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Talamini 23 artigos sobre o NCPC Migalhas

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TALAMINI - 23 ARTIGOS SOBRE O NCPC
Amicus curiae no CPC/15
Eduardo Talamini
A participação do amicus curiae, com o fornecimento de subsídios ao julgador, contribui para o incremento de qualidade das decisões judiciais. Amplia-se a possibilidade de obtenção de decisões mais justas.
terça-feira, 1º de março de 2016
1. Noção e finalidades
O amicus curiae (art. 138 do CPC/2015) é terceiro admitido no processo para fornecer subsídios instrutórios (probatórios ou jurídicos) à solução de causa revestida de especial relevância ou complexidade, sem, no entanto, passar a titularizar posições subjetivas relativas às partes – nem mesmo limitada e subsidiariamente, como o assistente simples. Auxilia o órgão jurisdicional no sentido de que lhe traz mais elementos para decidir. Daí o nome de “amigo da corte”.
O amicus curiae não assume a condição de parte. E sua intervenção não se fundamenta no interesse jurídico na vitória de uma das partes, diferenciando-se, sob esse aspecto inclusive da assistência. Por isso, ele não assume poderes processuais sequer para auxiliar qualquer das partes. Ainda que os seus poderes sejam definidos em cada caso concreto pelo juiz (art. 138, § 2º, do CPC/2015), na essência serão limitados à prestação de subsídios para a decisão
A participação do amicus curiae, com o fornecimento de subsídios ao julgador, contribui para o incremento de qualidade das decisões judiciais. Amplia-se a possibilidade de obtenção de decisões mais justas – e, portanto, mais consentâneas com a garantia da plenitude da tutela jurisdicional (art. 5º, XXXV, da CF/1988). Por outro lado, sobretudo nos processos de cunho precipuamente objetivo (ações diretas de controle de constitucionalidade; mecanismos de resolução de questões repetitivas etc.), a admissão do amicus é um dos modos de ampliação e qualificação do contraditório (art. 5º, LV, da CF/1988).
O ingresso do amicus curiae no processo pode derivar de pedido de uma das partes ou do próprio terceiro. Pode também ser requisitado de ofício pelo juiz. Portanto, essa é uma modalidade de intervenção que tanto pode ser espontânea (voluntária) quanto provocada (coata).
2. A regra geral e a previsão em normas esparsas 
Diversas regras contidas em leis esparsas preveem hipóteses de intervenção que se enquadram na moldura geral do amicus curiae: art. 32 da Lei 4.726/1965 (Junta Comercial); Lei 6.385/1976 (Comissão de Valores Mobiliários – CVM); art. 7º, § 2º, da Lei 9.868/1999 (ADI); art. 6º, § 1º, da Lei 9.882/1999 (ADPF); art. 14, § 7º, da Lei 10.259/2001 (Juizados Especiais Federais); art. 3º, § 2º, da Lei 11.417/2006 (Súmula Vinculante); art. 118 da Lei 12.529/2011 (CADE); art. 896-C, § 8º, da CLT, acrescido pela Lei 13.015/2014 (recursos de revista repetitivos).
Não há identidade absoluta entre os regimes jurídicos extraíveis das disposições ora citadas. Mas de todas extrai-se um núcleo comum: permitir a colaboração processual de um terceiro, que nem por isso passa a titularizar posições jurídico-processuais de parte. O art. 138 do CPC/2015 aplica-se a todas elas subsidiariamente.
O próprio CPC/2015 possui outras regras que tratam de hipóteses específicas de intervenção de amicus curiae, que também devem ser coordenadas com a norma geral do art. 138: art. 927, § 2º (alteração de entendimento sumulado ou adotado em julgamento por amostragem); arts. 950, §§ 2º e 3º (incidente de arguição de inconstitucionalidade); art. 983 (incidente de resolução de demandas repetitivas); art. 1.035, § 4º (repercussão geral); art. 1.038, I (recursos especiais e extraordinários repetitivos).
3. Cabimento formal e momento da intervenção 
Trata-se de modalidade interventiva admissível em todas as formas processuais e tipos de procedimento.
A atuação do amicus curiae, dada sua limitada esfera de poderes (e, consequentemente, sua restrita interferência procedimental), é cabível inclusive em procedimentos especiais regulados por leis esparsas em que se veda genericamente a intervenção de terceiros. Tal proibição deve ser interpretada como aplicável apenas às formas de intervenção em que o terceiro torna-se parte ou assume subsidiariamente os poderes da parte. Assim, cabe ingresso de amicus em processo do juizado especial, bem como no mandado de segurança.
Em tese, admite-se a intervenção em qualquer fase processual ou grau de jurisdição. A lei não fixa limite temporal para a participação do amicus curiae. A sua admissão no processo é pautada na sua aptidão em contribuir. Assim, apenas reflexamente a fase processual é relevante: será descartada a intervenção se, naquele momento, a apresentação de subsídios instrutórios fáticos ou jurídicos já não tiver mais nenhuma relevância.
4. Pressupostos objetivos
A intervenção do amicus curiae cabe quando houver “relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia” (art. 138, caput, do CPC/2015). As regras especiais dessa intervenção, acima enumeradas, não exaurem as hipóteses objetivas de cabimento, mas servem para ilustrá-las.
São duas as balizas: por um lado a especialidade da matéria, o seu grau de complexidade; por outro, a importância da causa, que deve ir além do interesse das partes, i.e., sua transcendência, repercussão transindividual ou institucional. São requisitos alternativos (“ou”), não necessariamente cumulativos: tanto a sofisticação da causa quanto sua importância ultra partes (i.e., que vá além das partes) pode autorizar, por si só, a intervenção. De todo modo, os dois aspectos, em casos em que não se põem isoladamente de modo tão intenso, podem ser somados, considerados conjuntamente, a fim de viabilizar a admissão do amicus.
A complexidade da matéria justificadora a participação do amicus tanto pode ser fática quanto técnica, jurídica ou extrajurídica.
A importância transcendental da causa pode pôr-se tanto sob o aspecto qualitativo (“relevância da matéria”) quanto quantitativo (“repercussão social da controvérsia”). Por vezes, a solução da causa tem repercussão que vai muito além do interesse das partes porque será direta ou indiretamente aplicada a muitas outras pessoas (ações de controle direto, processos coletivos, incidentes de julgamento de questões repetitivas ou mesmo a simples formação de um precedente relevante etc.). Mas em outras ocasiões, a dimensão ultra partes justificadora da intervenção do amicus estará presente em questões que, embora sem a tendência de reproduzir-se em uma significativa quantidade de litígios, versam sobre temas fundamentais para a ordem jurídica. Imagine-se uma ação que versa sobre a possibilidade de autorizar-se uma transfusão sanguínea para uma criação mesmo contra a vontade dos pais dela. O caso, em si, concerne a pessoas específicas e determinadas, mas envolve valores jurídicos fundamentais à ordem constitucional (direito à vida, liberdade religiosa, limites do direito à intimidade etc.). Em uma causa como essa, é justificável a intervenção de amici curiae, que poderão contribuir sob vários aspectos (médicos, filosóficos, religiosos...).
5. Pressupostos subjetivos
Podem ser amici curiae tanto pessoas naturais quanto jurídicas – e, nesse caso, tanto entes públicos como privados; entidades com ou sem fins lucrativos. Mesmos órgãos internos a outros entes públicos podem em tese intervir nessa condição.
O elemento essencial para admitir-se o terceiro como amicus é sua potencialidade de aportar elementos úteis para a solução do processo ou incidente. Essa demonstração faz-se pela verificação do histórico e atributos do terceiro, de seus procuradores, agentes, prepostos etc. A lei aludiu a “representatividade adequada”. Mas não se trata propriamente de uma aptidão do terceiro em representar ou defender os interesses de jurisdicionados. Não há na hipótese representação nem substituição processual. A expressão refere-se à capacitação avaliada a partir da qualidade (técnica, cultural...) do terceiro (e de todos aqueles que atuam com ele e por ele) e do conteúdo de sua possível colaboração (petições,pareceres, estudos, levantamentos etc.). A “representatividade” não tem aqui o sentido de legitimação, mas de qualificação. Pode-se usar aqui um neologismo, à falta de expressão mais adequada para o exato paralelo: trata-se de uma contributividade adequada (adequada aptidão em colaborar).
A existência de interesse jurídico ou extrajurídico do terceiro na solução da causa não é um elemento relevante para a definição do cabimento de sua intervenção como amicus curiae. O simples fato de o terceiro ter interesse na solução da causa não é fundamento para permitir sua intervenção como amicus curiae. Mas, por outro lado, o seu eventual interesse no resultado do julgamento também não é, em si, óbice a que intervenha em tal condição. O que importa é a sua capacidade de contribuir com o Judiciário. E é frequente que a existência de um interesse na questão discutida no processo faça do terceiro alguém especialmente qualificado para fornecer subsídios úteis. Não é incomum, por exemplo, que determinada entidade de classe, precisamente porque seus membros têm interesse na definição da interpretação ou validade de certa norma, promova diversos simpósios, estudos, levantamentos ou obtenha pareceres de especialistas sobre o tema. Todo esse acervo – nitidamente formado a partir de interesses específicos da entidade e seus integrantes – tende a ser muito útil à solução do processo. Caberá ao julgador aproveitá-lo, filtrando eventuais desvios ou imperfeições.
6. Irrecorribilidade da decisão sobre o ingresso de amicus curiae
A decisão que determina de ofício ou defere ou indefere o pedido de intervenção do amicus curiae é irrecorrível (art. 138, caput, do CPC/2015). Trata-se de exceção à regra do art. 1.015, IX, do CPC/2015 (segundo a qual cabe agravo de instrumento contra decisão sobre intervenção de terceiro).
Mas a proibição recursal não deve ser aplicada aos embargos de declaração, que se destinam meramente a esclarecer ou complementar a decisão.
7. Os poderes do amicus curiae
O juiz, ao admitir ou solicitar a participação do amicus curiae, determinará concretamente os poderes que lhe são conferidos (art. 138, § 2º, do CPC/2015). 
Mas há uma gama mínima de poderes já estabelecida em lei: possibilidade de manifestação escrita em quinze dias (art. 138, caput, do CPC/2015); legitimidade para opor embargos declaratórios (art. 138, § 1º, do CPC/2015); possibilidade de sustentação oral e legitimidade recursal nos julgamentos de recursos repetitivos (art. 138, § 3º, do CPC/2015).
Há também limites máximos: ressalvadas as duas exceções acima mencionadas, o amicus curiae não tem poderes para recorrer das decisões no processo (art. 138, § 1º, do CPC/2015); ele também não detém outros poderes em grau equivalente aos das partes; seus argumentos devem ser enfrentados pela decisão judicial (arts. 489, § 1º, IV, 984, § 2º, e 1.038, § 3º, do CPC/2015).
Dentro desses limites mínimo e máximo, cumpre ao juiz concretamente definir a intensidade da atuação processual do amicus curiae.
Como indicado, a lei proíbe expressamente o amicus curiae de interpor recursos no processo (exceção feita a embargos declaratórios e à impugnação de decisões tomadas no julgamento de causas e recursos repetitivos). Todavia, não é de se descartar que se profiram decisões diretamente gravosas à esfera jurídica do amicus curiae (p. ex., o juiz o condena em litigância de má-fé ou determina que ele arque com verbas de sucumbência no processo). Uma vez que não cabe recurso contra eles, o amicus poderá valer-se do mandado de segurança (art. 5º, LXIX, da CF/1988; art. 5º, II, da Lei 12.016/2009, a contrario sensu).
8. Não atingimento pela coisa julgada
Precisamente porque exerce faculdades limitadas no processo, não assumindo a condição de parte, o amicus curiae não se submete à autoridade da coisa julgada (art. 506, do CPC/2015). Não se sujeita sequer ao efeito da assistência simples (art. 123, do CPC/2015), por não assumir nem mesmo subsidiariamente a gama de direitos atribuída às partes.
9. Ausência de modificação de competência
A intervenção do amicus curiae não importa alteração de competência (art. 138, § 1º, do CPC/2015). Assim, quando uma pessoa de direito público, órgão ou empresa pública federal ingressa como amicus em processo em trâmite na Justiça estadual, a competência não se deslocará para a Justiça Federal. Dado o papel processual restrito do amicus, não se aplicam à hipótese o art. 109, I, da CF/1988 e o art. 45 do CPC/2015.
_____________
*O presente texto constitui síntese do que expus em “Amicus curiae – comentários aos art. 138 do CPC”, em Breves comentários ao novo CPC (orga. Teresa Wambier, F. Didier Jr., E. Talamini e B. Dantas), São Paulo, Ed. RT, 2015, p. 438-445.
Incidente de desconsideração de personalidade jurídica
Mais delicado problema põe-se quando um processo está em curso e apenas então surgem indícios que justificam a desconsideração de personalidade jurídica.
quarta-feira, 2 de março de 2016
1. Noção e finalidades
A pessoa jurídica tem personalidade jurídica distinta da dos seus sócios e administradores. Ela tem direitos, obrigações e patrimônio próprios, inconfundíveis com os dos sócios e administradores. Mas a pessoa jurídica não é um ente concreto, real, como é a pessoa natural. Trata-se de um instrumento criado pelo direito para viabilizar, incentivar, facilitar o desenvolvimento de atividades e a produção de resultados desejados pelo ordenamento jurídico (atividade empresarial, relevantes atividades sem fins lucrativos, representação política ou sindical, administração dos bens públicos etc.).
Mas o direito material também prevê hipóteses em que a personalidade de pessoa jurídica deve ser desconsiderada, ignorada – tratando-se, para determinados fins, a esfera jurídica do sócio (ou administrador) e da sociedade como sendo uma coisa só. Trata-se basicamente de casos em que pessoa jurídica é utilizada para fins abusivos, com desvio de finalidade, com o propósito de lesar terceiros e (ou) fraudar a lei (ex.: art. 28 do CDC; art. 50 do CC; art. 116, parágrafo único, do CTN; art. 4º, §2º, Lei 12.846/2013 etc.). 
Há duas modalidades de desconsideração da personalidade jurídica. Por um lado, há a desconsideração de personalidade jurídica em sentido estrito, que consiste em tratar-se como sendo da sociedade o patrimônio do sócio, a fim de atingi-lo e fazê-lo responder pelos deveres e obrigações da sociedade. Por outro lado, há a desconsideração (ou penetração) inversa: atinge-se o patrimônio da sociedade, utilizando-o para responder pelas dívidas do sócio. 
Reitere-se que esse é tema afeto ao direito material. Mas cabe às leis processuais definir como se aferirá a efetiva ocorrência de algum dos fundamentos justificadores da desconsideração da personalidade jurídica. As garantias constitucionais do contraditório, ampla defesa, devido processo legal e acesso à justiça impõem que a pessoa física ou jurídica que poderá vir a ter seu patrimônio atingido tenha a oportunidade de participar da aferição pelo juiz da configuração daqueles fundamentos.
O mais delicado problema põe-se quando um processo está em curso e apenas então surgem indícios que justificam a desconsideração de personalidade jurídica.
Haveria duas soluções extremas. De acordo com uma delas, o juiz determinaria diretamente a desconsideração, cabendo à pessoa por ela afetada promover uma ação para demonstrar que a desconsideração foi indevida. A outra solução seria a de se negar a desconsideração no curso do próprio processo, cumprindo à parte interessada em obtê-la ajuizar ação específica para tanto. Nenhuma dessas soluções é adequada: a primeira viola escancaradamente as garantias constitucionais do processo acima referidas; a segunda tende a inviabilizar o sucesso prático da desconsideração.
A solução intermediária é a estabelecida no CPC/2015 (arts. 133 a 137): instaura-se um incidente específico, que suspende o resto do processo até ser decidido, no qual a pessoa que seria afetada pela desconsideração é citada, para poder defender-se.Julgada procedente a demanda de desconsideração objeto do incidente, a ação principal será retomada e poderá atingir a esfera jurídica da pessoa atingida pela desconsideração (como se fosse a própria esfera jurídica da parte originária). Se a demanda de desconsideração for rejeitada, a ação principal prosseguirá podendo apenas atingir e vincular diretamente a esfera jurídica das partes originárias.
2. Intervenção provocada – Legitimidade para a provocação 
Trata-se de modalidade de intervenção provocada (coata): o terceiro é trazido para o processo, independentemente de sua vontade. O incidente de desconsideração pode ser requerido pela parte interessada ou pelo Ministério Público (nos processos em que ele participa).
Quando pleiteado pelo Ministério Público, deve-se antes ouvir a parte que em tese teria interesse na desconsideração (normalmente, o autor da ação principal). Essa é uma imposição da garantia do contraditório (art. 5.º, LV, da CF/1988; arts. 9.º e 10 do CPC/2015). O incidente implica significativa interferência sobre o resto do processo, que é suspenso. Por isso, é relevante ouvir-se a parte em tese interessada na providência. Ela pode apresentar razões pelas quais não convenha sequer instaurar-se o incidente (p. ex., ausência de fundamentos para a desconsideração vir a ser determinada; ausência de bens no patrimônio a ser atingido pela desconsideração etc.). Caberá ao juiz previamente apreciar tais razões, a fim de evitar a instauração de incidente fadado à inutilidade e que geraria desnecessária suspensão do processo.
3. Objeto e natureza do incidente
No incidente de desconsideração, há a ampliação do objeto do processo. Isso significa que o requerimento de instauração do incidente, quando formulado pela parte interessada ou pelo Ministério Público, consiste em uma nova demanda em face do terceiro (a pessoa que terá sua esfera jurídica atingida pela desconsideração). Trata-se de uma ação incidental (i.e., uma ação que se formula e tramita dentro de um processo já em curso), pela qual se pretende a desconstituição da eficácia da personalidade de uma pessoa jurídica, para o fim de atingir o patrimônio dela (quando o sócio é a parte originária no processo) ou o patrimônio de seu sócio (quando ela é a parte originária).
O incidente presta-se tanto à desconsideração em sentido estrito quanto à desconsideração invertida (art. 133, § 2.º, do CPC/2015).
Desenvolve atividade jurisdicional de cognição exauriente. O juiz investiga amplamente a configuração dos pressupostos para a desconsideração, com ampla instrução probatória, se necessário.
4. Posição jurídico-processual do interveniente
Assim, o terceiro, ao ser trazido para o processo, torna-se réu da demanda incidental de desconsideração (desconstituição da eficácia).
Mas o terceiro não se torna parte na ação principal, originária. Se for rejeitada a demanda de desconsideração, a ação principal simplesmente prosseguirá sem atingir sua esfera jurídica. Se for julgada procedente a ação principal, sua esfera jurídica será atingida como que se ele não existisse; como que se seu patrimônio fosse o próprio patrimônio da parte da ação principal. 
5. Cabimento formal e momento de instauração do incidente
O incidente de desconsideração pode ser instaurado em qualquer fase processual e em todas as modalidades de processo (art. 134 do CPC/2015). Cabe inclusive no procedimento dos Juizados Especiais (art. 1.062). Para tanto, basta que existam indicativos da presença dos fundamentos materiais para a desconsideração e que ela seja concretamente útil para os resultados do processo.
6. Pleito de desconsideração formulado na inicial
Se na própria petição inicial o autor já formular pedido de desconsideração de personalidade jurídica, o sócio ou sociedade atingido por essa providência será desde logo citado como réu no processo. Ele será, desde o início, litisconsorte do réu da ação principal.
Nessa hipótese, não se instaurará o incidente do art. 133 e seguintes, do CPC/2015. O pedido de desconsideração será processado juntamente com as outras demandas formuladas na inicial. Será resolvido na sentença ou eventualmente em decisão interlocutória (nos termos dos arts. 354, parágrafo único, ou 356, do CPC/2015), mas sem qualquer força suspensiva sobre o resto do processo (art. 134, § 2.º, do CPC/2015). 
7. Processamento e efeitos
Como indicado, o pleito de instauração do incidente de desconsideração veicula uma demanda, uma ação incidental. Assim, tal requerimento deve conter os elementos essenciais de uma ação: identificação do réu, causa de pedir e pedido. No que tange à causa de pedir, cumpre ao requerente demonstrar a configuração concreta de alguma hipótese prevista no direito material para a desconsideração da personalidade jurídica (arts. 133, § 1.º e 134, § 4.º, do CPC/2015). Devem também ser indicados os meios de prova que pretende utilizar.
Assim que recebido o pedido, deve-se comunicar ao cartório distribuidor de ações, para que promova o devido registro dessa demanda incidental contra o demandado (o sócio ou sociedade que sofrerá os efeitos da desconsideração). Esse registro é relevante porque, como se aponta adiante, uma fez provida a desconsideração, poderá constituir fraude à execução a alienação ou oneração de bens praticada pelo réu da demanda incidental, a partir do início dessa.
O requerimento de instauração do incidente de desconsideração implica a suspensão do restante do processo (art. 134, § 2,º, do CPC/2015).
Se o sujeito que vier a ser atingido pela desconsideração for a União, autarquia, fundação ou empresa pública federal, haverá deslocamento de competência para a Justiça Federal, se o processo já não estiver lá tramitando (art. 109, I, da CF/1988; art. 45 do CPC/2015). Caberá ao juiz federal decidir sobre a admissibilidade do incidente, determinando o retorno dos autos à Justiça Estadual ou do DF, se o reputar inadmissível (art. 45, § 3.º, do CPC; Súm. 150 do STJ).
Não havendo rejeição liminar do pedido de instauração do incidente, o juiz mandará citar o sócio ou a sociedade que seria atingido pela desconsideração, para que ele apresente sua contestação à demanda incidental em quinze dias. Deverá também nessa oportunidade requerer as provas que repute necessárias (art. 135 do CPC/2015). No seu mérito, a defesa do sócio ou sociedade apenas poderá versar sobre a (não) configuração dos pressupostos justificadores da desconsideração. Pelas razões já expostas, não lhe é dado discutir o mérito da ação principal – que, ou não lhe diz respeito (se não couber a desconsideração) ou o atingirá como se ele não tivesse personalidade jurídica própria (se couber a desconsideração).
A parte que seria beneficiária da desconsideração (normalmente o autor da ação) também terá o direito de produzir provas e participar ativamente da instrução jurídica e probatória, mesmo quando a instauração do incidente não houver decorrido de pleito seu.
Nos limites de seu objeto (verificação dos pressupostos materiais da desconsideração), a instrução do incidente é aprofundada. A cognição é exauriente. O juiz não resolverá a questão com base em mera plausibilidade, aparência. Mas isso obviamente não significa que não seja possível concluir pela ocorrência dos fundamentos que impõem a desconsideração a partir de provas indiretas, indícios e máximas da experiência – como poderia fazê-lo em qualquer outra causa de cognição exauriente.
8. A decisão do incidente 
O incidente de desconsideração será resolvido por decisão interlocutória (art. 136, caput, do CPC/2015). Se a decisão for de juiz de primeiro grau, contra ela caberá agravo de instrumento (art. 1.015, IV, do CPC/2015). Se for do relator, em recurso ou em ação de competência originária do tribunal, caberá agravo interno (art. 136, parágrafo único, do CPC/2015).
A decisão pode não chegar a julgar o mérito da demanda de desconsideração, nas hipóteses do art. 485 do CPC/2015 (por exemplo, constata-se que já houve sentença entre as mesmas partes rejeitando a possibilidade da desconsideraçãopretendida, havendo coisa julgada que proíbe nova decisão da questão, art. 485, V). 
Mas tendo julgado o mérito do pedido de desconsideração, seja para acolhê-lo, seja para rejeitá-lo, a decisão do incidente fará coisa julgada material, assim que transitar em julgado (i.e., uma vez não interposto recurso ou exaurido todos os cabíveis). Trata-se de uma decisão interlocutória de mérito, apta a fazer coisa julgada material (arts. 356, § 3.º, e 502, do CPC/2015).
A decisão de improcedência do pedido declara a impossibilidade de desconsiderar-se a personalidade jurídica (efeito declaratório negativo). A decisão de procedência declara o direito à desconsideração (efeito declaratório positivo) e desconstitui a eficácia da personalidade jurídica da sociedade, para o fim de atingir-se o patrimônio dela (na desconsideração invertida) ou o do sócio (na desconsideração em sentido estrito), no processo em curso.
A decisão de procedência da desconsideração opera seus efeitos relativamente ao processo em curso (e eventualmente a outros, entre as mesmas partes, que versem sobre causas que estejam em relação de prejudicialidade com a ação principal daquele processo). A desconsideração ali decretada, portanto, não é ampla e genérica. Até porque os pressupostos justificadores da desconsideração variam conforme o contexto da relação jurídico-material e as circunstâncias concretas. Por exemplo, um sócio que se utilizou em caráter abusivo e em desvio de finalidade de sua sociedade para lesar o fisco pode não ter feito o mesmo relativamente aos consumidores que adquiriram produtos dessa sua empresa – e vice-versa. Em suma, a decisão determinando a desconsideração de personalidade jurídica num dado caso concreto não tem como genericamente ser utilizada em outros casos (ainda que a prova ali produzida possa vir a ser aproveitada em outros processos e incidentes em que se busque o reconhecimento da desconsideração para outros fins).
A decisão final do incidente condenará o vencido nas verbas de sucumbência (custas e honorários de advogado). Se a desconsideração for provida, o sócio ou sociedade responde por tais verbas. Se for rejeitada, a parte que a requereu é a responsável. Mas o problema se põe quando o incidente é instaurado a requerimento do Ministério Público e a desconsideração vem a ser negada: a parte da ação originária que seria beneficiada pela desconsideração pode ser condenada nas verbas de sucumbência, uma vez que não foi ela quem pediu a instauração do incidente? A princípio, ela apenas pode ser exonerada dessa condenação se houver expressamente se oposto à instauração do incidente (o que é possível). Se não se opõe, isso significa que concorda com o incidente, que lhe beneficia – deve responder por sua eventual improcedência.
9. Termo inicial para a configuração de fraude à execução
Com o julgamento de procedência da desconsideração, podem ser considerados em fraude à execução (a depender da presença dos demais pressupostos) todos os atos de alienação ou oneração de bens praticados pelo sócio ou sociedade desde sua citação no incidente (arts. 137 e 792, § 3.º, do CPC/2015).
Mas a configuração da fraude à execução depende da presunção de que o terceiro adquirente do bem (ou beneficiário de sua oneração) tinha ou podia razoavelmente ter conhecimento da pendência da demanda. Por isso, o registro da instauração do incidente no cartório distribuidor é importante (art. 134, § 1.º, do CPC/2015).
O art. 792, § 3º, prevê que, “nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar”. 
A regra visou a assegurar ao terceiro, que adquire o bem de um sujeito atingido pela desconsideração, que só poderia ser considerada em fraude à execução a aquisição feita depois de o sujeito atingido pela desconsideração já estar citado na demanda de desconsideração (principal ou incidental), pois, antes disso, o terceiro não teria como objetivamente conhecer a demanda.
A disposição do art. 792, § 3º, em sua literalidade, é adequada para o caso em que a desconsideração é “invertida” – isso é, quando, mediante a desconsideração da personalidade, se penetra na esfera jurídica de uma sociedade para responsabilizá-la por atos de seu sócio (parte originária do processo). Para esse caso, mesmo se interpretado literalmente, o dispositivo é razoável: poderão ser considerados em fraude à execução os atos alienados pela sociedade a partir do momento em que ela foi citada quanto ao pedido de desconsideração.
Mas, em face da desconsideração tradicional, o dispositivo tem redação extremamente defeituosa. Na desconsideração tradicional, costuma-se dizer que a personalidade que se pretende desconsiderar é a do sujeito que já é parte no processo desde o início (a sociedade é parte do processo desde o início e se desconsidera sua sociedade para atingir-se o patrimônio do sócio). No entanto, seria ofensivo às garantias processuais reputar que é esse o marco para a fraude à execução relativamente aos bens do sujeito atingido pela desconsideração, pois tal termo retroagiria a um momento em que o sócio atingido pela desconsideração ainda não era parte de processo nenhum; não respondia por dívida alguma – e assim por diante: como terceiros que contratassem com ele naquele momento poderiam saber que no futuro ele seria atingido por uma desconsideração? 
A regra precisa ser interpretada em conformidade com a Constituição. Um caminho para tanto reside em reconhecer que, quando há desconsideração da personalidade jurídica, mesmo em sua modalidade tradicional (em que o sócio responde pelas dívidas da sociedade, como se essa não existisse), sempre as duas esferas de personalidade são rompidas. Sempre se sai de uma esfera de personalidade para entrar-se na outra. Rompe-se uma delas ao sair e a outra ao entrar. Nesse sentido, mesmo na desconsideração tradicional, não há exagero em afirmar que a personalidade autônoma do sócio também é desconsiderada (e não apenas a da sociedade): ambas são tratadas como uma coisa só; ambas são desconsideradas. Logo, pode-se assim reconhecer que o art. 792, § 3º, está a referir-se sempre à citação daquele que será atingido pela desconsideração (o sócio, na desconsideração tradicional; a sociedade, na desconsideração “invertida”).
Improcedência liminar do pedido no CPC/15
Art. 332 congrega dois diferentes grupos de hipóteses. Ambos têm em comum a circunstância de que é absolutamente desnecessária a produção de qualquer prova para um julgamento contrário ao autor. 
quinta-feira, 3 de março de 2016
1. Introdução
O art. 332 (CPC/2015) disciplina as hipóteses excepcionais em que, constatando-se de antemão não haver necessidade de fase instrutória, o magistrado está autorizado a proferir sentença de improcedência, liminarmente (i.e., antes da citação do réu). 
O dispositivo congrega dois diferentes grupos de hipóteses. Por um lado, preveem-se casos em que o cerne da disputa reside unicamente em uma questão jurídica que já foi resolvida, em julgamento precedente ao qual o ordenamento confere especial valor, contrariamente à pretensão do autor (art. 332, I a IV). Por outro lado, admite-se a rejeição da demanda em seu mérito quando for possível, de plano, constatar-se haver prescrição ou decadência (art. 332, § 1º).
Os dois grupos têm em comum a circunstância de que é absolutamente desnecessária a produção de qualquer prova para um julgamento contrário ao autor. 
Se houver questões fáticas que dependam de elucidação – seja para definir se o caso é mesmo enquadrável na hipótese já enfrentada pelos precedentes, seja para aferir o termo inicial ou o efetivo curso do prazo prescricional ou decadencial – não é aplicável a técnica da improcedência liminar do pedido.
O outro elemento fundamental comum aos dois grupos é a possibilidade de julgamento liminar apenas contra o próprio autor, que já integra e participa da relação processual. Uma decisão definitiva contra o réu, nesse momento, seria ofensiva às garantias do contraditórioe da ampla defesa.
2. Improcedência liminar fundada em precedente
Assim, por um lado, cabe o julgamento liminar de improcedência quando a tese em que se funda a pretensão do autor já tiver sido rejeitada:
(I) em enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça. A regra aplica-se tanto aos casos de súmula vinculante do STF, quanto aos de súmulas comuns dessa mesma corte e do STJ;
(II) em acórdão proferido pelo STF ou pelo STJ em julgamento de recursos repetitivos. O julgamento pelo STF ou STJ de uma tese que está reiterada em uma grande quantidade de recursos extraordinários ou especiais (“julgamento por amostragem”) origina uma “decisão-quadro” que deve ser aplicada não apenas a todos os recursos pendentes de julgamento que versem sobre a mesma questão jurídica, como também a todas as demais ações em que ela igualmente se ponha. A regra do art. 332, II, dá um passo além, ao determinar a aplicação liminar, em outros processos, da tese afirmada na decisão-quadro;
(III) em pronunciamento emitido em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência. Valem aqui as mesmas considerações feitas para a hipótese anterior. A decisão proferida nesses incidentes tem força vinculante em sentido estrito – e o art. 332 III, prevê que, não havendo necessidade de provas, ela seja aplicada de plano a outros processos;
(IV) em enunciado de súmula de tribunal de justiça estadual ou do Distrito Federal sobre direito local. Essa regra é espelho daquela prevista no inc. I do art. 332. A mesma força que a súmula dos tribunais superiores tem relativamente a questões de direito federal constitucional e infraconstitucional a súmula do tribunal de justiça tem para as questões de direito local.
Nem todos esses precedentes têm força vinculante em sentido estrito – de modo a caber reclamação se eles não forem observados no caso concreto. Falta tal eficácia às súmulas não vinculantes do STF e a todas as súmulas do STJ e dos tribunais locais. O art. 332 não constitui uma regra concernente à vinculação em sentido estrito. Trata-se, em vez disso, de uma norma sobre “vinculação média”, i.e, uma regra de simplificação procedimental fundada na existência do precedente (quanto aos diferentes graus de força vinculante, v. EDUARDO TALAMINI, “Objetivação do controle incidental de constitucionalidade e força vinculante (ou ‘devagar com o andor que o santo é de barro’)”. Disponível em www.academia.edu). Confere-se tal poder ao juiz a fim de impedir que inúmeros processos sobre casos análogos seguissem inutilmente todo o longo itinerário procedimental, para só muito depois chegar a um resultado desde o início já previsto, com total segurança. Prestigiam-se os princípios da economia processual e da duração razoável do processo.
Mas isso significa que a não aplicação do art. 332 pelo juiz, em hipótese em que ele poderia ser aplicado, não implicará o cabimento de reclamação para o tribunal que proferiu o precedente. O juiz estará apenas deixando de seguir esse caminho mais simplificado (eventualmente, porque tem dúvidas quanto a seus pressupostos), mas não estará decidindo contra os precedentes. A reclamação apenas caberá se depois vier a ser proferida sentença adotando a tese contrária a algum daqueles precedentes, entre os arrolados no art. 332, que efetivamente se revestem de eficácia vinculante em sentido estrito, quais sejam: as súmulas vinculantes, previstas no inc. I, e todos os pronunciamentos previstos nos inc. II e III (e, no caso de inobservância das decisões-quadro tomadas em recursos especiais e extraordinários e repetitivos, só depois de esgotadas as vias ordinárias de impugnação, cf. art. 988, § 5º, II, na redação dada pela Lei 13.256/16).
Em todos os casos, é imprescindível que a solução adotada no precedente oponha-se de modo frontal e inequívoco à tese veiculada na ação. Há de se tratar da mesma questão jurídica, para a qual o autor sustenta uma solução, que daria procedência à sua pretensão, e precedente adota outra absolutamente divergente. Quando houver essa direta contraposição, o julgamento liminar de improcedência é aplicável. Além disso, não será necessária a abertura de oportunidade de contraditório ao autor, pois não se estará trazendo para o processo uma questão nova, um fato novo, ou uma qualificação jurídica diversa daquela já posta nos autos. Haverá a simples e direta negativa da tese sustentada pelo autor.
Já se questão solucionada no precedente tiver apenas uma repercussão argumentativa, reflexa, sobre a tese sustentada pelo autor, se houver a necessidade de analogias ou de interpretação ampliativa – enfim, se questão resolvida no precedente constitui um importante subsídio, mas não a desautorização frontal e imediata da tese do autor –, não é possível o direto julgamento de improcedência liminar. Isso não significa que a orientação adotada no precedente, nesse caso, não possa constituir importante elemento contra a procedência da pretensão do autor e até mesmo sirva de fundamento principal para a sua rejeição. Mas já não será o caso de julgamento liminar de improcedência. Haverá inclusive a necessidade de se propiciar o contraditório ao autor, para que ele possa discutir a existência e intensidade da repercussão do precedente sobre a solução da questão posta no caso concreto (CF, art. 5º, LV; CPC, arts. 9º e 10).
3. Reconhecimento liminar de prescrição ou decadência
O julgamento liminar de improcedência do pedido pode também fundar-se na direta constatação da ocorrência de decadência ou prescrição (art. 332, § 1º). A prescrição consiste na extinção da pretensão de direito material por falta de seu exercício no prazo legalmente fixado. A decadência extingue, pelo mesmo motivo, o próprio direito material. Assim, trata-se de fatos que impedem ou extinguem o direito do autor – ensejando sentença de mérito (art. 487, II).
O julgamento prima facie do mérito nesses casos é permitido também em homenagem aos princípios da celeridade e economia processuais. Normalmente, a averiguação do decurso do prazo prescricional ou decadencial não demanda maior pesquisa fática, bastando simples verificação do tempo de inércia do titular do direito, decorrido até que se operasse a causa extintiva.
O § 1º do art. 332 apenas autoriza o direto julgamento de rejeição do pedido fundada na prescrição ou decadência, sem propiciar-se contraditório ao autor, somente antes da citação do réu. Se o juiz constatar possível prescrição ou decadência em momento posterior à citação, deverá abrir vista às partes, antes de pronunciar-se sobre o tema (art. 487, par. ún., que não faz mais do que especificar a regra do art. 10). Nesse momento, se desejar, o réu poderá exercer sua renúncia à prescrição – hipótese em que o juiz estará impedido de decretá-la (art. 191 do C. Civ.). Ainda, quando não houver a renúncia, tal prévia concessão de vista às partes permitirá também que o próprio autor, se for o caso, aduza razões que convençam o juiz de que, ao contrário de sua impressão inicial, não houve ainda decurso do prazo de prescrição.
Quanto à renúncia à prescrição, veja-se ainda o n. 8, abaixo. 
4. Improcedência liminar e devido processo legal
Quando, depois da fase postulatória, o juiz resolve a causa sem precisar da produção de provas, tem-se o “julgamento antecipado do mérito” (arts. 355 e 356 – tema que será objeto de outro texto, nesta série). Assim, não há exagero em dizer que, na improcedência liminar, tem-se um julgamento antecipadíssimo do mérito. Mas tanto nessa como naquela hipótese, a expressão é enganosa: não se está fazendo nada antes da hora; não há razões para se aguardar, diante da plena possibilidade de se resolver a lide. 
Mas a doutrina já lançou dúvidas sobre a constitucionalidade desse mecanismo. Cogitou-se de violação ao devido processo, tanto em relação ao contraditório e à ampla defesa quanto no que concerne ao acesso à justiça.
A circunstância de a decisão ser proferida antes da citação do réu, em si, não é violadora do contraditório e da ampla defesa,pois tal julgamento só é admissível na medida em que seja inteiramente favorável ao próprio réu.
Por outro lado, houve quem aventasse de violação à garantia da ação, nela compreendido o direito do autor de influir sobre o convencimento do juiz. Em defesa da improcedência liminar responde-se apontando que o autor, que já teve a oportunidade de convencer o juiz com a inicial, terá ainda o direito de apelar – e de até obter rapidamente a retratação do juiz, se tiver havido equívoco na decisão (art. 332, § 3º).
Talvez o problema mais delicado que se ponha, quanto ao respeito das garantias, refira-se mesmo ao réu. O problema não está no julgamento de improcedência em si, mas no risco de, havendo recurso do autor, o resultado inverter-se totalmente em segundo grau, com um julgamento de total procedência. O réu, como se vê a seguir, é citado para participar desse procedimento recursal. Porém esse “salto” do primeiro grau de jurisdição para o réu (que ingressa já na fase de apelação perante o tribunal) acaba por lhe subtrair algumas faculdades que poderia exercer em primeiro grau, ao ser citado, tais como reconvir, provocar determinadas modalidades de intervenção de terceiros (chamamento ao processo, denunciação de lide) etc. A supressão dessas faculdades pode até justificar-se, considerando-se os demais valores jurídicos envolvidos. Mas há um ponto que não pode ser flexibilizado: na citação, o mandado precisará deixar claro ao réu que não lhe cabe apenas contrarrazoar o recurso, mas, mais do que isso, apresentar o integral conteúdo de sua contestação. Retoma-se o tema abaixo.
5. Natureza da decisão e recurso cabível
O pronunciamento de rejeição liminar do pedido é sentença (art. 203, § 1º), passível, portanto, de apelação (arts. 332, §§ 2º e 3º, e 1.009).
Como resolve o mérito da causa (art. 487), tal sentença faz coisa julgada material (art. 502).
6. Juízo de retratação
Tal como na apelação contra a sentença de indeferimento da inicial, o recurso contra a sentença de improcedência liminar também comporta juízo de retratação do juiz, em cinco dias (art. 332, § 3º). Havendo retratação, o processo será retomado, com a determinação de citação do réu para contestar – e terá curso o procedimento comum em primeiro grau de jurisdição.
7. Citação do réu para acompanhamento da apelação
Se o magistrado não se retratar, antes de encaminhar os autos ao tribunal ele deverá determinar a citação do réu para responder ao recurso (art. 332, § 4º).
As contrarrazões do réu terão conteúdo análogo ao de uma contestação, tendo em vista que será sua primeira manifestação no processo. Mas buscará reforçar a argumentação do magistrado, em defesa da sentença prolatada. Ventilados, pelo réu, defesa preliminar ou fato novo, faz-se necessário assegurar o contraditório e proceder à intimação do autor para que se manifeste sobre o alegado.
Sendo o caso de reforma da sentença, estando o processo em condições de julgamento (i.e., não havendo necessidade de produção de provas), o tribunal poderá desde logo examinar o mérito e julgar procedente a demanda – inclusive quando em primeiro grau se havia afirmado a prescrição ou decadência (art. 1.013, § 4º). 
É esse ponto que exige especial atenção para que não se sacrifique o direito de defesa do réu. Impõe-se reconhecer que as contrarrazões, na apelação contra a rejeição liminar do pedido, veiculam mais do que resposta recursal. Elas constituem o veículo da defesa do réu. Assumem o papel normalmente atribuído a contestação. 
Então, nesse caso, é indispensável – sob pena de nulidade – que no mandado de citação do réu conste expressamente a advertência prevista no art. 250, II, segunda parte, do CPC, quanto à consequência da não apresentação de defesa.
8. Comunicação do resultado do julgamento ao réu
Como se trata de decisão definitiva, havendo o trânsito em julgado, deve-se comunicar ao réu o resultado desse julgamento, a fim de que tenha conhecimento de uma sentença que lhe favorece e que está acobertada pela coisa julgada material (art. 332, § 2º c/c art. 241).
Não se trata, propriamente de uma citação, pois o réu recebe a notícia de um processo já findo; ele não integrará a relação processual (que se extinguiu antes de se tornar trilateral); ele não é chamado para defender-se...
Tal comunicação é importante para que, sabendo da existência dessa coisa julgada material em seu favor, o réu possa depois invocá-la, se o autor, indevidamente, tornar a propor a mesma ação.
Mas há um caso especial em que essa comunicação tem ainda outra finalidade, que lhe confere eventualmente o caráter de citação. Trata-se da hipótese de julgamento liminar de improcedência fundado na prescrição (art. 332, § 1º). A prescrição, como dito, pode ser conhecida de ofício pelo juiz. Contudo, como também já destacado, o réu tem a faculdade de renunciar à prescrição (C. Civ., art. 191), se o objeto da pretensão for disponível. Quando, no curso do processo, com o réu já tendo sido citado, o juiz constata haver prescrição, ele deve antes intimar o réu para verificar se esse pretende exercer tal renunciar. Mas se o juiz, antes ainda de citar o réu, constata que a pretensão está prescrita e julga desde logo improcedente o pedido, o réu não terá sido ouvido previamente para indicar se desejaria renunciar à prescrição. Assim, ao ser cientificado na forma do art. 241, o réu, querendo, poderá interpor uma apelação exclusivamente para que seja considerada a sua renúncia. Nesse caso, o juiz, ao receber a apelação, deverá exercer juízo de retratação (art. 332, § 3º), revogando a sentença antes proferida e dando continuidade ao processo. Essa é a construção interpretativa que compatibiliza a expressa previsão de rejeição liminar fundada na prescrição com a norma, que provém do direito material e não pode ser ignorada, de renunciabilidade da prescrição. Assim, nessa hipótese, deve-se compreender a comunicação ao réu como verdadeira citação, pois lhe abre a oportunidade de exercício de uma faculdade dentro do processo. Por consequência, deve-se também compreender adequadamente a menção a “trânsito em julgado”: quer significar apenas ausência ou exaurimento de recurso por parte do autor, pois, para o réu, não há ainda trânsito em julgado nesse momento, uma vez ele pode reabrir a questão, ao pedir que se considere a sua renúncia à prescrição. 
9. Rejeição liminar e parcial do pedido
É possível a rejeição liminar de apenas um ou alguns dos pedidos cumulativamente feitos pelo réu ou de uma parte de um pedido que seja decomponível. Isso acontecerá quando o pressuposto para a improcedência liminar ocorrer apenas em relação a uma parte do mérito. A possibilidade dessa rejeição liminar parcial extrai-se inclusive do art. 356 do CPC (que será examinado em texto futuro, nesta série).
Contra tal capítulo decisório caberá agravo de instrumento (arts. 356, § 5º, e 1.015, II), que comporta também juízo de retratação (art. 1.018, §1º)
Julgamento "antecipado" e julgamento parcial do mérito
No quarto texto da série que esmigalha o novo CPC, causídico analisa questões atinentes ao julgamento "antecipado" e parcial do mérito.
sexta-feira, 4 de março de 2016
1. Julgamento "antecipado" do mérito
É inexplicável o modo de enumeração das hipóteses de julgamento conforme o estado do processo nos arts. 354 e 355 do CPC/15, como já o era nos arts. 329 e 330 do CPC/73. O art. 354 reúne casos de negativa da resolução do mérito (mediante a menção ao art. 485) e de resolução do mérito, quando se reconhece haver prescrição ou decadência (art. 487, II) ou se homologa ato de disposição de vontade (art. 487, III). O art. 355, por sua vez, trata de outra hipótese de resolução de mérito, quando há acolhimento ou rejeição do pedido (art. 487, I).
Nada justifica essa bipartição das hipóteses de resolução de mérito no julgamento conforme o estado do processo (isso é tanto mais evidente no caso do acolhimento da prescrição ou decadência – em que se tem uma hipótese específica de rejeição do pedido, por acolhimento de fato impeditivo ou extintivodo direito do autor). Tal idiossincrasia legislativa já ocorria no Código anterior e permaneceu no CPC/15. De todo modo, ela é irrelevante, pois não afeta o regime jurídico aplicável a tais hipóteses.
1.1 Hipóteses de ocorrência 
A rigor, todos os casos de resolução do mérito no julgamento conforme o estado do processo apresentam um ponto em comum. Toda vez que, depois da fase postulatória e das eventuais providências preliminares, o processo já estiver em condições de receber resolução de mérito, deverá proferir-se sentença nesse sentido, sem se ingressar na fase de instrução probatória, que, então, será inútil. Isso se tem quando:
(a) o juiz verifica estar configurada a prescrição da pretensão ou a decadência do direito do autor (art. 354 c/c art. 485, II). Como já foi dito no texto anterior desta série, isso nada mais é do que uma hipótese de rejeição do pedido do autor, em seu mérito. No mais das vezes, a aferição da ocorrência de tais fenômenos independe de provas. Mas, ainda que raro, pode ser necessária investigação probatória para determinar-se, por exemplo, quando efetivamente se deu o termo inicial do prazo prescricional ou decadencial. Nesse caso, obviamente, não caberá a aplicação do art. 354;
(b) se apresenta ao juiz ato de disposição de vontade destinado a compor a lide (reconhecimento do pedido, por parte do réu; renúncia à pretensão, pelo autor; ou transação, por ambas as partes – art. 354 c/c art. 485, III). Nesses casos, também há propriamente resolução do mérito. Ainda que o juiz não julgue propriamente o conflito, o conteúdo da sentença que profere versa sobre o mérito, diz respeito ao objeto do processo. Embora a resolução da lide não tenha, na origem, sido dada pelo órgão jurisdicional, foi por ele chancelada. Ao homologar o ato de disposição de vontade, o juiz toma para si, faz sua, a solução concebida pelas partes. Tais atos de disposição de vontade e sua consequente homologação judicial podem ocorrer a todo tempo no curso do processo. Há requisitos para que eles possam ser homologados (notadamente, a transigibilidade do objeto do processo). De todo modo, caso tais atos se apresentem ao juiz no momento do julgamento conforme o estado do processo e cumpram os requisitos o requisito para tanto, impõe-se, também então, o proferimento de sentença de mérito extintiva da fase cognitiva;
(c) para a solução do mérito da causa, não houver a necessidade de produção de outras provas (art. 355, I). Ou seja, os elementos probatórios constantes dos autos já são suficientes para o juiz formar sua convicção sobre os fatos da lide e resolvê-la. Isso acontecerá quando: (c.1) os aspectos fáticos direta ou indiretamente relevantes são incontroversos, pacíficos (art. 374, II e III) e o juiz não verifica nenhum aspecto que objetivamente o leve a duvidar de sua veracidade a ponto de precisar determinar provas de ofício – resumindo-se a discussão entre as partes às decorrências jurídicas de tais fatos; ou (c.2) a prova já trazida para os autos (que, em regra, até esse momento, será apenas a documental) já é suficiente para o julgamento do mérito;
(d) ocorrer a revelia e seu efeito principal (de presunção de veracidade dos fatos narrados pelo autor) e o revel não comparecer ao processo a tempo de requerer a produção de provas destinadas a demonstrar a inexistência dos fatos constitutivos do direito do autor (art. 355, II, c/c art. 349). Essa hipótese normativa não é mais do que especificação da diretriz genérica estabelecida no inciso I do art. 355: julga-se nesse momento precisamente porque não existem questões de fato controvertidas. Nem sempre a revelia conduz à ocorrência de seu efeito principal (o art. 345 veicula um rol não-exaustivo de exceções a tal efeito). Ocorrendo alguma dessas exceções à presunção de que são verdadeiros os fatos narrados na petição inicial, só se autorizará resolução imediata do mérito se, a despeito da não ocorrência do efeito da revelia, o caso concreto enquadrar-se na hipótese genérica do inciso I do art. 355 (p. ex., a prova documental trazida pelo autor é suficiente para a formação do convencimento do juiz) ou, nos termos do art. 354, houver prescrição ou decadência (art. 487, II) ou ato compositivo da parte (art. 487, III). Por outro lado, mesmo quando ocorre o efeito principal da revelia e estão presentes os pressupostos para julgar-se o mérito, não é de todo impossível que a sentença venha a ser de improcedência do pedido. Basta que dos fatos narrados na inicial não resultem as consequências jurídicas pretendidas pelo autor. Ou, ainda, é possível que o juiz reconheça a existência de algum fato extintivo, impeditivo ou modificativo do direito do autor que seja cognoscível de ofício (objeção material) e independa de prova (como normalmente se dá com a prescrição e a decadência, já citadas acima) ou esteja provado nos autos (a jurisprudência relata casos em que o próprio autor da ação juntou prova do pagamento da dívida cobrada – o que levou o juiz a julgar improcedente o pedido, a despeito da revelia e se seu efeito principal). De resto, também não ficará afastada, obviamente, eventual extinção da fase cognitiva sem resolução do mérito – desde que o defeito que a enseje seja conhecível de ofício e que não tenha ocorrido ou não seja possível sua correção pelo autor (art. 317) nem possa haver o próprio julgamento de mérito em favor do réu (art. 488).
1.2 Terminologia 
Apenas os casos descritos em “c” e “d”, acima, são expressamente denominados pelo Código de “julgamento antecipado do mérito”. Mas, a rigor, as hipóteses expostas em “a” e “b” também implicam tal “julgamento antecipado”. Nas hipóteses indicadas em “b” alguém poderia dizer que não há propriamente “julgamento” pelo juiz, mas apenas “resolução” do litígio. No entanto, como visto, ao chancelar o ato de disposição praticado pelas partes ou por uma delas, o juiz toma para si aquele ato como solução da causa. Isso vale tanto quanto o julgamento de acolhimento ou rejeição do pedido – e é o que basta para equiparar tais hipóteses às demais do art. 487.
Questão outra é saber se o nome “julgamento antecipado” é mesmo o mais adequado para qualquer das hipóteses acima. Transmite a falsa impressão de que o ato decisório estaria ocorrendo antes de seu momento oportuno, com uma verdadeira abreviação do devido itinerário processual. Não é o que se dá: decide-se porque não há mais o que ser feito; porque tudo o que era necessário para a resolução do mérito já está nos autos (nos casos “a”, “c” e “d”, os elementos necessários para a formação de sua convicção; no caso “b”, o ato dispositivo). Sob esse aspecto, “julgamento imediato” do mérito talvez seja expressão mais adequada.
1.3 Natureza e recorribilidade do pronunciamento 
Havendo integral resolução do mérito, nesse momento, o pronunciamento do juiz tem a natureza de sentença (art. 203, § 1º), contra a qual cabe recurso de apelação (art. 1.009).
2. Julgamento parcial do mérito
É possível o julgamento direto parcial do mérito, ou seja, o fracionamento da solução do mérito. O juiz resolverá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parte deles for incontroverso ou estiver em condições de solução imediata. A outra parcela da lide será, então, submetida à instrução probatória. 
A rigor, isso já era possível no CPC/73, muito embora não houvesse previsão expressa a respeito (v. EDUARDO TALAMINI, “Saneamento do processo”, em RePro v. 86, 1997, item 20 e seguintes).
2.1 Hipóteses de ocorrência 
No CPC/15 explicitou-se tal possibilidade. O art. 354, par. ún., consagra-a no que tange às hipóteses do art. 487, II e II: acolhimento de prescrição ou decadência ou homologação de ato de disposição de vontade relativamente a apenas uma parte do mérito. O art. 356 disciplina a hipótese em que é desnecessária a instrução probatória para o julgamento de uma parcela do mérito.
Então, ocorrendo qualquer das hipóteses acima indicadas no n. 1.1, “a” a “d”, apenas em relação a uma parte do mérito, e havendo necessidade de instrução probatória quantoà parcela restante, será possível o julgamento imediato parcial.
Tal fatiamento do mérito pode ocorrer em relação a um ou alguns dos vários pedidos formulados na ação, na reconvenção ou em outras demandas incidentais (como é o caso da denunciação da lide). Por exemplo: o autor formula três pedidos na inicial – e dois deles, por ocasião do julgamento conforme o estado do processo, não apresentam nenhuma controvérsia quanto aos fatos que os embasam, havendo necessidade de provas apenas relativamente ao terceiro pedido. Outro exemplo: as provas documentais reunidas nos autos já são suficientes para elucidar os fatos relevantes para o julgamento do pedido feito pelo autor, sendo necessária somente instrução probatória relativamente ao suporte fático da reconvenção que o réu formulou.
Mas o fatiamento pode ainda incidir sobre uma única pretensão formulada, na medida em que ela seja fracionável, decomponível. Por exemplo: o autor pede a condenação do réu ao pagamento de um milhão de reais, e o réu desde logo reconhece a procedência de duzentos mil reais, defendendo-se quanto ao resto.
2.2 Natureza, eficácia e estabilidade da decisão de julgamento parcial do mérito 
O capítulo da decisão que julga parte do mérito não é sentença, pois a fase cognitiva prosseguirá para a instrução probatória do restante do mérito, ainda não julgado. Trata-se de decisão interlocutória (art. 203, § 2º). Por isso, contra ela caberá agravo de instrumento (arts. 356, § 5º, e 1.015 II). O agravo de instrumento, no CPC/15, só cabe em hipóteses taxativas – e essa é uma delas.
Se não for atribuído efeito suspensivo ao agravo contra tal decisão (arts. 995 e 1.019), ela poderá ser desde logo executada provisoriamente – se for o caso, procedendo-se antes à liquidação da condenação. Dispensa-se inclusive prestação de caução para tanto (art. 356, § 2º). Note-se que a solução do mérito dada em sentença, por ser recorrível mediante apelação que em regra tem efeito suspensivo, normalmente não poderá ser desde logo executada. Assim, a decisão interlocutória de mérito possui um regime de eficácia privilegiado, em contraste com o da sentença.
Uma vez transitada em julgado a decisão parcial do mérito – seja porque não se interpôs recurso contra ela, seja porque não tiveram sucesso aqueles interpostos – passa a caber a própria execução definitiva (art. 356, § 3º), mesmo que ainda esteja em curso a fase cognitiva do processo relativamente à outra parcela do mérito. Tanto a liquidação quanto o cumprimento provisório ou definitivo da decisão poderão ser processados em autos apartados (art. 356, § 4º).
Além disso, com o trânsito em julgado da decisão interlocutória de mérito, forma-se coisa julgada material sobre o comando decisório ali contido (art. 502) – independentemente do trânsito em julgado do pronunciamento que resolve a parte restante do mérito. 
Em futuro texto, nesta série, discutiremos o cabimento de remessa necessária da decisão interlocutória de mérito, quando desfavorável à Fazenda Pública.
Saneamento e organização do processo no CPC/15
Há o dever permanente do juiz de zelar pela regularidade e eficiência do processo – e com ele devem colaborar as partes (art. 6º).
segunda-feira, 7 de março de 2016
1. Introdução 
O saneamento do processo – compreendido como a correção de seus eventuais defeitos e organização de seus rumos – deve ocorrer ao longo de toda a relação processual. Há o dever permanente do juiz de zelar pela regularidade e eficiência do processo – e com ele devem colaborar as partes (art. 6º). Porém, o Código dedica especialmente dois momentos processuais para tais atividades: o primeiro, por ocasião das providências preliminares (art. 347 e seguintes); o segundo, no bojo do julgamento conforme o estado do processo (art. 357). 
2. Hipótese de ocorrência 
O julgamento conforme o estado do processo terá por conteúdo uma decisão de saneamento quando não for caso de extinção da fase cognitiva do processo, com ou sem julgamento do mérito (arts. 354 e 355). Vale dizer: descartada a ocorrência de qualquer das hipóteses de negativa da resolução do mérito e constatada também a impossibilidade de desde logo o resolver, por ser necessária a produção de provas, cabe ao juiz “pôr a casa em ordem”, averiguando que não pendem defeitos que possam depois afetar o resultado do processo, determinando o conserto daqueles que eventualmente ainda existam e fixando as balizas da instrução probatória (art. 357). 
Quando há decisão de parcial impossibilidade de julgamento do mérito ou decisão de julgamento imediato parcial do mérito (arts. 354, par. ún., e 356), cabendo produção de provas para a solução do restante do mérito, essa parcela remanescente será também objeto de decisão de saneamento.
3. Terminologia 
Antigamente, esse pronunciamento era chamado de “despacho saneador”. A denominação não era adequada. Por um lado, tal ato tem conteúdo decisório. Então, é decisão interlocutória, e não despacho (art. 203, § 2.º). Por outro, no mais das vezes, a sua função principal não é sanear o processo, no sentido de corrigir os defeitos processuais, mas sim declarar que o processo está saneado e organizar suas providências subsequentes. 
Assim, decisão de saneamento e organização do processo é termo preferível – ainda que o emprego da terminologia antiga, por apego à tradição, não seja um problema, desde que se tenham em mente as ressalvas ora feitas.
4. Funções 
O CPC reforça enfaticamente a função organizatória do processo, na decisão de saneamento. E o faz afirmando, simultaneamente, a relevância da cooperação entre juiz e partes (sobre o tema, veja-se o breve texto que publiquei em Migalhas em 1º.09.15 - clique aqui).
Quando instituída no direito brasileiro, com feições similares às atuais (e diretamente inspiradas no direito português), dizia-se que a positivação da fase saneadora refletia a conscientização acerca do caráter público da relação processual e da função do juiz. Essa afirmação não é incorreta. Porém, há mais do que isso: havia a preocupação de traduzir em resultados concretos aquela então nova percepção do processo. O juiz não poderia ficar meramente a reboque das partes. Precisaria organizar o processo, assim como qualquer outro agente público tem de se esforçar para que sua atuação, respeitando direitos e garantias fundamentais, seja racional e eficiente. 
Isso permanece válido. Mas hoje se reconhece – ou melhor, retoma sua força – o caráter cooperativo do processo. O processo não é “coisa das partes”, como diziam os antigos. Mas tampouco é apenas “coisa do juiz” – como se pretendeu no momento de sistematização científica e afirmação publicística do direito processual. Então, mais do que uma exigência de simples organização do modo de atuação do agente jurisdicional, trata-se da imposição de um esforço conjunto entre o juiz e as partes, “para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva” (na dicção do art. 6º do CPC, ao prever genericamente o dever de cooperação).
Assim, o saneamento destina-se a propiciar eficiência à atuação jurisdicional – e consequentemente economia processual (duração razoável do processo). Mas também se presta a assegurar previsibilidade (segurança jurídica) e a tornar mais qualificado o debate entre as partes e o juiz (contraditório), ampliando-se as chances de uma solução justa e eficaz.
5. Conteúdo 
A decisão de saneamento e organização pode veicular uma gama variada de providências. Todas têm em comum o escopo de arrumação do processo para os seus passos futuros. Assim, cumpre ao juiz:
(a) “resolver as questões processuais pendentes, se houver” (art. 357, I). Nas providências preliminares, na medida do possível, procura-se corrigir todos os defeitos existentes no processo. Mas, se no saneamento restar algum vício passível de correção que só tenha surgido supervenientemente às providências preliminares ou que só tenha sido detectado ou examinado após elas, cumpre ao juiz dar à parte interessada a oportunidade de correção;
(b) “delimitar as questões de fatosobre as quais recairá a atividade probatória” (art. 357, II, primeira parte). Deve-se preparar o processo para a fase instrutória, com a finalidade de torná-la a mais objetiva e produtiva possível. Ao fixar as questões fáticas controvertidas, o juiz desde logo indica os pontos relativamente aos quais reputa não haver controvérsia e as questões que já estão suficientemente provadas. Não há nessa sua conduta nenhum “prejulgamento” ofensivo à imparcialidade, mas o correto desempenho de seu dever de diálogo com as partes, imposto pelo princípio do contraditório (CF, art. 5.º, LVI; CPC, arts. 9.º e 10);
(c) especificar “os meios de prova admitidos” (art. 357, II, segunda parte). É nesse momento também que o juiz define com precisão as provas que serão produzidas, tomando em conta as concretas questões que ele então identificou como ainda controvertidas. Para tanto, considerará os meios probatórios pleiteados pelas partes, deferindo-os ou não, e ainda determinará de ofício aqueles que reputar necessários (art. 370);
(d) “definir a distribuição do ônus da prova” (art. 357, III). Como se verá num dos próximos textos desta série, a lei prevê que, em regra, ao autor cabe provar o fato constitutivo de seu direito, enquanto ao réu incumbe o ônus da prova da existência de fato que se possa opor como impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 373). Mas também se autoriza o juiz a distribuir tais ônus de modo diverso, se houver impossibilidade ou excepcional dificuldade no cumprimento do encargo ou, ainda, se a obtenção de prova do fato contrário for mais fácil (art. 373, § 1.º). A decisão de saneamento não é a única oportunidade em que tal redistribuição pode ocorrer, mas é o momento mais recomendável para tanto. Como dito, o tema será retomado em outro breve artigo desta série;
(e) “delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito” (art. 357, IV). Vigora o princípio de que o juiz conhece o direito (“jura novit curiam”) – cabendo-lhe aplicar as normas e qualificações jurídicas pertinentes ao caso, independentemente de alegação das partes. Mas incide também o dever de diálogo do juiz com as partes, inerente à garantia do contraditório (CF, art. 5.º, LV; CPC, art. 9.º e 10): o juiz não pode decidir com base em fundamento que não tenha sido previamente submetido a contraditório, ainda que se trate de matéria que possa conhecer de ofício. Assim, a delimitação das questões jurídicas, por ocasião do saneamento, viabiliza o debate, a respeito delas, entre as partes e entre essas e o juiz. Se, após a decisão de saneamento, surgirem outras questões relevantes, ainda não submetidas ao contraditório, o juiz deverá também expressamente identificá-las, concedendo, assim, às partes oportunidade para que exerçam o contraditório em relação a elas; 
(f) se houver o deferimento de prova pericial, designar o perito, fixar o prazo de entrega do laudo e, se possível, estabelecer o calendário para a realização da perícia (art. 357, § 8.º, c/c art. 465);
(g) designar audiência de instrução e julgamento, quando alguma das provas tiver que ser produzida nesse momento processual (art. 357, V), concedendo às partes prazo de até quinze dias para a apresentação do respectivo rol de testemunhas (exceto se for designada audiência de saneamento compartilhado, caso em que o rol de testemunhas deverá ser apresentado nessa mesma audiência, como se vê a seguir).
6. A audiência de saneamento compartilhado 
Quando a causa apresentar maior complexidade em matéria de fato ou de direito, o § 3.º do art. 357 determina a realização da audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes. Trata-se daquilo que se pode chamar de organização compartilhada ou organização consensual do processo. 
Como nota Luiz Rodrigues Wambier (“A nova audiência preliminar”, RePro 80/30), a audiência de saneamento viabiliza o contato direto do magistrado com as partes e (ou) seus procuradores, justamente na fase processual em que, ausentes ou saneados os defeitos do processo, são definidos os limites dentro dos quais deve permanecer a discussão, fixando-se os pontos controvertidos sobre os quais incidirá a atividade probatória. Daí sua especial relevância.
A audiência deve ser realizada de modo cooperativo entre o juiz e as partes. É necessário que debatam sobre os diversos temas que serão objeto da decisão de saneamento. O juiz procurará atingir soluções de consenso quanto às questões controvertidas e os meios de prova. Não sendo possível, prevalecerá o entendimento do juiz. Na audiência, cabe também ao juiz provocar as partes para que esclareçam ou complementem suas alegações (art. 357, § 3.º, parte final), de modo que elas fiquem mais precisas e objetivas – o que facilitará a definição dos limites e instrumentos da instrução probatória.
A rigor, se a fixação dos pontos controvertidos ocorrer de modo a que as partes, por seus procuradores, dessa atividade participem ativamente, é possível que ocorra a delimitação de pontos controvertidos e das respectivas provas em regime de consenso, não havendo sequer interesse recursal para que a parte se insurja contra essa decisão, seja como preliminar de futura apelação, seja, no caso do art. 1.015, XI, por meio de agravo de instrumento (essa é também uma perspicaz observação de Wambier, em “A audiência preliminar como fator de otimização do processo. O saneamento ‘compartilhado’ e a probabilidade de redução da atividade recursal das partes”, RePro 118/137). 
7. Delimitação consensual de questões controvertidas e negócios processuais por ocasião do saneamento 
O § 2.º art. 357 do CPC autoriza que as partes apresentem ao juiz uma delimitação consensual das questões de fato e das questões de direito. Essa disposição prestigia a orientação do art. 6.º do CPC, que impõe a todos os envolvidos no processo o dever de cooperação para que o conflito seja solucionado de forma justa e efetiva e em tempo razoável. Caberá ao juiz examinar essa proposta conjunta das partes e, se for o caso, homologá-la.
A natureza, o objeto, os pressupostos e os efeitos de tal delimitação consensual já foram por mim examinados em texto que publiquei no Migalhas, em 21.10.15 ("Um processo pra chamar de seu: nota sobre os negócios jurídicos processuais"). Como lá se indica, a hipótese não constitui propriamente um negócio processual (ao menos, não sempre – e jamais puramente).
Mas, por ocasião do saneamento, as partes podem também apresentar ao juiz negócios processuais propriamente ditos, que, sendo válidos, integrarão as balizas então estabelecidas para a subsequente instrução probatória (p. ex., redistribuição convencional do ônus da prova; perito consensual; calendário processual para a fase probatória, nos termos do art. 191 etc. – os dois primeiros exemplos serão ainda examinados em textos futuros desta série; quanto ao terceiro deles, remeto ao já citado “Um processo pra chamar de seu...”).
A estabilidade do julgamento conforme o estado do processo
A definição da estabilidade dos pronunciamentos proferidos nessa fase assume grande importância. O grau de estabilidade do julgamento conforme o estado do processo depende do seu conteúdo.
terça-feira, 8 de março de 2016
Uma vez que a função do “julgamento conforme o estado” é conferir eficiência e previsibilidade ao processo, a definição da estabilidade dos pronunciamentos proferidos nessa fase assume grande importância. O grau de estabilidade do julgamento conforme o estado do processo depende do seu conteúdo.
(a) A decisão negativa de resolução do mérito, total ou parcial, não poderá ser revista pelo órgão judicial que a proferiu, exceto em juízo de retratação recursal (arts. 485, § 7º, e 1.018, § 1º). 
No caso da negativa integral de solução do mérito, isso é mais evidente: o juiz profere sentença e exaure seu poder para tanto (art. 494). Mas também se aplica à decisão de parcial impossibilidade de julgamento do mérito. Há a redução do objeto da fase cognitiva do processo – e, ressalvado o oportuno juízo de retratação ou provimentode recurso, o juiz não poderá julgar aquela parcela do mérito cujo exame já foi declarado inadmissível. Aliás, uma vez preclusa a faculdade recursal, a decisão de parcial impossibilidade do julgamento do mérito faz coisa julgada formal, no sentido de impedir a reinclusão, no processo, do objeto já dele excluído.
(b) Similares considerações aplicam-se ao julgamento imediato do mérito, total ou parcial, em qualquer de suas modalidades indicadas em texto anterior desta série (clique aqui). Além disso, nesse caso há a própria coisa julgada material (art. 502). 
Mesmo no julgamento parcial de mérito, o juiz não poderá mais alterar seu pronunciamento (ressalvado oportuno juízo de retratação recursal), ainda que, na instrução probatória da parcela do mérito não julgada, se depare com fundamentos processuais ou materiais que seriam em tese aptos a alterar seu anterior juízo. A decisão de julgamento parcial de mérito transita em julgado separadamente da sentença proferida ao final (art. 353, § 3º).
(c) Na situação inversa, todavia, normalmente não há preclusão. Em regra, se o juiz, num primeiro momento, descarta as hipóteses previstas nos arts. 354 a 356 (de negativa de julgamento do mérito ou de julgamento direto do mérito – totais ou parciais) e profere a decisão de saneamento ou designa audiência para tanto, nem por isso fica impedido de, subsequentemente, constatando a presença dos respectivos fundamentos, vir a negar o julgamento do mérito ou a julgá-lo independentemente de novas provas, total ou parcialmente. 
Mesmo se tiver havido expressa decisão afirmando a presença dos pressupostos de admissibilidade da tutela jurisdicional (pressupostos processuais e condições da ação), em princípio, o juiz pode depois voltar atrás e redecidir a questão no sentido oposto. Como tais questões constituem matéria de ordem pública, o juiz está autorizado a redecidir sobre elas, enquanto detiver competência para tanto (arts. 337, § 5º, 485, § 3º, e 505, II). 
Mas cabem duas ressalvas: (1ª) o juiz não poderá surpreender as partes com essa mudança de rumo, devendo submeter ao contraditório o fundamento pelo qual ele está inclinado a mudar de orientação (CF, art. 5º, LV; CPC, arts. 9º e 10); (2ª) se já há provas deferidas e início da instrução probatória, está precluso o poder do juiz de agora indeferi-las para julgar o mérito diretamente, conforme se vê a seguir.
(d) A estabilidade da decisão de saneamento e organização varia conforme seu conteúdo. 
O § 1º do art. 357 do CPC traz disposição que prestigia o contraditório e a estabilidade da decisão de saneamento. Segundo esse dispositivo, “realizado o saneamento, as partes têm o direito de pedir esclarecimentos ou solicitar ajustes, no prazo comum de cinco dias, findo o qual a decisão se torna estável”. 
Discute-se se essa manifestação constitui recurso de embargos de declaração (art. 1.022 e seguintes). O prazo e uma de suas funções, obtenção de esclarecimentos da decisão, coincidem com os dos embargos. A solicitação de ajustes, todavia, é providência mais ampla, que não se insere necessariamente no escopo daquele recurso, que serve ainda para eliminar contradições, suprir omissões e corrigir erros materiais. O ajuste pode ir além disso. Quanto à forma, tanto os embargos declaratórios quanto a manifestação ora em discurso devem ser formulados em simples petição e independem do recolhimento de custas. A discussão tende a não se revestir de maior relevância prática, desde que se reconheça que a manifestação do art. 357, § 1º, tanto quanto os embargos, interrompe o prazo para eventual agravo de instrumento contra a decisão de saneamento (quando couber, como é o caso, p. ex., dos incisos III e XI do art. 1.015).
Escoado o prazo sem que nenhuma das partes tenha pedido esclarecimentos ou ajustes, ou uma vez resolvidos tais pleitos, a decisão de saneamento se torna estável e vinculante para as partes e o juiz. Como dito acima, em excepcionais hipóteses, caberá contra ela agravo de instrumento – caso em que a decisão poderá ser revista pelo órgão recursal ou pelo próprio juiz, em juízo de retratação (art. 1.018, § 1º). Mas, mesmo fora dessa hipótese, tal estabilidade não é absoluta.
Primeiro, como já dito, ainda que se tenha rejeitado, na decisão de saneamento, a existência de defeito que imponha a negativa de julgamento do mérito, a questão poderá ser depois revista, com as cautelas e limites indicados na letra “c”, acima.
Por outro lado, se o juiz vem a constatar que existe alguma outra questão fática ou jurídica que é relevante e foi deixada de fora do elenco veiculado na decisão de saneamento, impõe-se que ele então a inclua – submetendo-a ao contraditório (CF, art. 5º, LV; CPC, arts. 9º e 10). Isso se aplica tanto aos casos em que a questão foi simplesmente ignorada no saneamento, quanto àqueles em que a questão foi descartada como sendo relevante ou controvertida. Assim, se o juiz reputou irrelevante determinado ponto, dispensando atividade probatória que se lhe referisse, pode voltar atrás e, tendo-o por relevante, determinar as medidas instrutórias antes indeferidas ou nem mesmo cogitadas. Essa possibilidade funda-se inclusive nos poderes consagrados nos arts. 370 e 371.
O mesmo vale para os meios de prova que, de início não tenham sido considerados ou até mesmo tenham sido indeferidos. Se, subsequentemente, o juiz constata a necessidade de um meio probatório para a adequada instrução da causa, cumpre-lhe determinar sua produção.
Mas a recíproca não é necessariamente verdadeira. Se a parte vê deferido no saneamento o seu requerimento probatório, o juiz não pode depois simplesmente voltar atrás e determinar a cessação da produção daquela prova. Aperfeiçoa-se uma situação dentro do processo, que não pode ser suprimida (há inclusive quem fale em “direito adquirido” à prova). 
Por esse mesmo motivo, em regra, uma questão fática já definida como controvertida no saneamento não poderá depois ser excluída do objeto da instrução probatória. Afinal, a fixação das questões controvertidas é o antecedente lógico do deferimento de uma prova. Havendo o juiz tomado um ponto por relevante e controvertido, convencendo-se depois do contrário, não poderá restringir a atividade de instrução probatória relativa àquela questão que tiver sido requerida pela parte e já estiver sendo desenvolvida.
O juiz pode também constatar a necessidade de inversão do ônus da prova, não cogitada ou descartada na decisão de saneamento. Nesse caso, como já dito, haverá de propiciar o contraditório às partes e reabrir desde o início o procedimento probatório, de modo a não prejudicar a parte ora atingida pela redistribuição. Isso vale também para o caso inverso – em que o juiz primeiro determina a redistribuição e depois constata que ela não deve ocorrer.
Quanto ao grau de vinculação estabelecido pela homologação da delimitação consensual de questões controvertidas e meios de prova (art. 357, § 2º), o tema comporta maiores nuances, que já examinei em outra oportunidade (“Um processo pra chamar de seu: nota sobre os negócios jurídicos processuais”, em Migalhas, em 21.10.2015).
Ônus da prova
O ônus da prova é de fundamental importância quando não há prova de determinado fato no processo. Se a prova vem aos autos, compete ao juiz reconhecer os efeitos que ela produz – independentemente de quem a trouxe. Se há prova nos autos, as regras do ônus da prova são totalmente desnecessárias.
quarta-feira, 9 de março de 2016
Provar os fatos que embasam suas alegações e defesas, além de ser um direito fundamental da parte, é também um ônus.
1. A categoria geral do ônus
O ônus consiste na atribuição de determinada incumbência a um sujeito no interesse desse próprio sujeito. Ou seja, prescreve-se ao onerado uma conduta a adotar, pela qual ele poderá obter uma vantagem ou impedir uma situação que lhe seja desfavorável. Ônus e dever são figuras jurídicas distintas em pelo menos dois aspectos: (i) o dever implica um correlato direito de outro sujeito, ou seja, é uma conduta que a lei prescreve no interesse

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