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Interpretação das normas procedimentais

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DA INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS PROCEDIMENTAIS 
 
FERNANDO BARROSO DE DEUS 
Pós Graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Federal Fluminense 
Professor de Direito Processual Civil da 8ª Subseção da OAB/RJ 
Advogado do município de São Gonçalo/RJ. 
 
SUMÁRIO: 
 
Introdução; 1. Normas para o Processo e normas sobre o Processo; 2. Normas procedimentais 
e processuais, da técnica operacional à orientação geral; 2.1 Normas processuais (sobre o 
processo); 3.2 Normas procedimentais (para o processo); 3. Da interpretação das normas 
procedimentais; 4. Da execução fiscal e a necessidade de se garantir o juízo para embargar, 
após a edição da lei 11.382 de 6 de dezembro de 2006. 
 
Introdução: 
 
Diversas são as hipóteses de interpretação normativa previstas na doutrina: 
teleológica, gramatical, histórica, comparada, inúmeras formas que, cada qual com sua 
especificidade, apresentam vantagens e desvantagens ao intérprete do direito. 
Todavia, embora a variedade apresentada seja esclarecedora, tanto a academia quanto 
a jurisprudência já se decidiram pela supremacia da interpretação teleológica frente às demais 
hipóteses interpretativas. 
Em que pese os argumentos, que não são poucos, invocados a favor da tese acima 
mencionada, acreditamos que frente a normas estritamente procedimentais, melhor seria, em 
um primeiro momento, perceber o texto em sua linguagem literal, para só depois, em uma 
segunda análise, observar o seu entendimento dentro de um plano sistemático. 
No entanto, para o assunto em questão, certamente um ou outro ponto periférico 
precisará ser definido. O primeiro deles, acreditamos, será a demarcação de critérios possíveis 
 
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de delimitação conceitual. Neste sentido, tentaremos traçar balizas e extremidades, através de 
um juízo de segurança mínimo, capaz de decidir se tais normas são eminentemente 
processuais, ou se pelo contrário, são predominantemente procedimentais. 
 Outro ponto preliminar, e que na verdade detém coligação com o tópico anunciado 
no parágrafo supra, data de debate anterior à definição pretendida. Em outras palavras, antes 
mesmo de demarcarmos o campo de correspondência de cada norma, precisaremos debater se 
tal estancamento é realmente possível, a ponto de com certo grau de estabilidade ser 
cientificamente constatado, ou se, a rigor, deve ser encarado como utopia, e aceito como 
simples conveniência acadêmica. 
 
1. Normas para o Processo e normas sobre o Processo: 
 
Dentro dos estudos processuais, praticamente nenhum fenômeno se apresenta de 
forma isolada. O processo, como ente complexo que é, não prescinde de certo rigor 
cronológico para que seja compreendido e organizado. 
Todavia, um estancamento, uma definição pura de cada ato processual, sem que de 
alguma forma tenha este ato alguma ligação com a etapa que o precede, nos parece mesmo 
utopia, ou quando muito, algo de difícil visualização.1 
Da mesma forma, todo ato que se apresente, a rigor, em um sentido mais direto, ou 
seja, com uma determinação mais específica, de restrita interpretação, toca, de uma maneira 
ou de outra, preceitos de ordem mais ampla, verdadeiras regras gerais de orientação. 
 
 
1
 “Do exposto no item anterior infere-se que o procedimento, no primeiro grau, deve comportar essencialmente 
uma atividade postulatória, uma atividade instrutória ou probatória e uma atividade decisória. Pode conceber-se, 
in abstracto, um esquema de procedimento em que para cada qual dessas atividades se reserve uma etapa 
nitidamente diferenciada. Na prática, todavia, considerações várias de política legislativa conduzem à atenuação 
desse rigor estrutural. O exame dos modelos conhecidos no direito moderno evidencia que, se em geral se podem 
distinguir no itinerário processual diversas etapas, correspondentes ao tipo de atividade acima indicados, a 
caracterização de cada uma delas antes se liga à predominância que à exclusividade do respectivo exercício. Ter-
se-ão assim uma fase predominantemente postulatória, uma etapa predominantemente instrutória e uma etapa 
predominantemente decisória”. MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição 
sistemática do procedimento. Ed. Rev. E atual. Rio de Janeiro, Forense, 2007. P. 5 
 
 
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Assim, quando se impõe que determinado recurso só poderá ser manejado após o 
cumprimento de certa exigência formal, ou ainda, exigindo que os embargos do executado 
fundados em excesso de execução venham acompanhados de planilha de cálculo, 
provavelmente assumiu o legislador o risco pontual de, em algumas ocasiões, não poder o 
devedor cumprir com esta obrigatoriedade.2 
Entretanto, ainda que dificilmente se encontre uma ocasião onde uma norma de 
orientação e uma regra de operacionalização não se influenciem mutuamente, pode-se chegar 
com certa firmeza a critérios tanto quanto seguros de diferenciação entre uma e outra. 
A velha dicotomia processo e procedimento, portanto, em seu aspecto prático, deve ser 
observada nestas situações do dia a dia, onde uma norma para ser interpretada, necessite, 
primeiro, ser classificada entre estes dois pólos – de orientação ou operacionalização prática – 
para depois, só após tal análise, lançar mão o intérprete da melhor técnica interpretativa no 
exame da questão. 
 
2. Normas procedimentais e processuais, da técnica operacional à orientação geral: 
Acreditamos ser funcional, para uma melhor definição de quais normas seriam 
estritamente procedimentais e quais normas seriam regras gerais de processo, estabelecer um 
ponto de partida, qual seja, o quão se liga a lei a uma exigência estritamente técnica, aplicada 
como requisito de irretocável observância para que determinado ato processual seja válido 
(como por exemplo, o artigo 239 e § ú do Código de Processo Civil), ou o quanto corresponde 
esta regra ao processo como um todo, independente de etapas ou fases. 
Logicamente que para uma escolha, ainda que meramente técnica, muito 
provavelmente se valeu o legislador de alguma motivação mais abrangente. Por exemplo, se 
exige que o recurso de agravo, para ser analisado de maneira imediata, seja interposto 
acompanhado de instrumento3 (artigo 525 do CPC) é porque, via de regra, este recurso não 
 
2
 Sobre o assunto, ver o que escrevemos em Memória de cálculo e embargos do executado pela mitigação da 
exigência. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2197, 7 jul. 2009. Disponível 
em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=13108>. Acesso em: 17 jul. 2009. 
 
3
 Assim escrevemos na Revista Dialética de Direito Processual nº 62, na nota de rodapé nº 12 “(...) Equivocada, 
pois não é ‘por’ instrumento que se interpõe o agravo e sim ‘com’ ou ‘acompanhado de’ instrumento. A 
expressão ‘por’ dá uma idéia de ‘por intermédio do instrumento’, como se as cópias anexadas à petição do 
 
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deve ser recepcionado em seu efeito suspensivo. Neste caminho, como sempre é utilizado em 
face de uma decisão interlocutória, para que o processo continue enquanto o recurso estiver 
em julgamento, respeitando por consequência o princípio da celeridade, é importante que as 
principais cópias desta demanda sejam anexadas a peça recursal, evitando assim que os autos, 
por inteiro, subam a segunda instância, impedindo a continuidade dos atos processuais em 
primeiro grau. 
Da mesma forma, se exige o legislador que algumas intimações sejam feitas na própria 
pessoa da parte, e não através do seu advogado, é que aquele ato, embora com efeitos no 
processo, não é eminentemente processual, o que dispensaria, inclusive, a presença do 
causídico.4 Em última instância, por exercer verdadeira exceção ao princípiodo impulso 
oficial do juízo, entende o legislador que deve a parte, e não o advogado, ser intimada do ato, 
para que, desta maneira, possa o ato ser cumprido sem prejuízo daquele realmente responsável 
pelo seu cumprimento. 
Outro exemplo é a própria exigência de memória de cálculo para se embargar à 
execução, caso um dos ou o próprio fundamento desta seja o excesso do pedido executório 
(artigo 739 – A,§ 5º do Código de Processo Civil.). O que quis o legislador foi priorizar a 
entrega do bem almejado de forma mais ágil, tornando mais efetiva a prestação jurisdicional, 
evitando a proposição de defesas improváveis com o fim claro de retardamento. 
Como se nota dos exemplos dados, embora de natureza a priori meramente 
procedimental, toda norma que se aplique ao processo, extrai de uma maneira ou de outra sua 
inspiração de ordens superiores, entendidas indiscriminadamente a toda extensão processual. 
Todavia, ainda que de influência recíproca, com certa segurança há como se identificar 
características bem específicas, ora inerentes as regras de procedimento, ora correspondentes 
as normas sobre o processo, e é sobre o tema que nos debruçaremos a seguir. 
 
2.1 Normas processuais (sobre o processo): 
 
agravo fossem a via competente para levar este recurso ao conhecimento do tribunal, o que, data Vênia, não é o 
caso”. Estendemos agora, neste momento, a orientação, em relação ao equívoco presente na terminologia 
“agravo de instrumento”, pelos mesmos fundamentos anteriormente delineados. 
 
4
 Se logicamente, fosse a parte dada capacidade postulatória, nos termos do artigo 36 do Código de Processo 
Civil, combinado com o artigo 1º da LEI Nº 8.906, DE 4 DE JULHO DE 1994. 
 
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Existem normas que não se aplicam a determinadas situações de uma maneira 
específica. Como exemplo, podemos citar o artigo 1545 do Código de Processo Civil. 
Sua redação, de maneira alguma, pode ser vinculada a um ato em especial, condiz, 
indiscriminadamente, a todo o processo e todos os atos nele praticados. Assim sendo, detém 
qualidade a qual classificamos normas sobre o processo, ou estritamente processuais, 
determinações estas que influenciam o procedimento, é claro, mas não informam como deve 
cada ato processual ser produzido. 
São verdadeiras setas de orientação, hierarquicamente inferiores à Constituição 
Federal. Todavia, não poucas vezes, buscam justamente dinamizar o conteúdo constitucional, 
ou seja, torná-lo vivo na relação processual. Na letra do artigo 155, embora anterior a Carta de 
88, o preceito ali afirmado nada mais é do que a reprodução do princípio constitucional da 
publicidade, devidamente elencado nos artigos 5º, LIV, LX, 37, 93, IX, todos da Constituição 
Federal. 
Outrossim, que não se afirme tratar de meras orientações, de observância facultativa. 
Pelo contrário, na grande maioria das vezes, são até mais rígidas que a própria norma 
procedimental, sendo nulo o ato processual que não observá-las. Mais um exemplo: Se um 
magistrado, no cargo de suas atribuições, extingue processo por entender incabível a hipótese 
determinada questão processual, não sendo caso de forma inafastável para que o ato se 
considere válido, a decisão que considerá-lo irregular, mesmo que a finalidade perseguida 
tenha se alcançado sem prejuízo de ninguém (art. 154), será nula de pleno direito, merecendo 
reforma em grau de recurso. 
Mas é bom lembrar, embora guiem o intérprete na análise interpretativa, não podem 
ser classificadas como princípios jurídicos. Mais perto estão das regras, tamanha força e quase 
nenhuma ponderação que apresentam – não se ponderam e não se colidem, a própria norma 
 
5
 O artigo 154 do Código de Processo Civil dispõe: “Os atos e termos processuais não dependem de forma 
determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, 
lhe preenchem a finalidade essencial”. Deve-se ressaltar que hodiernamente se promove uma diferenciação, 
semelhantemente ao que ocorre no direito administrativo, entre ato processual e fato processual. Para tanto, 
indicam ser ato processual aquele praticado pelos sujeitos do processo, e fato, acontecimento ocorridos sem que 
qualquer sujeito tenha para ele concorrido, como por exemplo, a interrupção do trânsito em julgado de sentença. 
 
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processual prevê a hipótese de ser excepcionada, não há aqui um conflito de duas idéias 
diametralmente opostas, não havendo o porquê, desta maneira, de qualquer sopesamento. 
Quando determina que o ato processual não deva, a priori, ter forma certa, ao mesmo 
tempo excepciona o código no sentido de tal premissa não ser aplicável se a forma é parte da 
própria validade do ato (i.e artigo 154 C/C 366). Por esta razão, princípios não são, embora 
observáveis em toda extensão processual, as normas que aqui chamamos de sobre o processo. 
Como se vê, representam não apenas conselhos, mas ordens dadas ao intérprete 
quando da aplicação da norma processual, contudo, não direcionam qualquer determinação de 
cunho operacional, organizacional, não pelo menos em ordem imediata, condicionando ato 
específico à prática sob determinada forma pré-estabelecida. 
Estão, como já dito, logicamente abaixo da Constituição, embora em bom número de 
vezes reproduzam em escala processual preceitos naquela previamente estabelecidos. Quando 
o artigo 125 do Código de Processo Civil em seu inciso um, ordena que o juiz dirija o 
processo assegurando às partes igualdade de tratamento, espelha princípio constitucional 
estampado no caput do artigo 5º, e, por consequência, também do inciso LIV deste mesmo 
disposto normativo. 
Igualmente, quando em seu inciso segundo, prescreve o Código de Processo Civil que 
deva o magistrado velar pela rápida solução do litígio, reporta-se ao artigo 5º, inciso LXXVIII 
da Constituição Federal, embora, também aqui, tenha a determinação processual antevisto ao 
princípio constitucional. 
Neste sentido, parte considerável das normas sobre o processo são mensagens 
fidedignas à fonte original, qual seja, a Constituição. 
Para as normas sobre o processo (ou processuais), portanto, consideramos aquelas até 
certo ponto genéricas, que podem mesmo ser direcionadas a um momento especial, mas não 
ditam em absoluto critério qualquer de operacionalização. Informam quanto a 
particularidades, mas não indicam que um ato X deve ser produzido irrefutavelmente por 
intermédio de um documento Y, como faz o artigo 525 do Código de Processo Civil, por 
exemplo. 
 
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Eis, desta forma, o ponto de destaque - as normas sobre o processo (processuais), 
apresentam-se, a nosso ver, com os seguintes aspectos: (i) São genéricas e não diretamente 
operacionais, formulando direcionamentos, ordenando orientações, sem uma exigência 
específica sob determinado ato processual em especial; (ii) São observadas, de uma maneira 
geral, em todas as etapas do procedimento, não vinculando-se a temas e hipóteses 
isoladamente consideradas. 
 
2.2 Normas procedimentais (para o processo): 
 
Em algumas ocasiões, prefere o legislador ser mais direto em suas determinações. A 
norma, conquanto ainda geral e indiscriminada, detém comandos bem explícitos, sem a 
utilização de conceitos jurídicos indeterminados. 
Tais opções, contudo, não dispensam uma interpretação sistemática do seu conteúdo, 
mas excepcionam e muito as hipóteses de um exame teleológico. 
Quando o legislador, portanto, determina que um ato do processo seja praticado de 
forma específica, o fez, também como as normas sobre o processo, baseado em alguma 
premissa maior– a fonte, desta forma, é mais abrangente, concretizada através da formalidade 
exigida. 
As normas para o processo, neste raciocínio, são aquelas onde o legislador, desde 
sempre, aponta como o ato deve ser praticado, ainda que, nos termos do artigo 154 do Código 
de Processo Civil, de outra forma seja produzido e considerado. 
Assim, se o legislador contempla, de acordo com o artigo 239 do Código de Processo 
Civil, que se fará intimação por oficial de justiça se frustrada a pelo correio6, vê-se à hipótese 
clara norma de procedimento, entendida isoladamente a este ato processual em especial. 
E aí já tratamos de outro ponto delimitador entre as normas para o processo e as 
normas sobre o processo, as primeiras, no geral, se aplicam a certo ato processual em espécie, 
 
6
 Todavia, caso assim pretenda, poderá o autor, nos casos de citação, seguir ordem diferente da padrão (correio -
> oficial de justiça -> hora certa -> edital), nos termos do artigo 222, ‘f’, do Código de Processo Civil. 
 
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não servindo de orientação panorâmica a todo o processo, enquanto as últimas apresentam 
esta característica, sendo bem marcante a qualidade de “norma de orientação” apresentada. 
Sendo assim, há norma para o processo quando a ordem é expressa, quando aponta 
como, quando ou de que maneira deve o ato se produzir. 
Exemplo claro de norma procedimental é a contida no artigo 454 do Código de 
Processo Civil. Finda a instrução, determina o Código de Processo Civil, o juiz dará palavra 
ao advogado do autor e ao do réu, bem como ao órgão do Ministério Público, sucessivamente 
pelo prazo de 20 (vinte) minutos para cada um, prorrogável por 10 (dez), a critério do juiz. 
Trata-se de hipótese vivida apenas naquela sede, não se estendendo a todo processo e, 
como se vê, é direta, indica o modo como os atos deverão se oportunizar em audiência. 
Logicamente se de outra forma se praticar, sem qualquer prejuízo para as partes, não 
há o porquê de decretar o ato nulo, mas a rigor, deve ser observado em sua linguagem literal. 
Outro caso de norma para o processo é a do artigo 142 do Código de Processo Civil. 
A determinação é clara: no impedimento do escrivão, o juiz convocar-lhe-á o substituto, e, 
não o havendo, nomeará pessoa idônea para o ato. Não parece no caso haver espaço para 
maiores divagações, a norma é expressa e o seu conteúdo evidente, além do mais, aplica-se a 
um ato em específico, ainda que a falta apontada possa ocorrer em diferentes etapas 
processuais. 
Neste sentido, podemos, como no item anterior, definir algumas características, assim 
dispostas: a) As normas procedimentais são diretas, indicam modo e forma pela qual os atos 
processuais devem ser produzidos, embora para este último, sabe-se, a regra geral é que não 
tenham forma previamente estabelecida, nos termos do já citado artigo 154 do Código de 
Processo Civil; b) São ainda as normas para o processo aplicáveis em hipóteses processuais 
bem definidas, ainda que, como no exemplo do artigo 142 anteriormente mencionado, possam 
se repetir em diferentes etapas do procedimento. 
 
3. Da interpretação das normas procedimentais: 
 
 
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Ultrapassadas estas questões preliminares, convém agora adentrar no tema central 
deste ensaio. 
Pois bem, como vimos, normas para o processo são aquelas de aplicabilidade mais 
direta, de conteúdo evidente, que informam sobre modo e a forma dos atos processuais. 
Ao contrário das normas sobre o processo, que funcionam como guias, verdadeiras 
setas de orientação, obrigatoriamente observadas em toda extensão processual e de maneira 
indiscriminada, as normas para o processo são aplicáveis a temas específicos, pontuais, a atos 
processuais em espécie, que embora possam se repetir sobre toda a extensão processual, são 
entendidas a hipóteses bem definidas. 
 Outrossim, não se deve esquecer que se optou o legislador infraconstitucional, ou 
seja, se assim elegeu determinada norma procedimental como a melhor para aquela situação, 
o fez com os olhos, como já dissemos, também na Constituição Federal, concretizando no 
ordenamento processual orientações definidas ou pelas normas sobre o processo, ou extraídas 
do próprio texto constitucional. 
Por estas razões, acreditamos ser o melhor entendimento, pelo menos a priori, se 
respeitar essa vontade do legislador aplicando à norma procedimental interpretação o quanto 
mais restrita possível. Isso significa dizer que, se determina o legislador, de acordo com o 
artigo 739 – A, § 5º do Código de Processo Civil, que deve o embargante, caso fundamente 
seus embargos em excesso de execução, apresentar junto a peça planilha indicando o quanto 
entende ser excessivo, deve esta determinação ser respeitada. 
Todavia, isso não implica dizer que em outra oportunidade, comprovando o 
embargante a impossibilidade de alcance a estes cálculos, seja por motivo qualquer, de no 
caso concreto buscar o julgador outra solução do que não a prevista na norma procedimental. 
 Toda norma, por mais simplória que seja, procedimental ou não, tem a obrigação de 
buscar na fonte constitucional sua inspiração, representando, concretizando os objetivos 
constitucionais em níveis bem reais de aplicação. 
 Assim, como regra geral, defendemos que as normas para o processo devem ser 
interpretadas em sentido literal, ou quando muito, bastante restritivo, respeitando o judiciário 
a opção do legislador quando da edição da regra. 
 
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Nesta direção, caso uma norma eminentemente procedimental venha a ser publicada, 
não nos parece uma conduta aprovável que se busque, logo de início, uma interpretação 
orientada sobre todo o sistema. 
Sabemos que a norma é inserida em um plano já existente (legal e social), devendo 
com este co- habitar harmoniosamente, inclusive, tal opinião até já manifestamos em outro 
trabalho7 e não parece haver voz dissonante em doutrina discordando de tal afirmação.8 
Contudo, nos casos das normas para o processo, acreditamos ser mais funcional se 
respeitar a preferência legislativa, sem maiores delongas. 
Permitindo-nos um esquema geométrico – triangular, tal seria nossa opinião ali 
representada: 
Na base da pirâmide, por tratar-se de norma com menor ou quase nenhum grau 
interpretativo, se encontrariam as normas para o processo, caracterizadas por uma 
interpretação mais restritiva e pouca abertura sistemática. 
Logo acima, ainda pelo fato de serem normas infraconstitucionais, localizaríamos as 
normas sobre o processo, ainda mais diretas, mas já com alguma aplicabilidade teleológica e 
com marcante característica de orientação. 
Em nível imediatamente superior, as regras jurídicas processuais constitucionais, 
hierarquicamente superiores as normas sobre o processo e as normas para o processo, mas 
ainda com conteúdo bem definido, com ordem imediata, o que impediria maiores indagações 
e conjecturas quanto a sua observância no mundo dos acontecimentos. 
 
7
 A bem da verdade, tratamos do assunto sob outro enfoque, mas com o mesmo conteúdo da afirmação proferida 
no parágrafo ora anotado: “ Boa parte desta orientação, com certeza é fruto da ojeriza que a doutrina adquiriu – o 
que já foi devidamente denunciado por OVÍDIO ao que se consubstanciou denominar ‘justiça do juiz’. Segundo 
o aspecto racionalista de se observar o Direito, estaria o juiz, terminantemente, incumbido, antes de mais nada, a 
descobrir a lei a ser aplicada ao caso concreto e jamais sequer adaptá-la à realidade dos fatos, ou a atual 
panorâmica sob qual a norma encontra-se inserida. É, inclusive, da escola de MARQUES, o ensinamento que a 
jurisdição contenciosa deve se desenrolar em razão do interesse do Estado, para que a ordem jurídica seja 
respeitada eobedecida, ficando em segundo plano os reflexos da aplicação do direito objetivo no campo dos 
interesses particulares dos litigantes”. Revista Dialética de Direito Processual, n. 70, Jan. 2009. P – 43 / 44. 
8
 Acredito que este também seja o posicionamento de Alexandre Freitas Câmara. Entretanto, o extraio de nossas 
anotações, originadas da aula proferida por este ilustre professor aos alunos do curso de Pós - Graduação em 
Processo Civil da Universidade Federal Fluminense, especialmente sobre as modificações trazidas ao Código de 
Processo Civil pela lei nº 11.232 de 22 de dezembro de 2005. Usou deste argumento para defender a 
interpretação conjunta do artigo 475 – J com o teor do artigo 238, § ú, embora, sabemos, tenha este último 
normativo sido inserido ao Código de Processo Civil pela lei 11.382 de 6 de dezembro de 2006, posterior àquela 
já comentada. Concordamos com o professor. 
 
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Por fim, no topo do triângulo, os princípios jurídicos processuais, com total 
possibilidade interpretativa, afastamento e ponderação, sem ordens bem definidas de conduta 
– verdadeiras fontes de inspiração. 
Note-se que graduamos em ordem crescente os níveis interpretativos possíveis. Em 
cada escala, maior a abertura teleológica presente. Entretanto, em havendo qualquer obstáculo 
de difícil transpasse, deve a ordem emitida pela norma para o processo, para o caso, ser 
revista, buscando o julgador novas soluções à hipótese. 
Ademais, como regras jurídicas que são, as normas para o processo devem ser 
primariamente observadas, até mesmo, inclusive, pela superabilidade que ostentam frente ao 
restante do ordenamento. Aqui, devemos salientar, compactuamos da tese de Humberto 
Ávila9, cujo trecho passamos a expor: 
 
“2.4.9.3 Superabilidade das regras: 2.4.9.3.1: Justificativa da obediência a regras. 
Pode-se sustentar que as regras devem ser obedecidas apenas por serem regras. Trata-
se da antiga idéia de Montaigne segundo a qual as leis devem ser obedecidas não 
porque são justas, mas porque são leis. Nesse aspecto, a justificativa da obediência às 
regras centra-se na idéia de autoridade. Esta justificativa cria, obviamente, uma 
resistência muito grande às regras, ainda mais quando se sabe que sua aplicação 
provoca, em situações específicas, um resultado injusto. Pode-se, no entanto, sustentar 
que as regras devem ser obedecidas não apenas por serem regras, mas, sim, porque sua 
obediência é, enquanto tal, positiva, por vários motivos. Em primeiro lugar, como as 
regras tem a função de pré-decidir o meio de exercício do poder, elas afastam a 
incerteza que surgiria caso não tivesse sido feita esta escolha (...) Em segundo lugar, 
além de afastar a controvérsia e a incerteza, a opção pelas regras tem a finalidade de 
eliminar ou reduzir a arbitrariedade que pode potencialmente surgir no caso de 
aplicação direta de valores morais (...) Em terceiro lugar, a opção pelas regras tema 
finalidade de evitar problemas de coordenação, deliberação e conhecimento (...) Essas 
considerações demonstram, em suma, que as regras não devem ser obedecidas 
somente por serem regras e serem editadas por uma autoridade. Elas devem ser 
obedecidas , de um lado, porque sua obediência é moralmente boa e, de outro, porque 
produz efeitos relativos a valores prestigiados pelo próprio ordenamento jurídico, 
como segurança, paz e igualdade. Ao contrário do que a atual exaltação dos princípios 
poderia fazer pensar, as regras não são normas de segunda categoria. Bem ao 
contrário, elas desempenham uma função importantíssima de solução previsível, 
eficiente e geralmente equânime de solução de conflitos sociais”. 
 
9
 Desta maneira, gostaríamos de, mais uma vez, assim como fizemos em Da menor onerosidade ao executado, 
regra ou princípio jurídico? (Revista Dialética de Direito Processual, n. 70 jan. 2009. Página 37 a 48), 
manifestar apoio à tese do Professor Humberto Ávila, contudo, desta vez, reproduzindo trecho da sua obra, 
Teoria dos Princípios, da definição à aplicação dos princípios jurídicos (Ed. Malheiros, 7ª Ed. São Paulo, 2007. 
P -112/114), de forma mais ampla. 
 
 
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Mas que não se afirme ser a norma para o processo, regra como é, uma barreira 
intransponível. Voltando ao exemplo, caso não consiga o devedor fornecer junto aos 
embargos, por motivo que deverá ser analisado pelo magistrado, planilha indicando o valor 
executado em excesso, nos termos do § 5º do artigo 739 - A do Código de Processo Civil, não 
pode o juiz se acomodar e de imediato inadmitir os embargos protocolizados.10 
Outra hipótese é a de que trata o parágrafo 4º do artigo 219 do Código de Processo 
Civil. Em uma leitura única, sem a possibilidade de uma segunda análise por parte do 
magistrado, poder-se-ia chegar ao absurdo de punir-se a parte que, por circunstâncias alheias a 
sua vontade, não pôde concretizar a diligência citatória no prazo mencionado.11 
Entretanto, para um primeiro contato, deve o intérprete considerar a determinação 
inafastável, e, somente após tal momento, ocorrendo algum tipo de impedimento no caso 
concreto (que torne a ordem impossível), é que deve se passar a admitir uma aplicação 
panorâmica da regra. 
O que se quer defender com tal conduta é o fortalecimento do sistema, e, acima de 
tudo, o respeito ao artigo 2º da Constituição Federal. 
Sabemos que a tripartição dos poderes já não é tão rigorosa assim. O sistema de freios 
e contrapesos, conquanto criado com o fim precípuo de guarda e vigilância, tem, em boa parte 
 
10
 Gostamos muito de um escrito do professor Paulo Cezar Pinheiro Carneiro, que assim enfatiza: "Pergunta-se: 
será que esta situação é um privilégio do consumidor? Das situações que envolvem relações de consumo, ou 
não? Seria razoável, equânime, que só nestes casos pudesse haver a inversão, visando a alcançar uma solução 
justa e adequada? Como poderíamos garantir o alcance dos fins que informam modernamente o processo, o 
acesso à justiça, notadamente a procura da decisão correta, da decisão justa, se fosse exigido, em qualquer caso, 
de uma das partes, a prova de um fato que ela não tem como produzir, enquanto a outra poderia fazê-lo, sem 
maior dificuldade? Fica evidente, claro, que as regras do ônus da prova devem se coadunar com os princípios 
que regem o direito processual. É impossível assegurar a igualdade das partes e o devido processo legal, na 
medida em que se exige de uma das partes algo que ela não pode fazer, e ao mesmo tempo sujeitá-la a uma 
decisão favorável em decorrência desta situação. Seria uma inquidade (...) Nessa linha, sempre que a distribuição 
legal acarretar tal dificuldade a uma das partes, deverá o juiz determinar a inversão do ônus da prova, quando a 
parte contrária puder produzi-la sem maiores esforços". (Acesso à justiça, 2ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 
2003, pp. 74 - 75 apud PINHO, Humberto Dalla Bernardina de, Teoria Geral do Processo Civil Contemporâneo, 
2ª Edição, Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro. P-40 nota de rodapé nº 12). 
 
11
 STJ Súmula nº 106 - 26/05/1994 - DJ 03.06.1994 - Proposta a ação no prazo fixado para o seu exercício, a 
demora na citação, por motivos inerentes ao mecanismo da Justiça, não justifica o acolhimento da argüição de 
prescrição ou decadência. 
 
 
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dos casos, sido substituído por uma coletânea de retaliações jurisprudenciais, onde o poder 
judiciário, se distanciando da opção do legislador, não mais simplesmente declara sua 
nulidade, mas verdadeiramente modifica o próprio conteúdo da norma publicada. 
É também verdade que em grande parte das hipóteses tal reparação merece mesmo ser 
feita. Não se sabe se pela baixa qualidade técnica dos nossos representantes, mas em variados 
casosa redução do texto legal deve inevitavelmente ser providenciada. 
Contudo, não se pode ir à tão longe ao ponto de, sob a alcunha da interpretação 
sistemática, desconsiderar determinações frontais do legislador. Nestes casos, mormente 
quando regula a lei aspectos eminentemente procedimentais, é desaconselhável que se vague 
muito buscando outra orientação do que senão aquela prevista na premissa legal. 
Ora, se na maioria das vezes, nada mais é a norma para o processo do que e a 
concretização, dentro do procedimento, dos ideais propostos pela constituição, parece-nos 
complicado que, a todo tempo, afaste o julgador tal obrigatoriedade em prol de outras 
determinantes, mesmo que igualmente constitucionais, e também, pelo menos em tese, de 
observância obrigatória. 
Por estas razões, acreditamos que as normas procedimentais, ou simplesmente para o 
processo, devam ser, pelo menos primariamente, analisadas em seu sentido literal, ou com 
pouca amplitude interpretativa, para só após, em um segundo momento, e com a escusa 
devidamente justificada pela parte interessada, se pensar no afastamento da formalidade 
exigida por lei. 
 
4. Da execução fiscal e a necessidade de se garantir o juízo para embargar, após a 
edição da lei 11.382 de 6 de dezembro de 2006: 
 
O assunto em questão poderia tranquilamente ser objeto de um artigo específico, mas 
preferimos inseri-lo no bojo deste trabalho por questões didáticas. Desta maneira, de forma 
prática, poderemos analisar todo o defendido nas linhas anteriores, visualizando no dia a dia a 
tese aqui defendida, e de que forma seria esta aplicada nas relações processuais. 
 
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 Pois bem, após a publicação da lei 11.382 de 6 de dezembro de 2006, através da 
redação do artigo 736, atendeu o legislador reclame antigo da doutrina. Desta maneira, hoje, 
para que embargue à execução, não é mais necessário que o devedor garanta o juízo. 
Todavia, desde então, com a edição do normativo em menção, outro debate passou a 
ser travado: Será que a partir de agora, também às execuções fiscais, tal formalidade poderá 
ser dispensada? 
Para o Professor Leonardo José Carneiro da Cunha, tal exigência não se mostra mais 
possível, nos termos do manifesto a seguir: 
 
“Há, na Lei nº 6830/1980, regras próprias para a execução fiscal, instituindo-se, assim, 
um regime específico, que decorre da peculiar relação entre o particular e a Fazenda 
Pública. A exigência de prévia garantia do juízo para oposição dos embargos à 
execução – feita no parágrafo 1º do art. 16 da Lei nº 6830/1980 – não decorre, 
contudo, de detalhes, vicissitudes ou particularidades da relação entre o contribuinte e 
a Fazenda Pública. Quando da edição da Lei nº 6830/1980, essa era uma regra geral, 
aplicável a qualquer execução. Em qualquer execução – ressalvada, obviamente, a 
execução contra a Fazenda Pública, em que não há penhora, nem expropriação de bens 
– a apresentação de embargos dependia, sempre, da prévia garantia do juízo. A Lei nº 
6830/1980 cuidou, nesse ponto, de copiar, reproduzir, seguir a regra geral; a segurança 
prévia do juízo como exigência para o ajuizamento dos embargos era uma regra geral, 
e não uma regra que decorresse da peculiar relação havida entre o particular e a 
Fazenda Pública. À evidência não se trata de regra especial criada pela legislação em 
atenção as peculiaridades da relação de direito material”.12 
Não concordamos13, com o devido respeito, com o posicionamento em questão, e para 
tal, valemo-nos de Kelsen14, que assim se manifestou: 
 
12
 Revista Dialética de Direito Processual, n. 62, Maio. 2008. P – 58 – Itálicos no original. 
13
 Este ilustre doutrinador, em outra passagem do texto, afirma não ser mais possível a exceção de pré-
executividade por falta de interesse, já que a penhora, motivo criador da tese de Pontes, como não seria mais 
obrigatória, tornaria a medida desnecessária. Discordamos de tal posicionamento em outro trabalho, publicado 
na Revista Dialética de Direito Processual nº 78. Naquele, assim dissertamos: “Todavia, é verdade que o motivo 
de tal construção acadêmica foi a necessidade de se encontrar uma saída para que pudesse a Companhia, 
executada em diversas comarcas, contrapor-se às execuções fundamentadas em títulos falsos independentemente 
de penhora, mas esta não é em nada a raiz de toda intelecção. O espírito deste parecer se concentra naquilo que 
possa de ofício ser declarável ou detectável, entre o despacho do juiz e o cumprimento do mandado de citação ou 
penhora, e não, definitivamente, na necessidade de se garantir o juízo. A garantia foi o motivo pela qual se 
inspirou a construção e não o seu alicerce ideológico (...) Não foi a penhora terminantemente o fundamento da 
teoria de Pontes, o motivo, a razão, o pretexto, talvez, mas não a base de sua produção científica”. 
 
14
 KELSEN, Hans, Teoria geral do direito e do Estado. Tradução Luis Carlos Borges, Editora Martins Fontes, 
São Paulo, 2005, P – 47 
 
 
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 “A ‘existência’ de uma norma jurídica não é um fenômeno psicológico. Um 
jurista considera um estatuto ‘existente’ mesmo quando os indivíduos que o 
criaram não querem mais o conteúdo do estatuto ou, mais ainda, mesmo 
quando ninguém mais quer seu conteúdo (...) Caso façamos uma análise 
psicológica do procedimento pelo qual um estatuto é criado 
constitucionalmente, descobriremos ainda que o ato criador da regra 
obrigatória não precisa necessariamente ser um ato de ‘vontade’ que tenha o 
conteúdo dessa regra por objeto (...) O estatuto, é bem verdade, é a ‘decisão’ de 
todo o parlamento, incluindo a minoria divergente. Obviamente, no entanto, 
isso não significa que o parlamento ‘queira’ o conteúdo do estatuto. 
Consideremos apenas a maioria que vota a favor da lei. Mesmo assim, a 
afirmação de que os membros dessa maioria ‘querem’ o estatuto é claramente 
de natureza fictícia. Votar a favor de um projeto de lei não implica, em 
absoluto, querer efetivamente o conteúdo do estatuto”. 
 
Acreditamos ser a exigência ainda possível, contudo, sem nos utilizar do expediente 
do artigo 2º da Lei de Introdução ao Código Civil, o qual já não se mostra mais suficiente para 
solucionar os problemas de hermenêutica no direito ocidental.15 
 
15
 Já não se conforma a doutrina com forma tão simplista de interpretação, e boa parte devido o fato da 
divulgação no Brasil da Teoria do Diálogo das Fontes, defendida, em solo brasileiro, pela Professora Cláudia 
Lima Marques. Em síntese, é o discurso (MARQUES, Cláudia Lima, Manual de direito do consumidor, Editora: 
Revista dos Tribunais, 2007 – São Paulo. P 87 e 88): ”Neste capítulo, pois, devo introduzir um conceito diferente 
(o conflito de leis no tempo), um conceito de aplicação simultânea e coerente de muitas leis ou fontes de direito 
privado, sob a luz (ou com valores – guia) da Constituição Federal de 1988). É o chamado ‘diálogo das fontes’ 
(di + a = dois ou mais; logos = lógica do modo de pensar), expressão criada por Erik Jayme, em seu Curso de 
Haia (Jayme, Recueil dês Cours, 251, p. 259), significando a atual aplicação simultânea, coerente e coordenada 
das plúrimas fontes legislativas, leis especiais (como o CDC, a lei de seguro – saúde) e gerais (como o 
CC/2002), com campos de aplicação convergentes, mas não mais iguais. Erik Jayme, em seu Curso Geral de 
Haia de 1995, ensinava que, em face do atual ‘pluralismo pós – moderno’ de um direito com fontes legislativas 
plúrimas, ressurge a necessidade de coordenação entre as leis no mesmo ordenamento, como exigência para um 
sistema jurídico eficiente e justo (Identité culturelle et intégration: Le droit internationale prive postmoderne, 
Recuell de Cours, II, p. 60 e 251 e Ss.) O uso da expressão do mestre, ‘diálogodas fontes’, é uma tentativa de 
expressar a necessidade de uma aplicação corrente das leis do direito privado, co – existentes no sistema. É a 
denominada ‘coerência derivada ou restaurada’ (cohérence dérivée ou restaurée), que, em um momento 
posterior a descodificação, à tópica é à microrrecodificação, procura uma eficiência não só hierárquica, mas 
funcional do sistema plural e complexo de nosso direito contemporâneo, a evitar a ‘antinomia’, a 
‘incompatibilidade’ ou a ‘não – coerência’. Diálogo porque há influências recíprocas, ‘diálogo’ porque há 
aplicação conjunta das duas normas ao mesmo tempo e ao mesmo caso, seja complementarmente, seja 
subsidiariamente, seja permitindo a opção pela fonte prevalente ou mesmo permitindo uma opção por uma das 
leis em conflito abstrato – uma solução flexível e aberta, de interpretação, ou mesmo solução mais favorável ao 
mais fraco da relação (tratamento diferente dos diferentes).” 
 
 
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Para tanto, utilizamo-nos do que expomos, acreditando que, melhor seria, 
primeiramente, procedermos a regra de procedimento em seu sentido literal, apelando para 
uma segunda análise caso impossível seja o cumprimento da exigência. 
Não é desenganado o posicionamento do professor em questão, pelo contrário, parte 
de um raciocínio lógico e plenamente defensável, contudo, esquece-se que uma regra, após 
publicada, seja qual for o contexto social, assume status de imperatividade, devendo neste 
sentido ser respeitada, ainda que não mais justificável seja sua permanência. Seria de todo 
modo inseguro admitir que uma mudança no quadrante social pudesse revogar por completo 
ordenamentos anteriores – influenciar em sua interpretação é realmente aceitável, mas aí a 
revogar o seu conteúdo, achamos, com o devido respeito, um tanto quanto exagerado. 
Assim sendo, conquanto fora do estatuto processual padrão16 (o Código de Processo 
Civil), deve se entender como exigível ainda a garantia do juízo para a oposição de embargos 
à execução fiscal, apenas por ainda manter-se de pé a regra em destaque, embora nos pareça 
mesmo inadequada sua permanência no ordenamento atual. 
Por este caminho, em uma primeira interpretação, para embargar a execução fiscal, 
deve o magistrado exigir que o juízo esteja devidamente garantido, ou permitir que o 
executado se valha da exceção de pré-executividade, plenamente cabível a hipótese, conforme 
jurisprudência pacífica. 
Posteriormente, caso realmente seja impossível para o executado cumprir com a 
determinação legal – e veja bem, tal obstáculo deve se restar devidamente comprovado – aí 
 
16
 Dinamarco, em comentário pontual, trata bem deste fenômeno – o da descodificação das normas processuais: 
“Há normas de direito processual inseridas em corpos legislativos preponderantemente substanciais, como é o 
caso de tradicionais artigos do Código Civil sobre a prova (arts. 212, 219, 221, 1.602, etc.). Do mesmo modo, 
em leis processuais encontram-se algumas disposições de natureza substancial – v.g. , o Código de Processo 
Civil dispondo sobre a indenização devida pelo litigante de má-fé ou por aquele que obteve uma medida cautelar 
ou antecipatória, verificando-se ao fim que pelo mérito não tinha razão (arts. 16, 17, 18 e 811). Há também leis 
que em um só corpo trazem disposições substanciais e processuais, como a Lei do Divórcio, a Lei da Locação 
dos Imóveis Urbanos, o Código de Defesa do Consumidor etc.; isso assim acontece, com plena legitimidade 
sistemática , devido à integração do processo e direito material em um só contexto global de tutela, sendo às 
vezes de toda conveniência disciplinarem um só corpo algum instituto de direito substancial e os modos como há 
de ser tratado quando posto em litígio perante o Poder Judiciário. Cabe ao intérprete consciente a tarefa de 
separar as normas processuais das substanciais, principalmente para que se possa tratar adequadamente umas e 
outras, a partir dos pressupostos metodológicos próprios a cada um desses campos do saber jurídico”. 
(DINAMARCO, Cândido Rangel, Instituições de Direito Processual Civil, vol. 1, 6ª Ed., rev. atual. Editora: 
Malheiros, São Paulo. 2009. P - 43). 
 
 
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sim, só após esta análise, poderá o magistrado buscar em outra fonte fundamento para a 
resolução do impasse ocorrido.17 
Por estas razões, acreditamos ainda se manter a exigência contida no parágrafo 1º do 
art. 16 da Lei nº 6830/1980, contrariando, com o devido respeito, a manifestação emitida 
sobre o assunto pelo Professor Leonardo Carneiro da Cunha. 
 
Conclusão: 
 
De tudo exposto, podemos agora resumir a nossa opinião em 5 itens, assim definidos: 
(a) Embora não absolutamente estanques, não só é funcional, como aconselhável, destacarmos 
a título de classificação a existência de duas normas distintas, as normas para o processo e as 
normas sobre o processo; (b) São as normas sobre o processo genéricas e não diretamente 
operacionais, formulando direcionamentos, ordenando orientações, sem uma exigência 
específica sob determinado ato processual em especial. São ainda observadas, de uma maneira 
geral, em todas as etapas do procedimento, não se vinculando a temas e hipóteses 
isoladamente considerados; (c) São as normas para o processo aquelas de conteúdo direto, 
que indicam modo e forma pela qual os atos processuais devem ser produzidos, são aplicáveis 
em hipóteses processuais bem definidas, ainda que possam se repetir em diferentes etapas do 
procedimento; (d) As normas para o procedimento devem ser interpretadas em sentido 
restritivo, ora por conterem em seu bojo ordem clara e direta, ora por representarem no 
procedimento orientação implementada pelo próprio constituinte brasileiro; (e) É ainda 
exigível, a priori, a garantia do juízo para se embargar à execução fiscal, devendo o 
magistrado pensar em tal dispensa apenas em uma segunda interpretação, depois de 
demonstrada pelo executado a impossibilidade da garantia legalmente estabelecida. 
 
17
 Leonardo Greco, ao tratar da multa prevista no artigo 475 – J do Código de Processo Civil emite opinião que 
achamos também caber ao caso (http://bdjur.stj.gov.br/jspui/bit 
stream/2011/18143/2/Primeiros_Coment%C3%A1rios_sobre_a_Reforma_da_Execu%C3%A7%C3%A3o_oriun
da_da_Lei_11232_05.pdf, acesso em 16 de agosto de 2009, às 23:19): “Todo ilícito processual é sempre uma 
conduta dolosa, salvo disposição expressa em contrário. Assim, o devedor que estiver materialmente 
impossibilitado de solver a dívida nesse prazo, ou porque não dispõe do dinheiro ou porque não dispõe de bens 
facilmente transformáveis em dinheiro, não poderá ser atingido por essa multa, cuja relevação deverá postular na 
ulterior execução”. Ou seja, todo ato processual, para ser caracterizado ilícito, deve ser advindo de uma vontade 
do agente de efetivamente não cumprir com a determinação legal, não se estendendo, portanto, às hipóteses onde 
a exigência se torna, por motivo relevante, impraticável.

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