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UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO UNIDADE ACADÊMICA DE SERRA TALHADA Licenciatura plena em Letras (Português/Inglês) Linguística II - Professora: Dorothy Brito A linguística comporta a enunciação: Émile Benveniste1 Benveniste é considerado o linguista da enunciação e consequentemente o principal representante do que se convencionou chamar de teoria da enunciação. Ele talvez seja o primeiro linguista, a partir do quadro saussuriano, a desenvolver um modelo de análise da língua especificamente voltado à enunciação. A enunciação e seus mecanismos são, por natureza, sensíveis à irrepetibilidade do aqui agora. A enunciação é desde sempre vista com certa desconfiança em função do forte componente contextual que era exigido para que seus fenômenos fossem devidamente explicados. Quanto a isso, pode-se dizer que havia um princípio que interditava acesso a ela pelos estruturalistas: o princípio da imanência. Abordá-la era dar lugar a fenômenos extralinguísticos, exteriores ao sistema, logo, sem pertinência para uma visão estrutural da língua. Benveniste deparou-se com um clima adverso, pois, se de um lado Benveniste mantém- se fiel ao pensamento de Saussure, conservando concepções como estrutura, relação, signo, por outro apresenta meios de tratar da enunciação ou, como ele mesmo diria, do homem na língua. Esta é a inovação de seu pensamento: supor sujeito e estrutura articulados. (Inter)subjetividade na linguagem Na tentativa de responder à pergunta “o que é a significação?”, o autor estabelece oposição entre dois níveis de significação, o semiótico e o semântico. O nível semiótico corresponde ao primeiro modo de significação, que é “intralinguístico”, em que cada signo é distintivo, significativo em relação aos demais, dotado de valores opositivos e genéricos e disposto em uma organização paradigmática. O segundo modo de significação, denominado semântico, resulta da atividade do locutor que coloca a língua em ação, e engloba referência aos interlocutores, que referem e co-referem na atribuição de sentido às palavras. Para entender a intersubjetividade em Benveniste, é fundamental a ela juntar a discussão sobre a estrutura do sistema pronominal pessoal e sobre a enunciação. Há uma separação entre “eu/tu” – em que existe uma concomitância entre a pessoa implicada e o discurso sobre ela – do “ele” – privado da característica de pessoa e evidenciado como a forma verbal para indicar a não-pessoa. Há outra separação entre “eu” e “tu”: “eu” é anterior 1 Notas extraídas de FLORES, Valdir do Nascimento; TEIXEIRA, Marlene. Introdução à linguística da enunciação. São Paulo: Contexto, 2005, p.29-44. ao enunciado, exterior a “tu” e transcendente a este, portanto, é a única pessoa realmente subjetiva. O par “eu/tu” pertence ao nível pragmático da linguagem, pois, definido na própria instância de discurso, refere a realidades distintas cada vez que enunciado, enquanto o “ele” pertence ao nível sintático, já que tem por função combinar-se com a referência objetiva de forma independente da instância enunciativa que a contém. Para Benveniste, é impossível opor o homem à linguagem: a linguagem é constitutiva do homem e, opor o homem à linguagem é opô-lo à sua própria natureza. Dessa forma, a linguagem não é mero instrumento para a comunicação. É através da linguagem que o homem se constitui em sujeito. O fundamento da subjetividade é dado pela categoria de pessoa presente no sistema da língua mediante determinadas formas (o pronome “eu”, por exemplo). Essa subjetividade, porém, é dependente da inversibilidade aludida quando do tratamento do par “eu/tu”. Essa inversibilidade assegura a intersubjetividade sem a qual não faz sentido falar de categoria linguística de pessoa. A intersubjetividade é condição da subjetividade, assim como a linguagem é condição da língua. Há aqui uma espécie de anterioridade lógica, ou seja, é porque existe intersubjetividade que se pode pensar em subjetividade. O sujeito, para se propor como tal na linguagem, tem de estar, ele mesmo, constituído pelo outro. Aparelho formal da enunciação Benveniste concebe uma oposição entre a linguística das formas e a de enunciação. À primeira caberia a descrição das regras responsáveis pela organização sintática da língua, ou seja, nela admite-se um objeto estruturado, devendo-se descrever as regras imanentes a ele. A segunda pressupõe a anterior e inclui no objeto de estudo a enunciação. O aparelho formal da enunciação não está limitado a formas específicas, mas é integrante da língua em sua totalidade. O aparelho formal da enunciação é uma espécie de dispositivo que as línguas têm para que possam ser enunciadas. Esse aparelho nada mais é que a marcação da subjetividade na estrutura da língua. A dêixis para Benveniste não é o mecanismo de referência ao mundo, mas ao sujeito. Assim, o que são enunciado e enunciação para Benveniste, e que noção de sujeito está aí implicada? Enunciado: instância de discurso constituída por um centro de referência interno. Enunciação: “é este colocar em funcionamento a língua por um ato individual de utilização”. Sujeito: produto de um jogo de interação dado pelo uso das formas linguísticas que, pertencentes à língua, possibilitam a passagem de locutor a sujeito num processo de apropriação da língua.
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