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Autores: Prof. Dr. Telmo Roberto Strohaecker Coordenador do Laboratório de Metalurgia Física Universidade Federal do Rio Grande do Sul e-mail: telmo@demet.ufrgs.br Prof. Vitor José Frainer Laboratório de Ensaios Mecânicos Fundação Universidade Federal do Rio Grande e-mail: dmcvjf@super.furg.br rincípios de Tratamentos Térmicos � 2 2 Princípios de Tratamentos Térmicos 3 Sumário Pg 1. Introdução .................................................................................................................. 5 2. Estruturas Cristalinas ................................................................................................. 6 2.1 - Reticulado Cristalino ................................................................................. 6 2.2 - Estrutura Cúbica de Corpo Centrado ......................................................... 8 2.3 - Estrutura Cúbica de Faces Centradas ........................................................ 9 2.4 - Interstícios ................................................................................................. 10 2.5 - Índices de Miller ........................................................................................ 11 2.6 - Defeitos na Estrutura Cristalina ................................................................ 12 2.7 - Estrutura do Ferro Puro ............................................................................. 14 3. Diagrama Ferro-Carbono .......................................................................................... 17 4. Microestrutura dos Aços ............................................................................................ 22 4.1 - Aço Eutetóide ............................................................................................ 22 4.2 - Aços Hipoeutetóides ................................................................................. 24 4.3 - Aços Hipereutetóides ................................................................................ 25 4.4 - Regra da Alavanca .................................................................................... 25 4.5 - Classificação dos Aços............................................................................... 27 5. Fases Metaestáveis .................................................................................................... 29 5.1 - Reação Martensítica .................................................................................. 29 5.2 - Reação Bainítica ........................................................................................ 31 6. Tratamentos Térmicos ............................................................................................... 33 6.1 - Objetivos Gerais ........................................................................................ 33 6.2 - Tipos Comuns ........................................................................................... 33 6.3 - Fatores de Influência ................................................................................. 34 6.4 - Esferoidização ........................................................................................... 37 6.5 - Recozimento .............................................................................................. 38 6.6 - Normalização ............................................................................................. 40 6.7 - Têmpera ..................................................................................................... 41 6.8 - Revenido .................................................................................................... 47 6.9 - Tratamentos Isotérmicos ........................................................................... 49 7. Diagramas Isotérmicos .............................................................................................. 53 7.1 - Introdução .................................................................................................. 53 7.2 - Efeito da Temperatura de Transformação da Perlita ................................. 53 7.3 - Velocidade de Nucleação da Perlita .......................................................... 54 7.4 - A Reação Bainítica .................................................................................... 55 7.5 - Diagrama Isotérmico ................................................................................. 56 7.6 - Diagramas Isotérmicos de Aços Hipoeutetóides e de Aços Hipereutetóides ........................................................................................ 60 7.7 -Influência do Tamanho de Grão e dos Elementos de Liga nos Diagramas Isotérmicos .................................................................................................. 61 8. Diagramas de Resfriamento Contínuo ....................................................................... 63 8.1 - Introdução .................................................................................................. 63 8.2 - Comparação Entre Diagramas Isotérmicos e de Resfriamento Contínuo . 63 8.3 - Transformações no Diagrama de Resfriamento Contínuo ........................ 64 8.4 - Propriedades dos Produtos Formados ....................................................... 65 9. Temperabilidade ........................................................................................................ 67 9.1 - Introdução ................................................................................................. 67 rincípios de Tratamentos Térmicos � 4 4 9.2 - Definição de Temperabilidade .................................................................. 67 9.3 - Fatores que Afetam a Distribuição de Dureza .......................................... 68 9.4 - Ensaio de Jominy ...................................................................................... 71 9.5 - Método de Temperabilidade de Grossmann .............................................. 72 9.6 - Determinação da Curva de Jominy em Função da Composição e do Tamanho de Grão ..................................................................................... 76 9.7 - Aplicação Prática do Ensaio de Jominy .................................................... 81 10. Endurecimento Superficial - Tratamentos Termoquímicos .................................... 86 10.1 - Introdução ................................................................................................ 86 10.2 - Cementação ............................................................................................. 86 10.3 - Nitretação ................................................................................................ 94 11. Endurecimento Superficial - Têmpera Superficial .................................................. 96 11.1 - Introdução ................................................................................................ 96 11.2 – Aquecimento por Chama ........................................................................ 96 11.3 – Aquecimento por Indução ....................................................................... 98 12. Preparação de Amostras .......................................................................................... 103 12.1 - Introdução ................................................................................................ 103 12.2 - Retirada da Amostra ................................................................................ 104 12.3 – Embutimento .......................................................................................... 104 12.4 - Lixamento ................................................................................................ 105 12.5 - Polimento ................................................................................................106 12.6 - Ataque Químico ...................................................................................... 106 Bibliografia .................................................................................................................... 108 Apêndice A ................................................................................................................... 109 Apêndice B .................................................................................................................... 111 Princípios de Tratamentos Térmicos 5 1 - Introdução O ferro é o principal constituinte de uma das ligas mais importantes na engenharia; o aço. Os aços são empregados nos mais variados componentes. Fica difícil imaginar um equipamento que não possua uma peça de aço em sua constituição. O ferro é um metal alotrópico, isto é, ele apresenta mais de uma estrutura cristalina de acordo com a temperatura. Quando o ferro solidifica, a 1538 °C, passa a apresentar uma estrutura cúbica de corpo centrado, a fase δ (delta). Continuando o resfriamento, ocorre uma mudança de fase na temperatura de 1394 °C, com os átomos de ferro sofrendo um rearranjo para uma estrutura cúbica de faces centradas, a fase γ (gama). Na temperatura de 912 °C ocorre um novo rearranjo cristalino e o ferro volta a apresentar uma estrutura cúbica de corpo centrado, a fase α (alfa). Abaixo da temperatura de 768 °C (ponto Curie) o ferro passa a apresentar um comportamento magnético, sem no entanto apresentar qualquer mudança na estrutura cristalina. Todas estas transformações alotrópicas ocorrem com liberação de calor no resfriamento (reações exotérmicas) e com absorção de calor no aquecimento (reações endotérmicas). Evidentemente a quantidade de energia envolvida é bem inferior do que a da transformação de estado (calor latente de solidificação, por exemplo). A existência destas transformações, conforme será visto mais adiante, faz com que os aços apresentem-se como uma classe de materiais extremamente versáteis atendendo a um grande espectro de propriedades mecânicas. rincípios de Tratamentos Térmicos � 6 6 2 - Estruturas Cristalinas 2.1 - Reticulado Cristalino Todos os metais, incluindo-se neste caso o ferro puro, possuem o que se convenciona chamar de estrutura cristalina. Para que possamos entender do que se trata vamos considerar uma rede de pontos que se prolonga infinitamente nas três direções do espaço como mostrado na figura 2.1. Figura 2.1 - Representação de uma rede de pontos que serve de base para o estudo das estruturas cristalinas(6). Se todas as retas que formam a rede estiverem regularmente espaçadas em cada uma das direções, os pontos de intersecção estarão também regularmente espaçados e neste caso fica caracterizada uma rede espacial de pontos. Observando-se a figura 2.1 vemos que a geometria da rede espacial fica perfeitamente caracterizada se utilizarmos três vetores para defini-la. Assim, se tomarmos por base o comprimento dos três vetores como sendo a, b e c e se tomarmos o ângulo ente estes mesmos vetores como sendo α, β e γ teremos o que se convenciona chamar de constante de rede. Estas constantes nos permitem definir exatamente como os pontos se distribuem no espaço, pois, se repetirmos o comprimento de um vetor, por exemplo a, segundo a direção dada por α, encontraremos uma nova interseção, ou seja um outro ponto de rede. Similarmente se combinarmos a distância b com o ângulo β e a distância c com o ângulo γ encontraremos pontos a cada repetição. Devemos entender, ainda, que em um enfoque puramente geométrico, tanto as distâncias quanto os ângulos podem ter o mesmo valor ou serem diferentes entre si, o que nos permitiria uma série de combinações. Indo um pouco adiante, poderíamos associar a esta rede espacial uma série de átomos distribuídos regularmente pelo espaço, não necessariamente localizados nos pontos de intersecção, mas respeitando a regularidade Princípios de Tratamentos Térmicos 7 determinada pelas distâncias e pelos vetores. Desta forma teríamos caracterizada uma estrutura cristalina, que nada mais é do que uma rede de pontos regularmente espaçados com uma distribuição regular dos átomos. Muitos materiais possuem uma distribuição característica e regular dos seus átomos sendo chamados então de materiais cristalinos. Como existe esta regularidade, uma estrutura cristalina de um material não precisa ser representada por todos os seus átomos mas apenas por um conjunto de átomos que possam definir a sua distribuição no espaço. Este conjunto de átomos deve ser escolhido de tal forma que uma vez repetidas as suas posições nas três direções do espaço tenhamos a representação de toda a estrutura cristalina do material. A esta pequena porção do reticulado cristalino que tem a propriedade de representar todo o cristal chamamos célula unitária. Uma célula unitária terá sempre associada uma figura geométrica (as distâncias a, b e c e os vetores α, β e γ ) e a distribuição característica dos átomos. No estudo das estruturas cristalinas são utilizadas apenas sete figuras geométricas, caracterizando sete sistemas cristalinos e estes produzem um total de apenas quatorze distribuições características dos átomos, produzindo quatorze estruturas cristalinas. Embora alguns materiais possam apresentar distribuições mais complexas, apenas estas quatorze células unitárias são suficientes para permitir o estudo dos materiais cristalinos. Na tabela 2.1 apresentamos os sete sistemas cristalinos com as suas características geométricas e as estruturas cristalinas geradas a partir dos mesmos. Dentre os sistemas apresentados os que mais interessam para o estudo dos tratamentos térmicos de aços são o sistema cúbico e o sistema tetragonal. Na figura 2.2 pode-se ver as células unitárias das estruturas cúbicas de corpo centrado (CCC), cúbica de faces centradas (CFC) e tetragonal de corpo centrado (TCC). Por uma questão de simplicidade os átomos em um reticulado cristalino são representados como esferas perfeitas mas isto não implica em diferenças muito grandes em relação ao caso real. Uma representação deste tipo está apresentada na figura 2.3 para as estruturas cúbica de corpo centrado e cúbica de faces centradas. Figura 2.2 - Representação esquemática das células unitárias das estruturas cúbica de corpo centrado, cúbica de faces centradas e tetragonal de corpo centrado(6). rincípios de Tratamentos Térmicos � 8 8 Se olharmos mais atentamente para estas figuras podemos retirar outros valores que são úteis para comparação entre as várias estruturas. Os parâmetros característicos mais utilizados são as medidas características dos vetores, chamado parâmetro de rede, o número de átomos por célula unitária, o número de vizinhos que cada átomo possui (átomos que distam entre si dois raios atômicos), chamado número de coordenação e a relação entre o volume ocupado pelos átomos e o volume da célula unitária, chamado de fator de empacotamento. Para que se possa entender um pouco melhor estas estruturas teceremos mais algumas considerações a respeito das mesmas a seguir. Figura 2.3 - Representação do modelo de esferas das estruturas cúbica de corpo centrado e cúbica de faces centradas(3). 2.2 - Estrutura Cúbica de Corpo Centrado A estrutura cúbica de corpo centrado é uma estrutura que possui os seguintes parâmetros geométricos: a=b=c e α=β=γ=90o. Estes valores fazem com que a célula unitária seja caracterizada pela figura de um cubo. Além disso os átomos estão localizados nos vértices e no centro dacélula, como pode ser visto nas figuras 2.2 e 2.3. Observe-se que os átomos dos vértices tem apenas um oitavo do seu volume ocupando espaço na célula unitária. Neste caso o parâmetro de rede, representado pelo lado do cubo, vale 4 3R , o número de átomos por célula unitária é 2 (um átomo correspondendo à soma dos oito oitavos dos átomos dos vértices e mais o átomo localizado no centro da célula), número de coordenação de 8 e um fator de empacotamento de 0,68, onde R é o raio atômico. Deve ser lembrado que, embora estes parâmetros tenham sido retirados da célula unitária, eles são válidos para toda a estrutura cristalina. Isto significa que, independente da célula unitária escolhida e do átomo tomado como referência, devemos encontrar sempre os mesmos valores. Princípios de Tratamentos Térmicos 9 Tabela 2.1 - Classificação das estruturas cristalinas dentro dos sistemas cristalinos Sistema cristalino Parâmetro de rede e ângulo entre os eixos Estrutura cristalina Cúbico Três eixos iguais em ângulo reto Cúbica simples a=b=c, α=β=γ=90° Cúbica de corpo centrado Cúbica de faces centradas Tetragonal Três eixos em ângulo reto, dois iguais Tetragonal simples a=b≠c, α=β=γ=90° Tetragonal de corpo centrado Ortorrômbico Três eixos desiguais em ângulo reto Ortorrômbico simples a≠b≠c, α=β=γ=90° Ortorrômbico de corpo centrado Ortorrômbico de bases centradas Ortorrômbico de faces centradas Romboédrico Três eixos iguais, ângulos iguais Romboédrico simples a=b=c, α=β=γ≠90° Hexagonal Dois eixos iguais a 120°, terceiro eixo a 90° Hexagonal simples a=b≠c, α=β=90°, γ=90° Monoclínico Três eixos desiguais, um ângulo diferente Monoclínico simples a≠b≠c, α=β=90°, γ≠90 Monoclínico de bases centradas Triclínico Três eixos desiguais, ângulos desiguais Triclínico simples a≠b≠c, α≠β≠γ≠90 2.3 - Estrutura Cúbica de Faces Centradas A estrutura cúbica de faces centradas possui os mesmos parâmetros geométricos que a estrutura cúbica de corpo centrado, porém, a distribuição dos átomos é um pouco diferente. Neste caso existem átomos localizados nos vértices e no centro de cada uma da faces do cubo, conforme as figuras 2.2 e 2.3. Isto faz com que os átomos das faces tenham apenas metade do seu volume ocupando espaço na célula unitária. O parâmetro de rede vale 4 2R , o número de átomos por célula unitária é 4 (um átomo correspondendo à soma dos oito oitavos dos átomos dos vértices e mais três átomos correspondentes aos átomos localizados nas faces), número de coordenação de 12 e um fator de empacotamento de 0,74. Comparando-se o fator de empacotamento das duas estruturas pode-se ver que a estrutura CFC é mais compacta do que a estrutura CCC, isto é, os seus átomos ocupam de maneira mais eficiente o espaço. Se considerarmos o mesmo raio atômico, pode-se dizer que os átomos organizados segundo uma estrutura CFC ocuparão menor volume o que conduzirá a uma maior densidade. rincípios de Tratamentos Térmicos � 10 10 2.4 - Interstícios Em qualquer estrutura cristalina o fator de empacotamento é sempre menor do que um, isto é, os átomos não ocupam todo o espaço disponível na célula unitária. Este fato implica em que existam espaços vazios entre os átomos da estrutura. Estes espaços vazios recebem o nome de interstícios e exercem um papel muito importante nos tratamentos térmicos dos aços como será visto mais adiante. Normalmente existem vários interstícios em uma estrutura cristalina e quanto menor o fator de empacotamento maior é o volume destinado aos interstícios, embora o tamanho de cada um dependa do raio atômico e da estrutura cristalina. Deste modo uma estrutura CFC possui interstícios maiores do que uma estrutura CCC, embora o seu fator de empacotamento seja maior. A principal conseqüência disto é que, quando se tiver uma solução em que os átomos do soluto se colocam em posições intersticiais, como é o caso da liga ferro-carbono, a estrutura que tiver os maiores interstícios apresentará uma maior solubilidade do que aquela que possui interstícios menores. Nas figuras 2.4 e 2.5 estão representados os interstícios das células CCC e CFC. (a) (b) Figura 2.4 - Interstícios octaédricos (a) e insterstícios tetraédricos (b) em uma estrutura cúbica de corpo centrado(9). (a) (b) Figura 2.5 - Interstícios octaédricos (a) e insterstícios tetraédricos (b) em uma estrutura de faces centradas(9). Princípios de Tratamentos Térmicos 11 Um interstício sempre é denominado pela figura poliédrica formada pelos átomos que estão em volta do espaço vazio e desta forma vamos encontrar interstícios tetraédricos e insterstícios octaédricos. Tanto a estrutura CCC quanto a estrutura CFC possuem estes interstícios, no entanto estes são maiores na estrutura CFC. 2.5 - Índices de Miller A disposição característica dos átomos na estrutura cristalina de um material faz com que existam direções e planos característicos para cada estrutura. Estas direções e planos tornam-se importantes pelo fato de influírem no comportamento do material como é o caso da deformação. Sempre que tivermos deformação esta se dará segundo determinadas direções e planos particulares para cada estrutura. Isto se deve principalmente ao fato de que existe uma maior densidade de átomos em determinadas direções gerando planos de escorregamento quando ocorre deformação plástica. Para a determinação exata das direções e planos foi criada uma notação apropriada que é chamada de Índices de Miller. Nas figuras 2.6 e 2.7 são mostradas direções e planos característicos para as estruturas CCC e CFC. Os índices de uma direção estão relacionados com as coordenadas de um ponto com relação à origem do sistema de eixos. Assim, a direção [100] corresponde a um vetor paralelo ao eixo x, enquanto que a direção [010] corresponde a um vetor paralelo ao eixo y. No caso dos planos, os índices correspondem ao inverso do valor das interseções do plano com os eixos. Deste modo um plano (100) corresponde a um plano paralelo aos eixos y e z enquanto que um plano (010) corresponde a um plano paralelo aos eixos x e z. Figura 2.6 - Direções cristalinas em uma estrutura cúbica(15). rincípios de Tratamentos Térmicos � 12 12 Figura 2.7 - Planos cristalinos em uma estrutura cúbica(3). 2.6 - Defeitos na Estrutura Cristalina Embora até aqui tenhamos representado uma estrutura cristalina como uma rede de pontos que se distribui regularmente pelo espaço com átomos a ela associados e também regularmente distribuídos, isto não acontece nos materiais cristalinos reais. Todos os materiais cristalinos possuem um certo número de defeitos os quais podem influir decisivamente em suas propriedades. Abaixo relacionaremos alguns dos principais defeitos para que se tenha idéia de como os mesmos se apresentam no reticulado cristalino. a. Lacunas Este defeito é caracterizado pela ausência de um átomo em uma posição que deveria ser ocupada na estrutura cristalina. Isto gera uma deficiência de ligações entre os átomos fazendo com que os mesmos tendam a se aproximar, o que provoca uma distorção na rede e produz um acúmulo de energia naquele ponto. Na figura 2.8 representamos este defeito. b. Defeitos intersticiais. Caracteriza-se pela presença de um átomo em um interstício da estrutura cristalina. Neste caso o átomo pode ser do próprio elemento que forma a estrutura, sendo chamado de defeito auto-intersticial, ou por um átomo estranho, chamado defeito de impureza intersticial. Pelo fato dos interstícios em uma estrutura serem pequenos com relação aos átomos que abrigam, um defeito intersticialproduz uma distorção e um acúmulo de energia muito maior do que uma lacuna. A figura 2.8 representa estes dois defeitos. Princípios de Tratamentos Térmicos 13 c. Discordâncias Uma discordância é um defeito planar que envolve o posicionamento de uma série de átomos. O caso mais comum deste tipo de defeito é o que é chamado de discordância em cunha, o qual é mostrado na figura 2.9. Neste caso uma discordância em cunha pode ser vista como um plano extra de átomos, produzindo um efeito de cunha no reticulado. Por envolver um grande número de átomos uma discordância envolve um acúmulo de energia muito maior do que um defeito de lacuna ou intersticial. Figura 2.8 - Representação dos defeitos de lacuna, defeito auto-intersticial e defeito de impureza intersticial(6). As discordâncias exercem um papel muito importante na deformação plástica pois são elas que permitem o escorregamento de planos cristalinos que produzem a deformação. Se a discordância estiver livre para se deslocar pelo reticulado cristalino a deformação se produz facilmente, ao passo que se existirem defeitos como os intersticiais ou a presença de precipitados, o deslocamento será dificultado restringindo a deformação. Isto irá se refletir em um aumento do limite de escoamento do metal. Figura 2.9 - Representação de uma discordância em cunha(6). rincípios de Tratamentos Térmicos � 14 14 d. Contorno de grão Em um material real, não temos uma estrutura cristalina com uma única orientação. Se observarmos a orientação da estrutura de um material veremos que ela é subdividida em um grande número de zonas, cada uma delas com uma orientação diferente, isto é, cada uma das zonas forma um cristal independente. A estes cristais que possuem uma orientação particular chamamos de grãos. Na figura 2.10 temos uma representação da disposição dos átomos no interior dos grãos. Todos os grãos de uma mesma fase do material possuem a mesma estrutura cristalina, diferindo somente na orientação. A conseqüência desta orientação diferente é que na fronteira entre os grãos existe uma zona de transição entre duas orientações e, por isso, os átomos que fazem parte desta fronteira estão mal organizados e com um nível mais alto de energia. A esta região chamamos de contorno de grão. O contorno de grão exerce um papel importante nas transformações de fase, onde a maior energia dos átomos favorece a nucleação, e na deformação plástica, onde tem a função de restringir o movimento das discordâncias. Figura 2.10 - Representação da distribuição dos átomos em um material policristalino(15). 2.7 - Estrutura do Ferro Puro 2.7.1 - Alotropia Alotropia é a propriedade que têm certos materiais de mudarem de estrutura cristalina dependendo da temperatura em que estiverem. O ferro puro possui esta propriedade, podendo ter os seus átomos organizados em uma estrutura CCC ou em uma estrutura CFC. Desde a temperatura ambiente até 912°C o ferro apresenta uma estrutura cristalina CCC e nestas condições é chamado de ferro α. De 912°C até 1394°C apresenta estrutura CFC e é chamado de ferro γ. Finalmente de 1394°C até o ponto de fusão a Princípios de Tratamentos Térmicos 15 1538°C volta a apresentar estrutura CCC, sendo chamado de ferro δ. Estas alterações na estrutura cristalina produzem uma série de implicações tanto nas transformações do ferro puro quanto nas ligas de ferro. Por exemplo, anteriormente foi citado que a estrutura CCC tem um fator de empacotamento de 0,68 enquanto que uma estrutura CFC tem um fator de empacotamento 0,74. Quando o ferro passa de CCC para CFC a 912°C, esta diferença no fator de empacotamento provoca uma redução no volume e um aumento na densidade. 2.7.2 - Solução do Carbono no Ferro A aplicação mais importante da transformação alotrópica do ferro se encontra nas ligas ferro-carbono. O carbono forma uma solução sólida intersticial com o ferro, isto é, os átomos de carbono se colocam nos interstícios da estrutura cristalina do ferro. A conseqüência prática deste tipo de solução é que teremos uma liga de baixo custo e com possibilidades de uma grande variação nas propriedades dependendo do teor de carbono e do tratamento térmico utilizado. Nas figuras 2.4 e 2.5 mostramos os interstícios tetraédricos e octaédricos que ocorrem nas estruturas CCC e CFC. Estes interstícios variam de tamanho de acordo com a estrutura, isto é, os interstícios da estrutura CCC são menores do que os da estrutura CFC. Isto significa que de acordo com o tamanho do interstício teremos um menor ou maior espaço disponível para que um átomo de uma solução intersticial venha se colocar naquela posição. Como os átomos que entram em solução são sempre maiores do que os interstícios, cada átomo intersticial produzirá uma certa quantidade de distorção do reticulado cristalino e quanto menor for o interstício maior será a distorção. No caso da estrutura CCC os raios atômicos máximos possíveis para que não haja distorção correspondem a 0,29R para os interstícios tetraédricos e 0,15R para os interstícios octaédricos, onde R é o raio atômico do átomo que forma a estrutura. Na estrutura CFC estes valores correspondem a 0,23R para os interstícios tetraédricos e 0,41R para os interstícios octaédricos. No caso da liga ferro-carbono estes valores correspondem a 0,36 ângstrons e 0,19 ângstrons para a estrutura CCC, onde o raio atômico do ferro é 1,24 ângstrons, e 0,29 ângstrons e 0,52 ângstrons para a estrutura CFC, onde o raio atômico do ferro é 1,27 ângstrons. Como o raio atômico do carbono é de aproximadamente 0,77 ângstrons é fácil notar que em qualquer situação teremos uma distorção do reticulado sempre que um átomo de carbono se colocar em um interstício. Nas figuras 2.11 e 2.12 podemos ver uma rincípios de Tratamentos Térmicos � 16 16 representação desta situação. Quando se forma a solução ferro-carbono os átomos de carbono irão se alojar nos interstícios octaédricos, pois estes propiciam uma melhor acomodação, o que implica em uma menor energia de distorção. Do acima exposto pode-se entender facilmente que deverá haver uma menor solubilidade do carbono no ferro α do que no ferro γ. No caso do ferro α a solubilidade máxima do carbono é de aproximadamente 0,025% em peso ou 0,1% em número de átomos, na temperatura de 727°C, enquanto que no ferro γ a solubilidade máxima é de 2,1% em peso ou 9% em número de átomos, na temperatura de 1148°C. Figura 2.11 - Relação entre o tamanho do átomo de carbono e o interstício octaédrico em uma estrutura CCC(15). Figura 2.12 - Relação entre o tamanho do átomo de carbono e o interstício octaédrico em uma estrutura CFC(15). Princípios de Tratamentos Térmicos 17 3 - Diagrama Ferro-Carbono As ligas ferro-carbono ainda hoje representam os materiais de maior utilização prática. Isto se deve ao fato de que estas ligas podem apresentar uma grande variação nas suas propriedades pela simples variação na quantidade de carbono e ainda possibilitam que se tenha uma gama maior de propriedades se considerarmos a possibilidade de deformação plástica e os tratamentos térmicos. A base para que este material tenha estas características está principalmente atrelado ao fato de que o ferro puro apresenta transformação alotrópica e que o carbono forma uma solução sólida intersticial com o ferro. Isto conduz a uma série de possibilidades de transformações, cada uma com suas microestruturas típicas, resultando na grande variação das propriedades. As transformações em uma liga ferro- carbono são influenciadas basicamente pela temperatura e pelo teor de carbono. Se considerarmos apenas este dois fatores poderemosmontar um mapa das transformações que irão ocorrer, o qual será chamado de diagrama de equilíbrio. Na figura 3.1 podemos ver o diagrama de equilíbrio da liga ferro carbono e na figura 3.2 temos um detalhe deste mesmo diagrama. Nesta representação podemos ver as fases que estarão presentes para cada temperatura e composição e também os pontos que são fundamentais para a compreensão das transformações. A seguir faremos algumas considerações a respeito do diagrama. Em primeiro lugar deve ser observado que o diagrama vai somente até 6,69% de carbono. Isto se deve ao fato de que as ligas acima deste teor não têm qualquer importância comercial. Em segundo lugar deve ficar claro que as ligas comerciais não são constituídas apenas por ferro e carbono, mas podem ter em sua composição outros elementos de liga além de pequenas quantidades de impurezas que são inerentes ao processo de obtenção do material. Assim sendo, o diagrama apresentado na figura 3.1 não representa fielmente o que sucede na prática, mas como pequenas quantidades de outros elementos não produzem grandes alterações, podemos utilizá-lo como base para o nosso estudo. O diagrama ferro-carbono utilizado na prática na realidade é um falso diagrama de equilíbrio, isto é, ele representa o equilíbrio metaestável entre ferro e um carboneto de ferro chamado cementita que tem fórmula estequiométrica Fe3C. O fato é que a forma mais estável da liga ferro-carbono seria ferro e grafita mas como a grafita pode levar até mesmo anos para se formar, o diagrama estável não possui aplicação prática. Na figura 3.1 rincípios de Tratamentos Térmicos � 18 18 o diagrama estável ferro-grafita está representado pelas linhas tracejadas e o diagrama metaestável ferro-cementita está representado por linhas contínuas. Em um diagrama de equilíbrio as fases são sempre representadas por letras gregas mas no caso das ligas ferro-carbono estas fases além de serem identificadas por letras gregas também receberam um nome. Desta forma teremos as fases denominadas ferrita, austenita e cementita, que podem ou não estar presentes na microestrutura do material, dependendo do teor de carbono e da temperatura. Figura 3.1 - Diagrama de equilíbrio ferro-carbono(10). Observando-se o diagrama nota-se que este apresenta vários pontos que merecem ser destacados. O primeiro deles é o que corresponde a uma composição de 2,11% de carbono a 1148°C. Este ponto representa uma fronteira entre as ligas ferro-carbono que são Princípios de Tratamentos Térmicos 19 caracterizadas como aços e as ligas que são caracterizadas como ferro fundido. Assim, aço é uma liga com menos de 2,11% de carbono e ferro fundido é uma liga com mais de 2,11% de carbono. A escolha deste ponto deve-se ao fato de que, quando resfriamos um aço desde o estado líquido, este sempre passará por uma faixa de temperaturas em que a sua microestrutura será composta de uma única fase chamada austenita, o que não acontece para os ferros fundidos que possuem teores de carbono acima deste valor. A austenita, também chamada fase γ, é uma fase derivada do ferro γ que como se sabe é formado por uma estrutura cúbica de faces centradas. Quando combinamos o ferro com o carbono forma-se uma solução sólida intersticial em que é mantida a estrutura cristalina original do ferro γ. Figura 3.2 - Detalhe do diagrama de equilíbrio ferro-carbono(10). rincípios de Tratamentos Térmicos � 20 20 Para temperaturas inferiores, o fato de o ferro γ passar para ferro α produz o aparecimento de uma nova fase chamada fase α ou ferrita. A ferrita também é uma solução sólida intersticial de ferro e carbono e, a exemplo da fase γ, é mantida a estrutura cristalina cúbica de corpo centrado do ferro α. Devido ao fato de que as duas fases citadas acima possuem diferenças em sua estrutura cristalina, existe também uma grande diferença de solubilidade do carbono entre elas. Como já foi visto no capítulo 2, os interstícios da estrutura CFC são maiores do que os interstícios da estrutura CCC. Isto conduz a uma solubilidade do carbono que pode chegar a 2,11% (aproximadamente 9% em átomos) na temperatura de 1148°C para a austenita e somente 0,025% (aproximadamente 0,1% em átomos) a 727°C para a ferrita. Como pode ser observado no diagrama, a solubilidade do carbono não é fixa para estas fases, podendo variar com a temperatura. Desta maneira a austenita e a ferrita só apresentarão a sua solubilidade máxima nas temperaturas indicadas acima, variando tanto para temperaturas superiores como para temperaturas inferiores. Além disso, o carbono é um elemento estabilizador da austenita, e como podemos ver no diagrama, quando tivermos ferro puro a temperatura mínima em que a austenita é estável é de 912°C mas à medida que o teor de carbono cresce esta temperatura vai diminuindo até que, para 0,77% de carbono chegamos ao mínimo de 727°C. A partir daí a temperatura aumenta novamente até atingirmos o máximo de 2,11% para 1148°C. No caso da ferrita ela é estável até 912°C na ausência de carbono e à medida em que aumenta o teor a temperatura diminui até que se atinja a solubilidade máxima de 0,025%C a 727°C. Abaixo desta temperatura a solubilidade diminui novamente chegando praticamente a zero na temperatura ambiente. Como existe um limite de solubilidade do carbono tanto na austenita quanto na ferrita, o excesso de carbono poderá propiciar a formação de uma terceira fase que é chamada de cementita e que possui estrutura cristalina ortorrômbica, ainda em solução sólida intersticial com 6,69% de carbono. Isto acontece para teores de carbono maiores do que 0,77% acima de 727°C e abaixo de 1148°C e, para teores maiores do que 0,025%, abaixo de 727°C. Desta maneira teremos no diagrama regiões em que o aço é monofásico e regiões em que é bifásico. As regiões monofásicas podem ser formadas por austenita ou por ferrita e as regiões bifásicas podem ser formadas por austenita e ferrita, austenita e cementita ou ferrita e cementita. Outro ponto importante que deve ser observado é o que ocorre para a composição de 0,77% de carbono a 727°C. Este ponto, chamado ponto eutetóide, é o lugar do Princípios de Tratamentos Térmicos 21 diagrama em que temos a convivência simultânea das três fases citadas acima, isto é, quando resfriamos o aço teremos a transformação da austenita em ferrita e cementita. Especificamente para esta composição a temperatura permanece constante enquanto a transformação não se completar totalmente. Adiante esta transformação será tratada com mais detalhes. Quando tivermos outros elementos fazendo parte da composição do aço, o teor de carbono correspondente ao ponto eutetóide será deslocado mais para a esquerda ou para a direita e a temperatura em que ocorre esta reação irá aumentar ou diminuir. Esta é uma das influências dos elementos de liga dos aços que está retratada na figura 3.3. As outras influências do elementos de liga serão analisadas nos capítulos subsequentes. Figura 3.3 - Influência dos elementos de liga na temperatura eutetóide e na composição eutetóide de um aço(10). rincípios de Tratamentos Térmicos � 22 22 4 - Microestrutura dos Aços Conforme já foi salientado no capítulo anterior, aços são ligas ferro-carbono que contém até 2,11% em peso de carbono. Esta é a quantidade máxima de carbono que podemos ter na austenita a 1148°C. Na prática, entretanto, os aços raramente ultrapassam o teor de carbono de 1,0%. Teores maiores do que este somente são encontrados em aços ligados, geralmente com altos teores de liga como é o caso dos aços utilizados para a fabricação de matrizes e ferramentas. Neste capítulo estudaremosas transformações que ocorrem nos aços sem elementos de liga quando estes forem resfriados lentamente desde o estado austenítico até a temperatura ambiente. 4.1 - Aço Eutetóide Aço eutetóide é um aço que tem um teor de carbono de 0,77%. Esta é uma composição particular encontrada no diagrama ferro-carbono em que existe a transformação de austenita para ferrita e cementita. Como já foi citado anteriormente, a esta reação é dado o nome de reação eutetóide que é uma reação em que temos a transformação de uma fase sólida (austenita) em duas fases sólidas (ferrita e cementita). A reação eutetóide é uma reação que se processa lentamente, pois é um processo em que temos que ter migração dos átomos de carbono para que as novas fases sejam formadas. A forma como ocorre esta transformação está ilustrada na figura 4.1 e pode ser descrita da seguinte maneira: - quando um aço de composição eutetóide é resfriado desde o campo austenítico e chega à temperatura eutetóide de 727°C, a estrutura CFC da austenita torna-se instável e para que o material permaneça estável é necessário que haja uma transformação de estrutura. A estrutura que irá se formar é uma estrutura CCC que é a ferrita. Esta passagem de uma estrutura CFC para outra CCC é induzida pela transformação alotrópica do ferro puro, a qual também é conseqüência de uma variação na energia livre. Ocorre, porém, que a ferrita é uma fase em que a solubilidade do carbono é muito menor do que na austenita e neste caso haverá uma quantidade de carbono excedente que irá formar outra fase que é a cementita. A formação da ferrita se dá a partir de pontos de maior energia, como por exemplo os contornos de grão, e vai crescendo em direção ao centro do grão. À medida em que a ferrita cresce, o carbono em excesso vai sendo expulso para as regiões adjacentes, dando Princípios de Tratamentos Térmicos 23 origem à cementita. Como existe a formação quase simultânea de vários núcleos de ferrita, a estrutura resultante passará a ser composta de regiões alternadas de ferrita e de cementita. Como conseqüência, ao final da transformação, toda a estrutura do aço será formada por lamelas de ferrita e cementita. Observada ao microscópio esta estrutura lembra uma impressão digital e recebe o nome de perlita. A forma característica de como se apresenta a perlita pode ser vista nas figuras 4.2 e 4.3. Figura 4.1 - Transformação da austenita em ferrita e cementita(11). Um aço com estrutura perlítica apresenta uma razoável resistência mecânica . Ocorre que a ferrita está diretamente reforçada pela cementita. A composição de duas fases propicia um aço de boa resistência mecânica e boa resistência ao desgaste com sacrifício da ductilidade e da tenacidade do material. Figura 4.2 - Microestrutura representando a perlita. As lamelas claras são compostas por ferrita e as escuras são compostas por cementita(11). rincípios de Tratamentos Térmicos � 24 24 Figura 4.3 - Microestrutura perlítica como pode ser vista nos aços resfriados lentamente(10). 4.2 - Aços Hipoeutetóides Consideremos agora um aço com um teor de carbono inferior a 0,77%, isto é, um aço com concentração inferior ao eutetóide. No resfriamento, a austenita não passa diretamente para ferrita e cementita. Conforme pode ser observado no detalhe do diagrama Fe-C da figura 4.4, a liga de composição hipoeutetóide cruza o campo bifásico em que coexistem a ferrita e a austenita. Desta forma, em uma primeira etapa haverá a formação de ferrita a partir da austenita. O carbono expulso das regiões em que é nucleada a ferrita pode ser tranqüilamente dissolvida pela austenita remanescente àquela temperatura. Assim, à medida em vai aumentando a quantidade de ferrita formada, a austenita vai sendo enriquecida em carbono. Figura 4.4 - Representação esquemática da transformação de um aço hipoeutetóide(9). Princípios de Tratamentos Térmicos 25 Considerando-se agora o resfriamento de um aço com 0,2% de carbono em peso. À medida que o material cruza o campo bifásico a quantidade de ferrita vai aumentando gradativamente. A quantidade de ferrita formada, ferrita proeutetóide, a cada temperatura, pode ser calculada pela regra da alavanca. Enquanto que a ferrita mantém um teor de carbono máximo de 0,025% em solução, a austenita remanescente vai aumentando o seu teor de carbono. Desta forma à medida em que aumenta a quantidade relativa de ferrita a austenita passa da composição original (0,2% C) para um valor de até 0,77% C na temperatura de 727°C. Ao atingir esta temperatura, este aço apresentará em torno de 75% de ferrita livre (ferrita proeutetóide) e 25% de perlita. Evidentemente que este aço apresentará uma dureza e resistência mecânica inferiores às de um aço eutetóide, apresentando, no entanto, uma tenacidade maior. 4.3 - Aços Hipereutetóides Consideremos agora um aço com um teor de carbono maior do que 0,77%. No resfriamento deste aço desde o campo austenítico, haverá inicialmente a formação de cementita. Esta cementita será formada preferencialmente junto ao contorno de grão. À medida que ocorre a formação da cementita, a austenita terá o seu teor de carbono gradativamente diminuído até alcançar a temperatura eutetóide. A partir daí ocorrerá a reação eutetóide. Desta forma, um aço com teor de carbono maior que a composição eutetóide virá a apresentar um estrutura constituída de cementita e de perlita. Esta transformação está representada na figura 4.5. Se as condições de resfriamento permitirem, poderá haver a formação de uma fase contínua de cementita envolvendo os grãos perlíticos. Nesta situação, teremos um material com extrema fragilidade, uma vez que a cementita apresenta ductilidade desprezível. Caso a cementita apresente-se de uma forma descontínua, podemos ter um material com maior resistência ao desgaste sem sacrificar em demasia a sua tenacidade. Deve ser salientado que, contrariamente à situação dos aços hipoeutetóides, a variação do teor de carbono não implica em uma rápida variação na quantidade relativa de perlita. 4.4 - Regra da Alavanca A regra da alavanca é um artificio que permite calcular a quantidade relativa de fases a cada temperatura. Considerando um aço com 0,2% na temperatura de 727°C. Quanto mais próxima estiver a composição nominal do aço do domínio da ferrita, por rincípios de Tratamentos Térmicos � 26 26 exemplo, maior deverá ser a quantidade relativa desta. A partir deste raciocínio pode-se usar um regra de três para calcular a quantidade de ferrita. A quantidade de ferrita será igual à composição da austenita menos a composição nominal divididas pela diferença da composição da austenita (0,77%) e da ferrita (0,025%) na temperatura de interesse. Desta forma: Figura 4.5 - Representação esquemática da transformação de um aço hipereutetóide(9). 765,0 )025,077,0( )2,077,0(% =− −=ferrita isto é, o aço com 0,2% C apresenta 76,5% de ferrita na temperatura próxima da eutetóide. À medida que chegarmos próximo da composição eutetóide, a quantidade relativa de perlita aumenta sensivelmente. Já nos aços hipereutetóides o predomínio sempre será da perlita. Considerando-se um aço com 1% C teríamos: % ( , )( , , ) ,perlita = − − = 6 67 1 6 67 0 77 96 1% assim, como o teor de carbono do aço está muito mais próximo da composição do aço eutetóide em relação à composição da cementita, o braço de alavanca está favorecendo a perlita. A figura 4.6 ilustra a quantidade relativa de fases para cada composição dos aços Princípios de Tratamentos Térmicos 27 carbono. Na figura 4.7 temos a microestrutura de três aços decomposição diferentes. Pode- se notar que à medida em que aumentamos o teor de carbono aumenta a quantidade de perlita até que, ultrapassado o ponto eutetóide, teremos a formação de cementita em contorno de grão. Figura 4.6 - Diagrama ilustrando a quantidade relativa de cada fase em relação ao teor de carbono dos aços(9). 4.5 - Classificação dos Aços A partir da informações apresentadas nas seções precedentes, pode-se entender porque os aços constituem-se em uma família de materiais extremamente versátil. Basta alterar o teor de carbono no aço para que se consiga alterar substancialmente as propriedades mecânicas do mesmo. Por exemplo, caso tenhamos um aço com 0,08% de carbono em peso, o material apresentará um predominância da estrutura ferrítica. Assim, este aço apresenta um grande ductilidade, podendo ser utilizado para a confecção de uma lata de cerveja. Simplesmente aumentando teor de carbono do aço para 0,8% por exemplo, já teremos uma grande quantidade de cementita. O aço passará a ter uma alta dureza/resistência ao desgaste com sacrifício da sua ductilidade. Teremos então, um aço tipicamente empregado na fabricação de trilhos. Os aços, além de serem constituídos basicamente por ferro e carbono, podem apresentar uma série de outros elementos adicionados intencionalmente ou não. Normalmente são considerados dois tipos fundamentais de aços: -os aços-carbono, caracterizados como ligas ferro-carbono contendo até 2% de carbono em peso, além de elementos residuais, resultantes do processo de fabricação; -os aços ligados, caracterizados como ligas ferro-carbono contendo outros elementos adicionados intencionalmente rincípios de Tratamentos Térmicos � 28 28 A maioria dos aços contém entre 0,1 e 1,5% de carbono em peso. As principais impurezas encontradas são o fósforo, o enxofre, o manganês e o silício. Outros elementos residuais podem ser o nitrogênio, o oxigênio, o estanho e o alumínio. Normalmente as normas definem os teores máximos permitidos destes elementos de acordo com a aplicação do mesmo. Entre os principais elementos de liga introduzidos no aço para lhe conferir propriedades específicas encontramos o níquel, cromo, manganês, silício, vanádio, tungstênio, molibdênio e nióbio. É usual separar os aços em três grupos principais, segundo o teor de carbono: -aços doces, contendo até 0,25% de carbono; -aços meio duros, com teor de carbono compreendido entre 0,25% e 0,50% de carbono; -aços duros, com teores acima de 0,5% de carbono. Dentre os diversos sistemas de classificação dos aços de construção mecânica, o mais utilizado em nosso país, são os da SAE (Society of Automotive Engineers) e da AISI (American Iron and Steel Institute). O aço é designado geralmente por quatro algarismos. Os dois primeiros referem-se aos elementos de liga e os dois últimos ao teor de carbono. Desta forma, um aço SAE 1010 será um aço carbono (sem elementos de liga) com 0,1% de carbono em peso. Já um aço SAE 4340, além de apresentar 0,40% de carbono, terá entre 1,65 e 2,0% de Ni, de 0,4 a 0,9% de Cr e entre 0,2 e 0,3% de Mo. Famílias de aços especiais, como os aços inoxidáveis e aços para ferramentas, recebem uma nomenclatura especial. No apêndice B temos as tabelas com a classificação de todos os aços, segundo as normas SAE, AISI e ABNT. Figura 4.7 - Microestrutura de aços carbono. (a) ABNT 1010 resfriado ao ar, predomina ferrita livre. As partes escuras são perlita. Aumento: 320X. (b) ABNT 1045, resfriado ao forno. Já existe mais perlita (ferrita + cementita) do que ferrita livre. Aumento: 1000X. (c) ABNT 1095, resfriado ao forno. Estrutura perlítica com contorno de grão delineados com cementita. Aumento: 700X. Ataque Nital 2%(10). Princípios de Tratamentos Térmicos 29 5 - Fases Metaestáveis Conforme foi mostrado, normalmente um aço apresentará uma estrutura que irá depender diretamente do teor de carbono. Por outro lado, as estruturas normais até agora apresentadas são formadas a partir de intensa difusão de carbono do aço. O que acontecerá se a taxa de resfriamento não permitir esta difusão do carbono? 5.1 - Reação Martensítica Se tomarmos um aço de composição eutetóide e o resfriarmos lentamente haverá a formação de ferrita e de cementita a partir da austenita original. Sob condições de resfriamento lento ou moderado, os átomos podem difundir para fora da austenita. Os átomos de ferro podem, então, em um rearranjo em nível atômico, passar para uma estrutura cúbica de corpo centrado. Esta reação ocorre por um processo de nucleação e crescimento, com intensa difusão de carbono no reticulado do ferro. O que acontecerá se resfriarmos rapidamente esta austenita ? Com um resfriamento rápido não daremos tempo para a difusão do carbono obrigando que ele se mantenha em solução. À medida que tivermos a austenita a uma temperatura menor que a eutetóide haverá uma força motriz no sentido do ferro passar da estrutura CFC para a estrutura CCC. Na tentativa do ferro passar para CCC o excesso de carbono fará com que ocorra uma distorção no reticulado cristalino. A supersaturação de carbono fará com que o ferro passe a apresentar uma estrutura cristalina distorcida tetragonal de corpo centrado. Esta distorção do reticulado devido à supersaturação de carbono faz com que o aço tenha aumentada substancialmente a sua resistência mecânica. O tratamento de resfriamento rápido recebe o nome de têmpera e a estrutura resultante será a martensita. A martensita seria, então, uma solução sólida supersaturada em carbono e a estrutura, ao invés de ser cúbica de corpo centrado passaria a ser tetragonal de corpo centrado, uma vez que um de seus eixos fica expandido pelo carbono aprisionado. Esta severa distorção do reticulado cristalino é a primeira razão da dureza da martensita. O apreciável aumento da dureza e da resistência mecânica possíveis com a têmpera de um aço é amplamente empregada na prática. Assim, lâminas, molas, rolamentos, engrenagens e ferramentas em geral, são empregados no estado temperado. A dureza a ser alcançada pela estrutura martensítica irá depender diretamente do teor de carbono. Normalmente um aço para ser temperado deve apresentar um mínimo de 0,3% de carbono, sendo que uma dureza máxima já pode ser alcançada com 0,6% de rincípios de Tratamentos Térmicos � 30 30 carbono. Um valor mínimo de carbono é necessário exatamente para poder ocorrer distorção do reticulado cristalino fazendo com que a estrutura passe para tetragonal de corpo centrado. Esta distorção do reticulado e as tensões geradas fazem com que, na prática, um aço nunca deva ser usado no estado temperado. A fragilidade associada obriga que seja realizado um tratamento térmico de alívio de tensões (tratamento térmico de revenido) que pode variar desde 180°C até 600°C. Adicionalmente, quanto maior o teor de carbono, maior a resistência alcançada pela estrutura martensítica com sacrifício da tenacidade. Para aplicações mecânicas limita-se o teor de carbono de aços a serem temperados na faixa de 0,3 e 0,4% de carbono, visando preservar a tenacidade do componente. Para aplicações como molas e lâminas , por exemplo, o teor de carbono pode ser aumentado para a faixa de 0,6% uma vez que a resistência mecânica deve ser a máxima possível. Para algumas aplicações especiais o teor de carbono pode ser ainda mais elevado. Para rolamentos, por exemplo, utiliza-se um teor de carbono na faixa de 1%. Neste caso, o teor de carbono para o máximo de resistência mecânica já foi até ultrapassado. O carbono em excesso passa a formar carbonetos que, em uma matriz martensítica de alta resistência e dureza, confere ao materialuma resistência maior ao desgaste. Há situações em que a resistência ao desgaste deve ser máxima de tal forma que são empregados aços com até 2% de carbono. Nesta classe estão, por exemplo, alguns aços ferramenta para trabalho a frio. A estrutura martensítica lembra o aspecto de agulhas explicada pelo mecanismo de formação de cisalhamento da estrutura. Figura 5.1 - Variação na dureza de acordo com o aumento do teor de carbono(15). A figura 5.1 ilustra o aumento de dureza com o tratamento térmico de têmpera dos aços. A figura 5.2 ilustra a estrutura martensítica com agulhas bem delineadas. É a estrutura de um aço com alto teor de carbono que apresenta uma quantidade razoável de Princípios de Tratamentos Térmicos 31 austenita não transformada (austenita retida). Na prática, normalmente a estrutura é bem mais refinada, sendo que o tratamento térmico de revenido atenua a forma de agulhas marcante da martensita. A figura 5.3 apresenta, esquematicamente, a distorção do reticulado cristalino associado à transformação martensítica. Fica claro o fato de que quanto maior o teor de carbono, maior será a distorção do reticulado. A figura 5.4 ilustra a distorção do reticulado com o teor de carbono. Figura 5.2 - Estrutura martensítica. Agulhas bem delineadas sobre um fundo de austenita retida(7). Figura 5.3 - Distorção do reticulado cristalino na transformação martensítica (a) e comparação entre as estruturas TCC e CCC (b) (9). 5.2 - Reação Bainítica Enquanto que a transformação eutetóide (austenita em ferrita mais cementita) depende de intensa difusão de carbono, a transformação martensítica, ao contrário, é adifusional. Quanto maior a taxa de resfriamento maior a quantidade de martensita formada. rincípios de Tratamentos Térmicos � 32 32 Figura 5.4 - Variação dos parâmetros de rede da martensita e da austenita com o teor de carbono(14). O que aconteceria se resfriássemos rapidamente a austenita sem atingir a faixa de temperatura de formação da martensita ? Ao resfriarmos rapidamente a estrutura austenítica até a faixa de 300°C, por exemplo, não daríamos condições para que fosse formada a estrutura perlítica uma vez que a difusão do carbono a esta temperatura seria extremamente prejudicada. Na tentativa do ferro passar de CFC para CCC ocorre a nucleação de cristais de ferrita com plaquetas descontínuas de cementita. Esta estrutura, denominada bainítica, concorre em dureza e resistência mecânica com a martensita revenida. A figura 5.5 ilustra a diferença entre os mecanismos de formação da perlita e da bainita. Figura 5.5 - Diferença entre os mecanismos de formação da perlita e da bainita. A dificuldade de difusão do carbono faz com que os carbonetos fiquem dispersos na bainita(3). Princípios de Tratamentos Térmicos 33 6 - Tratamentos Térmicos 6.1 - Objetivos Gerais Os tratamentos térmicos são um conjunto de operações que têm por objetivo modificar as propriedades dos aços e de outros materiais através de um conjunto de operações que incluem o aquecimento e o resfriamento em condições controladas. Desta maneira conseguimos obter uma variada gama de propriedades que permitem que tenhamos materiais mais adequados para cada aplicação, sem que com isto os custos sejam muito aumentados. Como o aço é o material mais comumente utilizado em engenharia todo o enfoque dado aqui residirá sobre este tipo de material, embora os tratamentos térmicos aqui descritos possam ser aplicados a outros tipos. 6.2 - Tipos Comuns Os tipos mais comuns de tratamentos térmicos são: a) Esferoidização b) Recozimento c) Normalização d) Têmpera + Revenido Abaixo daremos uma breve idéia do que é cada um destes tratamentos que serão tratados em maiores detalhes adiante. a) Esferoidização Consiste em um tratamento que visa globulizar a cementita fazendo com que tenhamos uma microestrutura formada de um fundo de ferrita com cementita esferoidal, donde temos a origem do nome. Este tratamento também é chamado de coalescimento pelo fato de que durante o processo a cementita se aglutina em partículas de forma esferoidal. b) Recozimento O recozimento é um tratamento térmico em que o resfriamento, a partir do campo austenítico, deve ser feito de maneira bastante lenta para que tenhamos a formação de uma microestrutura de perlita grosseira. Isto fará com que tenhamos um material de baixa dureza e baixa resistência. rincípios de Tratamentos Térmicos � 34 34 c) Normalização Se ao invés de obtermos perlita grosseira obtivermos perlita fina no resfriamento teremos uma normalização. Isto pode ser conseguido aumentando-se a velocidade de resfriamento comparada com a velocidade do recozimento. Embora esta seja a diferença mais imediata, devemos destacar que a normalização provoca uma transformação mais importante que é a diminuição tamanho do grão, algo que é extremamente benéfico para a tenacidade do material. d) Têmpera e Revenido Embora estes dois itens tenham que ser tratados separadamente pelas grandes diferenças que existem entre eles, os dois tratamentos sempre serão feitos em seqüência. Enquanto que a têmpera é um tratamento que visa a obtenção de uma microestrutura completamente martensítica, que por conseqüência será dura e frágil, o revenido será empregado para corrigir justamente a fragilidade resultante da têmpera. Como conseqüência, sempre que fizermos um tratamento de têmpera, será feito o tratamento de revenido. 6.3 - Fatores de Influência Sempre que fizermos um tratamento térmico, o seu sucesso ou fracasso será determinado por alguns fatores-chave que deverão ser muito bem observados. Um erro de avaliação de um deles fará com que tenhamos como resultado uma microestrutura diferente da prevista e por conseqüência um material com propriedades diferentes das desejadas. 6.3.1 - Temperatura Sempre que fazemos uma transformação partimos de uma microestrutura de maior energia para uma microestrutura de menor energia. No caso dos tratamentos térmicos a passagem de uma microestrutura para outra requer sempre um aquecimento para que se chegue a um nível de energia que permita a transformação. Por exemplo, para termos transformação de uma microestrutura composta por ferrita e perlita para martensita, devemos primeiramente austenitizar o material e após, fazendo um resfriamento rápido, obter martensita. Na figura 6.1 pode ser vista uma representação no diagrama de equilíbrio das faixas de temperatura para cada um dos tratamentos térmicos. Princípios de Tratamentos Térmicos 35 Figura 6.1 - Temperaturas de aquecimento para os tratamentos térmicos(11). No caso dos tratamentos térmicos de recozimento, normalização e têmpera, o aço deve ser levado obrigatoriamente até o campo austenítico e a partir dali feito o resfriamento adequado. Já no caso da esferoidização o material não precisa ser austenitizado, podendo ser aquecido até pouco abaixo da temperatura eutetóide. Deve ser observado também que as temperaturas de austenitização para recozimento e normalização correspondem à mesma faixa para aços hipoeutetóides mas diferem para os aços hipereutetóides. Isto se deve ao fato de que como as velocidades de resfriamento para recozimento são mais lentas do que para normalização, se fizéssemos uma austenitização completa no recozimento iria se formar uma rede de cementita no contorno de grão durante o resfriamento lento que faria com que o aço ficasse frágil. Para o tratamento térmico de têmpera são usadas normalmente as temperaturas de normalização, embora para aços hipereutetóides exista algumadependência do teor de elementos de liga. A não ser que hajam fatores associados ao teor de elementos de liga, as temperaturas de austenitização não devem se situar em valores superiores a 50oC acima da temperatura mínima de austenitização apontada pelas linhas de solubilidade, pois neste caso poderemos ter crescimento do grão o que é prejudicial para a tenacidade do material. 6.3.2 - Tempo de Permanência Quando levamos um aço até o campo austenítico, as transformações não ocorrem instantaneamente. A transformação leva um certo tempo para ocorrer e depende do tipo de rincípios de Tratamentos Térmicos � 36 36 transformação que irá ocorrer. Assim, a transformação de perlita ou esferoidita para austenita se dá mais rapidamente que a dissolução de carbonetos para austenita. Desta forma o tempo em que o aço deverá permanecer nas temperatura de austenitização dependerá da composição do aço. 6.3.3 - Velocidade de Resfriamento Talvez o fator mais crítico para o sucesso de um tratamento térmico seja o resfriamento da peça após a austenitização. Um erro na avaliação da velocidade correta de resfriamento poderá conduzir a uma estrutura completamente diferente da pretendida o que fará com que o material fique com propriedades completamente diferentes das planejadas. Um caso comum de erro ocorre na normalização de aços ligados de alta temperabilidade. Como será visto mais adiante, o diagrama isotérmico nos mostra que os tempos de transformação são grandes para estes aços. Nas velocidades normais de resfriamento usadas na normalização, onde as peças são resfriadas ao ar, podemos ter transformação não em perlita fina apenas, mas também em bainita e até mesmo martensita, o que conduziria a durezas muito maiores do que as esperadas. Neste caso a solução seria fazer um resfriamento mais lento do que o normal. No caso do processo de têmpera em que o objetivo é de se obter uma microestrutura totalmente martensítica para que se tenha a máxima dureza, a situação se inverte. Como a velocidade de resfriamento não é só dependente do meio de resfriamento mas também da temperabilidade e do tamanho das peças, em muitos casos os meios usuais de resfriamento podem não ser adequados. Poderemos ter a formação de outros produtos na microestrutura, tais como perlita ou bainita que diminuirão a dureza. Nestes casos deveremos aumentar a velocidade de resfriamento ou até mesmo utilizar um aço com maior temperabilidade para resolver o problema. Outro problema associado ao tratamento de têmpera é o surgimento de trincas e empenamentos devido à velocidade de resfriamento. Quanto mais complicada for a forma da peça maior a tendência ao aparecimento de trincas. A solução deste tipo de problema está sempre na diminuição da velocidade de resfriamento pela utilização de meios que produzam uma menor retirada de calor da peça. Os problemas relativos ao resfriamento serão tratados em maiores detalhes mais adiante quando forem abordados os tratamentos térmicos. Princípios de Tratamentos Térmicos 37 6.3.4 - Proteção das Peças Se um aço for aquecido a uma temperatura acima de 600oC em uma atmosfera rica em oxigênio, como por exemplo o ar ambiente, ocorrerá na superfície da peça um fenômeno chamado de descarbonetação. A descarbonetação nada mais é do que a combinação do carbono do aço com o oxigênio livre do ambiente. Este processo conduz à perda de carbono do aço a partir da sua superfície, fazendo com que a peça fique com uma camada com teor reduzido em carbono. A espessura desta camada dependerá do tempo e da temperatura em que a peça ficará exposta a estas condições. Obviamente esta é uma situação normalmente indesejável, pois a diminuição do teor de carbono conduzirá a uma diminuição na dureza. Este fato se torna mais grave quando realizamos um tratamento térmico de têmpera, pois uma diminuição no teor de carbono provoca uma queda sensível na dureza, já que a dureza da martensita depende do teor de carbono. Assim sendo, as peças submetidas a tratamentos térmicos deverão ser protegidas por uma atmosfera neutra que impeça a descarbonetação. Isto pode ser conseguido utilizando-se fornos que produzam este tipo de atmosfera ou, caso isto não seja possível, deve-se envolver as peças em uma substância rica em carbono como cavacos de ferro fundido ou carvão. 6.4 - Esferoidização O processo de esferoidizaçao ou de coalescimento é utilizado para aços com teores superiores a 0,5% de carbono, mas principalmente para aços hipereutetóides. Quando se deseja fazer uma processo de usinagem ou de conformação de uma peça, o recozimento poderá não baixar a dureza o suficiente para que a tarefa seja executada. Este problema acontece principalmente em aços com elevados teores de elementos de liga e elevado teor de carbono. Para este tipo de aço uma estrutura formada por perlita e cementita apresentará uma dureza muito alta e a única alternativa será o processo de esferoidização. O tratamento térmico de esferoidização pode ser feito de duas maneiras: - Aquecendo-se o aço até uma temperatura logo abaixo da temperatura eutetóide, permanecendo-se nesta temperatura por um tempo que varia de oito a vinte horas, com resfriamento posterior ao ar. - Austenitizar o material, fazer um resfriamento até uma temperatura logo abaixo da temperatura eutetóide, mantendo-se nesta temperatura por um tempo entre oito e vinte horas e resfriamento ao ar. Este tratamento também pode ser efetuado variando-se ciclicamente entre temperaturas acima e abaixo da temperatura de austenitização. rincípios de Tratamentos Térmicos � 38 38 A segunda forma de execução deste tratamento é a que propicia tempos menores de tratamento e pode ser facilmente entendida pela observação da figura 6.2. A microestutura resultante deste tratamento é a esferoidita, isto é, um fundo de ferrita com a cementita e os carbonetos dos elementos de liga em forma esferoidal dispersos nesta matriz. A figura 6.3 dá uma idéia desta microestrutura. O fato de termos a cementita distribuída na matriz de ferrita faz com que o aço apresente uma ótima ductilidade e baixa resistência devido à predominância das propriedades da ferrita neste caso. Figura 6.2 - Curva de transformação para o processo de esferoidização(3). Figura 6.3 - Microestrutura de um aço esferoidizado(11). 6.5 - Recozimento O processo de recozimento é aplicável a aços que possuem baixo ou médio teor de carbono, isto é, para aços que possuam até 0,5% de carbono ou para teores mais elevados desde que não possuam elementos de liga. O objetivo deste tratamento é o de conferir uma Princípios de Tratamentos Térmicos 39 dureza baixa, resistência mecânica baixa e uma ductilidade alta. É aplicável a peças em que se deseja fazer usinagem ou conformação mecânica. Basicamente este processo consiste no aquecimento do material até a temperatura de austenitização seguindo-se um resfriamento lento até a temperatura ambiente. Geralmente basta que a peça seja deixada no forno desligado, produzindo-se um resfriamento lento. Esta forma de resfriamento é aplicável para aços de baixa e média temperabilidade. Neste caso o recozimento será dito recozimento convencional ou recozimento pleno. Na figura 6.4 temos uma representação sobre um diagrama isotérmico da curva de resfriamento para este caso. Figura 6.4 - Curva de resfriamento para o recozimento convencional(9). Para os aços que possuem temperabilidade mais alta muitas vezes pode ser necessário diminuir muito a velocidade de resfriamento para que a dureza seja suficiente baixa. Nestes casos será necessário proceder à transformação a uma temperaturaconstante ou quase constante. Este procedimento dá origem ao que se convenciona chamar de recozimento isotérmico, cuja curva de resfriamento pode ser vista na figura 6.5. A diferença deste processo para o de esferoidização é que as temperaturas são mais baixas fazendo com que os tempos sejam menores. De qualquer modo este tratamento conduz a tempos maiores do que os do recozimento convencional e este fator deve ser considerado quando o realizarmos. Como já foi citado anteriormente o recozimento visa a obtenção de perlita grosseira por ser esta a estrutura que propicia as propriedades desejadas. rincípios de Tratamentos Térmicos � 40 40 Figura 6.5 - Curva de transformação de um aço de alta temperabilidade no recozimento(9). 6.6 - Normalização O processo de normalização produz propriedades semelhantes às obtidas no recozimento e em virtude disto muitas vezes os dois podem ser usados alternativamente para obter baixa dureza, boa ductilidade e para eliminar estruturas provenientes de tratamentos anteriores, como é o caso de tratamentos prévios de têmpera e em peças fundidas ou forjadas. Ocorre, porém, que a normalização é feita geralmente com resfriamento das peças ao ar. Isto conduz a uma velocidade de resfriamento mais alta do que aquela do recozimento, dando como resultado uma estrutura formada por perlita mais fina. Em conseqüência, a ductilidade será menor do que no material recozido, sua dureza e resistência mecânica serão maiores. Por outro lado, devido à maior velocidade de resfriamento teremos um refino do grão do aço, pois a velocidade de nucleação da ferrita e da perlita será maior na medida em que tivermos temperaturas de transformação mais baixas, conforme será visto em capítulo posterior. Outra vantagem da normalização reside no fato de que se pode utilizar temperaturas mais altas de austenitização, permitindo uma maior dissolução dos carbonetos dos elementos de liga e, no caso de aços hipereuteóides, não teremos a formação da rede de cementita em contorno de grão, como acontece no recozimento. Na figura 6.6 vemos uma curva de resfriamento de normalização sobre uma diagrama isotérmico. Princípios de Tratamentos Térmicos 41 Figura 6.6 - Curva de transformação para o processo de normalização de um aço, comparada com a do processo de recozimento convencional(10). Normalmente não se tem maiores problemas em adotar o resfriamento ao ar para o processo de normalização, entretanto, para aços com alta temperabilidade esta velocidade pode ser excessiva, dependendo do tamanho da peça, de tal sorte que tenhamos a formação de bainita e até mesmo martensita. Nesta situação deve ser feito um tratamento a uma velocidade mais baixa de resfriamento ou um tratamento isotérmico. 6.7 - Têmpera Dentre os tratamento térmicos comuns, o tratamento térmico de têmpera é o mais importante devido ao fato de que através dele podemos ter um grande aumento da resistência mecânica e da dureza do aço e de outros materiais. Este é o aspecto mais importante, porém, em contrapartida teremos uma queda muito grande da ductilidade e principalmente da tenacidade. Este inconveniente será depois corrigido através do processo de revenido que será abordado mais adiante. Se por um lado o tratamento de têmpera nos dá condições de produzirmos um grande aumento na resistência mecânica e na dureza, a um custo relativamente baixo, por outro existe uma maior complexidade na sua execução. Isto se deve à grande variação na composição dos aços e, por conseqüência, na sua temperabilidade. O carbono e os elementos de liga exercem um papel preponderante com relação a este tratamento, já que tanto influem na temperatura de austenitização quanto na velocidade de resfriamento. Assim, a temperatura de austenitização varia de aço para aço, como conseqüência da rincípios de Tratamentos Térmicos � 42 42 variação no teor de carbono e dos elementos de liga, pois os carbonetos formados devem ser dissolvidos pelo menos em parte para que tenhamos o efeito desejado na temperabilidade. Não basta portanto austenitizarmos o aço para termos sucesso no tratamento, mas é preciso que tenhamos também parte dos elementos de liga dissolvidos na austenita. Além da temperatura de austenitização, outro fator importante é a velocidade de resfriamento. Esta deve ser tal que impeça a formação de qualquer outro produto que não seja a martensita. É obvio que isto nem sempre é possível pois outros fatores devem ser considerados mas, de qualquer forma, este é o objetivo que deve ser perseguido neste tratamento. Como existe variação na temperabilidade com a variação do teor de carbono e dos elementos de liga, também a velocidade de resfriamento varia. Ela deve ser a menor possível para que tenhamos o menor empenamento possível das peças mas, não deve ser tão lenta que impeça a formação de martensita. Na figura 6.7 pode-se ver a curva de resfriamento para um aço e sua relação com o diagrama isotérmico. Podemos notar que existem duas curvas, sendo uma relativa à superfície da peça e a outra relativa ao centro. Figura 6.7 - Curva de transformação para o processo de têmpera de um aço(9). O problema do resfriamento é um dos problemas mais complexos no caso deste processo. Se por um lado, quanto mais rápido for o resfriamento maiores serão as chances de obtermos martensita, por outro maiores serão também as chances de termos trincas e empenamentos na peça. Além disso, um resfriamento não homogêneo ao longo da superfície da peça pode também causar empenamento e variações na dureza. Como existe uma variação no volume da peça durante o aquecimento e o resfriamento e também devido Princípios de Tratamentos Térmicos 43 à transformação da estrutura em martensita, quanto maior a diferença entre as velocidades de resfriamento na superfície e no centro ou em diferentes pontos da superfície maior será o empenamento e a possibilidade de aparecimento de trincas. Na figura 6.8 podemos ver o comportamento do resfriamento relacionado puramente com o resfriamento em água de uma peça submetida a um aquecimento a alta temperatura. Note-se que a velocidade de resfriamento inicialmente é baixa, tornando-se alta apenas para valores intermediários de temperatura da peça. Inicialmente temos um estágio em que se forma um envelope de vapor em volta da peça que impede a troca de calor da peça com o líquido, fazendo com que a velocidade seja baixa. Em um segundo estágio existe a formação de bolhas que entram em colapso rapidamente, permitindo que o fluido entre em contato com a peça e produzindo uma agitação bastante grande do fluído, o que faz com que a velocidade de resfriamento cresça rapidamente. Por fim, em um terceiro estágio, a temperatura da peça não é mais suficiente para que haja a formação de bolhas e o resfriamento se dá apenas por convecção, fazendo com que a velocidade de resfriamento caia novamente. Figura 6.8 - Curvas de resfriamento e de velocidade de resfriamento para uma peça cilíndrica resfriada em água(10). Outro fato que ocorre freqüentemente é o que está mostrado na figura 6.9. Em peças de formato complicado, como é o caso de uma engrenagem, de um eixo com rasgo de chaveta e de outras peças com variações no relevo, pode ocorrer a variação nas condições de resfriamento na superfície. Estas condições irão fazer com que a velocidade de resfriamento seja diferente em cada ponto, conduzindo também ao aparecimento de trincas, empenamentos ou mesmo pontos moles. Outro problema que pode ocorrer, este mais freqüente e mais simples é aquele em que temos pequenas diferenças de velocidade rincípios de Tratamentos Térmicos
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