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Cacos e mais cacos 2005

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1
Paulo Eduardo Zanettini 
 
Paulo Fernando Bava de Camargo 
 
 
 
 
Fábrica Santa Marina: embalagem de vasilhames com palha, ca.1910-1920 (BRANDÃO 1996: 55) 
 
 
CACOS E MAIS CACOS DE VIDRO: O QUE FAZER COM ELES? 
 2
 
ÍNDICE 
 
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 
 
 
2 CARACTERÍSTICAS DO VIDRO 
 
 
3 TECNOLOGIAS DE PRODUÇÃO: AS TÉCNICAS E 
SEUS TRAÇOS CARACTERÍSTICOS 
 
 3.1 Tecnologia Manual 
 3.1.1 Artefatos produzidos a partir de sopro humano sem o 
auxílio de moldes (Séculos XVI-XVIII) 
 
 3.1.2 Artefatos produzidos a partir de sopro humano com o 
auxílio de moldes (Séculos XVIII-XX) 
 
 3.1.3 Marcas de pontéis 
 3.1.4 Finalizando os vasilhames: gargalos 
 3.1.5 Marcas de moldes 
 3.1.6 Eliminando marcas de fabricação 
 3.1.7 Logomarcas de fabricantes ou produtos 
 3.1.8 Outras características 
 3.2 Tecnologia Mecânica 
 3.2.1 Prelúdio: máquinas compostas 
 3.2.2 Aspectos da produção semi-automática e automática 
 3.2.3 Traços de confecção presentes em garrafas e frascos: 
alguns problemas 
 
 3.2.4 Formas, cores e vedações: estandartização da produção 
 3.2.5 Comentários finais 
 
 
4 REFERÊNCIAS PARA UMA HISTÓRIA DO VIDRO NO 
BRASIL 
 
 4.1 Primórdios 
 4.2 O vidro no Brasil a partir do século XIX 
 4.2.1 Primeiro Período (1808 – 1890/1900) 
 4.2.2 Segundo Período (1890/1900 – 1950) 
 
 
5 DATAÇÃO DE RECIPIENTES DE VIDRO E ORIGEM 
 5.1 Análise química: exemplo de caso 
 5.1.1 Análise química evitando equívocos 
 5.2 Método prático para análise em laboratório 
 5.2.1 Procedimentos 
 5.3 Produção e deposição: chave de datação e processos 
intervenientes 
 
 
6 ESTUDOS DE CASO 
 6.1 Ficha de análise e sua aplicação 
 6.2 Museu da Energia, Itu, SP 
 6.3 Um lixão da segunda metade do século XX. Salvamento 
Arqueológico do sítio Villa Branca (SP-JA-04), Jacareí, 
SP 
 
 6.3.1 Logomarcas de fabricantes 
 6.3.2 Logomarcas de produtos 
 3
 6.4 Parque Estadual de Canudos, Bahia 
 
 
7 BIBLIOGRAFIA 
 
 
8 BIBLIOGRAFIA BÁSICA SOBRE VIDRO COMENTADA 
 
 
9 ANEXOS 
 
 4
 
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS 
 
Urgente: vidros 
 
O objetivo deste manual, lançado pela primeira vez em 1999, é oferecer à comunidade 
arqueológica uma modesta contribuição para a constituição de um quadro referencial de 
análise de artefatos de vidro resgatados de sítios histórico-arqueológicos no Brasil, 
estimulando a discussão e o aprofundamento do tema, tendo em vista a escassez de 
trabalhos do gênero no país. Porém, antes de respondermos à pergunta "o que fazer com 
eles?", torna-se necessário identificar os cacos de vidro, caracterizá-los com maior 
propriedade, datá-los, obter seu atestado de origem e assim por diante... 
 
A par dos diversos trabalhos dedicados às louças nestas duas últimas décadas, os vidros 
foram deixados de lado ou pouco explorados pelos arqueólogos brasileiros, replicando 
uma tendência observada na produção norte-americana, com a qual vimos mantendo um 
diálogo mais estreito. "Historical archaeologists seem fascinated with ceramics, 
sometimes to the exclusion of other important categories of artifacts. Bottle glass, for 
example, which lacks the visual and perhaps tactile appeal, provide us with data for 
studying chronology, function or both the individual artifact (such as a bottle to hold wine) 
and the group use of the object (such as social drinking), and trade networks" 
(BAUGHER-PERLIN 1988: 119). 
 
No decorrer da pesquisa, entretanto, tomamos conhecimento de outras iniciativas 
análogas, em especial as que estavam a cargo dos arqueólogos Luis Cláudio P. 
Symanski e Marcos André T. Souza, que prontamente nos remeteram artigos, até aquele 
momento inéditos, que continham informações de grande valiai. 
 
No nosso entender, essa simultaneidade de iniciativas isoladas deixava expressa a 
necessidade de se aprofundar a temática e, desde o primeiro lançamento de “Cacos e 
mais Cacos”, temos notado uma maior preocupação com o estudo dos artefatos de vidro. 
 
Por outro lado, todos os pesquisadores contatados foram consoantes e unânimes, 
concordando num aspecto: o tema teria que ser abordado no Congresso da SAB, em 
setembro daquele ano. 
 5
 
De lá para cá parece que os vidros arqueológicos vêm sendo tratados de forma mais 
consistente, oferecendo interpretações mais ricas sobre o nosso passado. Talvez agora, 
às vésperas de mais um encontro bi-anual da SAB fosse o momento de, novamente, 
arqueólogos de todo o Brasil trocarem experiências a respeito do tema. 
 
 
Um longo caminho a percorrer 
 
Vimos nos perguntando há algum tempo como explorar com maior propriedade o 
potencial oferecido por esta categoria de artefatos. Nos anos 1980, vimos-nos às voltas 
com o estudo de vasilhames abandonados pelas tropas do governo no palco de 
operações da Guerra de Canudos (1897), redigindo algumas impropriedades a respeito. 
Contávamos à época, em nosso laboratório em pleno sertão, apenas com as referências 
e classificações produzidas pelos pioneiros norte-americanos. Já no início da década de 
1990, estimulados pela arqueóloga Tania Andrade Lima, demos mais alguns passos, 
debruçando-nos sobre a vidraria coletada à margem da Calçada de Lorena, na Serra do 
Mar. Infelizmente, por motivos de força maior tivemos que nos afastar por completo da 
Arqueologia, interrompendo a investigação. 
 
Passados alguns anos, de volta ao campo, sentimo-nos motivados a retomar o assunto, 
contando para essa tarefa com o auxílio e entusiasmo do então mestrando em 
Arqueologia Paulo Fernando Bava de Camargo. 
 
Assim, durante cerca de seis meses, navegamos pelo universo da produção vidreira, 
buscando referências que permitissem abrir as portas para o diálogo com garrafas, 
frascos, elementos construtivos (vidraças, por exemplo), resgatados em diversos novos 
contextos com os quais passamos a lidar. 
 
Quais traços presentes nas coleções de vidros recuperadas em solo brasileiro seriam 
capazes de nos informar acerca de sua fabricação, origem e função? De olho na 
produção analítica, almejávamos inicialmente "criar" uma chave de datação absoluta, à 
imagem daquela concebida por T. Stell Newman (1970) para garrafas norte-americanas 
produzidas a partir do século XIX. 
 
 6
Com o andamento da pesquisa percebemos que seria necessário ir mais adiante, para 
além da tradução ou transposição mecânica do conhecimento acumulado pelos norte-
americanos durante os últimos 40 anos, aliás, hoje, de fácil acesso, reunido em sua mais 
significativa porção em CD-ROMs da Society for Historical Archaeology. 
 
Passamos, então, a indagar especialistas no Brasil e Exterior, efetuamos visitas a 
fábricas e ateliês de artistas vidreiros, adentramos nos sites das organizações de classe e 
colecionadores e recolhemos um grande volume de informações. A partir daí, repletos de 
novos dados, retornamos ao exame de exemplares de algumas coleções arqueológicasii. 
 
Concluído o artigo, percebemos que havíamos deixado muita coisa de fora, vendo-nos 
envolvidos na tradicional atmosfera de insatisfação. Embora essa sensação tenha sido 
parcialmente desvanecida pela aplicação dos parâmetros de análise sistematizados há 
seis anos, em diversos outros contextos arqueológicos, resta ainda muito a ser feito. 
Assim, forçosamente já demos início a próxima empreitada, dedicada à sistematização da 
produção vidreira européia, notadamente da portuguesa, da francesa e, obviamente, da 
brasileira. 
 
 
De Murano à Santa Marina 
 
Após a difusão dos segredos guardados a sete chaves na ilha de Murano, a técnica de 
produção de vidrosdifundiu-se por toda a Europa a partir da França, passando a 
conhecer sucessivas mudanças desde o seu estágio artesanal até a etapa de produção 
em escala industrial e automatizada, processo esse iniciado por volta de 1820, marco 
temporal adequado à França, Alemanha, Inglaterra e EUA, líderes em tecnologia vidreira. 
Nesses países, o consumo crescente assegurou uma veloz superação e substituição de 
tecnologia, deixando esses câmbios expressos na produção e nos registros 
arqueológicos. 
 
No Brasil, ao contrário do que ocorreu na América do Norte, onde o vidro passou a ser 
produzido na Virgínia, a partir de 1609, por exemplo, as primeiras tentativas frustradas se 
deram no início do século XIX, ganhando o parque manufatureiro de vidro alguma 
expressão apenas no final daquele século. A sua vez, já no século XX, a indústria 
 7
nacional se viu subordinada aos processos tecnológicos determinados por inputs gerados 
a partir das nações industrializadas. 
 
Por outro lado, a adoção de novas tecnologias não implicou, no caso da indústria vidreira 
brasileira, no abandono de técnicas mais rudimentares, tal qual se observa nos centros 
de maior dinamismo, sendo possível presenciar um convívio harmônico de processos de 
fabricação que nos remetem simultaneamente tanto às tecnologias desenvolvidas no 
decorrer do século XIX, como aos processos automatizados de produção. Basta observar 
as prateleiras de uma farmácia para divisarmos, lado-a-lado, frascos confeccionados a 
partir de moldes e processos manuais e semi-automáticos, até aqueles gerados pelas 
sofisticadas tecnologias industriais, hoje monopólio de algumas poucas multinacionais 
com a Saint Gobain, Corning, Pilkington e Guardian, dentre outras. 
 
Assim, ainda em 1999 observávamos a existência, no Estado de São Paulo, o mais 
industrializado do país, de pequenas manufaturas que sobreviviam produzindo utensílios 
com técnicas, processos de trabalho e equipamentos originalmente concebidos e 
desenvolvidos no século XIX. 
 
Por último, no decorrer da pesquisa constatamos que, dentre outras particularidades, via 
de regra impera o desinteresse e a despreocupação por parte dos fabricantes no trato e 
preservação da memória da indústria vidreira nacional: produtos, amostras, maquinários, 
registros de fábrica, salvo raras iniciativas, acabaram desaparecendo por completo, ou 
pior, foram submetidos ao sucateamento e sistematicamente destruídosiii. 
 
Quiçá resida aí a ausência de motivação para a construção de uma história brasileira do 
vidro, restando aos arqueólogos a tarefa de escrevê-la a partir de cacos e mais cacos... 
 
 
2. CARACTERÍSTICAS DO VIDRO 
 
Em linhas gerais, o vidro é definido pela American Society for the Testing of Materials 
(ASTM) como "um material inorgânico formado pelo processo de fusão, que foi resfriado 
a uma condição rígida, sem cristalizar"iv. 
 
 8
Os ingredientes, fundidos sob calor extremo, podem ter em sua composição, 
praticamente todos os elementos básicos existentes na superfície da Terra. Com a 
combinação de 99 elementos, a indústria vidreira já desenvolveu mais de 50 mil fórmulas 
de produção de vidro. 
 
O vidro exige elementos vitrificantes, fundentes e estabilizantes. Atua como vitrificante a 
sílica, introduzida na forma de areia; como fundente, a soda ou potássio, em forma de 
sulfato ou carbonato e a cal, em forma de carbonato, é a responsável pela resistência 
maior aos ataques de água, estando estes componentes básicos presentes na 
composição dos vidros desde a Antigüidade como é possível observar na tabela a seguir. 
 9
 
Composição química do vidro ao longo da História (NF, 1981) 
Componentes/ 
Procedências 
Sílica Cal Potássio Soda Magnésio 
Óxido de 
ferro/ 
alumínio 
Outros 
Egito (XIIª. 
Dinastia) 
68,3 4,9 2 20,2 1 3,2 0,4 
Pompéia (79 
DC) 
69,4 7,3 - 17,2 - 3,7 2,4 
Arábia (s. VIII 
DC) 
68 2,6 23,4 - 0,9 4,2 0,9 
Veneza (Idade 
Média) 
68,6 11 6,9 8,1 2 1,5 1,9 
Cristal Saint 
Gobain 
72,1 12,2 - 15,7 3,8 - - 
 
Na atualidade o vidro conhecido como float glass, produzido em escala industrial, é 
resultante da seguinte composição, das quais cem partes de mistura geram 83 partes de 
vidro e dezessete partes de perda por volatilização, sendo 72% de sílica, 0,7% de 
alumina, 10,7% de cal, 2,6% de magnésio, 13,5% de soda e 0,5% de anidrido sulfuroso. 
 
O ser humano aprendeu a acrescentar a esta composição, quantidades variáveis de 
outros elementos que afetam sua cor final, processo adotado com maior intensidade na 
produção vidreira a partir do primeiro quartel do século XIX. A introdução de particulares 
compostos metálicos, soltos ou dispersos na massa ainda no estado coloidal, permite ao 
vidro uma capacidade de absorção seletiva da radiação luminosa, dando origem a cor. O 
óxido de cobre gera o rosa-violeta; o óxido de cobalto, o azul intenso; o ouro coloidal 
produz variantes de rosa a púrpura; o selênio e o cádmio matizes de vermelho a amarelo-
alaranjado, e assim por diante. 
 
A fusão do vidro ocorre aos 1400/ 1600°C aproximadamente (o maquinário moderno 
opera em 1550°C). Após a fusão dos ingredientes, a massa é submetida ao resfriamento 
e quando chega aos 900°C adquire uma condição maleável, permitindo sua manipulação. 
A partir desse momento, artesãos munidos de seus instrumentos próprios (ponteios, 
tesouras, grampos, garras e moldes) aliam sensibilidade e técnica, dando forma às mais 
inusitadas peças e utensílios para o dia-a-dia há pelo menos 7 mil anos. 
 
Assim, vemos-nos diante de dois caminhos para a análise do vidro, a nosso ver, 
complementares, e não excludentes: de um lado, o aprofundamento do conhecimento 
tendo como matéria-prima o estudo quantitativo e qualitativo de composições químicas de 
 10
massas vítreas e suas nuances, "única forma segura de identificar e datar artefatos de 
vidro", tal qual defende o verrier Pierre Frisch; e de outro, o estudo dos traços derivados 
das diferentes técnicas de produção desenvolvidas ao longo do tempo, tema tratado a 
seguir. 
 
 
3. TECNOLOGIAS DE PRODUÇÃO: AS TÉCNICAS E SEUS TRAÇOS 
CARACTERÍSTICOS 
 
Passemos agora à descrição de alguns processos e técnicas de fabricação de artefatos 
de vidro – sobretudo aqueles adotados para a produção de garrafas e frascos, os 
utensílios mais recorrentes nos sítios histórico-arqueológicos – bem como os respectivos 
traços de manufatura neles deixados. Note-se que as técnicas que deixaram suas marcas 
nos restos materiais, do ponto de vista cronológico estão mais bem adaptadas aos 
contextos da América do Norte e adjacências, uma vez que a sistematização do 
conhecimento arqueológico sobre o vidro no Novo Mundo decorre principalmente de 
pesquisas realizadas nessas regiões. Porém, sempre que possível, reportamo-nos a 
contextos arqueológicos brasileiros e técnicas vidreiras utilizadas aqui ou em países 
culturalmente muito próximos ao Brasil (França e Portugal). É importante lembrar que há 
grande disparidade entre a qualidade das fontes de informação, de forma que as técnicas 
usadas no Brasil, Portugal e França, ou não são contempladas pela literatura 
arqueológica norte-americana e inglesa, ou entram em conflito com a mesma, 
principalmente no quesito cronológico. De qualquer modo, o conhecimento arqueológico 
anglo-saxão deve servir de ponto de partida para que comecemos a analisar os vidros 
presentes nos sítios arqueológicos brasileiros e para que elaboremos parâmetros cada 
vez mais convenientes para estudar os restos materiais ligados às nossas condições 
sociais e culturais. 
 
 
3.1. Tecnologia Manual 
 
3.1.1. Artefatos produzidos a partir de sopro humanosem o auxílio de moldes 
(Séculos XVI-XVIII) 
 
 11
Raros e bastante fragmentados nos sítios histórico-arqueológicos originados a partir de 
assentamentos dos primeiros séculos, os restos vítreos nos fornecem escassas 
informações codificadas em diminutos cacos de coloração verde oliva, opacos e pouco 
translúcidos, muitas vezes apresentando uma superfície iridescentev. 
 
Também vimos essa situação de escassez de objetos de vidro se repetir, em um contexto 
bem diverso daquele presente em São Paulo dos primeiros séculos de conquista/ 
colonização, durante o reconhecimento arqueológico realizado nas imediações das ruínas 
da casa sede da sesmaria de Garcia D'Ávila (praia do Forte, Bahia), edificação 
originalmente erguida no século XVI e ocupada até meados do século XX (ECOPLAM e 
CEEC-UNEB 1998). 
 
Nos níveis mais antigos, ao lado de centenas de fragmentos de louça vidrada, faianças e 
porcelanas chinesas identificamos apenas um fragmento de vidro, possivelmente de um 
cálice. Obviamente, os cacos de vidro estão muito bem representados em estratos 
relativos em depósitos derivados da ocupação do Castelo em épocas posteriores. O 
mesmo padrão de ocorrência repetiu-se no refugo do convento carmelita de 
Massarandupió (BA), erguido durante o século XVII (ROBRAHN-GONZALEZ e 
ZANETTINI 1997). Em ambos os casos, borbotaram as louças as louças de vidrado à 
base de chumbo e as tradicionais faianças ibéricas decoradas com elementos estilísticos 
tomados da Chinavi. 
 
Ao que parece, tanto no ambiente bandeirantino rural, como no monacal e palaciano (os 
D'Ávila foram possuidores da maior sesmaria que já existiu no período colonial), os 
utensílios vítreos custaram algum tempo para ocupar lugar no interior das casas de 
morada e à mesa dos grandes senhorios. Os containeres de barro, de madeira e de ferro 
se adequavam melhor às longas travessias oceânicas, assegurando o transporte dos 
gêneros e víveres da metrópole aos primeiros colonizadores. 
 
Ao que tudo indica esse padrão de deposição só poderia ter se alterado em contextos 
arqueológicos relacionados às primeiras décadas do século XVII, quando os Estados da 
atual região Nordeste tiveram seu primeiro surto vidreiro, estimulado pelas práticas 
adotadas durante o domínio holandês. Embora haja grande número de escavações de 
sítios relacionados a esse período – forte das Cinco Pontas, PE (MELLO NETO 1983); 
forte Real do Bom Jesus, PE (ALBUQUERQUE e LUCENA 1997, com referências 
 12
anteriores); aldeamento de Vila Flor, RN (MARTIN 1988; ALBUQUERQUE, 1991) – neles 
não houve o interesse específico em se esmiuçar as questões relacionadas à produção e 
consumo de utensílios de vidro nessa época. 
 
Os artefatos desse período eram confeccionados a partir do sopro humano, sem o auxílio 
de moldes, podendo ou não apresentar marcas de pontel, uma vez que estas podem ter 
sido suprimidas, ou com fogo, ou com polimento (Figura 1). 
 
 
Figura 1 – Banco de vidreiro (França, século XX). Abaixo, vidreiro finaliza garrafa 
(ilustração de 1772) (HIER, 1980: 43). 
 
Diante do exposto, temos muito pouco a acrescentar sobre vasilhames e utensílios de 
mesa trazidos do além-mar ou eventualmente fabricados colônia, permanecendo no 
aguardo da publicação dos resultados das pesquisas de sítios quinhentistas e 
seiscentistas ora em curso em todo o litoral do Nordeste. 
 
Outros objetos existentes nos sítios formados nos primeiros anos da conquista/ 
colonização são as miçangas de vidro. Tanto nas narrativas históricas, quanto na 
 13
distribuição desses artefatos nos sítios arqueológicos é possível perceber o impacto 
inicial causado pelos pequenos objetos de vidro trazidos na bagagem dos colonizadores a 
partir de 1500, e que foram utilizados como "moeda", instrumento de barganha, e 
acabaram por se transformar em testemunhos cabais e indicadores seguros dos 
processos de contato interétnico entre o europeu e o indígena. 
 
 
3.1.2. Artefatos produzidos a partir de sopro humano com o auxílio de moldes 
(Séculos XVIII-XX) 
 
Apesar de encontrarmos objetos de vidro produzidos a partir do sopro humano da massa 
vítrea, sem o auxílio de moldes, em sítios datados de desde os primórdios do 
Descobrimento (alguns raros cacos atribuíveis a garrafões, copos, pés de taças, contas, 
etc.), eles se tornam sensivelmente mais freqüentes em contextos arqueológicos 
originados por ocupações de fins do século XVII em diante, em grande parte pelos 
incrementos das fundições metalúrgicas inglesas, que indiretamente derivaram no 
desenvolvimento de fornos mais eficientes para a produção de porcelana e de vidro. Um 
outro fator a ser estudado é a criação da fábrica do Covo, no Porto (1690), a qual ainda 
estava em produção no início do século XX (PROSTES 1908: 5). 
 
Mas a freqüência de objetos de vidro só se torna um padrão arqueológico significativo 
quando vemos entrar em cena, no decorrer do século XVIII, talvez um pouco antes, os 
artefatos europeus soprados e finalizados em formas ou moldes. Esses artefatos, os 
quais passaram a ser trazidos em maiores quantidades ao Brasil, eram produzidos de 
acordo com o seguinte processo: 
 
1) A massa vítrea, com o auxílio de um tubo ou cana (esta última, denominação mais 
usual), era soprada, gerando um bulbo que era submetido a uma pré-modelagem por 
meio da rotação do mesmo sobre uma prancha, ganhando uma forma preliminar 
(parison). Este era então introduzido em um molde e novamente soprado, assegurando 
um aspecto mais regular ao corpo ou ao recipiente inteiro. Esses moldes poderiam ser 
inteiriços ou constituídos por duas ou três partes e os materiais mais comuns para sua 
elaboração eram o metal, a madeira revestida com cortiça e a cerâmica refratária. 
 
 14
2) A operação seguinte consistia na retirada do recipiente, ainda fixado à cana de soprar, 
de dentro do molde, passando-se ao reforço da base por meio de pressão aplicada com 
um molete de ferro ou outro material. Produzia-se então o chamado fond piqué, ou fundo 
picado, traço característico até hoje nos vasilhames industriais automáticos de várias 
marcas de vinhos, sobretudo de vinhos espumantes, havendo inúmeras discussões sobre 
a real finalidade dessa operação (ver, por exemplo, JONES 1971). 
 
3) Feito o reforço da base, procedia-se à operação de estruturação da boca ou gargalo do 
recipiente através da aplicação de um reforço de vidro, semelhante a uma tira. Para tal 
operação, o recipiente precisava ser sustentado por um pontel fixado à base. 
 
Quais são as marcas derivadas dessas operações? 
 
Os primeiros estudos norte-americanos dedicados a essa questão datam da década de 
1960 e início dos anos 70, tais como o The Glass Wine Bottle in Colonial America (1961) 
e o já clássico A Guide to Artifacts of Colonial America (1986 [1970]), ambos de Ivor N. 
Hume. Não menos importantes são os artigos do periódico Historical Archaeology de 
autoria de Dessamae Lorrain (1968) e Olive Jones (1971). 
 
Esses autores se dedicaram longamente à análise dos traços derivados do processo de 
fabricação sumariamente descrito, identificando e criando tipologias para as marcas 
deixadas pela operação de reforço da base (push-ups) e para a sustentação dos 
recipientes pelos pontéis (pontil-marks), além dos sinais deixados pelos moldes, 
estabelecendo datas para o início e término do uso de cada técnica na cadeia produtiva. 
 
Por sua vez, o mercado norte-americano de vidros antigos impulsionou, a partir dos anos 
1980, um grande aprofundamento do tema. Como resultado, temos hoje inúmeras 
organizações, publicações temáticas, manuais, sites de intercambio de informações e de 
negócios. Também no Brasil vimos surgir,mais recentemente, um ativo mercado de 
vidros antigos. Há que se destacar que nem sempre essas atividades estão associadas à 
legalidade e à preservação dos bens culturais, entretanto, é dever do arqueólogo não 
fechar os olhos a essas práticas, mas propor alternativas que garantam o cumprimento 
das leis e a satisfação desse questionável fetiche colecionista. 
 
 
 15
3.1.3. Marcas de pontéis 
 
Conforme mencionado, artífices da Europa e América do Norte munidos de pontéis 
afixados aos vasilhames podiam realizar a finalização e reforço dos gargalos. Ao término 
dessa operação, a garrafa era liberada do pontel, restando no fundo do recipiente traços 
da incisão/ colagem do instrumento, derivados aos resíduos do ponto de contato do 
mesmo com o recipiente. Esses bastões, de acordo com os estudos citados 
anteriormente, podiam ser feitos, ou com madeira, ou com vidro, ou com metal, sendo 
estes últimos os que possivelmente legaram as marcas mais recorrentes nas bases de 
garrafas encontradas em todo o território brasileiro (Figura 2). 
 
 
Figura 2 – Acima, ilustração com diversos tipos de pontel: em vidro; com areia, a própria 
cana e, por último, o pontel de ferro (JONES 1971: 69). 
 
A técnica do pontel entra em declínio nos EUA a partir de 1850/60 com a introdução de 
um novo instrumento para sustentação do recipiente: o snap-case, garra de fixação que 
envolvia o corpo do objeto, permitindo a finalização dele. Com a introdução e difusão 
dessa ferramenta, o fundo das garrafas se viu liberto da ação e efeitos dos pontéis, 
cedendo paulatinamente espaço para a inserção de inscrições (capacidade, nome da 
fábrica ou ateliê, etc.). No caso da produção norte-americana, o abandono do pontel é 
 16
concomitante ao final da Guerra de Secessão (1860-1865), uma provável conseqüência 
das mudanças ocorridas na indústria voltada para o esforço de guerravii (Figura 3). 
 
 
(Figura 3 – Snap-case ou garra de fixação, ferramenta introduzida no final da década de 
1850 nos EUA (MENDES e RODRIGUES 1992: 142). 
 
 
3.1.4. Finalizando os vasilhames: gargalos 
 
Outro traço bastante evidente, decorrente do processo manual de fabrico em molde é a 
adoção de reforço da boca da garrafa, envolvendo a aplicação a posteriori de uma 
pequena parcela de vidro (tira) ao redor do gargalo, garantindo o fortalecimento dessa 
parte do artefato para receber, ou rolhas de cortiça, ou couro, ou pano, estes dois 
últimos, embebidos em parafina. A partir de 1860 alguns recipientes passaram a ter seus 
gargalos feitos à parte, sendo posteriormente colados ao corpo, numa das primeiras 
tentativas de estabelecer uma proto “linha de montagem” (Figura 4). 
 17
 
 
(Figura 4 – Gargalos com tiras de reforço, oriundos de garrafas produzidas em molde 
inteiriço (ZANETTINI 1998: 129). 
 
Entre 1830/40 surgem diversos tipos de ferramentas que possibilitam um melhor 
acabamento dos gargalos (POLAK 1997: 20-21). Ao invés das bocas receberem toscas 
tiras de vidro como reforço, a partir desse momento uma segunda camada de vidro passa 
a ser aplicada nelas, as quais são torneadas com ferramentas conhecidas como ferros de 
tornear ou marisar até adquirirem formatos parecidos com os que vemos hoje. Há 
manuais da indústria vidreira que não mencionam a aplicação de uma segunda camada 
de vidro à boca da garrafa a ser torneada (PROSTES 1908: 31). Esse tipo de 
acabamento continua em voga até o término da produção manual (Figura 5a e b). 
 
 
Figura 5a e b – Acima, dois tipos distintos de alicates ou ferros de marisar (a, PROSTES 
1908: 31) (b, POLAK 1997: 221). 
 
Os gargalos torneados com ferros de marisar apresentam traços horizontais ao longo de 
suas superfície – tal como os sulcos dos antigos discos de vinil – decorrentes do contato 
 18
do metal frio da ferramenta com o vidro quente. Uma outra marca característica desse 
tipo de gargalo, mas que nem sempre é perceptível, é um sulco no interior do mesmo, 
bem na área final de contato da ferramenta com o pescoço do recipiente, talvez 
decorrente de alguns tipos de alicates de marisar que produziam gargalos mais 
elaborados. 
 
Finalmente, os gargalos produzidos em separado dos recipientes legaram duas marcas 
paralelas, bem nas áreas de colagem deles com os pescoços. Essas marcas, entretanto, 
não são muito comuns de serem encontradas nos objetos exumados dos contextos 
arqueológicos brasileiros, o que nos leva a crer que esse tipo de técnica não foi muito 
comum na produção destinada ou originada no Brasil. 
 
 
3.1.5. Marcas de moldes 
 
A delimitação temporal do uso de moldes é bastante complexa, levando os autores 
especializados a entrar em conflito. Segundo Lorrain (1968), o molde inteiriço ou único 
teria sido largamente usado entre 1790 e 1810. Os outros dois tipos – molde duplo ou 
bifásico e molde triplo ou trifásico – teriam surgido por volta de 1810, sendo utilizados 
concomitantemente até 1840/50, quando o trifásico cai em desuso. Já o bifásico teria 
permanecido em uso até o fim da produção manual. 
 
Sherene Baugher-Perlin (1988) por sua vez coloca que os moldes inteiriços teriam sido 
utilizados desde fins do século XVII até meados do século XIX; os duplos, de 1750 até 
1880; e os triplos, de 1820 até 1860/ 70. Essa periodização nos parece mais adequada 
para analisar o caso brasileiro, tal como pudemos constatar na Calçada do Lorena. É 
desse extenso sítio paulista que provém o exemplar apresentado na figura 6. Através de 
análise química de sua composição, a Frish Verrier apresentou um laudo (1993) 
atestando que aquele fragmento é de uma garrafa produzida na França, no último quartel 
do século XIX (ZANETTINI 1998), datação mais próxima à periodização proposta por 
Baugher-Perlin (Figura 6). 
 
 19
 
Figura 6 – Fundos de garrafas contendo marcas de pontel. Um dos exemplares permitiu a 
reconstituição da garrafa original (ZANETTINI 1998: 133). 
 
Os moldes inteiriços – que poderiam ser apenas cilindros ou prismas com ambas ou 
apenas uma das extremidades abertas – praticamente não deixavam marcas nos objetos, 
gerando dúvidas com relação à sua identificação, uma vez que se assemelham àqueles 
artefatos elaborados livremente, sem molde. A única marca que poderia persistir é aquela 
decorrente do preenchimento total do molde. Nesse caso uma linha horizontal é 
distinguível por todo o diâmetro da junção do corpo com os ombros (BAUGUER-PERLIN 
1988: 262). Essa marca também é encontrada nas garrafas feitas com moldes trifásicos 
(Figura 7a e b). 
 
 
Figura 7a – Exemplo de marcas deixadas por molde inteiriço (BAUGUER-PERLIN 1988). 
 
 20
 
Figura 7b – Vidreiro soprando garrafa em molde único de madeira (PROSTES 1908: 29). 
 
Já os moldes triplos – que nada mais são do que a articulação de um molde inteiriço com 
dois moldes longitudinais para os ombros e o pescoço – apresentam as marcas acima 
descritas, além de dois riscos verticais, opostos, que partem da divisa do corpo com os 
ombros chegando quase até o fim do gargalo, decorrentes justamente da união das 
partes do molde que formam o topo da garrafa (LORRAIN, 1968; BAUGHER-PERLIN, 
1988; POLAK, 1997) (Figura 8a e b). 
 
 
 21
Figura 8a – Exemplo de marcas deixadas por molde triplo (BAUGUER-PERLIN 1988). 
 
 
Figura 8b – Corte longitudinal em molde triplo unido por charneiras (PROSTES 1908: 31). 
 
Uma característica comum aos artefatos confeccionados ou pelo molde inteiriço, ou pelo 
molde triplo é que o diâmetro da base tende a ser menor que o diâmetro da interface 
entre o corpo e os ombros dos recipientes. Segundo Appert e Henrivaux (1894) esse 
aumento progressivo do diâmetrofacilitava a retirada da garrafa do molde. 
 
Outra característica em comum entre os artefatos feitos com esses tipos de moldes é a 
presença, por vezes, de linhas espiraladas ao longo dos corpos dos mesmos. Embora 
ainda sejam necessárias mais observações a respeito desse tipo de marca, deduz-se que 
elas são provenientes de movimentos usados para tirar os recipientes de dentro dos 
moldes, os quais são resultantes de um movimento de rotação associado a um 
movimento de extração. Sem querer dar muitos nomes a coisas que, de tão corriqueiras 
para os vidreiros, eram banais para serem por eles nomeadas, podemos chamar esses 
traços de vestígios de extração com rotação. Pode estar aí uma das chaves para 
diferenciar melhor, por exemplo, os artefatos feitos sem moldes dos feitos com moldes 
inteiriços ou triplos, uma vez que as marcas entre uns e outros podem ser muito tênues. 
 
Existe uma característica que pode às vezes sanar dúvidas quanto à técnica que se 
utilizou na confecção de um artefato. Em alguns casos, quando temos muitos fragmentos 
dos corpos de vasilhames e nenhuma base ou gargalo, não conseguimos estabelecer se 
eles são provenientes de peças feitas com moldes inteiriços ou triplos ou se elas foram 
elaboradas sem molde algum. Se dentre esses fragmentos houver alguns que têm a 
aparência de “metal martelado”, então estes, apesar de não apresentarem os traços 
característicos legados pelas junções dos moldes, foram fabricados com moldes que 
estavam frios e foi essa particularidade que legou essa aparência (FRANK 1982). Isso 
nem sempre ajuda, pois o objeto elaborado em seguida ao nosso objeto-exemplo 
 22
certamente não apresentaria essas características, porque o molde já estaria aquecido, 
mas essa é uma dica que pode pelo menos apontar ao arqueólogo em qual direção 
seguir (contexto da primeira ou da segunda metade do século XIX?, por exemplo). 
 
Apesar de serem conhecidos desde meados do século XVIII, foi só em 1814 (patente de 
1822) que a Ricketts Company, de Bristol, Inglaterra, atendendo à demanda do mercado 
de bebidas alcoólicas como vinhos, cervejas, cidras, etc., conseguiu produzir um molde 
duplo eficiente (LORRAIN 1968). Esse molde eliminou a fase de elaboração manual da 
base da garrafa, o fond piqué ou push-up, pois o fundo já saia do mesmo com a forma 
final. O processo desenvolvido por Henry Rickett também contribuiu para o 
aprimoramento da produção de garrafas nos aspectos relacionados à estabilidade, 
simetria e padronização de dimensões e medidas. 
 
Os moldes duplos, grosso modo imprimem duas linhas verticais opostas, que correm da 
base em direção ao gargalo do recipiente. Uma terceira linha marca a base do recipiente 
diametralmente, unindo as demais. Posteriormente essa última linha deixa de existir, 
porque os fabricantes passam a usar uma terceira parte nos moldes de duas partes (o 
que soa como contra-senso): um disco para formar a base dos recipientes (BAUGHER-
PERLIN 1988: 262-264). Com o passar do tempo e conseqüente incremento técnico, as 
marcas verticais passam a cada vez mais se aproximar do gargalo dos recipientes, fato 
que indica que os fabricantes conseguiam produzir moldes cada vez mais bem ajustados, 
possibilitando modelar uma maior porcentagem do recipiente, progressivamente 
dispensando as finalizações feitas à mão livre (POLAK 1997: 20) (Figura 9a e b). 
 
 
Figura 9a – Exemplo de marcas deixadas por molde duplo (BAUGUER-PERLIN 1988). 
 
 23
 
Figura 9b – Seqüência do avanço das marcas deixadas em recipientes feitos com moldes 
duplos ao longo do tempo (válida para a produção dos EUA) (POLAK 1997: 20). 
 
Finalizando este tópico, nunca podemos deixar de ter em mente que o conhecimento 
arqueológico está sempre em construção. Como conseqüência, essas considerações 
sobre cronologia do uso dos moldes também ficam sujeitas às análises dos diversos 
contextos arqueológicos que têm sido localizados e estudados nos últimos anos, 
principalmente com o incrível avanço da arqueologia de contrato. Com isso queremos 
dizer que não podemos nos aferrar tanto às cronologias estrangeiras – elas são apenas o 
ponto de partida. 
 
Isso ficou bastante claro quando nos deparamos com uma grande quantidade de 
fragmentos de vasilhames elaborados com moldes trifásicos em sítios arqueológicos 
brasileiros das últimas décadas do século XIX ou início do século XX. Como veremos 
adiante, esse tipo de molde foi usado em máquinas compostas acionadas manualmente, 
as quais foram construídas durante os anos de transição do trabalho manual para o semi-
automático (APPERT e HENRIVAUX, 1894). Entretanto, a existência delas jamais é 
citada em estudos dos países de língua inglesa. 
 
 
3.1.6. Eliminando marcas de fabricação 
 
Conforme já mencionado para objetos de vidro produzidos a partir do sopro humano livre, 
vale aqui ressaltar que alguns vidreiros recorriam, por vezes, a processos de polimento a 
fogo, a fim de extrair as indiscretas marcas deixadas pelos moldes e pelo processo de 
fabricação. Esse procedimento ainda é bastante usual no caso dos cristais (tipo de vidro 
que contém uma maior quantidade de chumbo em sua composição), que são melhor 
 24
acabados, não raro trazem a assinatura do verrier ou da fábrica e, consequentemente, de 
valor substancialmente superior, destinado às classes mais afortunadas. 
 
Na década de 1840 são desenvolvidas, no hemisfério norte anglo-saxão, técnicas que 
permitem a eliminação das marcas indesejadas resultantes do contato da massa do vidro 
quente com os moldes frios. Estes eram esquentados antes de receber a massa e/ ou 
recebiam uma camada de cortiça que se queimava e dava tempo do molde esquentarviii. 
No entanto, de acordo com os contextos arqueológicos brasileiros, esse padrão de 
excelência parece que não foi sistematicamente aplicado na produção ordinária. Aliás, no 
caso da produção de alguns tipos de recipientes, os que demandavam um rápido 
resfriamento para formar uma têmpera forte, era mesmo necessário que o molde 
estivesse frio (PROSTES 1908: 58). 
 
Para os recipientes comuns, principalmente garrafas de bebidas alcoólicas, Evinson 
patenteia, em 1879, um método para eliminar as marcas deixadas pelos moldes. Bastava 
untar as faces internas deles com uma pasta especial que diminuía o atrito dos objetos 
com as paredes metálicas dos moldes e, terminada a insuflação, rodavam-se os 
recipientes ainda dentro das respectivas formas, fazendo com que as marcas sumissem 
(POLAK 1997: 12). Entretanto, algumas linhas horizontais intermitentes podem se formar 
no corpo do vasilhame (BAUGHER-PERLIN 1988: 264). 
 
Também concorrem para a eliminação de marcas de moldes processos de abrasão, 
sendo comum encontrarmos outros continentes, tais como copos, produzidos no decorrer 
do século XIX, submetidos a polimentos da base a frio. Esse processo é hoje utilizado 
para reparos e para a extração de riscos em vidros planos, ou vidros do tipo cristal, 
fabricados manualmente. 
 
 
3.1.7. Logomarcas de fabricantes ou produtos 
 
Recipientes feitos manualmente até 1850/60 não costumam conter logomarcas, pois foi 
só com a difusão da garra de fixação (snap-case) que as superfícies externas das bases 
ficaram sistematicamente livres das marcas dos pontéis sem a necessidade de uma outra 
etapa – polimento – ser incluída no processo produtivo. Novamente fomos buscar um 
exemplo na Calçada do Lorena, o qual não contém sinais de pontel mas apresenta 
 25
iniciais gravadas, possivelmente indicando ou o vidreiro, ou manufatura (ZANETTINI 
1998) (Figura 10). 
 
 
Figura 10 – Base de garrafa cilíndrica, elaborada com tecnologia manual, onde estão 
impressas as iniciais“PF”. Calçada do Lorena, São Paulo (ZANETTINI 1998: 134). 
 
Mas para toda a regra, há pelo menos uma exceção. Permitimos-nos estabelecer a 
hipótese de que as incisões ou marcas em relevo – desenhos mais ou menos regulares 
do tipo quadrifólio – situadas sob a marca deixada pela extração do pontel e que estão 
quase sempre presentes nas garrafas de molde único tipo case bottles (JONES 1971), 
tratar-se-iam, de fato, de logomarcas do vidreiro ou fabricante. A literatura arqueológica 
atribui essa marca a qual nos referimos à operação de push-up mas, para realiza-la, 
tendo-se em mente as etapas de produção ainda hoje seguidas pelos artesãos, não seria 
necessário um outro instrumento: o próprio pontel, invaginando a base, serviria para o 
push up. Portanto, a marca quadrifólia poderia muito bem ser uma assinatura. 
 
Ao que parece esse sinal descrito poderá contribuir para a identificação de garrafas 
bastante comuns em solo brasileiro. Foram identificados exemplares desse tipo: no Rio 
Grande, RSix; na fortaleza de Santo Amaro da Barra Grande, em Guarujá, SPx; na já 
citada Calçada do Lorena; e foram achados dois exemplares de bases durante vistoria 
que efetuamos à convite do IPHAN para a demarcação e tombamento do arraial de São 
Francisco Xavier da Chapada (MT), erguido no primeiro quartel do século XVIII 
(ZANETTINI 1991) (Figura 11). 
 
 26
 
Figura 11 – Base de garrafa, coletada em superfície, no arraial de São Francisco Xavier 
da Chapada. O artefato foi recolhido por um dos autores durante a demarcação desse 
sítio histórico-arqueológico. 
 
Outro grande marco para o aparecimento das logomarcas, bem como da inclusão das 
assinaturas ou das referências dos produtos contidos nos vasilhames é a difusão do uso 
dos moldes, os quais podiam gravar elaboradas inscrições em milhares e milhares de 
peças. 
 
Para a identificação de logomarcas de fabricação contamos com o Glasmarken Lexicon, 
de Carolus Hartmann, publicado pela Arnoldsche Art Publishers. O catálogo exibe 3000 
logomarcas e nomes comerciais da Europa e dos EUA, abrangendo a produção vidreira 
entre 1600 e 1945. Curiosamente, a Calçada do Lorena nos legou um isolador de vidro 
para linha de transmissão elétrica cuja marca não estava contemplada no Lexicon. Esse 
fato foi comunicado pelo engenheiro Pierre Frisch aos editores do catálogo para que eles 
o incluíssem numa próxima edição. 
 
 
3.1.8. Outras características 
 
Em linhas gerais, garrafas elaboradas com sopro humano apresentam bases contendo 
grandes quantidades de vidro (pesadas, se comparadas aos produtos mais recentes); 
formatos irregulares e dissimétricos em relação ao seu eixo longitudinal. As raras garrafas 
inteiras encontradas, quando postas em pé deixam evidentes os efeitos da interferência 
humana direta na sua elaboração. No decorrer dos anos, outras técnicas de reforço da 
 27
base foram introduzidas passando a oferecer maior estabilidade aos recipientes, 
notadamente às garrafas (Figuras 12 a, b e c). 
 
 
Figuras 12 a e b – Bases de garrafas cilíndricas encontradas na Calçada do Lorena, 
apresentando fond piqué (ZANETTINI 1998: 141). 
 
 
Figura 12 c – Esquema de elaboração do fond piqué com o próprio pontel (PROSTES 
1908: 31). 
 
Outro traço característico observável em garrafas produzidas e utilizadas no decorrer dos 
primeiros séculos de nossa colonização é a "coloração" natural que exibem, 
predominando recipientes em tons e matizes diversos de verde ou âmbar, mais ou menos 
translúcidos, decorrentes de impurezas presentes na composição das areias empregadas 
(ver adiante). 
 
 28
Com base nesses atributos derivados da técnica de confecção, é possível identificar com 
relativa facilidade garrafas produzidas no exterior e postas à venda nos mercados 
coloniais a partir do século XVIII. 
 
No caso norte-americano, após quatro décadas de exaustivos estudos sobre os push-
ups, pontil-marks, marcas de moldes e sobre a tipologia das formas finais dos 
vasilhames, aos arqueólogos foi possível passar a explorar todo o potencial desses 
artefatos dentro das mais diversas abordagens teóricas. Entretanto, mais uma vez 
ressaltamos que as datas atribuídas para câmbios tecnológicos materializados nos 
artefatos manuais, precisamente conhecidas no caso das vidrarias norte-americanas ou 
inglesas, não podem ser aplicadas mecanicamente ao caso brasileiro. 
 
 
3.2. Tecnologia Mecânica 
 
3.2.1. Prelúdio: máquinas compostas 
 
No final do século XIX, na transição entre a produção industrial manual para a semi-
automação, uma série de mecanismos, já adotados há algum tempo naquela ocasião, 
foram unidos e articulados em máquinas compostas, formando um capítulo bastante 
interessante da história vidreira, mas pouco abordado pela literatura arqueológica ou 
pelos historiadores do vidro. 
 
Um exemplo desse tipo de máquina foi citado acima, a máquina descrita por Appert e 
Henrivaux em fins do século XIX e que será apresentada mais adiante. Entretanto, ao 
que tudo indica máquinas compostas existiram em praticamente todos os países e não 
eram coisas extraordinárias nas vidrarias (PROSTES 1908: 31-32). Elas eram a resposta 
para aumentar a produção e garantir o espaço dessas indústrias num mundo que ficava 
extremamente competitivo. Essas máquinas diminuíam a quantidade de mão-de-obra 
necessária no processo, mas ainda não possibilitavam o uso de operários não-
especializados, pois a fabricação continuava dependendo muito do saber fazer do 
vidreiro. 
 
 29
O reflexo material disso é a sobrevida de marcas, tais como as deixadas pelos moldes 
trifásicos, oriundas de técnicas que já não estavam mais em uso nos EUA ou Inglaterra, 
em objetos produzidos na França, Espanha, Portugal, Argentina e Brasil, dentre outros. 
 
O significado disso transcende a discussão que muitas vezes toma conta dos manuais de 
arqueologia: o avanço tecnológico e a evolução das técnicas numa seqüência normal e 
ascendente. Ora, o que está em jogo na análise de contextos arqueológicos tais como os 
brasileiros, são as relações sociais e as afinidades culturais. Apesar dos norte-
americanos e ingleses saírem à frente na produção semi-automática e automática, o que 
está expresso nos sítios arqueológicos do Brasil são o consumo de cerveja nacional e 
vinhos portugueses e franceses envasados em recipientes feitos nos países que 
produziram os respectivos conteúdos. A presença norte-americana só será sentida com 
mais força após a Segunda Guerra Mundial; até lá estaremos muito mais ligados à 
França que, para compensar sua relativa defasagem tecnológica, exportava 
eficientemente padrões culturais “de ponta”. 
 
 
3.2.2. Aspectos da produção semi-automática e automática 
 
É no decorrer do século XIX que observamos a transição do modo de produção artesanal 
para o industrial. A partir daí, mas, principalmente, nas últimas décadas do século XIX, 
que se impõem as produções semi-automáticas e automáticas, começando por EUA e 
Inglaterra, depois se espalhando pelo mundo aforaxi. 
 
Tanto a produção semi-automática quanto a automática partem do mesmo pressuposto: 
ao contrário da produção manual, a parte feita no final, o gargalo, passa a ser feita em 
primeiro lugar. Assim, a produção altamente mecanizada segue três passos (Figura 13). 
 
 
Figura 13 – Esquematização de produção automatizada (MILLER e SULLIVAN 1984). 
 
 30
1) A massa vítrea é despejada no molde do gargalo e do parison, sendo a partir daí 
moldada, ou pela pressão do ar, ou pela sucção, ou pela pressão de êmbolo (press 
blow), dando forma final ao gargalo e ao parison. O parison tem a função de distribuir a 
massa paraque ela comece a apresentar sua forma final: no caso de uma garrafa, o 
parison alonga a massa dando-lhe formato levemente cilíndrico (Figura 14); 
 
2) Ainda com o molde do gargalo fixo no mesmo, o molde do parison é removido (Figura 
15); 
 
3) O molde final junta-se ao molde do gargalo em torno do parison e então a garrafa é 
soprada, pela pressão do ar, até atingir seu formato definitivo. É a partir do molde final 
que são aplicadas as inscrições e elementos decorativos/ estilísticos que dão identidades 
exigidas por um novo contexto de mercado a cada vasilhame/ conteúdo (Figura 16). 
 
A grande diferença das semi-automáticas para as automáticas é que as primeiras 
necessitavam que trabalhadores semi-especializados as alimentassem com a massa 
derretida de vidro e as colocassem em movimento. As automáticas Owens, por exemplo, 
eram construídas sobre os tanques de derretimento da massa e possuíam mecanismos 
que dispensavam a alimentação manual, necessitando de pouco pessoal para seu 
manuseio e manutenção. Cada máquina semi-automática precisava de uma equipe de 
três operários. 
 
 31
 
 
 
As primeiras máquinas semi-automáticas apareceram na década de 80 do século XIX. 
Esse processo se iniciou com a patente da máquina semi-automática do norte-americano 
Philip Arbogast, em 1881, mas que só começou a ter participação significativa na 
elaboração de potes a partir de 1893. Quase na mesma época (1886), no Reino Unido, 
Howard Ashley também desenvolvia uma máquina semi-automática para produzir 
garrafas que, no entanto, só passou a ter expressiva parcela da produção a partir de 
1899 (MILLER e SULLIVAN 1984: 85). 
 
Mesmo com o aparecimento das automáticas Owens (patenteadas em 1903; início de 
produção em 1904), as semi-automáticas permaneceram em uso porque: 
 
1) A concessão de uso das máquinas Owens era muito cara; 
 
2) As automáticas Owens só eram rentáveis produzindo grandes quantidades, sendo que 
elas foram criadas em uma época em que as pequenas encomendas de milhares de 
 32
pequenos comerciantes, cada qual necessitando de um tipo diferente de recipiente, 
movimentavam boa parte da indústria vidreira; 
 
3) A última razão é que a demanda era tal que para atender ao mercado que ambas as 
formas de produção tiveram espaço por um certo período de tempo. Após 1904 e até a 
primeira metade da década de 1920, o sistema de automação completa passa a dominar 
nos países de ponta na produção vidreira. 
 
Os custos elevados das máquinas Owens inviabilizavam para grande parte das 
manufaturas a sua aquisição. Uma das soluções encontradas foi a de “automatizar” as 
máquinas semi-automáticas com um sistema de alimentadores automáticos (feeders), os 
quais transportavam a massa derretida até as máquinas sem a ajuda de operários. A 
partir de 1915 vemos surgir diversos desses sistemas, apesar deles serem conhecidos 
desde 1903. Entretanto, é só a partir da década de 1920 que eles começam a ocupar 
espaço no mercado, superando, inclusive, as revolucionárias máquinas Owens. É 
inclusive com o desenvolvimento dos alimentadores automáticos que começam a ser 
produzidas máquinas automáticas mais simples, com menor capacidade de produção e 
menor custo de fabricação. O desenvolvimento dos feeders foi tão importante para a 
indústria vidreira que, de acordo com estimativas de especialistas do ramo, no início dos 
anos 1970 mais de 90% da produção mundial de recipientes de vidro havia adotado essa 
inovação. 
 
Outra invenção voltada para o campo dos alimentadores, e que procurou solucionar os 
problemas da recém-criada automação, foi o desenvolvimento de um tipo de máquina 
com muitos moldes que não necessitava ser totalmente parada para que fossem trocados 
um ou alguns moldes. É no ano de 1925, que Henry Ingle, da Hartford Empire Company, 
desenvolve as máquinas I. S. (Individual Section). Nessa máquina cada seção (que era 
constituída por maquinismos que desenvolviam as três fases da produção) podia ser 
parada individualmente, sem prejudicar o funcionamento das outras. Essas máquinas 
tiveram imenso sucesso, sendo vendidas para todo o mundo: a máquina Monish, da 
empresa inglesa de mesmo nome, foi adotada em Portugal e a norte-americana Lynch foi 
adquirida por empresas brasileiras tais como a Santa Marina. Essas máquinas mais 
eficientes e mais baratas acabaram por tornar a produção automatizada predominante, 
mesmo em países periféricos. 
 
 33
 
3.2.3. Traços de confecção presentes em garrafas e frascos: alguns problemas 
 
Apesar dos equipamentos semi-automáticos e automáticos serem bastante distintos entre 
si, sobretudo do ponto de vista da divisão do trabalho e, consequentemente, do 
incremento que a segunda obteve em relação à primeira no tocante à capacidade de 
produção X custos de produção, não há marcas diferenciadas entre os objetos feitos por 
uma ou outra técnica. 
 
Recipientes feitos por qualquer um dos processos possuem: 
 
1 e 2) Uma ou duas marcas horizontais que contornam a junção do gargalo com o 
pescoço, resultante(s) do molde específico para o mesmo. Para garrafas de bebidas, tais 
como as de cerveja, essa marca pode ter sido eliminada pelo polimento a fogo. É 
importante ressaltar que essa marca, isoladamente, não indica que o recipiente tenha 
sido fabricado por qualquer uma das técnicas em questão: uma patente de 1860 deixa 
clara a presença dessa marca em artefatos feitos manualmente, mas que tiveram os 
gargalos feitos em um molde separado e depois colado ao pescoço do vasilhame. 
 
3 e 4) Marcas verticais que percorrem o corpo da garrafa do gargalo até quase a base, 
resultantes da união do molde duplo final. Podem existir marcas verticais pouco definidas, 
paralelas às deixadas pelo molde final, decorrentes das partes do molde do parison; 
 
5) E, por último, uma marca de confecção horizontal, um pouco acima da base, resultante 
da união do molde duplo do corpo a forma que define a da base (lembrem-se do contra 
senso!) (Figura 17). 
 
 34
 
Figura 17 – Marcas deixadas pelos processos semi-automático e automático em uma 
garrafa (MILLER e SULLIVAN 1984). 
 
De uma maneira geral os recipientes – íntegros e/ ou com inscrições – feitos por um ou 
outro processo só podem ser diferenciados através de catálogos de colecionadores ou 
documentação primária obtida junto aos fabricantes. Porém, existem alguns sinais 
passíveis de detecção no caso das máquinas automáticas, tais como as marcas 
características deixadas pela máquina Owens, por exemplo: uma cicatriz de formato 
circular, não alinhada com o centro da base, deixada pelas lâminas que cortam a massa 
vítrea incandescente quando o molde já está cheio. 
 
A outra marca típica dos recipientes feitos automaticamente é derivada do funcionamento 
de uma válvula: um polígono polifacetado, pouco regular, que quase pode ser confundido 
com uma circunferência, encontrado na superfície externa de bases de alguns tipos de 
potes e garrafas de leite datados entre as décadas de 1930 e 1950. 
 35
 
Finalmente, contamos no caso brasileiro com uma mudança tecnológica recente que 
elimina uma tênue marca deixada no corpo das garrafas produzidas automaticamente, 
gerando uma perturbação na superfície dos recipientes denominada pressed-band plow. 
A tecnologia Nero-Neck foi recentemente adquirida pela CIV e também adotada pela 
Saint Gobain e CISPER. Esse avanço, ainda não contemplado pela literatura 
arqueológica, oferece-nos desde já uma marcação para a diferenciação de garrafas 
automáticas feitas antes e depois do final da década de 1990. Assim, quem sabe, num 
futuro próximo, as chamadas “áreas perturbadas por acúmulo de entulho” poderãoser 
melhor situadas no tempo... 
 
 
Figura 18 – Tinteiro, frasco e garrafas encontradas em assentamentos de populações 
tradicionais litorâneas em Sauípe, BA (ROBRAHN-GONZÁLEZ e ZANETTINI 1997). 
 
 
3.2.4. Formas, cores e vedações: estandartização da produção 
 
No final do século XIX, no que tange a diversidade de formas, cores e vedações, o 
quadro delineado era o seguinte: qualquer negociante que desejasse possuir o seu 
 36
recipiente com formato exclusivo, mesmo que em pequenas quantidades, poderia obtê-lo. 
Contava também com várias alternativas de vedação para os recipientes, mas não 
dispunha de uma grande gama de cores, uma vez que as vidrarias dependiam muito de 
circunstâncias naturais – areias com maior ou menor grau de impurezas – ou do 
acréscimo de minerais pouco estáveis, tais como o magnésioxii. 
 
A produção obtida com tecnologia manual era flexível o bastante para acomodar os 
desejos de diversos pequenos empresários, independentemente das quantidades 
encomendadas ou da qualidade do produto. Com a semi-automação e, principalmente, 
com a automação, esse quadro muda forçosamente. 
 
O desenvolvimento desses processos de produção não é um sintoma isolado, próprio da 
indústria vidreira. Os outros ramos industriais também se automatizavam a fim de suprir 
as demandas cada vez maiores. As fábricas de processamento de alimentos e de 
bebidas investiam em tecnologia, tornando a produção mais rápida. No entanto, com a 
automação, perdia-se a capacidade de diversificar. As pequenas demandas eram 
eliminadas em detrimento dos grandes pedidos por vasilhames uniformes. 
 
Dentro desse quadro de estandartização global é que vemos a indústria vidreira 
simplificar as formas de seus produtos, eliminar boa parte das vedações possíveis, e se 
render ao vidro incolor para uma grande parcela de embalagens. No final do século XIX e 
início do XX, bastava aos negociantes desejosos em obter seus recipientes exclusivos, 
com dizeres e tamanhos específicos, enviar às vidrarias uma cópia de seu sonho 
entalhada em madeira. Para aqueles que não tivessem dinheiro suficiente para adquirir 
seus moldes exclusivos, as fábricas davam a opção de utilizar moldes padronizados aos 
quais eram acoplados dizeres tais como o nome do fabricante e o local de fabricação do 
produto (plate molds). Com a chegada da automação, o número de vidrarias que 
realizava esse serviço diminuiu. As únicas que atendiam essa parcela do mercado eram 
as poucas fábricas manuais sobreviventes, que por sua vez continuaram mais um tempo 
no páreo justamente porque atendiam aos pedidos exclusivos... ou bizarros. 
 
Apesar desse sopro de vida, nos EUA, no decorrer dos anos 1920, quase já não mais 
existiam fábricas que produzissem pequenas encomendas de recipientes específicos, 
podendo contar com modelos exclusivos apenas as grandes empresas tais como a Coca-
Cola e a Heinz, já que suas encomendas excediam a casa das 14.400 garrafas, faixa 
 37
mínima da produção automática. Os pequenos compradores tinham que se contentar 
com os recipientes "standard", diferenciando seus produtos com rótulos de papel. 
 
Uma das razões que determinou o desaparecimento dos recipientes exóticos foi a 
elevação dos custos para se fabricar os conjuntos de moldes das semi-automáticas e 
automáticas, compostos por três moldes distintos: o do gargalo, o do parison e o final, 
isso para cada tipo e para cada tamanho. 
 
Outra razão deriva das exigências do mercado industrializado: produção seriada, sem 
perda de tempo com a troca dos moldes. As máquinas Owens, que dominaram absolutas 
o mercado até os anos 1920, eram imensas e produziam grandes quantidades. Se 
apenas um molde tivesse que ser trocado, toda a máquina deveria ser parada. Daí, até o 
molde e a máquina entrarem em sintonia, produzindo poucas peças rejeitáveis, ter-se-ia 
desperdiçado um tempo precioso para o fabricante. 
 
Além dos períodos de ajustes causarem peças de qualidade duvidosa, certos formatos de 
recipientes geravam grande quantidade de produtos defeituosos, tais como os 
quadrangulares ou os facetados. O domínio absoluto dos continentes cilíndricos se deu a 
partir dessa condição da automação, sem contar as possibilidades de melhor 
armazenamento, manuseio e transporte derivadas da ausência de arestas e cantos. 
 
Mesmo no caso dos continentes cilíndricos, pequenas alterações das formas dos 
produtos estandartizados também eram um problema para os fabricantes, pois elas 
gastavam de 10 a 20% mais material, o que encarecia a produção e o produto final. 
 
Além desses fatores inerentes à produção vidreira de larga escala, havia a pressão dos 
fabricantes dos conteúdos para que fossem produzidos recipientes mais fáceis de serem 
adaptados aos mecanismos das ações pré-envasamento: os continentes tinham que ser 
lavados, rotulados, pasteurizados, vedados, etc., em larga escala, o que envolvia a 
colocação dos mesmos em outras máquinas, as quais deveriam estar ajustadas aos 
diferentes tamanhos e formatos. Com a normatização dos recipientes essas tarefas foram 
simplificadas, até certo ponto. 
 
No caso das vedações esse processo é bem nítido: na produção manual existiam 
diversos tipos de vedações, utilizadas nos inúmeros formatos e tamanhos de recipientes. 
 38
Com o aparecimento de máquinas semi-automáticas e automáticas e a estandartização 
das formas dos recipientes, foram desaparecendo as tampas mais exóticas e se 
consagraram as mais adaptáveis aos processos de confecção do vidro e de produção de 
vedações em larga escala, na qual deveria prevalecer um encaixe preciso da tampa no 
recipiente repetido milhares de vezes, sem variações. Na seleção automática das 
vedações triunfaram as tampas de rosca, não importando a matéria-prima (alumínio, 
plástico, etc.), as chapinhas metálicas (crown cap, patente inglesa de 1892) e as sempre 
presentes rolhas. 
 
Tendo em vista os fatores acima mencionados podemos traçar um quadro das mudanças 
dos formatos dos recipientes. Primeiramente a produção em larga escala utilizou-se dos 
antigos formatos, mais populares, mas concebidos para os recipientes feitos à mão, 
fazendo com que os velhos e impopulares tipos fossem gradualmente desaparecendo na 
medida em que também desapareciam as vidrarias manuais. Com o desenvolvimento da 
automação e o aumento da competição entre as indústrias, esses formatos 
conservadores de grande sucesso passam a ceder espaço aos novos tipos, concebidos 
já dentro de um espírito artístico apropriado à produção em larga escala. No caso dos 
EUA, as inovações estilísticas começam a aparecer no final dos anos 1920, início dos 30, 
sofrendo um declínio a partir da Segunda Guerra. Na indústria brasileira, manifestações 
de design especificamente industrial surgiram somente a partir da década de 1950. 
 
No final do milênio passado e no início deste, a embalagem constitui um elemento chave 
na construção de um produto final. A título de exemplo tomemos a multinacional Coca-
Cola. Fabricantes e produtores de embalagem vêm se dedicando há alguns anos à busca 
de soluções técnicas e econômicas capazes de reverter a forma tradicional de envase 
desse produto em alumínio, de forma a aplicar à lata o quase centenário vasilhame de 
vidro, permitindo uma associação imediata ao conteúdo. Mais do que nunca, a 
manutenção de formas perceptíveis para determinados conteúdos se torna fundamental 
para a própria sobrevivência de produtos num mercado de grande escala, voraz e 
competitivo. Haja vista o sal de fruta Eno, o Biotônico Fontoura, o Leite de Magnésia de 
Phillips e assim por diante. Em todos esses casos o vidro se mostrou, nas últimas 
décadas, menos competitivo, sendo substituídopor embalagens plásticas. Porém, os 
formatos originais dessas panacéias de amplo consumo tiveram que obrigatoriamente ser 
mantidos. 
 
 39
Quanto às cores dos recipientes, ocorre uma mudança drástica. O predomínio do 
transparente é indiscutível, ficando as outras cores reservadas para produtos que não 
poderiam ser tão expostos à luz solar – caso dos vinhos tintos e cervejas em geral – ou 
aqueles que já tinham uma imagem de produto definida junto ao público consumidor, 
como no caso do frasco azul do Leite de Magnésia de Murray do começo do século XX, 
substituído pelo de Phillips. 
 
Com o incremento da indústria de processamento de alimentos, sobretudo durante as 
décadas de 1950-1970, os fabricantes se devotaram à produção de continentes cada vez 
mais translúcidos e/ ou transparentes, ampliando a visualização do produto, assim 
percebida pelo consumidor como garantia da qualidade e integridade daquilo que foi 
envasado – muito embora existam perigos ocultos pela boa aparência. Entretanto, no 
início da automação da indústria vidreira, os métodos à disposição dela não eram 
eficientes o bastante para gerar produtos de qualidade em larga escala. 
 
A cor do vidro é determinada pela quantidade de impurezas – óxidos metálicos, 
principalmente o de ferro – presentes em grande parte das areias. Dependendo da 
saturação, os vidros variam de verde a âmbar. Antes da era da automação o vidreiro 
tinha algumas alternativas para lidar com as cores de seus produtos: 1) aceitar a cor que 
resultara da fusão, seja ela qual for; 2) clarear a massa através de uma melhor oxidação; 
3) mascarar os efeitos das impurezas ferrosas com outros óxidos metálicos, como o 
cobalto, por exemplo; 4) utilizar areias com o mínimo de ferro possível – solução mais 
adotada; e, por último, 5) neutralizar um verde claro com o púrpura claro ou rosa do 
magnésio (primeiro a ser utilizado) ou do selênio (que começou a ser utilizado por ser 
mais estável e mais fácil de se trabalhar nas máquinas). É só com a aplicação do selênio 
que a produção automática em larga escala de recipientes incolores ganha a qualidade 
necessária. Anteriormente, com a aplicação do magnésio, elemento instável, os artefatos 
que ficassem expostos ao sol por muito tempo tendiam a adquirir tonalidades de púrpura, 
retornando a sua coloração inicial. 
 
 
3.2.5. Comentários finais 
 
No âmbito do mundo capitalista a difusão do vidro está diretamente relacionada à 
burguesia, que adota o vidro para si com grande entusiasmo, difundindo-o já na fase 
 40
avançada da primeira Revolução Industrial, com o desenvolvimento da navegação a 
vapor e, sobretudo, com a ferrovia. 
 
No decorrer do século XIX as vidraças e clarabóias invadiram não só os palácios, como 
as edificações urbanas européias e brasileiras, respondendo no âmbito doméstico e no 
universo do trabalho a novos processos de intermediação, amplificando ou mascarando a 
comunicação nas áreas das cidades, permitindo um novo relacionamento diuturno de 
uma classe em ascensão com os espaços de caráter público e seu domínio sobre eles. 
Ruas e praças exigiram o uso de mangas de vidro para a proteção das chamas das 
luminárias, que por sua vez garantiam o controle e manipulação dessas áreas à distância, 
sem a necessidade da constante presença física de um guardião da ordem. Dentro das 
residências cortesãs, os frascos de perfumes, as colônias, remédios e panacéias 
destacam novos padrões de higiene; novos modos e rituais à mesa passam a ser 
pontuados, integrando a louçaria à vidraria: cálices e copos, cada qual para uma bebida; 
as próprias bebidas, cada uma num tipo de continente; os potes, trazendo novos hábitos 
e sabores do além mar, assegurando aos artefatos de vidro sua posição e função no 
mundo burguês ou, no caso do Brasil, no mundo aburguesado. Essa temática é 
minuciosamente perseguida e explorada há mais de uma década pela arqueóloga Tania 
Andrade Lima (1997, com referências anteriores) e, mais recentemente, pela nova safra 
de pesquisadores sul-riograndenses, tais como Symanski (1998a; 1998b). 
 
Mas esse domínio burguês sobre as propriedades do vidro, que veio com a 
industrialização, também se vai com ela, na esteira da ascensão do processo produtivo 
automático: a massificação do uso de artefatos de vidros torna-o banal para garantir o 
controle da burguesia sobre o povo miúdo em geral. No caso brasileiro essa 
popularização do vidro se dá com um descompasso de praticamente meio século em 
relação aos países industrializados, apresentando vigor somente no decorrer do século 
XX, mais precisamente após a Segunda Grande Guerra. 
 
Tendo em vista esse processo apresentamos a seguir algumas referências para a 
constituição de uma história do vidro no Brasil e suas relações com a produção 
internacional, tema que será explorado com maior propriedade em novo artigo. 
 
 41
4. REFERÊNCIAS PARA UMA HISTÓRIA DO VIDRO NO BRASIL 
 
4.1. Primórdios 
 
O vidro chega ao Brasil juntamente com os primeiros colonizadores europeus. Uma das 
mercadorias utilizadas no escambo com o indígena eram as famosas miçangas feitas de 
vidro, das quais alguns exemplares foram encontrados no sítio de contato interétnico 
Mineração, em Iguape, litoral sul de São Paulo (Figura 19). 
 
 
Figura 19 – Contas de vidro encontradas no sítio Mineração, Iguape, SP pela equipe da 
arqueóloga Maria Cristina M. Scatamacchia no início da década de 1990 
(SCATAMACCHIA 1994). Escala desconhecida. 
 
A manufatura das miçangas é feita da seguinte maneira: um bocado de massa de vidro, 
após ser apanhado do cadinho é furado no meio; depois é pregado um pontel numa das 
extremidades e essa massa é estirada até formar um tubo de vidro comprido, mas com 
diâmetro muito reduzido. Esse tubo é seccionado e os pedaços, por sua vez, são 
cortados em pedacinhos menores ainda, de acordo com o que se quer fazer – contas ou 
miçangas cilíndricas. Os pedacinhos de vidro são então colocados dentro de tubos de 
metal cheios de argila e pó de carvão para que os furinhos não se fechem com o 
reaquecimento. Esses tubos são fechados nas extremidades e levados ao fogo, quando 
imprime-se movimentos de rotação a eles de forma que os objetos lá dentro percam as 
arestas. Após esse processo os artefatos perdem o brilho, que é recuperado com a 
imersão dos mesmos sucessivas vezes em recipientes com areia e em recipientes com 
sêmea (flor da farinha) (PROSTES 1908: 88-89). 
 
A importância da fabricação das contas e miçangas e do uso delas nas trocas com os 
indígenas do Brasil quinhentista ainda é um assunto pouco abordado nos trabalhos de 
arqueologia, mas sua importância deve ter sido vital para a conquista/ colonização de 
novas terras, uma vez que o próprio Pedro Prostes, já em pleno século XX, cita o valor 
 42
que as contas, vidrilhos e miçangas possuíam no comércio com as colônias africanas de 
Portugal. 
 
Avançando um pouco mais no tempo, contamos com referências a objetos de vidro nos 
inventários de paulistas do final do século XVI e início do XVII, mas a verdade é os 
expoentes mais elevados da capitania contentavam-se com a posse de apenas um ou 
dois cálices de vidro (LEVY 1943: 214; BRUNO 1974). 
 
A primeira tentativa de produção de vidro em solo colonial brasileiro se dá em 1637, sob o 
domínio holandês. Com a chegada do Governador Geral Maurício de Nassau, instalam-se 
em Olinda e Recife quatro artesãos que confeccionavam copos, frascos e vidros para 
janelas. Entretanto, com a expulsão dos holandeses, em 1654, eles são obrigados a 
encerrar as atividades e acompanhar seus patrícios (SANDRONI 1989: 39). 
 
Nos primeiros 250 anos da ocupação européia no Brasil, o usodo vidro parece ter sido 
bastante restrito – com exceção do período de domínio holandês. Maior uso do vidro só 
vamos encontrar a partir do auge da exploração aurífera, nas Minas Gerais. Em 1752, 
quase 50 anos depois da fundação de Mariana, chegam inteiros vidros para ornar a nova 
catedral. E em 1756, vidro plano é utilizado na construção do palácio dos Governadores, 
na hoje chamada cidade de Ouro Preto (SANDRONI 1989: 42). Com uma utilização mais 
freqüente desse material, não é de se estranhar que, no final do século XVIII, existisse 
uma corporação de vidreiros em Minas Gerais (LEVY 1943: 216). 
 
Na cidade do Rio de Janeiro, que a partir de 1763 se tornou capital do então recém 
estabelecido Vice-Reino do Brasil, o uso do vidro passa a ser difundido pelos altos 
estratos sociais, agora mais ligados aos refinamentos do gosto europeu. 
 
Como conseqüência da elevação à capital, mais impulsos à utilização do vidro foram 
dados no período de 1790-1801, quando a iluminação pública com óleo de baleia começa 
a ser instalada no Rio de Janeiro. Para proteger a chama das luminárias, utilizam-se 
quebra-luzes de vidro (SANDRONI 1989: 53). 
 
Mas a grande difusão do uso do vidro só viria a partir de 1808, com a chegada da família 
real portuguesa, a abertura dos portos e a revogação da proibição à instalação de 
manufaturas no Brasil (1785). Entretanto, há que se trabalhar melhor essa afirmação 
 43
através da investigação dos sítios arqueológicos brasileiros que elucidem o papel do 
contrabando nos hábitos e no comportamento da sociedade colonial. Talvez o uso maciço 
do vidro no Brasil recue alguns anos... 
 
Com relação à origem de fabricação, as garrafas encontradas no Brasil, trazidas 
primeiramente e oficialmente pelas embarcações portuguesas durante os séculos XVIII e 
XIX, acredita-se que devem ter sua origem de fabricação em diversas manufaturas 
européias, sobretudo, da França, Inglaterra, Alemanha, possivelmente também Bélgica e 
Áustria, abrigando em seu interior produtos portugueses ou diretamente relacionados ao 
país de origem de fabrico do recipiente. Um exemplo dessa situação é fornecido pelo 
excerto a seguir. 
 
Um anexo à carta de Henry Hill (adido comercial norte-americano no Brasil) a James 
Madison (17/11/1809), traz uma lista da quantidade e dos tipos de artigos exportados dos 
EUA para Salvador e para a Corte, da quantidade de dinheiro gerado por estas 
mercadorias comercializadas, a aceitação delas nesses mercados e a aceitação dos 
mesmos tipos de produtos manufaturados de outros países: 
“Artigos de vidro ............Vende-se qualquer quantidade de artigos alemães de qualidade 
inferior, variados, quebra luzes para castiçal, copos 
pequenos para vinhos, frasqueiras de baixo preço, 
espelhos quadrados e redondos com moldura dourada, 
espelhos para penteadeiras, outros com moldura em 
papier maché, de 6, 12 ou 18 polegadas” (WRIGHT 1978: 
216). 
 
Esse exemplo mostra como seria difícil a criação de uma indústria nacional, mas também 
deixa patente as dificuldades de Portugal em impor sua parca produção aos mercados 
coloniais. Além disso, apesar de antiga, a produção vidreira portuguesa ganhou 
significação apenas no final do século XVIII, com a instauração da Real Fábrica de Vidros 
da Marinha Grande (Atual Fábrica-escola Irmãos Stephens), dirigida pelos membros da 
família inglesa Stephens (MENDES 1992), devendo-se a "esta indústria a preparação da 
mão-de-obra vidreira portuguesa" (MEMÓRIAS 1815: 270). 
 
Nesse sentido, acreditamos que garrafas produzidas em Portugal somente devem ter 
passado a afluir com freqüência no decorrer do século XIX, concorrendo em nítida 
 44
desvantagem com as demais vidrarias européias, sobretudo, as francesas, tal qual se 
observou, por exemplo, na Calçada do Lorena. 
 
 
4.2. O vidro no Brasil a partir do século XIX 
 
Apesar de pouco estudada pelos autores que tratam da industrialização brasileira, a 
indústria do vidro está entre os ramos industriais que apresenta crescimento contínuo 
durante este processo que, grosso modo, inicia-se com a vinda da família real 
portuguesa, em 1808. Desde os primórdios do século XIX até hoje, a produção de vidro 
só tem crescido em volume, apesar da ameaça recente dos recipientes feitos com 
derivados de petróleo. 
 
Dentro desses quase 200 anos de produção vidreira brasileira podemos estabelecer três 
períodos distintos: 
 
A – O primeiro, circunscrito entre o início do século XIX até 1890/1900; caracterizado 
pelas iniciativas pioneiras, a descoberta de jazidas de areias livres de metais pesados, a 
importação e especialização de mão-de-obra e produção exclusivamente manual. 
 
B – O segundo, de 1890/1900 até 1940/50; quando se destaca a consolidação da 
indústria vidreira através da criação de grandes fábricas tais como a Santa Marina, a 
CISPER e a Nadir Figueiredo. Caracteriza-se esse período também pela importação de 
tecnologia de ponta e a distribuição maciça de produtos através da navegação de 
cabotagem, da rede ferroviária em franca expansão e da rede rodoviária em criação. 
 
C – E o terceiro, de 1950 até o presente, por nós vivenciado, correspondendo à fase de 
consolidação da produção vidreira na forma de oligopólios mundiais, como a Saint 
Gobain (FRA) e a Corning (EUA), sendo a produção dessas empresas altamente 
automatizada, atendendo somente às grandes encomendas, contando com amplo 
sistema de distribuição. 
 
Mas, torna-se necessária uma ressalva: 
 
 45
A chegada de tecnologia de ponta, da semi-automação e da automação não elimina por 
completo a produção manual, processo desenrolado muito rapidamente nos EUA e no 
Reino Unido. Aliás, como veremos adiante, essa é uma característica da indústria vidreira 
dos países que mais comerciavam com o Brasil, tais como Portugal. 
 
Dessa forma, falar em atraso da indústria vidreira brasileira é se entregar a uma 
conclusão precipitada, da mesma forma que também o seria classificá-la como uma das 
integrantes do grupo chefe, já que aqui vivenciamos apenas surtos de modernização 
consoantes àqueles percebidos pelas nações dominantes. 
 
São tratados a seguir os dois primeiros períodos da produção nacional a partir de três 
parâmetros básicos: a produção, a distribuição das mercadorias e o consumo. 
 
 
4.2.1 Primeiro Período (1808 – 1890/1900) 
 
Produção 
 
Tendo jazidas de areia em abundância, madeira para aquecer os fornos (sendo que suas 
cinzas forneceriam a potassa e a soda) e cal a vontade, os fabricantes dependiam 
apenas da terra refratária vinda do exterior. Mas esta última, utilizada para a confecção 
dos cadinhos nos quais seriam misturadas e derretidas as matérias-primas, era um dos 
insumos essenciais. Somente esses potes, confeccionados com esse material especial, 
suportariam as altas temperaturas dos fornos e, mesmo assim, eles precisavam ser 
substituídos a cada oito semanas porque também se transformavam em vidro. Seu custo 
de reposição era alto, sendo que sua confecção demorava pelo menos oito meses. 
Grande parte das tentativas fracassadas, no século XIX, devem-se a esse fator (POLAK 
1997: 8). 
 
 
Mão-de-obra 
 
Ao longo de toda a história da indústria vidreira no Brasil, necessitou-se de mão-de-obra 
estrangeira, ou para alavancar a produção, ou para aperfeiçoá-la. 
 
 46
Mas nesse primeiro momento, conhecimento estrangeiro não era sinônimo de introdução 
de técnicas de ponta na produção nacional. A revolução industrial e seu modo de 
produção seriado e em larga escala, somado ao desenvolvimento dos meios de 
transporte impulsionados pelo vapor, proporcionaram um aumento considerável no poder 
de produção e

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