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MOVIMENTOS SOCIAIS E A LEI MARIA DA PENHA: UMA ANÁLISE DAS INICIATIVAS EFICAZES QUE GARANTE A IGUALDADE ENTRE OS GÊNEROS

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MOVIMENTOS SOCIAIS E A LEI MARIA DA PENHA: UMA ANÁLISE DAS INICIATIVAS EFICAZES QUE GARANTE A IGUALDADE ENTRE OS GÊNEROS
MARIA CLARA ARRAES PEIXOTO ROCHA[1: Maria Clara Arraes Peixoto Rocha, estudante do segundo semestre no curso de Direito na Universidade Regional do Cariri (URCA), email: mariaclararochaa@outlook.com.² Orientadora do projeto. Jahyra Helena Pequeno dos Santos, mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Professora na Universidade Regional do Cariri (URCA), email: jahyra@oi.com.br ]
JAHYRA HELENA PEQUENO DOS SANTOS²
RESUMO
O feminismo é um movimento que tem como objetivo principal o empoderamento feminino diante da cultura machista, desse modo, tem grande relevância para sociedade como forma de resistência e luta. Embora algumas conquistas tenham sido alcançadas, como a Lei 11.340/2006 ou mais conhecida por ‘’Lei Maria da Penha’’, e o crescimento dos movimentos feministas, o índice de violência contra as mulheres ainda se revela muito grave. A finalidade deste artigo é explicitar através de entrevistas e estudos bibliográficos como se constrói a concepção da naturalização da violência. Por meio de análises feitas acerca das estatísticas da Delegacia da Mulher da cidade de Crato localizada no interior do Ceará, constata-se a necessidade da realização de um estudo sobre o fato. 
PALAVRAS-CHAVES: Feminismo, Lei Maria da Penha, Violência, 
ABSTRAC
Feminism is a movement that aims women’s empowerment in the face of macho culture, thus, it has great relevance to society as a form of resistance and struggle. Even though some achievements have been reached, such as Law 11.340 / 2006 or better known as ‘’Maria da Penha Law’’, and the growth of feminist movements, the rate os violence against women still proved too severe. The purpose of this article is to explicit through interviews and bibliographical studies how to build the conception of naturalization of violence. The analyzes about the Police Station for Women statistics of Crato City located in Ceará, serve to prove the need to conduct a study on the fact.
KEYWORDS: Feminism, Maria da Penha Law, Violence
INTRODUÇÃO
A iniciativa de políticas públicas por parte do governo brasileiro para a proteção das mulheres vítimas de agressões físicas e psicológicas se manifesta em parceria com a evolução dos movimentos feministas, a luta das mulheres em prol dos seus direitos deu visibilidade ao assunto tanto em escala nacional como internacional. Sendo assim, os movimentos de mulheres contribuem para que a mudança aconteça no âmbito político e também no social, já que estas buscam o fim da desigualdade entre os gêneros, desconstruindo os padrões machistas que foram socialmente construídos, e que até hoje são refletidos na sociedade brasileira.
A primeira Delegacia da Mulher (DDM) do Brasil foi inaugurada na capital de São Paulo em 06 de agosto de 1985, com o propósito de atender as mulheres vítimas de agressões domésticas, e também as ocorrências denunciadas em espaços públicos. Depois da primeira delegacia especializada, outras foram construídas por todo o país, segundo uma pesquisa realizada em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), existem 397 municípios brasileiros que possuem delegacias para mulheres. Apesar da conquista, esse número é considerado inferior ao desejado, já que representa 7% de um total de 5.565 municípios do país.
Em 26 de setembro de 1995 surgiram os Juizados Especiais Criminais (Lei 9.099), os processos efetuados aos Juizados Especiais devem ser conduzidos de maneira simples, com certo custo na economia processual e garantir a celeridade, com o intuito de dar rápida efetividade à tramitação das causas. A conciliação entre as partes também é considerada como uma forma de solução breve do conflito litigioso. Este órgão tem atribuição para o processo e julgamento de infrações penais com o potencial ofensivo de até dois anos de reclusão.
O Mapa da Violência 2012 – Instituto Sangari constata que do ano de 1980 a 2010, foram assassinadas no Brasil cerca de 91 mil mulheres, sendo 43,5 mil só na última década. Em 2006 foi sancionada a Lei 11.340 mais conhecida por ‘’Lei Maria da Penha’’, criada com o intuito de proteger as mulheres que sofrem com a violência, seja esta realizada em qualquer âmbito de suas modalidades, punindo assim os agressores. Justamente neste ano em que o número aumenta de três mil para quatro mil mulheres assassinadas por ano. 
Em face do exposto, percebe-se que somente a criação de delegacias, juizados e leis não é suficiente para uma transformação substancial no comportamento cultural de uma nação. Num Estado em que sua própria construção social se firmou unicamente em função do homem e suas atividades, as mulheres não tiveram espaço para poder expressar suas vontades. Estas ainda são reprimidas e sofrem com a violência da discriminação, e como consequência, a física. 
Analisando o fator histórico cultural como de fundamental importância para a iniciação de discussões jurídicas, políticas e econômicas evidencia-se que há necessidade da criação de políticas públicas com enfoque na educação voltada para a violência de gênero. Visto que uma das grandes dificuldades dos movimentos feministas encontra-se na transparência do que realmente se trata a luta, os principais canais midiáticos sustentam uma imagem deturpada das feministas e do movimento. 
Quando se investiga as cidades de interior dos Estados, em muitos dos casos, o bloqueio cultural para transgredir a uma concepção evoluída acerca dos devidos direitos e respeito que a mulher deveria dispor se caracteriza ainda mais atrasado. Segundo O Mapa da Violência 2012 – Instituto Sangari, o Ceará tem uma taxa de 3,7 homicídios por ano em cada 100 mil mulheres, ocupando a 21° posição no ranking nacional.
Caso os grandes meios de comunicação abrissem espaços para os movimentos feministas, iria influenciar melhor a população acerca dos esclarecimentos envolvendo os direitos das mulheres, contribuindo assim, como artifício de difusão de informações, e logo ajudando a formar opiniões. Desconstruindo toda a carga conservadora e preconceituosa que estão enraizadas na nossa cultura
O objetivo do trabalho é discutir a violência sofrida pela mulher, e a contribuição dos movimentos feministas para incentivo a construção de políticas públicas em defesa da mulher. A hipótese é que embora existam meios legais de proteção contra a violência imposta à mulher, esta ainda é um fato constante na sociedade brasileira. Como método, a presente pesquisa é bibliográfica e exploratória. A importância do estudo acerca da violência de gênero se estabelece na notória realidade dos índices ainda muito elevados quando se trata de discriminação contra a mulher, e também com relação à violência sofrida. Junto da criação de leis, e a instalação de novas delegacias da mulher pelo país, se faz necessário uma maior interação quanto às informações obtidas acerca do assunto, bem como um movimento de politização cultural visando justiça e igualdade entre os gêneros em todos os âmbitos da sociedade.
ASPECTOS DA CONSTRUÇÃO IMAGÉTICA DO SER FEMININO DIANTE DA SOCIEDADE MACHISTA
A noção precedente sobre desigualdade na efetividade dos direitos humanos das mulheres reflete uma trajetória de luta pelo empoderamento feminino, a sua validade deve ser manifestada e provada. Analisando o percurso histórico do tema e nessa área incluindo os fatores culturais, econômicos e políticos é evidente que o grau de probabilidade dos obstáculos varia com as circunstâncias. 
Segundo Sylviane Agacinski (1998, p.16), em Política dos Sexos, sempre na humanidade houve a necessidade da divisão entre o que é ser um homem e ser uma mulher, implicando também em como estes deviam conduzir-se diante dos diferentes segmentos da sociedade. Nessa ordem se estabeleceu uma hierarquia, e as mulheres e tudo que fosse feminino se tornou inferior. A dominação masculina concedeu o sistema patriarcal como único e viável para toda e qualquer civilizaçãohumana, e dessa forma a mulher se destaca apenas como ser submisso ao homem. “A diferença entre os sexos, sempre e em toda parte, adquiriu o sentido de uma hierarquia: o masculino é sempre superior ao feminino, quaisquer que sejam as aplicações dessas categorias.” (AGACINSKI, 1998, p. 20) 
As características que atribuíam essa separação se resumem exclusivamente a duas possibilidades de escolha: o gênero masculino e o gênero feminino, e essa avaliação se restringe a uma condição biológica, a qual órgão sexual pertence à pessoa. Essa é uma descrição não apenas segregatória, mas principalmente, singularizante, graças aos pormenores concretos de uma incompreensão discriminatória por parte de uma sociedade em alguns aspectos ainda tradicionalista. As identidades de ‘’sexo’’ são construídas socialmente e podem ser modificadas.
A obra O segundo Sexo (1949), escrito pela pensadora Simone de Beauvoir em que afirma “Não se nasce mulher, torna-se uma”, marca o início para uma nova linha de reflexão perante o significado exclusivamente binário entre os sexos. O fator psicológico não deve ser isolado da análise para com o julgamento entre os sujeitos. Nesse sentido, as transexuais e as travestis, por exemplo, encontram uma dificuldade demasiada para serem representadas por alguns movimentos feministas, sustentando-se entre o preconceito por desejar o feminino (já que este é secundário num cenário universal) e pela luta na desconstrução do homem que obrigatoriamente tem que ser viril, forte e autoritário. 
Se retirássemos a máscara cultural dos sexos, ninguém encontraria, sob ela, o verdadeiro rosto do homem e da mulher, mas apenas uma outra face, visível algures ou imaginárias, da diferença. E também não perceberíamos, sob os artifícios do gênero, um sujeito neutro ou assexuado. (AGACINSK, 1998, p. 29). 
Numa observação histórica nota-se que a mulher teve seu espaço reprimido na atuação de qualquer atividade que não fosse doméstica, o bloqueio cultural patriarcal fez com que fundamentações intolerantes elevassem a superioridade do homem em relação à mulher, dando vez assim a violência. Adota-se normalmente a ordem da sucessão dos fatos, primeiro o desrespeito com a liberdade feminina, nesse caso reprimindo-a fisicamente alegando ser a mesma mais frágil, e depois psicologicamente, com a argumentação de que as mulheres são menos aptas com relação as suas capacidades mentais. 
Na antiga Grécia, o filósofo Aristóteles (1980ª, p.13) proferiu “A fêmea é fêmea em virtude de certa carência de qualidades”, esse modelo de pensamento até a atualidade serve para assegurar embasamentos machistas que nas mais diversas culturas encontra-se enraizado. 
A diferença biológica entre os sexos, isto é, entre o corpo masculino e o corpo feminino, e, especificamente, a diferença anatômica entre os órgãos sexuais, pode assim ser vista como justificativa natural da diferença socialmente construída entre os gêneros e, principalmente, da divisão social do trabalho. (BOURDIEU, 2002, p.20).
A mente humana não se satisfaz somente com a observação dos acontecimentos: procura investigar as suas motivações (GARCIA, 2003, p. 319), sendo assim, analisando os esclarecimentos sobre a discriminação contra a mulher e por consequência os movimentos feministas, fica evidente a gravidade de se contestar o porquê de ainda o gênero feminino ser inferiorizado por discriminações que ferem o direito da dignidade da pessoa humana.
Devido a propagações errôneas prescritas desde a Grécia Antiga até o presente momento assegurou-se uma margem a naturalização da violência, as mais diversas formas de agressões contra o feminino se configura com o ponto seguro para se pensar que o comportamento violento é “normal”. (SAFFIOTI, 1987, p.11)
Sendo a mulher considerada mais vulnerável fisicamente em comparação com o homem logo foi caracterizada como “sexo frágil”, portanto sujeita a trabalhos domésticos, como limpar a casa, cozinhar, bordar, pintar, servir ao marido de modo geral, na época colonial brasileira essa era uma realidade das mulheres brancas e de uma classe social favorável, já que as negras eram escravas. Segundo Sueli Carneiro (2003, p.50), estas últimas sofrem uma dupla discriminação, primeiro pelo fato de ser mulher e em seguida por ser negra. 
Presume-se que, originalmente, o homem tenha dominado a mulher pela força física. Via de regra, esta é a maior nos elementos masculinos do que no feminino. Mas, como se sabe, há exceções a esta regra. Varia a força física em função da altura, do peso, da estrutura óssea da pessoa, há mulheres detentoras de maior força física que certos homens. (SAFFIOTI, 1987, p. 12)
As mulheres também foram proibidas de ter acesso aos estudos, só depois de meio século desde a criação da primeira escola primária para meninas que em 15 de outubro de 1827 foi outorgada pelo imperador Dom Pedro I a lei que dava acesso ao conteúdo científico para mulheres. Antes disso, o mais próximo dessa realidade se resumia a disponibilidade à leitura das doutrinas da religião católica. Mesmo a primeira escola de ensino fundamental em que as meninas puderam frequentar, o ensino era diferenciado dos meninos, enquanto eles estudavam matérias como matemática, ciências e português, as meninas se restringiam a aprender a costurar, cozinhar e a aulas de etiquetas.
As primeiras mulheres a iniciarem um percurso acadêmico foi em 19 de Abril de 1879, e mesmo esta conquista obtendo uma carga de importância bastante elevada, o contexto social da época criticava de forma pejorativa as moças que escolhiam seguir essa opção. A pressão sofrida pelas mulheres que desejavam um estilo de vida incomum ao século XVIII explica-se na associação interpretada pela maioria acerca da excelência masculina diante do gênero feminino desde os primórdios da formação das sociedades, sendo reproduzida no decorrer das épocas.
Diante desses fatores a mulher ficou restrita a uma condição social inferior, a presença predominante do machismo comprometeu negativamente o resultado das lutas pela democracia, pois o resultado implicou numa democracia pela metade. (SAFFIOTI, 1987, p.24). Sendo assim, as várias formas de violência contra mulher encontram-se expostas de maneira acentuada na sociedade.
Já que as mulheres demoraram a conquistar seus direitos legais para então poderem ter a oportunidade de defesa e denúncia dentro dos ordenamentos jurídicos vigentes, por muito tempo as agressões cometidas contra elas se firmaram como algo aceito e genuíno da natureza masculina. 
A colaboração da mulher na justiça abalará por completo a naturalidade do sentimento jurídico masculino, trazendo sua condicionalidade e sua possibilidade de revisão à tona, tendo como consequência que, em lugar do direito masculino ditatorial, tome posse um verdadeiro direito humano. (RADBRUCH, 1999, p. 146-147).
No ano de 2006 no Brasil foi sancionada a Lei 11.340 mais conhecida como Lei Maria da Penha, que entrou em vigor no dia 22 de setembro. Essa lei foi criada com o intuito de proteger os direitos das mulheres, impedindo que os homens agredissem ou assassinassem suas esposas. Contudo, é preciso analisar o percurso nacional até a chegada da Lei Maria da Penha para que se possa compreender o porquê dos casos de violência contra a mulher ainda serem alarmantes no país. E então perceber como os movimentos feministas tem importância nessa luta, e como estes atuam nas cidades do interior.
A MULHER NA SOCIEDADE PATRIARCAL E A LEI MARIA DA PENHA
O surgimento da Lei 11.340/2006 mais conhecida por ‘’Lei Maria da Penha’’ se classifica por etapas, desde a impunidade diante da violência vivenciada pelas mulheres que já se fazia presente no Brasil há muito tempo, até o estopim da polêmica envolvendo as agressões sofridas por Maria da Penha Maia Fernandes. 
No ano de 1983 na cidade de Fortaleza no Estado do Ceará, a biofarmacêutica Maria da Penha sofreu dupla tentativa de homicídio dentro de sua própria residência por parte do seu então marido Marco Heredia Viveiros, colombiano naturalizado brasileiro, professoruniversitário, economista. Primeiro atirou contra suas costas enquanto ela dormia, deixando-a paraplégica. Em seguida tentou eletrocutá-la durante o banho.
Segundo o Relatório N° 54/1 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre o caso 12.051, baseada nas atribuições que conferem os artigos 44 e 46 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, e o artigo 12 da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará ou CVM) relata que em 20 de agosto de 1998 a Comissão recebeu a denuncia feita pela Senhora Maria da Penha Maia Fernandes. 
Depois de mais de 10 anos do acontecimento dos crimes o caso foi levado ao CIDH/OEA (Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos), e nesse meio tempo houve duas condenações pelo Tribunal do Júri do Ceará, que em 1991 condena o agressor a 15 anos de prisão. Contudo, a defesa do réu apela e no ano seguinte a condenação é anulada.
Dado o acontecido Maria da Penha lança seu livro autobiográfico “Sobrevivi... Posso Contar” (1994), em que retrata toda a sua dor e preocupação diante da situação angustiante que era viver perante as ameaças e agressões que constantemente seu marido fazia contra ela e suas três filhas. A publicação do livro aumentou a visibilidade do empenho da mulher que virou símbolo da luta pelo fim da violência doméstica. Na sua narração retrata o quanto ela vivia com medo de pedir divórcio ao seu marido, mantendo o casamento por anos numa situação dramática. O jurista Paulo Bonavides em apoio a Maria da Penha escreveu a orelha de seu livro, em que traz num dos trechos a seguinte mensagem:
Com ele, a primeira vista se faz tão somente o relato de uma tragédia familiar, entendida, porém, no seu profundo simbolismo, na dor que perpassa todas as suas páginas e no sentindo de sua dimensão histórica. Verifica-se que tal obra não esparge apenas as lágrimas de uma só mulher, senão o pranto de todas aquelas criaturas que na sequencia das gerações padeceram já iguais provações e amarguras. A consciência social e pública foi desse modo, despertada pela comoção de um drama que inspirou e moveu legislador a elaborar e promulgar a Lei Maria da Penha, a Lei que pegou em certa maneira aquela que veio para redimir a mulher brasileira e coloca-la independente do sexo sobre a proteção do Estado constitucional. (BONAVIDES, 1994)
E em 1996 seu ex-marido é mais uma vez condenado, foi decidido uma sentença de 10 anos e seis meses, o que veio novamente a ser contestado em 1998, sendo Marcos Heredia Viveiro solto pela Justiça. Ainda não havia uma decisão resoluta no processo e em liberdade mantinha-se o agressor. Esse fato moveu a Maria da Penha com a assistência do CEJIL – Brasil (Centro para a Justiça e o Direito Internacional) e o CLADEM – Brasil (Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher) enviarem o caso à CIDH/OEA (Comissão Interamerica de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos).
A Comissão julgou, ademais, que houve morosidade injustificada na tramitação da denúncia, podendo acarretar no risco da prescrição do delito, sendo assim, ocasionando a parcialidade decisiva do criminoso e a inviabilidade da reparação da vítima.
O Brasil foi acusado a violação dos artigos 1(1) (Obrigação de respeitar os direitos); 8 (Garantias Judiciais). 24 (Igualdade perante lei) e 25 (Proteção Judicial) da Convenção Americana, dos artigos II e XVIII da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, explicito nos artigos 3, 4, a, b, c, d, e, f, g, 5 e 7 da Convenção de Belém do Pará. E em 2001 o Brasil é condenado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) por displicência.
A Comissão recomenda ao Estado que proceda a uma investigação séria, imparcial e exaustiva para determinar a responsabilidade penal do autor do delito de tentativa de homicídio em prejuízo da Senhora Fernandes e para determinar se há outros fatos ou ações de agentes estatais que tenham impedido o processamento rápido e efetivo do responsável; também recomenda a reparação efetiva e pronta da vítima e a adoção de medidas, no âmbito nacional, para eliminar essa tolerância do Estado ante a violência doméstica contra mulheres. (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 2001)
O ex-marido de Maria da Penha foi preso em 2002 para cumprir apenas dois anos, e somente no ano de 2004 o Governo brasileiro apresentou ao Congresso Nacional a proposta para a criação do que viria a ser a ‘’Lei Maria da Penha’’. No ano de 2006 o Congresso Nacional aprova o projeto, e em sete de agosto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sanciona a lei 11.340.
Sendo a luta trabalho eterno do Direito (IHERING, 2009, p.48) entende-se que a Lei 11.340 foi uma grande conquista por parte da persistência de Maria da Penha, dos movimentos feministas brasileiros e da pressão internacional. Em seu primeiro parágrafo, a lei já deixa compreensível sua função e quais objetivos busca alcançar:
Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. (BRASIL, Lei 11.340/2006)
Mesmo depois de toda a trajetória para se conseguir os mecanismos legais para proteger a mulher da violência de gênero, algumas contrariedades enraizadas na cultura nacional continuam a atrasar as lutas feministas. Como já foi dissertado no presente trabalho, o machismo é entendido por boa parte da população como forma de sistema natural que não deve ser contestado, e assim, a espacialidade para violência física e psicológica se firma nas sociedades. 
Estruturas de dominação não se transformam meramente através da legislação. Esta é importante, na medida em que permite a qualquer cidadão prejudicado pelas práticas discriminatórias recorrer à justiça. Todavia, enquanto perdurarem discriminações legitimadas pela ideologia dominante, especialmente contra a mulher, os próprios agentes da justiça tenderão a interpretar as ocorrências que devem julgar a luz do sistema de ideias justificador do presente estado de coisas (SAFFIOTI, 1987, p. 16). 
Quando se trata de cidades de interior os casos são mais delicados, o número de DDMs e Juizados Especiais para proteger a mulher não são suficientes ou até mesmo inexistentes. O modo de vida da população é totalmente baseado nos preceitos da tradição patriarcal. No contexto do Nordeste, onde o índice de violência é constatado de nível elevado se justifica pela estimulação que o homem recebeu durante muitas gerações para ser dominante a figura da mulher, “O homem será considerado macho na medida em que for capaz de disfarçar, inibir, sufocar seus sentimentos.” (SAFFIOTI, 1987, p. 11)
Na cultura conservadora do sertão as características estabelecidas para como o homem deveria se portar diante do seu cotidiano nas mais variadas formas de divisão de trabalho e de sua vivência como um todo, percebe-se que ensinamentos rústicos de valentia, ‘’macheza’’ associados a uso da violência foram inspirados para o que significa de fato se reconhecer como ser masculino. Desde a cultura do campo até a migração para a espacialidade urbana, os resquícios de um povo tradicionalista se revertem no grave reflexo de uma atual sociedade patriarcal denunciada nos índices das estatísticas das DDMs.
DADOS ESTATÍSTICOS DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NA CIDADE DE CRATO 
Em entrevista realizada no ano de 2015 com a delegada da Delegacia da Mulher, a senhora Kamila Moura de Brito, fica evidente que os casos da violência contra a mulher na cidade de Crato ainda demonstram índices elevados. Em seu depoimento a delegada explica como a Lei 11.340transformou o cenário da luta feminina, e que esta aliada às lutas dos movimentos feministas, estabelece uma contribuição de benefícios para as mulheres e para toda população cratense. 
Em primeira impressão, Kamila explicou a situação das vítimas que se encaminham para a sua sala, e que estas em sua totalidade se apresentam extremamente traumatizadas psicologicamente e em muitos dos casos, fisicamente. A maioria já vivia numa situação de transtorno emocional e agressões há certo período de tempo, e que somente chegam a denunciar o agressor quando o conflito já se apresenta em realidade bastante crítica de ameaça contra suas vidas. Quem violenta as mulheres em predominância são seus parceiros conjugais ou ex-cônjuges, que por muitas vezes sustentarem suas esposas financeiramente se sentem no poder de dominá-las em todos os sentidos, e que caso elas cheguem a denunciar, eles ameaçam de abandoná-las sem deixar nenhuma assistência.
A educação acerca do feminismo para a sociedade revela-se nesse caso com demasiada importância, segundo a delegada, algumas denúncias foram realizadas por vizinhos ou pessoas com algum laço afetivo com a vítima, e este fato se justifica pela transgressão do entendimento por parte de alheios de que a mulher não merece sofrer qualquer tipo de discriminação de gênero. A concepção da naturalização da violência contra a mulher que se estabeleceu enraizada na nossa cultura necessita ser questionada e esclarecida por meio de mudanças para o fim da opressão que o ser feminino ainda sofre.
Em entrevista realizada no ano de 2015 com uma das representantes de um dos movimentos feministas da cidade de Crato, o ‘’Frente de Mulheres dos Movimentos do Cariri’’, a assistente social Dr.Suamy Soares, afirmou:
Todas as mulheres e homens que compõem a Frente já têm ações de enfrentamento às múltiplas formas de violência nas suas entidades; e de certa maneira isso já faz a Frente ter certa aproximação com as mulheres. Nós realizamos uma formação com as componentes da Frente e a nossa postura para 2015 é ampliar as atividades para os bairros periféricos e dialogar com as mulheres trabalhadoras e camponesas. Por outra parte, recebemos muitas mulheres que estão em situação de violação e nos procura para assessoria ou apenas como espaço de compartilhamento de sentimentos. Estamos abertas para receber as mulheres e encaminha-las para as autoridades competentes, pois a Frente não resolve as demandas das mulheres, nosso objetivo é pressionar o Estado para que ele cumpra sua função. (informação verbal)[2: Informação coletada em entrevista ao Grupo de Estudo de Direitos Humanos e Fundamentais]
Em análise das estatísticas disponibilizadas pela Delegacia da Mulher de Crato constata-se que é preciso haver mudança na forma como a sociedade se comporta diante da opressão sofrida pelas mulheres, no ano de 2013 foram realizados 977 Boletins de Ocorrência e destes 427 foram arquivados por desinteresse da vítima. Dentre estes casos, 208 foram por ameaça, 175 por lesão corporal dolosa e sete tentativas de homicídio. No ano de 2014 o número de Boletins de Ocorrência aumenta para 1080, e destes 297 foram arquivados por desistência da vítima, 43 flagrantes lavrados e 582 ordens de missão policial.
CONCLUSÃO 
Embora a Lei 11.340/2006 ou ‘’Lei Maria da Penha’’ tenha demonstrado uma evolução na luta feminina contra a discriminação e a violência, e que os movimentos feministas estejam crescendo, inclusive nas cidades de interior, ainda se precisa do apoio de outros recursos para dar visibilidade aos movimentos de mulheres. Em busca de uma sociedade mais igualitária em seus direitos, deixando a indispensabilidade de discutir, bem como integrar o feminismo como valor humano.
Assim, os movimentos que lutam em virtude da questão de gênero, atuam como formadores de opiniões trabalhando no aspecto da mudança social para então aceitação e cumprimento das demandas legais, e também na realização de cobranças por parte da população para que o Estado cumpra com os requisitos necessários para erradicar a violência contra o ser feminino em todo seu entendimento, ajudando a mulher se empoderar dos seus direitos. 
REFERÊNCIAS
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GARCIA, Othon M. Comunicação em prosa moderna: aprenda a escrever, aprendendo a pensar. 23. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2003. 
IHERING, Rudolf Von. A luta pelo direito. Trad. João de Vasconcelos. São Paulo: Martin Claret, 2009. 100 p.
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SABADDEL, Ana Lucia. Manual de Sociologia Jurídica. 6. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2014. 272p. 
SAFFIOTI, Heleieth I. B. O Poder do Macho. São Paulo: Editora Moderna, 1987. 120p.
SÉGUIN, Elida (org). O Direito da Mulher. Rio de Janeiro: MRS, 1999. p. 21
WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012. Os novos padrões da violência homicida no Brasil. São Paulo: Instituto Sangari, 2011. Disponível em:< http://www.compromissoeatitude.org.br/wp-content/uploads/2012/08/Mapa-Violencia-2012_HomicidiosMulheres.pdf> Acesso em: 03 set. 2015

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