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1. PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES Após a Segunda Guerra Mundial, houve a criação das Repúblicas Oriental e Ocidental da Alemanha (1949). Depois dessa separação, houveram muitas fugas de pessoas da República Leste para a República Oeste. Para conter milhares de fugas diárias, em 1961 iniciou-se a construção do famoso Muro de Berlim e o aprimoramento dos dispositivos de segurança para defender esta fronteira. O caso dos guardiões do muro se trata do julgamento dos acusados de envolvimento nas mortes que ocorreram na fronteira interna que delimitava a República Democrática da Alemanha e a República Federal da Alemanha entre os anos de 1971 e 1989. Esse caso abriu espaço para uma análise do papel da moralidade no Direito no que diz respeito ao aspecto punitivo. Esse caso foi bastante analisado e discutido principalmente por Robert Alexy, que acompanhou todo o processo. Segundo Alexy, os autores positivistas como Kelsen e Berhbohm têm uma definição insuficiente sobre o que é direito. Esse autor leva em conta que o direito está precisamente interligado aos preceitos morais vigentes na sociedade, isso significa que as normas ditas “injustas” não são válidas, mesmo que as autoridades as apliquem. Alexy também diz que o ordenamento jurídico não compreende somente as normas explicitamente criadas pelo legislador, mas também os princípios morais aceitos pela sociedade. Esses que devem guiar a aplicação do direito, satisfazendo todos que estão sujeitos a ele e também as exigências da moral e da justiça. 2. SOBRE O CASO No dia 1º de dezembro de 1984, um homem de 20 anos de nome Michael-horst Schmidt tentou atravessar o muro utilizando uma escada de 4 metros. O cabo W. e H. da RDA, com 20 e 23 anos, respectivamente, vigiavam o local numa torre de segurança com 130 metros de distância. O indivíduo foi avistado pelos vigias assim que atravessou o primeiro muro, que media 3,25 metros de altura. Para que ele alcançasse seu objetivo final, a parte ocidental de Berlim, teria que atravessar aproximadamente 35 metros, com outro muro e dispositivos que emitiam sinais sonoros e visuais inclusos. Quando notou a fuga, o cabo W. enviou o cabo H. para impedir a fuga com gritos, mas Michael ignorou os avisos e continuou a fuga. Foi nessa circunstância que os vigias não viram outra alternativa senão atirar. O cabo H. deu 25 tiros sem pausas e o Michael foi atingido duas vezes (nas costas e no joelho). Como já tinha atingido o topo do último muro, a assistência ao ferido já não era mais responsabilidade das sentinelas. Duas horas após ser atingido pelos disparos, Michael-horst Schmidt morre no hospital. No dia 5 de fevereiro de 1992, o Tribunal Territorial de Berlim condenou ambos os soldados por homicídio e atribuiu pena juvenil de 1 ano e 6 meses para o cabo W. e pena privativa de liberdade de 1 ano e 5 meses para o cabo H. A execução de ambas as penas foi suspensa condicionalmente. Sem aceitar a decisão do caso, os soldados pediram Recursos de Revisão junto ao Tribunal Federal Alemão. 3. A PROBLEMÁTICA Esse caso aconteceu na extinta RDA, entre pessoas da RDA e foi levada a julgamento embasado no direito federal da RFA, segundo o Tratado de Reunificação da Alemanha. Dessa forma, o caso não poderia ser julgado pela RFA porque o ocorrido só poderia ser condenado se fosse um crime perante o direito penal da RDA. O crime de homicídio poderia não resultar em punição se houvesse uma justificativa que permitisse que isto acontecesse. E havia essa exceção: O uso de armas de fogo era permitido, desde que fosse para evitar o cometimento de algum crime grave ou fuga, mas só em último caso. É interessante ressaltar que a fuga para o lado ocidental da fronteira também era considerada crime na RDA. Como não houve êxito em achar elementos positivistas que pudessem servir de apoio para condenar os soldados, já que o ocorrido poderia ser justificado segundo as leis positivistas vigentes da época do fato. Então decidiu-se aplicar a fórmula de Gustav Radbruch para averiguar se a morte do Michael foi uma injustiça extrema e se essa injustiça extrema não é o Direito, ainda que a definição de injustiça extrema seja muito maleável, a fórmula não deixa de ser aplicável no caso em questão. A injustiça extrema concluiu-se não analisando a vítima do caso, mas as circunstâncias as quais estava inserida: A privação da saída sem justificativa e os disparos que acabaram se tornando mortais. Nesse cenário, a fórmula de Radbruch não está alterando a irretroatividade do âmbito jurídico, pois está delimitando aquilo que é suscetível a invalidação no Direito ou não, mas está trazendo o problema de que as leis que validaram os fatos na RDA não podem ser modificadas e o crime só seria legitimado se as leis que o condenam já estivessem em prática no momento em que foi cometido. Nesse contexto, a segurança jurídica não ficou acima da justiça material porque o caso foi extremo e injusto, mas nem sempre é dessa forma. A partir do momento em que a justiça material é indiscutível, e até "soberana" em suas decisões, não é em todos os casos que isso pode dar uma solução final que seja realmente justa e se faz necessária uma abertura para novos diálogos e debates a fim de chegar em um consenso. Esse caso se relaciona com o de “Lazlo Csatary”, um criminoso de guerra nazista que foi responsável pela morte de, supostamente, 12.000 judeus durante a segunda guerra mundial. O húngaro de 98 anos, estava à espera de um julgamento por crimes contra a humanidade. Porém, veio a falecer de pneumonia antes que se pudesse julgá-lo. Um caso a ser mencionado também, que faz referência ao jusnaturalismo, que também é alvo da crítica abordada neste parecer, é o caso dos Exploradores de Cavernas. Uma obra ficcional criada por Lon Luvois Fuller, onde acontece um julgamento envolvendo um homicídio seguido de antropofagia. Esta obra passa a abordar o papel das leis, do direito e do ordenamento jurídico, ainda destaca a passividade e a necessidade de interpretação da norma, para que ela atenda sua função, também a diferença entre o que é legal e justo. A filosofia no campo jurídico também se encontra de forma nítida e com especial destaque, imperando estado de natureza e de direito, direito positivo e natural, poder, liberdade, relações privadas, relações sociais relações públicas, posturas éticas, necessidades humanas, etc. Para concluir, analisando o caso Mauerschützen, e a forma como ele se desenvolveu, bem como muitos outros ao longo da história e até mesmo do nosso cotidiano, é possível dizer que não existe direito natural, ou seja, contrapondo-se a sua ideia de que o direito é independente do ser humano, que ele existe antes mesmo do homem, que o direito natural é imutável, inviolável e universal. O direito pode tomar posse dos valores naturais dos indivíduos, mas em si, não pode ser natural, já que necessita de uma intervenção humana para se desenvolver e com isso acaba participando de uma estrutura social. Um exemplo prático disso é citar a vida do Michael: A vida pode ser ou não protegida pelo direito (lembrando-se de que já existiu e pode existir novamente leis que possibilitam a morte de indivíduos baseadas em determinadas circunstâncias), mas não é uma qualidade inerente ao ser, pois a natureza em si não reconhece direitos, só nós como indivíduos que temos este poder de reconhecimento e criação. 4. REFERÊNCIAS DIMOULIS, Dimitri. Manual de Introdução ao Estudo do Direito. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. GUBERT, Roberta. Mauerschützen (o caso dos atiradores do muro) e a pretensão de correção do direito na teoria de Robert Alexy: aportes hermenêuticos ao debate acerca da relação entre direito e moral. São Leopoldo: Bibliotecário Eliete Mari Doncato, 2007. BRIAN, Bix. Radbruch’s Formula and ConceptualAnalysis. EUA: American Journal of Jurisprudence, 2011. PRESSE, France. Morre o criminoso de Guerra nazista húngaro Laszlo Csatary. Disponível em: <http://g1.globo.com/mundo/noticia/2013/08/morre-o-criminoso-de-guerra- nazista-hungaro-laszlo-csatary.html>. Acesso em em: 28 de março de 2016. FULLER, Lon L. O caso dos Expladores de Cavernas. Campinas: SAFE, 1999.
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