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Saúde Coletiva Editorial Bolina editorial@saudecoletiva.com.br ISSN (Versión impresa): 1806-3365 BRASIL 2008 Odete Santelle ANTROPOLOGIA E ALIMENTAÇÃO Saúde Coletiva, janeiro-fevereiro, año/vol. 5, número 026 Editorial Bolina São Paulo, Brasil p. 231 Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe, España y Portugal Universidad Autónoma del Estado de México http://redalyc.uaemex.mx Santelle O. Antropologia e Alimentação Saúde Coletiva 2008;05 (26):231 231 ensaios em saúde coletiva O estado de saúde ou de doença pode decorrer da qualidade e da quantidade de alimentos ingeridos em cada fase da vida. Através da alimentação é possível reconhecer traços culturais dos indivíduos, pois os hábitos alimentares das pessoas são de- finidos pelos alimentos que lhe são historicamente disponíveis em uma dada região geográfica e que irão compor a sua cultu- ra alimentar. É de Brillat-Savarin1 a afirmativa: “Dize-me o que comes e te direi quem és”. A alimentação é um processo voluntário e consciente, influen- ciado por fatores culturais, econômicos e psicológicos, mediante o qual, cada indivíduo consome um elenco de alimentos para atender às suas necessidades biológicas de nutrição2. Em situação de aces- so insuficiente de energia e nutrientes providos pela alimentação, estabelecem-se condições para o aparecimento de doenças por ca- rência de nutrientes. Ao contrário, quando a oferta e o consumo de alimentos excedem as exigências biológicas, estabelecem-se con- dições para o aparecimento de doenças produzidas pelos excessos nutricionais, a exemplo da obesidade e suas conseqüências. Do comer para sobreviver ao prazer De saborear A alimentação como um fenômeno social, vai além da dimen- são biológica do comer para viver, pois está impregnada de sig- nificados3. Desde o século passado, estudiosos da antropologia têm dedicado um olhar científico sobre a alimentação humana e sua evolução, num esforço para mostrar a transição entre o comer para sobreviver, nos primeiros séculos, para o prazer de saborear preparações requintadas nos dias atuais, identificando que, quando não há urgência de satisfazer a fome para garantir a sobrevivência, o homem tende a fazer opções e revestir a ali- mentação de simbolismos4 . Vale lembrar a presença de alimen- tos tidos como marcadores de eventos sociais, como o bolo de aniversário, o chocolate da páscoa, a ceia de natal e tantos ou- tros. As comidas cotidianas escondem histórias e valores liga- dos ao ser psíquico e ao social, já que a primeira aprendizagem social da criança está intimamente ligada à alimentação, pois seu comportamento alimentar é submetido a condicionantes fi- siológicos cujo atendimento depende do condicionante social representado pelo contato com a mãe. Após o desmame vem o aprendizado da alimentação “normal”, ensinando o pequeno homem a amar o alimento que é bom na sua cultura. Assim, a comida desejada e apreciada, é aquela definida através da vivência familiar e social, o que leva a crer que, ao comer, o homem interioriza valores da sua cultura e exterioriza compor- tamentos definidos pelo meio social onde cresceu5. Para Valen- te 6, quando as pessoas comem, elas não apenas atendem as suas necessidades nutricionais, mas também se constroem e se potencializam como seres humanos em suas dimensões orgâni- cas, intelectuais, psicológicas e espirituais. Antropologia e Alimentação alimentação traDicional e a saúDe O estudo das práticas alimentares de diferentes povos tem iden- tificado alguns padrões de dietas saudáveis, como por exemplo, a dieta praticada pelas populações que vivem na região do Mar Mediterrâneo. Ocorre, porém, que essas dietas não podem ser re- comendadas como modelos a serem aplicados em outras regiões, pois isso implicaria em mudanças estruturais na culinária da cul- tura receptora, o que torna inviável a prática de dietas importadas de outras realidades. Cada estrutura culinária é única, e resulta da evolução social e cultural dos povos e regiões. Garcia7 concorda que as práticas culinárias tradicionais, consolidadas historicamen- te, mantém a alimentação mais estruturada e garante dessa forma uma maior proteção à saúde quando se considera o advento das doenças crônicas não transmissíveis que, geralmente, acompa- nham as mudanças trazidas pela modernidade, no modo de viver e de se alimentar nas grandes cidades. Falando em práticas culi- nárias nativas, o Brasil apresenta uma significativa diversidade de práticas alimentares, em função de sua extensão territorial. A culinária da região norte é brindada por uma grande variedade de peixes e frutos exóticos, o centro oeste apresenta como prato tí- pico, o arroz com pequi, o nordeste é premiado com a feijoada e o acarajé. Seguindo pelas Minas Gerais encontra-se grande em diversidade de queijos e doces de frutas em calda, no sudeste a pizza marca presença nos encontros de amigos e no extremo sul o churrasco aparece como prato principal dos finais de semana. Contudo, o nosso tradicional “feijão com arroz” está presente des- de o Norte até o Sul, marcando a identidade da culinária brasilei- ra. O consumo desse prato deve ser incentivado, tanto para a pre- servação da cultura alimentar brasileira, como para a garantia de um excelente aporte de energia, proteínas e fibras fornecidas por esses alimentos, melhorando a disposição para a saúde de brasi- leiros abastados ou daqueles menos favorecidos economicamente. Este ensaio aborda aspectos culturais da alimentação huma- na.Descritores: Alimentação, Culinária, Cultura. This assay approaches aspects cultural of the feeding human being. Descriptors: Feeding, Culinary, Culture. Este ensayo acerca a los aspectos culturales de la alimenta- ción humana. Descriptores: Alimentación, Culinaria, Cultura. odete santelle Nutricionista. Mestre em Saúde Pública. Coordenadora do Curso de Nutrição do Centro Universitário Adventista de São Paulo. odete.santelle@unasp.edu.br 1. Brillat-Savarin J-A. A fisiologia do gosto. São Paulo: Schwarcz; 1999. p. 15. 2. Batista Filho M. Alimentação, nutrição e saúde. In: Rouquayrol MZ, Almeida Filho N. Epidemiologia e saúde. Rio de Janeiro: Medsi; 1999. p. 353-74. 3. Maciel ME. Cultura e alimentação ou o que tem haver os macaqui- nhos de Koshima com Brillat-Savarin? Horiz Antropol. 2001;16:145-56. 4. Berrini B. Eça de Queiroz e os prazeres da mesa. Rio de Janeiro: Edi- tora Index; 1995. p. 17. 5. Poulain JP, Proença RPC. O espaço social alimentar: um instrumento para o estudo dos modelos alimentares. Rev Nutr. 2003;16:145-56. 6. Valente FLS. Direito humano à alimentação: desafios e conquistas. São Paulo: Cortez; 2002. 7. Garcia RWD. Dieta mediterrânea: inconsistências ao se preconizar modelos de dieta. Cad Debate. 2001;8:28-36. Referências
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