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8INTERDISCIPLINARIDADE: UMA BREVE RETROSPECTIVA Rosangela Almeida Valério1 Pontifícia Universidade Católica de São Paulo 1. RESUMO No primeiro momento, este trabalho apresenta os três principais momentos históricos da pesquisa em interdisciplinaridade, nas décadas de 1970, 1980 e 1990. No segundo momento, apresento o processo de desenvolvimento de um trabalho na perspectiva em questão, realizado com nove professores e trinta e seis alunos de uma escola pública localizada no interior do estado de São Paulo. Palavras-chave: Historicidade, Interdisciplinaridade e Leitura. 1 Doutoranda pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Gestora de Escola Pública da rede Estadual de Ensino Paulista. 2. INTRODUÇÂO No cenário atual da educação globalizada, os profissionais da educação a todo o momento são desafiados a ler ou praticar a interdisciplinaridade, aliás é difícil um texto na área educacional que não faça referência à palavra. Nessa direção, podemos ouvir o eco da palavra interdisciplinaridade sendo pronunciada na maioria dos discursos relacionados à área educacional, bem como podemos ler nas principais obras contemporâneas, as referências que nos remetem a questão da interdisciplinaridade. Essa idéia é instigante, mas para que esse pensamento não esteja inserido apenas nas discussões momentâneas e abandonadas no percurso prático, considero importante buscar a compreensão do conceito pela perspectiva histórica, visando dar a merecida atenção ao assunto, refletindo sobre as razões que irrompem a história. Por essa ótica tentarei seguir um caminho visando demonstrar os estudos realizados por vários autores que se alicerçaram possibilitando uma breve noção sobre a história da interdisciplinaridade nas décadas de 1970- momento de definição da interdisciplinaridade; 1980- explicitação de um método para a Interdisciplinaridade; 1990- Busca da construção de uma teoria da Interdisciplinaridade. 3. EVOLUÇÃO DA INTERDISCIPLINARIDADE. Uma das mudanças que a sociedade moderna impõe à educação atualmente é o trabalho interdisciplinar, enfatizando a indagação atordoante o que é interdisciplinaridade? Inicialmente, um aspecto importante a ser lembrado diz respeito à clareza que se deve ter do campo epistemológico em que está imerso. Espera- se, portanto, daqueles que desejam investir esforços em trabalhos interdisciplinares tenham um mínimo necessário de conhecimento sobre as discussões teóricas sobre o assunto em pauta. Assim passaremos a uma breve retrospectiva histórica sobre a interdisciplinaridade. A crise que se abateu sobre a ciência em toda parte do planeta, exigiu novos paradigmas de ciência e uma nova forma de participação e representação das sociedades no que tange as questões sociais, políticas e culturais2. O grande desafio colocado aos intelectuais nesse momento era a verificação dos problemas, suas origens e uma profunda reflexão sobre como enfrentá-los. Esse cenário parece ter contribuído com as primeiras discussões sobre a interdisciplinaridade no mundo. Para Klein (2005) a Interdisciplinaridade é uma palavra do século XX, porém a origem intelectual do conceito inicia sua discussão no Oriente com os clássicos da filosofia antiga, época em que as idéias fundamentais da ciência era a unificação, a síntese e a integração do conhecimento. Na mesma direção, Fazenda concorda que o conceito é muito antigo e remonta a história do conhecimento. Traz para o diálogo as palavras de 2Morin, Edgar. Cultura de massas no século XX. Sócrates, quando dizia que todo o conhecimento o é em sua totalidade, não podendo ter um conhecimento fragmentado, uma vez que esse não conduz o ser humano a lugar nenhum. Continuando a historicidade da Interdisciplinaridade a mesma autora nos revela que na área de formação de professores o termo começa a aparecer no final da década de 1960, na França. Nessa época os estudantes movimentavam-se contra um ensino superior desvinculado da vida. Assim iniciaram as discussões em torno do conceito sobre interdisciplinaridade que foi se metamorfoseando e atualmente possui um conceito polissêmico. Do ponto de vista de (Lenoir, 2005), a interdisciplinaridade pode ser considerada contemporânea, uma vez que foi “forjada” há menos de cem anos e seu uso educacional é ainda mais contemporâneo, surgiu pós Segunda Guerra Mundial. Percebe-se que não há um consenso entre os autores sobre o momento exato do início das discussões sobre a Interdisciplinaridade, entretanto, a data precisa não parece ser a mais importante e sim a inserção para a qual se dirige a atenção. Quanto ao uso das noções, a interdisciplinaridade tem sido objeto de intensos debates e reflexões desde a década de 1960. Nessa época a Unesco promoveu vários eventos internacionais visando rever a organização do ensino e das ciências. Nessa direção, um grupo composto por vários intelectuais preocupados com os principais problemas do ensino e da pesquisa nas universidades, (OCDE/UNESCO), redigiram um importante documento3, no 3 L’interdisciplinarité: Problemes d’enseignement et de recherche dans lês universités, OCDE, 1972 qual propunham minimizar as fronteiras disciplinares existentes, estimulando as atividades de pesquisa em grupo, visando, assim, a transformação do ensino. A interdisciplinaridade inaugura as reflexões no Brasil no final da década de 1960. Nesse momento a palavra aparece no país grafada de duas maneiras, interdisciplinaridade, traduzida do francês e do inglês e interdisciplinariedade, influenciada pela língua espanhola. A grafia escolhida pelos brasileiros foi a de origem francesa e americana. A noção interdisciplinar influenciada pelos estudos do exterior, foi palavra disseminada e expressão de ordem desde o ensino básico até o universitário. Já na década seguinte os estudos convergiam para a busca da totalidade do conhecimento e Georges Gusdorf, um dos principais percursores da Interdisciplinaridade defendia a reflexão da totalidade do conhecimento. Essas eram as primeiras e incipientes noções sobre interdisciplinaridade. Já um pouco mais formalizado, a aplicação desta levanta, pois, problemas relativos à organização e à precisão dos conceitos surgindo as noções de multidisciplinaridade e pluridisciplinaridade. Assim, Palmade percebeu a necessidade de maior aprofundamento nos estudos sobre tais conceitos, ocupando-se em alertar para que não convertessem em “ciência das ciências” e as conseqüências ideológicas inevitáveis na elaboração das teorias. Notemos de imediato que certos usos de noções confusas, além de prestar inegáveis serviços num campo determinado também favoreceu a um aprofundamento posterior e a idéia de “ciência das ciências” foi aos poucos sendo abandonada pelos principais estudiosos. A principal contribuição brasileira em direção ao assunto foram os estudos de Japiassu em 19764 e, na seqüência, a dissertação de mestrado defendida por Fazenda5, a qual definiu a época como sendo a década da estruturação conceitual básica, a busca de uma explicitação terminológica, melhor dizendo, a busca pela definição do conceito de Interdisciplinaridade. As buscas de definição conceitual no Brasil, nesse momento, representavam um caos generalizado provocando a falta de interesse dos educadoresem compreender a essência de uma proposta interdisciplinar. Apesar de grande esforço por parte de alguns estudiosos, esses não foram suficientes para manter acesos as produções teóricas e os debates em torno da questão, ocasionando um espaço vazio entre as questões iniciais e primordiais da interdisciplinaridade brasileira. Assim, “a pobreza teórica e conceitual agregaram-se outras tantas que somadas condenaram a estagnação de 20 anos de educação”, comenta Fazenda (2003:26). Acrescentemos que, esse momento reservava a característica de busca pela “identidade” a definição da interdisciplinaridade ou momento de “construção epistemológica da Interdisciplinaridade” Fazenda (2003:27). Na década de 1980, segundo a mesma autora, os estudos em Interdisciplinaridade convergiam para a busca de um método, inaugurando a era da metodologia interdisciplinar. Já na década de 1990 a busca foi no sentido da elaboração de uma teoria da interdisciplinaridade, uma nova epistemologia, o que se pode perceber, permanece até nossos dias. Entrando nesse debate, Lenoir (2005), conclui que o termo interdisciplinaridade pressupõe uma polissemia de significados e essa é 4 Japiassu. Hamilton. Interdisciplinaridade e a Patologia do Saber. 5 Fazenda. Ivani Catarina Arantes.Integração e Interdisciplinaridade no Ensino Brasileiro: Efetividade ou Ideologia?. São Paulo, Loyola, 1992. decorrente da cultura do ser social, seja ele pesquisador, professor universitário ou especialista. As diversas visões sobre o tema são defendidas como significativas contribuições. A interdisciplinaridade está presente e dá voltas ao planeta. A palavra é usada nos países de língua francesa, nos países germano-escandinavos, anglo-saxônicos, de língua espanhola ou portuguesa. O termo é utilizado na perspectiva da pesquisa educacional, bem como no plano da formação de professores. Podemos concluir que nas três décadas foram ocorrendo avanços significativos nas discussões. Em síntese podemos dizer que na década de 1970 havia a intenção de uma explicitação filosófica, na década seguinte, uma diretriz sociológica e na década de 1990 a busca por um projeto antropológico. Eu diria que não existe apenas um conceito sobre interdisciplinaridade, a busca está diretamente ligada aos objetos e objetivos do ser que deseja conceituá-la. Assim pensando realizo meu trabalho, no qual pesquiso, descrevo, interpreto e tento compreender a realidade em que vivo, partindo de uma antropologia existencial, passando pela cultural, para tentar compreender o sentido de minhas ações, ou seja, o meu fazer interdisciplinar. Como conseqüência do que foi dito, ressalto que a raiz do meu interesse pelo tema de pesquisa está em minha de vida, presente na infância e na evolução profissional, sempre perseguindo o tema leitura, como marca individual e pessoal. Assim, é possível estabelecer relações entre o processo vivenciado de acordo com o tema e a compreensão do sentido que move as ações em torno da possibilidade de transformação da realidade. Assumo aqui a compreensão de que o tema de uma investigação interdisciplinar nasce com o ser pesquisador, as preocupações de pesquisa está enraizada na sua história particular, na sua tajetória de vida, pois o sentido da nessa perspectiva é o entrelaçamento do projeto de vida pessoal com a realização profissional (Pineau, 2004). A pesquisa que denominamos interdisciplinar “não nasce do acaso, do desejo involuntário, mas surge do narrar o próprio trabalho em educação” (Fazenda,2005:14), resgatando da memória e buscando em sua história a raiz do problema investigado. Para concretizar minhas ações interdisciplinares, assumo a atitude de busca de parceiros que são os professores e alunos, a fim de contribuir para a o incentivo e a disseminação da leitura dos alunos e professores da escola pública em que atuo. Dito isso, passaremos conhecer um pouco da pesquisa na perspectiva interdisciplinar que realizo, a qual está em fase de análise e interpretação dos dados. 3.2. LEITURA: UMA MANEIRA INTERDISCIPLINAR DE EMPREENDER O CONTEXTO O trabalho de pesquisa ainda inconcluso, em fase de análise e interpretação dos dados, iniciou-se em fevereiro de 2006 e tem como participantes, a gestora-pesquisadora, nove professores, os quais ministram aulas de Língua Portuguesa, Leitura, Inglês, Matemática, Ciências, História, Geografia, Educação Artística, Educação Física e trinta e seis alunos matriculados na sexta série do Ensino fundamental, de uma escola da rede pública estadual, localizada em uma cidade do interior do Estado de São Paulo. A escola da rede estadual de ensino em que atuo como gestora, localiza-se na em uma cidade do interior do Estado de São Paulo, distando da capital, aproximadamente oitenta quilômetros. Atende uma média de oitocentos alunos divididos em cursos de Ensino Fundamental ciclo II (5ª a 8ª séries) e Ensino Médio (1ª a 3ª séries), divididos em períodos matutino, vespertino e noturno, formando um grupo bastante heterogêneo quanto aos níveis socioeconômico e cultural. Ingressei nessa escola em janeiro de 2005 e ao fazer uma leitura dos ambientes físicos notei que os livros encontravam-se em um depósito junto com materiais inservíveis, sendo um amontoado de livros velhos e desorganizados, dando a falsa impressão de que livros eram considerados desnecessários ao processo ensino-aprendizagem. Nunca é demais enfatizar que esse cenário muito me incomodou, pois em minha maneira de pensar a biblioteca deve ser o “coração” de uma organização escolar. Assim, a falta da biblioteca escolar passou a ser o foco de maior preocupação. Devo ressaltar que apenas a existência de uma biblioteca, com bom acervo, isoladamente, não garante uma prática eficiente de ensino- aprendizagem, nem mesmo desenvolve nos alunos o gosto pela leitura. Na realidade, pressuponho que sua inexistência constitui-se em uma dificuldade a mais a ser superada. Assim surgiram as indagações, como transformar aquele espaço?, quais ações seriam necessárias?, o que poderíamos fazer? Essas perguntas foram significativas para as discussões com os professores e alunos em torno do espaço físico, sua adaptação às funções a que se destinavam. A fim de amenizar a problemática para o armazenamento do acervo a primeira ação conjunta entre, gestora-pesquisadora, professores e alunos, foi retirar os livros das caixas velhas e transportá-los para um espaço aproximado de 48 m², o que ainda consideramos insuficiente para atender às necessidades dos usuários, mas uma ação possível naquele momento. Aqui podemos visualizar alguns alunos em uma das sessões da organização da biblioteca. Vale lembrar que não valorizo o espaço pelo espaço, mas a adequação às demandas, possibilitando a interação entre os sujeitos usuários. Após a organização do acervo nas prateleiras, os alunos em turmas diferentes, iniciaram o processo de informatização, ainda inconcluso. Apesar disso, a gestora viabilizou duas professoras readaptadas (professora afastada de sua função docente motivada por determinação médica) para tomar nota dos empréstimos. O trabalho de incentivo à leitura iniciou-se com a gestora, uma turma de trinta e seis alunos e nove docentes que ministram diferentes disciplinas do currículo do ensino fundamental e atualmente vem ganhando cada vez mais adeptos. Os alunos do Ensino Médio organizaram o “Cantinho do Vestibular”, onde retiram e lêem os principais livros solicitadosnos vestibulares. Como o espaço físico da biblioteca é de pequena dimensão, os alunos retiram os livros de seu interesse e dirigem-se, juntamente com sua professora e gestora, ao jardim da escola e lá realizam sua leitura ou relatam a história anteriormente lida, incentivando os colegas a também conhecerem tal obra. Além de defender o valor da leitura por prazer, o local onde a leitura é realizada também pode e deve ser prazeroso, seja lá onde for que escolhamos. Por fim, ressalto que o objetivo principal é o de incentivar a leitura e não a pura e simples organização dos livros, nem mesmo os números estatísticos de retiradas. Entretanto, uma está imbricada na outra e já posso afirmar que no mês de agosto deste ano de 2007, um total de quinhentos e vinte obras foram retiradas pelos alunos, docentes e pela gestora. E ainda, já ouvi relatos de alunos afirmando que levam para suas residências as obras de interesse familiar, o que eleva o número de elos da corrente de incentivo à leitura. Encerro concluindo que, quando toda a equipe luta veementemente para alcançar os objetivos propostos, esses, sejam eles quais forem, certamente, na sua íntegra são atingidos. Não esqueçamos, de pronto, que um estudo na perspectiva interdisciplinar, em um primeiro momento, pode parecer uma tarefa bastante simples, mas lançados ao desafio, é possível perceber o quão difícil se torna a caminhada e quão agradável se torna a audácia da elucidação. 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS FAZENDA, Ivani Catarina Arantes.(org) (2005). Didática e Interdisciplinaridade, São Paulo: Papirus _____________. (2003) Interdisciplinaridade: qual o sentido?. São Paulo: Paulus. _____________. (org.) (2005). A Pesquisa em Educação e as Transformações do Conhecimento, 7ª. Edição, São Paulo: Papirus LENOIR, Yves. Três Interpretações da Perspectiva Interdisciplinar em Educação em Função de Três Tradicções Culturais Diferentes. In: y.lenoir@videotron.ca PINEAU, Gaston (2003). Temporalidades na Formação: rumo a novos sincronizadores, São Paulo: Trianon, (tradução de Lucia Pereira de Souza) Entrevista com Fazenda, Ivani http://www.abceducatio.com.br/edmes/entrevista/entrevista.htm acessado em outubro de 2007.
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