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clássica que o enxerga apenas como intermediário entre poupadores e investidores. O conceito de funcionalidade do sistema financeiro, neste contexto, se torna crucial para a superação desta visão clássica, pois consegue combinar o conceito de preferência pela liquidez, a função de intermediação financeira do banco, e possibilidade de risco sistêmico de uma economia capitalista. É a partir desta compreensão do papel da moeda e suas implicações que, no capítulo seguinte, os autores clássicos do desenvolvimento regional e urbano serão analisados. Procurar-se-á investigar em que medida a concepção de moeda 19 Vale lembrar que a poupança é aqui vista como precaução contra incerteza. 35 adotada em cada autor interfere em suas principais conclusões e em que medida uma nova concepção poderia modificar tais conclusões. 36 I.2 AS TEORIAS DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL E MOEDA Uma revisão do atual estado das artes de teorias de desenvolvimento regional e urbana mostra uma clara divisão temporal nas concepções teóricas de desenvolvimento regional e nas conseqüentes políticas de desenvolvimento regional e urbano daí derivadas. Este marco temporal é datado dos anos setenta, onde a economia mundial vivenciou crises simultâneas e as mudanças do paradigma e do padrão tecnológico: os choques do petróleo de 1973 e 1979, e seus impactos em termos de crescimento econômico; a crise do Estado Keynesiano de Bem Estar Social; crise urbana e; o novo padrão tecnológico, liderado pelo paradigma micro-eletrônica, informática e telecomunicações. É nesse contexto que ser observa uma clara transição no que diz respeito à estrutura das políticas regionais utilizadas. Até meados dos anos 1970 observam- se políticas regionais Top-Down, com ênfase na demanda e na correção das disparidades interregionais, caracterizadas como políticas keynesianas. Após este período o desenho de políticas regionais centra-se na estrutura Botton-up, de caráter descentralizado e focado na produtividade endógena das economias regionais e locais, aqui denominadas de enfoque na competitividade. Essa mudança de concepção de política tem sua origem em uma gama variada de fatores, que podem ser sintetizados em três grandes blocos: a) mudanças teóricas e ideológicas na concepção e no papel do Estado, criticando a excessiva intervenção do mesmo e advogando sua retirada; b) críticas teóricas e empíricas ao pequeno alcance social das políticas regionais, resgatando a questão das classes sociais nos padrões de desenvolvimento capitalista; e c) desafio dos novos fenômenos não explicados pela teoria anterior, a exemplo dos processos de desindustrialização e crise dos padrões fordistas de organização produtiva, das mudanças na divisão internacional do trabalho e da emergência dos NIC´s (New 37 Industrialised Countries), da emergência de novos padrões tecnológicos e novas regiões produtivas (Diniz 2002)20 No que segue, faz-se uma discussão das teorias de desenvolvimento regional tendo como referencial temporal a discussão feita acima. I.2.1 A PRIMEIRA GERAÇÃO: O ENFOQUE KEYNESIANO Os anos de 1950 e 1960 experimentaram o que foi chamado por alguns autores de primeira geração de políticas regionais (Maillat 1998; Helmsing 1999; Jiménez 2002, entre outros). Tais políticas foram formuladas em um ambiente teórico fortemente influenciado pelo keynesianismo. Como se sabe, esta corrente de pensamento coloca em questionamento a hipótese de existência de mecanismos automáticos de correção dos mercados e, portanto, defende a necessidade de uma intervenção externa na economia. Entre os mercados que não se ajustam automaticamente estaria o de trabalho, de longe o mais importante nesta abordagem. O não ajustamento automático desse mercado significa admitir a existência de equilíbrio com desemprego involuntário, hipótese esta negada tanto pela escola clássica como pela corrente neoclássica. A principal conseqüência, em termos das políticas econômicas da abordagem Keynesiana, é colocar a obtenção do pleno emprego como objetivo central da política macroeconômica. Atuação do Estado na economia seria, portanto, necessária para a obtenção do pleno emprego. Esta concepção macroeconômica mais geral influenciou várias interpretações teóricas acerca do desenvolvimento regional e das políticas necessárias para combater os desequilíbrios existentes. Tais teorias postulavam que o desenvolvimento de uma região estaria condicionado pela posição ocupada por esta região em um sistema hierarquizado e assimétrico de regiões, cuja dinâmica estava, em grande medida, fora dela própria. A seguir discutem-se os trabalhos mais importantes desta primeira geração. 20 Para um balanço da crise da economia regional e de suas perspectivas, veja a coletânea de artigos publicada nos volumes 17 (3) e 18 (2), da International Regional Science Review, ambos publicados em 1995. 38 I.2.1.1 TEORIA DO DESENVOLVIMENTO DESIGUAL Conforme interpretações baseadas na economia neoclássica, as quais viam o processo de desenvolvimento quer seja com uma tendência ao equilíbro, quer seja como um processo de evolução natural baseado em etapas (Rostow), o período Keynesiano de políticas regionais presenciou o surgimento de uma série de teorias que tinham, no centro de sua contribuição, a ativa idéia de que o processo de desenvolvimento seria necessariamente desigual. Dentre estes autores, três se destacam e serão aqui analisados: Myrdal, Hirschman e Kaldor. Myrdal tornou-se um dos autores seminais na discussão de desenvolvimento regional desigual pelo seu livro “Economic theory and under- developed regions” (Myrdal 1965). Neste trabalho, inicia sua discussão sobre desigualdades regionais, a partir do conceito de circulo cumulativo mostrando que ele serve tanto para explicar um circulo ascendente quanto descendente. De acordo com o autor, o círculo vicioso seria explicado por um homem pobre não possui o bastante para comer, assim se torna fraco, assim trabalha menos, assim será mais pobre ... (Myrdal 1965, p. 32). O mesmo círculo pode ser ascendente (círculo virtuoso): “Aquele que é rico, se alimenta bem, assim trabalha melhor e assim se torna mais rico” (idem). Desta constatação chega a sua primeira afirmativa relevante no livro “... percebe-se que o processo acumulativo opera em ambas as direções. Revela-se também a compreensão do fato,...,de que o processo acumulativo, quando não controlado, promoverá desigualdades crescentes.” (Myrdal 1965 /1957, p. 33). Myrdal recusa-se a aceitar a hipótese de equilíbrio estável, no qual sempre existem forças atuando no sentido de recondução ao equilíbrio sempre que este seja afetado, como um arcabouço teórico relevante para explicar a realidade social. Para este autor, a idéia de processo circular cumulativo seria o mais adequado para explicar os processos econômicos e sociais que resultam no desenvolvimento e no subdesenvolvimento. Em suas palavras: 39 O sistema não se move, espontaneamente, entre forças, na direção de um estado de equilíbrio, mas, constantemente, se afasta desta posição. Em geral, uma transformação não provoca mudanças compensatórias, mas, antes, as que sustentam e conduzem o sistema, com mais intensidade, na mesma direção da mudança original. Em virtude dessa causação circular, o processo social tende a tornar-se cumulativo e, muitas vezes, a aumentar, aceleradamente, sua velocidade. (Myrdal 1965 /1957, p. 34)21 A única possibilidade de retorno ao