1944. O esforço de Simonsen (1977) resultou na primeira postulação sistemática das proposições desenvolvimentistas. A argumentação representa um marco na história do desenvolvimentismo em geral, e um momento de fusão entre as perspectivas pública e privada da problemática da industrialização no país. 
A corrente que estamos chamando de “desenvolvimentista não nacionalista” aglutinou os economistas que acreditava que o projeto de industrialização podia beneficiar-se amplamente das inversões estrangeiras, e preferia minimizar a participação estatal direta. Consolidou-se basicamente no início dos anos 1950, em torno do projeto que criou, durante o segundo governo de Vargas, a Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (1950-1954) - encarregada de estudar 41 projetos de inversão em infra-estrutura - e o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDE), fundado em 1952. 
Nesse projeto, que teria o apoio dos desenvolvimentistas nacionalistas, apareciam os principais nomes do desenvolvimentismo não nacionalista: Horacio Lafer, Valentim Bouças, Ary Torres, Glycon de Paiva e, em fase de formação ideológica para um posterior alinhamento e liderança, o até então nacionalista Roberto Campos. No panorama político brasileiro do período aqui considerado, Campos representa a “direita” da posição desenvolvimentista. Por um lado, trabalhou pelo projeto de industrialização do país, por exemplo, como principal formulador do Plano de Metas do Presidente Kubitschek e também como seu principal executor, na qualidade de Secretário Geral e depois Presidente do BNDE, entre 1956 e 1959. Por outro, defendeu a idéia de atrair capital estrangeiro, inclusive para os setores de mineração e energia, e atacou a solução estatal em quase todos os casos para os quais se podia pensar numa solução privada�. 
Um momento de grande inspiração analítica de Campos foi a concepção do planejamento parcial ou setorial que regeu o Plano de Metas. A idéia, mais tarde elaborada teoricamente por Hirschman, era a seguinte: a estratégia ideal de intervenção do governo seria a de concentrar-se nos “pontos de estrangulamento” do sistema industrial, com o que estes se transformariam em “pontos de germinação e crescimento”, já que automaticamente gerariam estímulos de mercado para o setor privado no restante das atividades econômicas – ou seja, “desequilíbrios” indutores de novos investimentos, “para a frente” e “para trás” das respectivas cadeias produtivas.
O grupo mais numeroso foi o de desenvolvimentistas nacionalistas. No imediato pós-guerra, o desenvolvimentismo nacionalista enfrentou o liberalismo do governo de Dutra, por meio de alguns núcleos de resistência, entre eles o Departamento Econômico da CNI, cuja chefia Roberto Simonsen confiou a Rômulo de Almeida, e a Fundação Getúlio Vargas, onde o grupo dos neoliberais Gudin e Bulhões somente passaria a ter hegemonia a partir de 1952, depois da saída de Richard Lewinsohn e Américo Barbosa de Oliveira. O segundo governo de Vargas deu aos nacionalistas novas condições de organização, a partir da criação de instituições como o BNDE e a Assessoria Econômica do Presidente - onde se reuniram, sob a liderança de Rômulo de Almeida, homens como Ignácio Rangel, Jesus Soares Pereira, Otholmy Strauch e, em sala vizinha, Cleantho de Paiva Leite. Outro encontro importante dos desenvolvimentistas nacionalistas ocorreu em meados dos anos 1950, quando Celso Furtado e Américo de Oliveira criaram o Clube dos Economistas, entidade que reuniu algumas dezenas de técnicos do governo federal e alguns desenvolvimentistas do setor privado. 
	
Os nacionalistas distinguiam-se dos demais desenvolvimentistas por algumas características, entre as quais salientam-se as seguintes : a) Defesa do controle por agentes nacionais – estatais e privados - dos centros de decisão sobre poupança/investimento; b) Defesa da subordinação da política monetária à política desenvolvimentista; c) Ênfase na necessidade de gerar autonomia financeira pela via do desenvolvimento das forças produtivas locais (industrialização,progresso técnico) e, d) Preocupação com os problemas sociais e regionais.
Celso Furtado tornou-se o líder da corrente desenvolvimentista nacionalista a partir de meados da década dos 1950�. Foi o principal difusor no Brasil da teoria estruturalista do subdesenvolvimento periférico, elaborada na CEPAL por Prebisch, e a ela acrescentaria uma série de contribuições analíticas que marcaram profundamente o pensamento desenvolvimentista brasileiro. Por se tratarem das idéias analiticamente mais inspiradas do período, indicamos abaixo os principais elementos da teoria original, de Prebisch e, em seguida, adicionamos as contribuições de Furtado. 
A teoria estruturalista caracteriza as economias “periféricas” por contraste às “centrais”. As primeiras teriam: i) 
Baixa diversidade produtiva e especialização em bens primários;
 ii) Forte heterogeneidade tecnológica e oferta ilimitada de mão-de-obra com renda próxima à subsistência; iii) 
Estrutura institucional pouco favorável à acumulação. Com base nesse contraste, examinam-se as relações “centro-periferia” - onde a grande estrela analítica num primeiríssimo momento seria a idéia de deterioração dos termos de intercambio�.
Extrai-se, do contraste, a implicação de que 
 a industrialização é a forma de superar a pobreza e de reverter a distância crescente entre a periferia e o centro, mas é problemática, porque envolve uma série de elementos adversos: i) 
Baixa diversidade : há necessidade de investimentos simultâneos em muitos setores, o que torna o processo muito exigente em matéria de poupança e de divisas; ii) 
Especialização em bens primários : a capacidade de geração de divisas é limitada, e a pressão por divisas é elevada; iii) 
Heterogeneidade tecnológica : a produtividade média é baixa e é pequeno o excedente como proporção da renda; iv) 
Atraso institucional : há desperdício de parte do excedente, através de investimentos improdutivos e de consumo supérfluo. Um resultado dessas condições seria a ocorrência de duas tendências perversas durante o processo de crescimento : crescentes desequilíbrios estruturais na balança de pagamentos e inflação causada por fatores estruturais�. O corolário da análise é o de que, como 
a industrialização espontânea nas estruturas periféricas é altamente problemática, é necessário planejá-la. 
	
Furtado deu quatro contribuições à teoria estruturalista, as duas primeiras na segunda metade dos anos 1950. Primeiro, incluiu a dimensão histórica à abordagem estruturalista (Formação Econômica do Brasil, 1959), com o que construiu o método histórico-estrutural, de grande influencia no pensamento brasileiro nas décadas subseqüentes. Segundo, acrescentou a possibilidade de ocorrência de uma terceira tendência perversa, inerente ao subdesenvolvimento brasileiro, isto é, a tendência à continuidade do subemprego (Desenvolvimento e Subdesenvolvimento, 1961) : a estrutura ocupacional com oferta ilimitada de mão-de-obra se alteraria nas economias subdesenvolvidas de forma lenta, porque o progresso técnico, capital-intensivo, seria inadequado à absorção dos trabalhadores ligados à vasta economia de subsistência. O sistema tenderia, então, à concentração de renda, e a um grau de injustiça social crescente�.. Essa contribuição serviu de base para toda uma posterior incursão no tema das relações entre crescimento e distribuição de renda pela via das relações entre perfis de oferta e demanda de bens e serviços. Retornaremos mais adiante a essa terceira contribuição de Furtado ao estruturalismo.�.
À esquerda do desenvolvimentismo encontrava-se a corrente socialista. Sua reflexão econômica partia da perspectiva da revolução socialista, ou da transição ao socialismo (Caio Prado Jr, Nelson Werneck Sodré, Aristóteles Moura, Moises Vinhas, etc). Na maioria, eram intelectuais associados ao partido comunista - e, no início dos anos 1960, também intelectuais dissidentes do partido. Os socialistas defendiam, tal com os desenvolvimentistas nacionalistas, a estratégia de industrialização com forte intervenção estatal - como via de “desenvolvimento das forças produtivas”, em sua linguagem - assim como do controle do capital estrangeiro. Mas a perspectiva da qual faziam suas análises era subordinada à discussão da etapa da revolução socialista definida pelo partido comunista brasileiro.�
A discussão do processo revolucionário tinha por matriz teórica o materialismo histórico. Como os desenvolvimentistas, os socialistas entendiam que a sociedade passava por uma etapa de superação da economia colonial exportadora e de transição para uma economia industrial moderna. Iam, porém, bem além: a transição era vista como uma etapa necessária para a luta pela implantação do socialismo, que exigiria eliminar radicalmente duas contradições herdadas do período anterior: o monopólio da terra (contradição interna) e o imperialismo (contradição externa). A análise econômica da corrente socialista, engajada nas lutas políticas do partido comunista, teve por referência e estímulo a pugna pela reforma agrária e pela eliminação do imperialismo, e todos os problemas básicos da economia brasileira foram tratados a partir desse enfoque�.
A corrente socialista teve grande influência na introdução e difusão de uma perspectiva histórica no debate sobre a economia brasileira, por meio da contribuição de intelectuais como Nelson Werneck Sodré e Caio Prado Jr, este último o autor do trabalho clássico sobre economia colonial brasileira. E teve influência decisiva também na introdução, no debate econômico, dos aspectos referentes às “relações de produção”. Talvez o momento mais inspirado da produção dessa corrente seja a análise de Caio Prado Jr sobre a questão agrária, em que assinalava que, diferentemente do que postulava o Partido Comunista Brasileiro, a agricultura brasileira não seria feudal, suas relações de produção seriam essencialmente capitalistas. A análise de Caio Prado foi feita de forma pioneira já em 1946, muito antes, portanto, do auge da discussão sobre estrutura agrária e alianças de classes, dos anos 1960, quando o próprio Caio Prado voltaria ao tema. 
	Antes de prosseguir, cabe mencionar a contribuição de Ignácio Rangel, o mais criativo e original entre os economistas do período. Rangel era um socialista que, do ponto de vista da “tática política”, aproximava-se da corrente desenvolvimentista nacionalista e, do ponto de vista da análise e de proposições concretas de política econômica, era um independente. Construiu seu próprio quadro analítico —a tese da “dualidade básica da economia brasileira” - e examinou nesse marco quase todos os temas centrais no debate econômico do período. Considerava que a forma de inserção do Brasil na economia mundial, como periferia, exigia assimilação do materialismo histórico de forma crítica�.
	Com base em seu esquema analítico, Rangel analisou o papel do Estado, o planejamento, a reforma financeira, a natureza da agricultura brasileira, etc. Enfrentou também boa parte da esquerda na polêmica sobre a reforma agrária (o autor considerava que essa reforma, ainda que justa, não era viável do ponto de vista político - dada a força política dos latifundiários - nem era necessária, não somente porque a agricultura não estaria obstruindo o desenvolvimento capitalista, como também porque esse desenvolvimento estaria cumprindo a função de minar as bases da estrutura agrária “feudal”). Analisou a crise brasileira de início dos anos sessenta como uma “crise de realização”, e interpretou a inflação como um resultado de busca de ampliação de margens de lucro pelos empresários como compensação pela insuficiência de demanda, praticada especialmente por aqueles que fazem a intermediação de atacadistas de produtos agrícolas. 
3. 	Anotações sobre o segundo ciclo ideológico do desenvolvimentismo (1964-1980)�
	3.1. Introdução
A seção anterior está baseada em uma pesquisa em profundidade sobre o que se escreveu sobre desenvolvimento econômico entre 1930 e 1964. A partir daqui,o texto passa a ser um ensaio introdutório sobre o pensamento desenvolvimentista posterior a 1964, uma espécie de mapa inicial para uma futura investigação detalhada �. No que se refere ao período que vai até 1980, o mapa compõe-se de quinze elementos.
i. O primeiro é o reconhecimento de que os governos do regime iniciado em 1964 praticaram uma política econômica radicalmente desenvolvimentista até 1980, buscando a continuidade da formação de uma ampla e integrada economia industrial por meio de planejamento e forte intervenção estatal. 
 
No terreno do pensamento econômico houve marcada aderência ao projeto. Vigorou durante boa parte do processo de industrialização posterior a 1945 uma “convenção” na sociedade brasileira, a convenção do crescimento (Castro, 1994). Mesmo não existindo no país os recursos políticos encontrados em outras experiências de industrialização patrocinada por Estados intervencionistas - como a existência de ameaça de conflitos com outras nações, ou a eliminação, com violência, de antigas classes de proprietários e dirigentes – as condições estruturais e históricas a partir do colapso do modelo primário-exportador nos anos 1930 foram tais que fizeram surgir gradualmente um consenso em torno à conveniência de colocar o crescimento econômico no topo das prioridades de política econômica. Em busca de sua legitimação política, o regime militar que se instalou em 1964 consolidou a convenção, por meio de reformas e de uma política econômica que privilegiavam intensa acumulação de capital e crescimento. 
ii. Os primeiros anos do regime militar corresponderam a uma etapa de amadurecimento do novo ciclo ideológico desenvolvimentista, cujas origens tiveram lugar durante a crise dos anos anteriores�. Foi um período de reformas institucionais que fortaleceram o Estado brasileiro, e de plena reafirmação do projeto de industrialização. Aos poucos tornou-se claro que o objetivo do governo era o de levar o projeto às últimas conseqüências, em termos de montagem de um parque industrial complexo, integrado e moderno. O governo autoritário manifestava sua opção pela “modernidade” e valorizava o planejamento e a formação de uma tecnocracia estatal eficiente. Os principais documentos do início do período – o PAEG e o Plano Decenal, durante o governo Castello Branco, e o Plano Estratégico do Desenvolvimento, no governo Costa e Silva – correspondem a momentos de uma inequívoca consolidação ideológica desenvolvimentista�. O governo Costa e Silva e o governo Médici, desde seu inicio, confirmaram a postura inicial de Castello Branco, sob a regência de Delfim Netto no Ministério da Fazenda e de Helio Beltrão e depois Reis Velloso no Ministério do Planejamento. 
Posteriormente, ocorreria o reforço e consolidação do Estado desenvolvimentista, depois que o mesmo foi fortalecido pelas reformas tributária e financeira, pela revisão das tarifas publicas e pelo crescimento acelerado, promotores de forte absorção do excedente econômico pelo governo. Foram criadas centenas de novas empresas estatais, as estatais pré-existentes ampliaram significativamente o número de funcionários, assim como o fizeram as instituições de regulação e de planejamento. Os quadros da tecnoburocracia estatal dedicada operacional e conceitualmente à promoção do desenvolvimento econômico elevaram-se a vários milhares de funcionários. Ainda que muito freqüentemente avessos ao regime militar, eram pessoas dedicadas de forma consciente às mais variadas tarefas desenvolvimentistas. 
iii. No terreno ideológico, o desenvolvimentismo foi hegemônico em todo o período, acompanhando e subsidiando o fortalecimento do Estado desenvolvimentista. Mas a corrente dos economistas que conduziram a política econômica dos distintos governos autoritários, ou que estiveram próximos a eles (Octavio Gouveia de Bulhões, Roberto Campos, Delfim Netto, Mario Henrique Simonsen, João Paulo dos Reis Velloso, Carlos Langoni, etc) nunca chegou a dominar isoladamente o cenário intelectual. A hegemonia no pensamento econômico do período foi compartilhada entre a visão governista e a visão de intelectuais que se opunham ao regime militar e aos efeitos sociais que, segundo eles, o autoritarismo e o “modelo” de crescimento adotado estariam tendo sobre a população como um todo. Entre outros, destacavam-se nessa corrente Celso Furtado, Ignácio Rangel, Maria da Conceição Tavares, José Serra, Antonio Barros de Castro, Carlos Lessa, Bresser Pereira, Luiz Gonzaga Belluzzo, João Manuel Cardoso de Mello, Edmar Bacha, Albert Fishlow, Pedro Malan e Paul Singer. Em sua maioria, eram professores e pesquisadores nos recém criados centros de pós-graduação e em instituições de pesquisa como o CEBRAP e o IPEA – este último perfazendo o papel de abrigar uma série de intelectuais que, como técnicos de governo, ajudavam a elaborar os planos desenvolvimentistas e, como intelectuais, discretamente elaboravam análises críticas ao modelo de desenvolvimento e a políticas econômicas do regime militar.
O foco da atenção do estudo sobre o pensamento econômico no período 1964-1980 pode, portanto, estar direcionado para a evolução das idéias das duas correntes de pensadores desenvolvimentistas, que podem ser chamadas de “governista” e “crítica”. Duas outras correntes contribuíram ao debate, ainda que com presença relativamente menor: a socialista (Caio Prado Junior, Teotônio dos Santos, Rui Mauro Marini, Francisco de Oliveira), especialmente nos anos 1960, mas não só, e a neoliberal (destacadamente, Eugenio Gudin), cuja influencia, declinante desde os anos 1950, começaria a se recuperar apenas a partir do final dos 1970. 
iv. Como vimos no capítulo anterior, sobre o período 1930-1964, o primeiro ciclo ideológico desenvolvimentista consistiu num movimento de “origem”, “amadurecimento”, “auge” e “crise” do pensamento em defesa da industrialização com planejamento e condução estatal. A denominação “crise” ao contexto do início dos anos 1960 tem uma acepção muito particular, de crise “provisória”: naquele momento o projeto de industrialização já estava ideologicamente maduro e havia pouca eficácia nos ataques neoliberais ao mesmo, mas instalou-se todo um questionamento sobre seu futuro, em três terrenos: o da viabilidade de retomada do crescimento, que estimulou a reflexão sobre seus determinantes e sua sustentação, o das relações entre o processo de industrialização e os problemas sociais que o mesmo estaria provocando, e o da contribuição relativa do Estado, do capital estrangeiro e do capital privado nacional ao processo de desenvolvimento. 
A evolução do pensamento sobre desenvolvimento econômico a partir do golpe militar de 1964 representou um desdobramento da reflexão daqueles anos prévios em torno a essas três questões. Os governistas buscavam defender as políticas econômicas em curso; os críticos, por sua vez, contrapunham-se aos mesmos com questionamentos sobre as possibilidades de continuidade do crescimento, sobre as conseqüências sociais do processo de crescimento em curso e, em alguns casos, sobre a contribuição do capital estrangeiro. Como pano de fundo ideológico para todo o debate estavam, sem dúvida, as inclinações político-ideológicas, respectivamente a favor e contra o regime militar. 
v. Convém delinear o movimento das idéias desenvolvimentistas no período com uma periodização que tome por base a evolução da discussão sobre o primeiro dos três questionamentos acima mencionados, ou seja, o que se refere aos determinantes e à sustentabilidade dos processos de investimento e de crescimento. Com esse critério, pode-se afirmar que o segundo ciclo ideológico do desenvolvimentismo passou por três fases – que corresponderam a reações ligeiramente defasadas aos acontecimentos na economia real.
A primeira vai de 1964 a fins dos anos 1960. Foi uma fase de “amadurecimento” do desenvolvimentismo do regime autoritário, e da perspectiva desenvolvimentista crítica. O período se inicia com ceticismo com relação à capacidade de crescimentoda economia, que aos poucos irá se dissolvendo, diante do êxito da política antiinflacionária, das reformas que fortaleceram a capacidade de financiamento do crescimento e, a partir de 1968, da rápida expansão da renda e do emprego. A fase também incluiu os primeiros passos do debate sobre a questão dos benefícios sociais do processo de crescimento, que cristalizaria uma profunda divergência político-ideológica no campo desenvolvimentista. A perspectiva crítica, politicamente adversária da ditadura, começava a avaliar a política econômica do regime autoritário como a adesão a um capitalismo perverso, inclinado à defesa dos interesses de grandes empresas estrangeiras e nacionais e de uma minoria de brasileiros em detrimento dos interesses da população de um modo geral, tudo isso viabilizado pela repressão às classes trabalhadoras do país e ao “arrocho salarial”. 
A maturidade do segundo ciclo desenvolvimentista dar-se-ia quando os atores centrais ao debate, governistas e críticos, convenceram-se de que a economia encontrava-se em um ciclo de expansão acelerada. A fase vai de fins da década dos anos 1960 até meados dos anos 1970; é uma fase de “auge” do desenvolvimentismo governista, e de vigor na perspectiva crítica, apesar do endurecimento da ditadura. É a fase do chamado “milagre brasileiro” – perverso, segundo a perspectiva dos críticos - com taxas de crescimento superiores a 8% ao ano e forte aceleração do investimento, em consonância com o auge cíclico internacional. A natureza do crescimento, sua composição de capitais, seu financiamento e demais políticas de suporte, sua relação com o controle da inflação e da balança de pagamentos e, sobretudo, suas implicações em termos de benefícios sociais e distribuição de renda formariam a agenda central do debate econômico do período. 
Uma vez plenamente instalado o auge expansionista, a questão do “modelo” de crescimento, especialmente a de suas relações com a distribuição de renda, transformar-se-ia no grande divisor de águas entre o pensamento desenvolvimentista de governo e o de oposição. De um lado, o governo exibia cifras de crescimento da renda e do emprego, argumentando que a expansão era portadora de melhoria das condições de vida da população. De outro, os críticos mostravam estatísticas que salientavam concentração de renda nos anos 1960, e caracterizavam como socialmente perversa a trajetória de expansão consagrada pelo regime militar. O auge se estenderia até os meados dos anos 1970, quando, aos poucos, tornar-se-ia claro para os participantes do debate brasileiro que as condições para o prosseguimento da expansão acelerada estavam se deteriorando. 
A terceira fase corresponde à segunda metade dos anos 1970, em que o desenvolvimentismo prosseguiu hegemônico mas sofreu uma “fragilização”, por conta dos questionamentos advindos da instabilidade internacional e das dificuldades econômicas e financeiras que se seguiram ao colapso do modelo de Bretton Woods e ao primeiro choque do petróleo . A hegemonia desenvolvimentista seria preservada até a entrada dos 1980 - e só então entraria em crise - mas as dificuldades macroeconômicas domésticas e as mudanças no cenário ideológico internacional contribuíram para seu enfraquecimento, diante de crescentes dúvidas sobre as possibilidades de prosseguimento da estratégia expansionista que estava sendo adotada, intensificadas depois do segundo choque do petróleo e da disparada dos juros norte-americanos. 
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	3.2. Os governistas
vi. A leitura sistemática do pensamento econômico expressa pelos textos oficiais dos governos militares e pelos artigos e livros escritos pelos responsáveis pela condução de sua política econômica mostra profundo engajamento com o projeto de levar às ultimas conseqüências o projeto de industrialização integral, por meio de planejamento e intensa intervenção do Estado, direta e indireta. Dois conjuntos de textos mostram isso de forma definitiva : os seis planos de governo (PAEG, Decenal, PED, Metas e Bases, PND I e PND II), e um conjunto de livros de autoria Roberto Campos e Mario Henrique Simonsen, escritos entre 1965 e 1975.
 
O PAEG é um plano de estabilização monetária gradualista elaborado por Bulhões e Campos, com a assessoria de Bulhões Pereira e Simonsen. Dirigia-se a conciliar redução da inflação com a recuperação do crescimento. Apresentava uma profissão de fé no planejamento – da qual Campos só muitos anos mais tarde mostraria arrependimento – e representava uma primeira declaração de princípios econômicos do novo regime, introduzindo alguns elementos da nova estratégia desenvolvimentista. Incluía uma primeira discussão sobre reformas em vários âmbitos, as quais viriam em avalanche nos três anos subseqüentes, com inovações institucionais nos terrenos monetário, fiscal, financeiro, administrativo, e no tratamento do capital estrangeiro. 
A perspectiva desenvolvimentista de longo prazo foi introduzida no Plano Decenal, coordenada por Roberto Campos e Reis Velloso. O Plano integrava projeções e políticas macroeconômicas com planejamento setorial. E apontava, entre as perspectivas de desenvolvimento industrial, a promoção de exportações, a substituição de importações, a “expansão do mercado interno”, e a promoção de investimentos governamentais em infra-estrutura, entendidos como realizadores de economias externas e de “encadeamentos intersetoriais” com os setores produtores de bens de capital e de bens intermediários. 
O Programa Estratégico do Desenvolvimento, PED, define como estratégia a aceleração e sustentação do desenvolvimento econômico através da consolidação das indústrias básicas, a reorganização das tradicionais, o fortalecimento da infra-estrutura econômica e social, o aumento da produtividade agrícola e modernização do sistema de abastecimento de 1967. Define a mecânica do processo – bloco de setores investidores prioritários que formam um sistema de realimentação contínua, incluindo elevação do investimento público - e as linhas e ação prioritárias. O contraste do documento com os dois anteriores permite notar algumas diferenças com relação aos mesmos. Dá a impressão de que responde a críticas sobre as dificuldades econômicas dos anos prévios, como o arrocho salarial, a contenção de crédito, a eliminação de empresas nacionais e a existência de capacidade ociosa. Mostra uma maior preocupação com a proteção à indústria domestica e as empresas nacionais, considera que não há escassez de poupança para gerar os investimentos necessários ao crescimento – dispensando o aporte de financiamento externo - e defende a formação de um mercado de consumo de massa voltado a industrias tradicionais. Apesar disso, é um documento cujos elementos de continuidade com os anteriores são muito mais fortes do que os de ruptura, no que se refere à questão central do estímulo estatal à aceleração dos investimentos. 
O plano seguinte é o “Metas e bases para a ação do governo”, mais reticente na linguagem da administração de críticas do tipo que o governo militar enfrentara anos antes, o que se verifica, por exemplo, quando recomenda evitar “excessos redistributivistas que sacrifiquem a aceleração da taxa de crescimento nacional” (p.6). O documenta perfila a agenda de investimentos voltados à agricultura, à infra-estrutura e ao “desenvolvimento dos ramos industriais prioritários”e introduz todo um destaque para a formação de uma base científica e tecnológica nacional. 
	O PND I é o primeiro Plano a assumir plenamente o projeto de expansão acelerada. Enuncia como objetivos colocar o Brasil no espaço de uma geração na categoria de nação desenvolvida, duplicar em dez anos a renda per capita por meio de promoção de expansão do PIB, “estavelmente, na ordem de 9% ao ano, e expansão industrial acima dos 10%” (p.13). Detalha a expansão desejada do “núcleo de expansão básica” (energia, transportes, comunicação, siderurgia, e matérias primas industriais básicas) em que a responsabilidade do investimento recai principalmente sobrea empresa governamental, e descreve o “modelo econômico de mercado”, como aquele em que se destaca “a influencia crescente do Governo na gestão do sistema econômico, com expansão de seus investimentos e da capacidade de regulamentar” (p.17).
O PND II representa uma continuidade do PND I, no que se refere à coordenação estatal do processo de investimento e crescimento acelerados. Uma importante inovação adviria da reação frente à restrição energética provocada pela crise do petróleo, que provocou alteração na composição dos investimentos em infra-estrutura, com menos rodovias e mais energia, e na restrição de divisas, por meio de ênfase no fortalecimento dos bens intermediários e de capital em lugar dos bens de consumo. De resto, teria figurado na história econômica brasileira como complemento natural do PND I não fossem as circunstancias excepcionais em que foi adotado, de crise mundial com efeitos desestabilizadores sobre a macroeconomia brasileira. Diante delas, o PND II destaca-se pela ousadia da aposta desenvolvimentista em condições adversas, mais do que confirmando a “convenção do crescimento” anteriormente mencionada.
vii. Entre os cinco principais ministros da área econômica dos governos militares – Bulhões, Delfim, Reis Velloso, Campos e Simonsen – apenas os dois últimos redigiram de forma sistemática análises sobre a economia brasileira no período 1964-1980. Foram nada menos que seis os livros publicados pelos dois autores em defesa da política econômica governamental - um por Campos, três por Simonsen, e dois publicados em conjunto por ambos, reunindo artigos individuais�. 
Os livros, lidos em seu conjunto, contêm uma defesa pormenorizada da política econômica dos primeiros governos militares, e do “modelo” de desenvolvimento adotado : expansão rápida da economia puxada por investimentos na industria e na infra-estrutura, orientada pelo Estado e fortalecida pelas estatais e pelo capital estrangeiro. O regime autoritário estaria garantindo um clima de segurança e incentivos para os investidores, fornecendo-lhes estabilidade política e moderação na política salarial, além de uma política antiinflacionária gradualista, e de incentivos fiscais e financeiros. 
São livros de ideólogos do desenvolvimento dos governos militares no terreno econômico. No caso de Campos, a função foi assumida especialmente nos primeiros anos do regime�. Sua dedicação seria plena, como se depreende, por exemplo, da seguinte passagem de suas memórias, em que se refere a suas obrigações como planejador da economia nos primeiros dias do governo Castello Branco :
“A tarefa era intimidante. Tive momentos de pânico e depressão. Havia que construir um ideário para a Revolução (...) Castello tinha consciência da importância de se criar um ideário positivo. Sua obsessão era demonstrar ao Brasil, e ao mundo, que a revolução de 1964 era uma revolução modernizante e não uma típica quartelada latino-americana” (Campos, 1994, p.573)
Os livros têm como característica principal o fato de serem profundamente desenvolvimentistas. Longe da ortodoxia e do liberalismo econômico, os textos são plenamente favoráveis ao planejamento e à expansão dos investimentos do setor público e das empresas estatais, que Simonsen denomina de “cooperação pragmática” com as empresas privadas, nacionais e estrangeiras - o tripé empresarial. Enaltecem as reformas adotadas no período 1964-67, como saneadoras da economia e das finanças, e viabilizadoras do crescimento acelerado posterior. Aqui e ali, lêem-se alguns reparos a opções de política econômica: as tarifas a importações de bens de capital poderiam ser algo menores, para não prejudicar a competitividade exportadora, a administração das estatais poderia ser aperfeiçoada, etc. Mas esses reparos aparecem de forma marginal nos textos e, sem exceção, estão redigidos em forma cuidadosa. Evitavam, com êxito, que pudessem figurar como críticas aos governos desde 1964 – o que corresponderia a uma indesejada auto-crítica por parte de Campos a sua atuação no governo Castello Branco, fortalecedora do Estado brasileiro - e evitavam colidir com as convicções desenvolvimentistas das elites empresariais, e das forças armadas, como, por exemplo o presidente Geisel, que em 1974 terminaria convidando Simonsen para o Ministério da Fazenda. 
A heterodoxia de Simonsen também aparece na análise do combate à inflação. O autor postula que o gradualismo é opção mais adequada do que o tratamento de choque, e se tornara viável no Brasil graças à correta adoção de mecanismos institucionais como a correção monetária, as mini-desvalorizações cambiais e os controle de preços dos oligopólios. Nesse particular, argumenta que teria preferido um gradualismo menos lento que aquele adotado por Delfim Netto no período 1968-1973, já que o resíduo inflacionário de 20% seria excessivo. Mas a forma como postula esse ponto é uma vez mais cuidadosa, e sempre acompanhada da admissão de que no exame da questão não se podia descartar o benefício do crescimento acelerado que a opção gradualista efetivamente adotada vinha viabilizando. Campos e Simonsen tampouco enfatizam nos livros suas divergências com Delfim Netto e Helio Beltrão no que se refere ao tratamento antiinflacionário do governo Castello Branco – ou seja, com a visão de Delfim e Beltrão de que a inflação era de custos, e não de demanda, e por isso os cuidados com a contenção monetária mais para o final do governo Castello Branco estariam sendo exagerados e prejudiciais�. No essencial, portanto, os governistas Campos e Simonsen se apresentavam publicamente solidários com as demais autoridades econômicas em torno a praticamente todas as políticas adotadas desde o início do regime militar, sem exceção relevante. 
A polarização desejada - e efetivada - era outra. Os dois autores, Campos e Simonsen seriam efetivamente identificados, ao lado de Delfim Netto, como os principais adversários nos terrenos analítico e ideológico dos economistas de oposição ao regime militar. O enfrentamento entre os dois campos ideológicos era aberto e por vezes os ataques de ambos lados incluíam generalizações irônicas e caricaturais, em prejuízo de precisão analítica e factual. 
Entre as expressões recorrentemente empregadas por Campos e Simonsen para atacar seus adversários, são encontradas, por exemplo, as idéias de que os estruturalistas seriam “irresponsáveis” no que se refere ao combate à inflação, de que os economistas de oposição tendiam a praticar um “nacionalismo estéril” por insistir na oposição ao capital estrangeiro e à exportação de produtos minerais, e de que defendiam um “distributivismo populista”, em detrimento do “produtivismo”, que requeria e elevação da poupança e do investimento incompatíveis com uma redistribuição de renda apressada. E adicionavam –com alusão implícita a uma tese de Celso Furtado, publicada em 1965, que obteve alguma repercussão entre os oposicionistas - que esse redistributivismo teria levado à interpretação estruturalista de que a economia estaria condenada à estagnação na ausência de alteração na distribuição de renda, por falta de mercado interno e de consumo de massa, algo que, na análise de ambos, os fatos estariam demonstrando ser plenamente equivocado. 
A concentração de renda como fórmula para crescer seria, de acordo com Simonsen, uma situação “natural” em fases como a que o Brasil estava vivendo : “a transição de uma fase de estagnação ou semi-estagnação para uma de crescimento acelerado costuma exigir sacrifícios que naturalmente envolvem certo aumento da concentração de rendas, ou nas mãos de determinados indivíduos, ou em poder de Estado” (1972, p.59). Acrescenta que nessas fases há que transferir recursos dos mais propensos a consumir aos mais propensos a poupar, e é necessário que o mercado estabeleça um premio para os que mais se destacam em termos de capacidade técnica e empresarial. Afirma, também, que ainda que de forma desigual, o “bolo” no Brasil estaria crescendo para todas as camadas dapopulação. O autor reconhece, porém, que a concentração era excessiva, e argumenta que o reconhecimento disso pelo governo levava-o a adotar uma série de medidas adequadas, como a política educacional e a introdução de fontes de renda individual, como o FGTS e o PIS, que funcionam como mecanismo de poupança forçada para acumulação patrimonial. 
3.3. Os críticos
 A produção dos economistas de oposição à política econômica dos governos militares e aos rumos que tomava o sistema sócio-econômico brasileiro foi intensa. O golpe militar interrompera a trajetória política de muitos economistas, mas não sua produção intelectual. Pelo contrário, a questão da interpretação do processo histórico brasileiro, iniciada nas décadas anteriores, desembocaria – às vezes em circunstancias de exílio político - em abundantes formulações, freqüentemente apaixonadas, e não raro com elevado poder analítico, sobre as virtudes, limites e contradições do desenvolvimento econômico do país. 
O apego à perspectiva histórica teve forte influencia sobre a evolução do pensamento dos intelectuais de oposição ao regime autoritário no Brasil. , e gerou toda uma safra de interpretações sobre a natureza do capitalismo no Brasil (“dependente”, “associado”, “de Estado”, “dual”, “heterogêneo”, “tardio”, “perverso”, etc.). Foi destacada a presença nesses escritos de duas tradições analíticas previamente ativas no Brasil, ambas filiadas à perspectiva histórica. 
A primeira, à qual retornaremos mais adiante, foi a do método “histórico-estrutural”, de origem cepalina, muito importante entre os desenvolvimentistas críticos. Os analistas dessa tradição tenderam a organizar o pensamento sobre o capitalismo brasileiro em torno à idéia de “estilo” ou “padrão” de crescimento. A motivação central era o entendimento da dinâmica da economia brasileira, seus impulsos e contradições. Metodologicamente, tendiam a salientar as relações entre, por um lado, crescimento e, por outro, uma série de elementos tais como distribuição de renda e perfis de demanda, composição da oferta (setores, heterogeneidade tecnológica) composição dos agentes investidores (capitais estrangeiro, estatal e privado nacional), equação de financiamento, e direção do crescimento (mercado interno versus externo). 
A outra tradição foi a do materialismo histórico, ou a ótica marxista do movimento da história pela luta de classes, que passou a ter como tema mais importante, a partir de 1964, discordâncias com relação à interpretação do Partido Comunista Brasileiro sobre a etapa histórica que estaria vivendo a sociedade brasileira (“nacional-burguesa”). Tratava-se da reação, com auge nos anos 1960, de analistas de diferentes segmentos da esquerda sobre o relativo predomínio dessa interpretação no campo das esquerdas, até 1964. Segundo esses analistas, em sua maioria sociólogos, ao contrário do que o Partido postulava a etapa não poderia ser nacional-burguesa, de aliança de classe entre a burguesia local e o proletariado contra supostos entraves que o feudalismo no campo e o imperialismo estariam impondo ao desenvolvimento das forças produtivas no país, porque o campo não era feudal e porque a burguesia nacional era associada ao capital estrangeiro. 
Na questão agrária a obra mais importante foi “A Revolução Brasileira”, de Caio Prado Jr (1966), em que o autor reiterou a interpretação que mantinha desde a década de 1940 de que eventuais relações de produção “arcaicas”, e com acentuada exploração dos camponeses, não eliminavam o fato básico de que a agricultura brasileira já de há muito vinha operando de acordo com uma lógica perfeitamente capitalista. Anos mais tarde, Francisco de Oliveira (1971) iria além e apresentaria, em sua “Crítica à razão Dualista”, a idéia de que não havia contradição entre os elementos pré-capitalistas da formação social brasileira e a lógica da acumulação capitalista em geral: o exercito de reserva de mão de obra produzida pela fração mais atrasada da agricultura e pela população urbana marginalizada garantiam salários baixos e elevada rentabilidade às empresas capitalistas no país �. 
Já no plano da relação com o capital estrangeiro, cuja abundante participação na industria brasileira desde meados dos 1950 fragilizara a velha visão de que o imperialismo era antagônico à industrialização local, os trabalhos mais importantes são os que se situam no campo da chamada teoria da dependência, em duas versões: a do “capitalismo associado” (Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faletto) a da “superexploração imperialista”, de autores como André Gunder-Franck, Teotônio dos Santos e Rui Mauro Marini. 
É possível remontar as origens da interpretação da dependência já aos trabalhos da CEPAL dos anos 1950 sobre as relações centro-periféricas, especialmente aos ensaios de Furtado (1961) em que o autor aponta o subdesenvolvimento como uma das linhas históricas de projeção do capitalismo industrial cêntrico a nível global, a que se faz por meio de empresas multinacionais sobre estruturas arcaicas, formando “economias híbridas” e profundamente “heterogêneas”. Na própria CEPAL, em Santiago do Chile, Fernando Henrique Cardoso daria prosseguimento a sua reflexão anterior� em oposição à idéia da existência de uma burguesia nacional em conflito com o capital estrangeiro no Brasil, e se uniria a Enzo Faletto para redigir o clássico “Dependência e desenvolvimento na América Latina” {1967 (1970)}. O trabalho inova no terreno metodológico, ao argumentar que os processos históricos dos países da América Latina só podem ser corretamente entendidos quando analisados sob o prisma do comportamento das classes sociais e das estruturas de poder em sua dupla determinação, ou seja, em seu movimento interno e nas relações que se estabelecem entre essas estruturas e o poder econômico e político dos países centrais, com os quais cada país da periferia se relaciona de forma mais estreita. Mais concretamente, o trabalho avalia que nos anos 1960 já estava plenamente estabelecido na América Latina uma aliança entre a burguesia local, as empresas multinacionais e as burocracias civis e militares.� 
A interpretação politicamente mais à esquerda sobre a dependência parte das idéias do trotskista europeu André Gunder-Franck (1966), que visitou o Brasil e o Chile a meados dos 1960 e difundiu o argumento de que na América Latina o capitalismo e o imperialismo são, historicamente, as causas básicas do subdesenvolvimento, e que a industrialização correspondera tão somente a uma nova modalidade de exploração secular a que estava submetida a classe trabalhadora na região. O sistema capitalista mundial funciona com base na formação e exploração de um conjunto de satélites e subsatélites, que se reproduzem dentro de cada país e formam subsistemas de exploração ligados ao sistema mundial. Rui Mauro Marini (1969) interpreta o quadro como de superexploração, com salários e condições de trabalho miseráveis, e extração pelas empresas estrangeiras atuantes na periferia da maior parte da mais valia local, seja diretamente, seja através de seus aliados, as burguesias locais. Os regimes autoritários em vigor na América Latina corresponderiam à face política da superexploração. Essa também é a visão de Theotonio dos Santos (1967, 1970) , para quem a dependência tecnológica da etapa de industrialização posterior do pós-guerra, exercida através de empresas multinacionais, origina um subdesenvolvimento caracterizado por profundas desigualdades, e associado à superexploração da mão-de-obra ligada à transferência para os países imperialistas do excedente local. 
Essas interpretações, mesmo quando muitas vezes fugindo ao desejo de alguns de seus autores, terminaram alimentando, conceitualmente, decisões de luta armada por parte de uma serie de facções de extrema esquerda, especialmente a partir do endurecimento do regime militar a fins dos anos 1960. O argumento dessas facções era o de que o capitalismo no Brasil, mesmo se eventualmente dinâmico, condenava a maior parteda população à super-exploração e à pobreza e requeria uma passagem imediata ao socialismo. Terminaria naquele momento o auge do ciclo interpretativo no campo das correntes político-ideológicas do campo socialista.
ix. De forma estilizada, apresentamos no que se segue o percurso das mais importantes contribuições dos desenvolvimentistas críticos ao entendimento do funcionamento da economia brasileira no período 1964-1980. Como se poderá verificar, foi marcante nas análises dessa corrente a presença da trilogia básica da discussão sobre o crescimento – seu ritmo e sustentabilidade, sua relação com a distribuição de renda e a composição de agentes investidores. 
Os desenvolvimentistas críticos lideraram a oposição ao regime militar no terreno da economia. À diferença dos socialistas, os desenvolvimentistas transmitiam de um modo geral a percepção de que havia potencial no capitalismo brasileiro para que se alcançasse um crescimento socialmente mais justo, ou menos injusto, desde que a sociedade pudesse contar com um ambiente democrático para eleger representantes e para exercer pressão sobre os governos. Suas análises apontavam para a perversidade do modelo de crescimento, e para erros e inconsistências nas políticas governamentais em vários campos, como os da condução da macroeconomia e da distribuição de renda, mas também continham aceitação generalizada dos princípios do planejamento e da intervenção do Estado em favor do fortalecimento das forças produtivas e da sustentação do crescimento�.
x. A meados dos anos 1960, dois textos representativos da corrente histórico- estrutural deram a partida a toda uma safra de interpretações sobre a dinâmica e o “modelo” de crescimento da economia brasileira, por parte dos desenvolvimentistas críticos: o “Auge e declínio da substituição de importações”, de Maria da Conceição Tavares, e o Subdesenvolvimento e Estagnação na América latina, de Celso Furtado �
No primeiro deles, redigido em 1963, a autora analisou a situação por que passava o país por meio de uma interpretação que buscava o entendimento da dinâmica de crescimento prévio, “substitutiva de importações”, e das razões para seu enfraquecimento. Segundo a autora, o declínio do processo substitutivo se devia ao fato de que os setores que ainda apresentavam espaços significativos para o prosseguimento do processo substitutivo (indústrias mecânica, metalúrgica e química) teriam baixa capacidade para estimular o crescimento, devido à elevada intensidade de capital dos mesmos e a rendimentos decrescentes �. Nas conclusões do texto, argumenta que o “problema estratégico” que se apresentava para a economia brasileira era o de “transitar para um novo modelo de desenvolvimento, verdadeiramente autônomo” – no sentido de não mais se mover sob o impulso de restrições no balanço de pagamentos – e que para isto a variável decisiva seria o montante e a composição dos investimentos governamentais. E acrescenta que o crescimento prévio teria gerado ou acirrado um conjunto de desequilíbrios setoriais, sociais e regionais, cujo enfrentamento pressupunha profunda alteração no padrão de desenvolvimento econômico até então prevalecente.
A outra obra, de Furtado, foi publicada em 1965. Conforme anteriormente assinalado, já no final dos anos 1950 o autor diagnosticara que, devido à intensidade de capital do processo de industrialização frente à abundancia de mão de obra, havia uma tendência à preservação de amplo sub-emprego e à concentração de renda na América Latina. A idéia dos rendimentos macroeconômicos decrescentes, empregada por Conceição para dar conta do declínio do processo substitutivo, seria enfatizada e generalizada no livro de Furtado de 1965. O autor concluiu pela existência de uma tendência à estagnação na América Latina motivada por uma queda na taxa de lucro resultante de elevação na relação capital-produto. A queda teria sido provocada por um perfil de oferta intensivo em capital e em escala, que se estruturava em função de um perfil de demanda formado por um pequeno núcleo de consumidores de altas rendas. Segundo Furtado, tal tendência só poderia ser desfeita por meio de um processo de desconcentração de renda que alterasse o perfil da demanda final e, conseqüentemente, permitisse uma recomposição do perfil da oferta na direção da produção de bens de consumo popular, supostamente bem mais intensivos em mão de obra�. Essa recomposição teria, segundo Furtado, as funções de aumentar o emprego e os salários, ampliar o mercado interno, permitir ganhos de escala na produção, e elevar a produtividade do capital e a taxa de lucro�.
Conceição e Furtado - e, à mesma época, também Aníbal Pinto – estavam naquele momento inaugurando na América Latina a história de um longo debate sobre as relações entre processos de crescimento e de distribuição de renda – sobre “modelos” ou “estilos” de crescimento - que perdura até hoje. A formulação se baseia na idéia da adequação entre perfis de oferta de bens e serviços com crescente emprego de tecnologias importadas de países com dotações de recursos diferentes dos nossos, a perfis de sua demanda que refletiam oferta abundante de trabalho, baixos salários e concentração de renda. 
A conclusão “estagnacionista” de Furtado foi, a partir de 1967, desacreditada pelos fatos, já que se iniciou naquele momento um vigoroso ciclo de crescimento econômico. Ao contrário da estagnação, e apesar da concentração de renda, o que se seguiu foi um dinamismo econômico sem precedentes. Isso ofuscou o brilhantismo da formulação analítica básica, sobre adequação entre perfis de oferta e de demanda de bens e serviços – que, como pouco depois Conceição e Serra argumentariam, não conduz, analiticamente, a uma conclusão estagnacionista. 
xi. A partir da recuperação da economia brasileira em 1967 os desenvolvimentistas críticos afastariam a hipótese estagnacionista. Há registros de que Ignácio Rangel foi um dos primeiros a assinalar o vigor da retomada, ainda em 1967. Bresser Pereira (1971, p.214 ) conta em seu livro “Desenvolvimento e Crise no Brasil” que em 1968 Antonio Barros de Castro apresentou oralmente, em palestra em São Paulo, a idéia de que, infelizmente, a economia ganhava dinamismo precisamente por meio de concentração de renda�. O próprio Bresser (1970) relaciona o ciclo de expansão iniciado em 1967 com a concentração de renda, que ampliava a demanda para as indústrias dinâmicas de bens duráveis de consumo. No entanto, o primeiro texto que analisa de forma cabal o processo de crescimento com concentração de renda no Brasil é o “Além da estagnação”, de Maria de Conceição Tavares e José Serra {1969 (1971)}. Na área de economia foi, possivelmente, o texto de maior impacto analítico, ideológico e político de todo o período da ditadura militar.
A contribuição principal foi a de argumentar que o crescimento do período do chamado “milagre” se fazia de forma perversa, com concentração da renda, e que a perversidade era funcional para o estilo de crescimento que estaria ocorrendo, entre outras razões porque adequava o perfil de demanda ao perfil de oferta que se havia previamente instalado. Portanto, ao contrário do que postulava a visão estagnacionista, estava sendo possível crescer concentrando a renda - e pior ainda, a concentração de renda estaria alimentando um processo de crescimento acelerado.
O título do ensaio, “Além da estagnação”, tem o duplo sentido de analisar a superação do quadro recessivo de meados da década dos 1960s e a superação da interpretação estagnacionista. Os autores fazem uma refutação teórica da interpretação, opondo-se à tese de que existe uma tendência à queda nas taxas de lucro como conseqüência da intensidade de capital nos setores voltados à produção de bens para as classes ricas. Argumentam que o progresso técnico eleva produtividade de forma compensatória à elevação da relação capital-trabalho, e que a variável determinante na decisão de investir é a taxa de lucro esperada, que pouca relação guardaria, “ex-ante”,

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