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DIAGRAMAÇÃO E IMPRESSÃO: FICHA CATALOGRÁFICA: FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA POR MARIA CRISTINA MONTEIRO TASCA – CRB 8ª 5803 Carvalho Filho, Jorge Melchiades. C323p O pardal tarado / Jorge Melchiades Carvalho Filho. -- Itu (SP): Ottoni Editora, 2007. 84 p. : 21,5 cm. Inclui pequena biografia do autor. ISBN 978-85-7464-311-3 Bibliografia p. 84 1. Psicologia I. Título. CDD 150 A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL SÓ É PERMITIDA MEDIANTE AUTORIZAÇÃO EXPRESSA DO AUTOR. CRÉDITOS: CAPA: FABIANA BARBOSA CANASSA REVISÃO ORTOGRÁFICA: CARMEN TERESA ALMEIDA Rua Garcia Moreno, 60 – Centro – CEP 13300-095 – ITU/SP Fones/Fax: (0xx11) 4022-5309 / 4022-5312 / 4023-0197 www.ottonieditora.com.br – e-mail: ottoni@ottonieditora.com.brEDITORA â Prefácio do Autor O tema deste livro foi extraído de palestra realizada em 07/02/2004, sobre PSICOLOGIA RACIONAL, disciplina que poderá ser considerada nativa do racionalismo filosófico, mas é ciência, com teoria e corpo de conhecimentos derivados de fundamentos experimentais. A teoria básica da PSICOLOGIA RACIONAL foi gerada e desenvolvida em Sorocaba, mais precisamente, por mim, no NUPEP (Núcleo de Pesquisas Psíquicas), enquanto produto intelectivo das observações “de campo”; de pessoas relacionando- se com outras, com os animais, plantas e o meio ambiente, nas atividades diárias e durante período de mais de vinte anos. A análise dos dados obtidos possibilitou-me a formulação de hipóteses, muita das quais foram confirmadas por observações regulares e adicionais, por experimentos induzidos, e depois, transformadas em conhecimentos com alto poder de previsão, verificáveis por qualquer estudioso sério que se proponha a testá-los. A Psicologia Racional, neste caso, teve desenvolvimento particular e possui: 1 - Sistema teórico específico, que resultou de observações metódicas e experimentos com a realidade psicológica que pretende explicar. Estes fatos a tornam distinta portanto, da genérica “psicologia racional”, anunciada por várias filosofias; 2 - Conceitos próprios, embora permita o uso dos de outras ciências. Ofereço a Psicologia Racional para ser usada na impulsão do espírito em direção ao auto-aperfeiçoamento evolutivo. Certamente, isto não irá impedir outro uso, como o de indivíduos interessados em aperfeiçoar poder de manipulação e de domínio! Mas, não foi construída para esse fim. Na verdade, o discernimento de sua teoria liberta da manipulação alheia e, por conseqüência, da escravidão imposta pelo próprio desejo de ter poder sobre outros. É oferecida, pois, a homens e mulheres que buscam libertar o espírito dos sofrimentos causados pela massificação ideológica, econômica e cultural. O seu uso também será útil aos que ainda não buscam a libertação, por não perceber a escravidão, mas que procuram no conhecimento o alívio para os sofrimentos causados por REAÇÕES inconscientes às opressões geradoras de sintomas psicossomáticos. A Psicologia Racional nasceu da busca de explicações racionais para as ações e reações de pessoas consideradas “normais” pelas ciências institucionalizadas, e conduz, por conseqüência lógica de seus princípios, à TERAPIA DO SABER, que leva à autotransformação e a uma inevitável libertação dos piores vícios do caráter. Através dela o indivíduo pode retomar a harmonia psicossomática, impressa na sua essência pela natureza que o criou, e que foi perturbada em algum ponto da existência. É psicologia de profundidade, portanto, e aborda o homem enquanto produto de desenvolvimento evolutivo, no sentido biológico, emocional e inteligente, na sua interação com o ambiente e, neste caso, sujeito a ser condicionado pela ideologia. Tomar conhecimento de si mesmo permite o resgate de procedimentos como os do grande filósofo grego, Sócrates, e ainda, o acesso à VERDADE anunciada por Jesus Cristo, que liberta o espírito dos sofrimentos causados por fantasias e ilusões, enquanto passo indispensável para a compreensão de si e da realidade. Por isso tudo, a Psicologia Racional tem aplicação prática em todos os campos de atividades humanas, sendo de grande utilidade para idealistas dedicados ao ensino, a terapias psicológicas, à medicina etc. Não digo, contudo, que sua teoria seja fácil de ser entendida e a terapia de ser aplicada, pois se destina aos que já estão mais ou menos preparados para entendê-la; aos que podem VER e OUVIR, na metáfora do maior terapeuta de todos. Afirmo isso por verificar, nos longos anos de estudo, que raras pessoas se dispõem a raciocinar com correção, ou a buscar compreender a realidade e a si mesmas. A grande maioria não se propõe a estudar nada, se não houver a promessa de que, após breve período de estudos, ganhará um diploma que a licencie para o exercício de uma profissão bem remunerada. Ela se propõe, muito menos, a estudo que conduz a perigosas sendas do desmascaramento gradual das intenções profundas e inconscientes. Aliás, a resistência inconsciente e mais evidente, ao estudo transformador, decorre da perseguição apenas dos prêmios devidamente condicionados na psique profunda, pela cultura ideológica que, raramente recompensa o exercício da razão. Recompensa tão somente o comportamento exemplar na prisão da procura por ilusões. Por conseguinte, a Psicologia Racional nos permite prever, especificamente, que a MAIORIA das pessoas não irá se interessar em conhecê-la, porque já ACREDITA saber o suficiente sobre si, geralmente sem nunca ter tentado, sinceramente e de modo persistente, adquirir esse conhecimento. Pior é que generaliza tal sabedoria improvisada, para “entender” e julgar parentes, vizinhos, amigos, desconhecidos e propostas racionais. De qualquer modo, me esforcei para atingir a MAIORIA, neste livro, seguindo o caminho da maior simplicidade possível, tanto no uso das palavras quanto de repetições e recursos didáticos que disponho, fato que pode levar o leitor a ACREDITAR que entendeu tudo. Entretanto, advirto que apesar da CRENÇA, poderá ter entendido muito pouco do que exponho, pois convido ao desenvolvimento de raciocínios que exigem ATENÇÃO e dedicação ao encadeamento das idéias, para a associação dos termos expostos com as conclusões, e estes processos mentais não me cabe fornecer. Apenas ao leitor cabem os esforços que, a curto, médio e longo prazo serão recompensados pela sabedoria, na justa medida e correspondência. Cabe aqui advertir também, que as ocorrências do NUPEP, aqui mencionadas, são exemplos extraídos de uma amostra populacional e, portanto, relatos de experiências oferecidos para avaliações e para generalizações de caráter científico, ao universo mais amplo da população. Estudando pacientemente os conceitos expostos neste livro e buscando compreendê-los na aplicação prática e observações cotidianas, o leitor estará permitindo que novos e salutares conhecimentos dêem um sentido inédito aos fatos que o rodeiam, como também à sua vida. Depois, é só procurar ler outros livros e ouvir palestras gravadas em nossa lavra, para entender a estrutura teórica em sua melhor plenitude. Jorge Melchiades Carvalho FilhoJorge Melchiades Carvalho FilhoJorge Melchiades Carvalho FilhoJorge Melchiades Carvalho FilhoJorge Melchiades Carvalho Filho Primavera de 2006. Índice O PARDAL TARADO - Uma Lição Sobre MotivaçãoO PARDAL TARADO - Uma Lição Sobre MotivaçãoO PARDAL TARADO - Uma Lição Sobre MotivaçãoO PARDAL TARADO - Uma Lição Sobre MotivaçãoO PARDAL TARADO - Uma Lição Sobre Motivação ......... 11 Capítulo I: BUSCANDO PRAZERCapítulo I: BUSCANDO PRAZERCapítulo I: BUSCANDO PRAZERCapítulo I: BUSCANDO PRAZERCapítulo I: BUSCANDO PRAZER O princípio do prazer .................................................... 13 Tipos de atividades ....................................................... 14 Atividades inconscientes ..............................................15 Capítulo II: NOS SONHOSCapítulo II: NOS SONHOSCapítulo II: NOS SONHOSCapítulo II: NOS SONHOSCapítulo II: NOS SONHOS Interpretando sonhos na prisão das ilusões ............... 19 Buscar prazer nas ilusões pode dar desprazer ........... 22 Deslocamento de culpa ................................................ 26 Sentindo e agindo ......................................................... 32 Capítulo III: NO PODERCapítulo III: NO PODERCapítulo III: NO PODERCapítulo III: NO PODERCapítulo III: NO PODER O exercício do domínio ................................................. 37 Vida de cachorro ........................................................... 41 Dominação e submissão .............................................. 43 O amor tesão e a racionalização .................................. 46 A função do branco ...................................................... 52 Capítulo IV: NOS SOFRIMENTOSCapítulo IV: NOS SOFRIMENTOSCapítulo IV: NOS SOFRIMENTOSCapítulo IV: NOS SOFRIMENTOSCapítulo IV: NOS SOFRIMENTOS A função da exibição .................................................... 59 A função do amor tesão ............................................... 62 Sinal de alerta ................................................................ 66 Capítulo V: EM NÍVEL SUPERIORCapítulo V: EM NÍVEL SUPERIORCapítulo V: EM NÍVEL SUPERIORCapítulo V: EM NÍVEL SUPERIORCapítulo V: EM NÍVEL SUPERIOR Amor de verdade .......................................................... 69 Que verdade? ................................................................ 72 A verdade sobre a humildade ....................................... 75 BIBLIOGRAFIABIBLIOGRAFIABIBLIOGRAFIABIBLIOGRAFIABIBLIOGRAFIA ...................................................................... 84 O Pardal Tarado Palestra de 07/02/2004 INTRODUÇÃO: Uma lição sobre motivaçãoINTRODUÇÃO: Uma lição sobre motivaçãoINTRODUÇÃO: Uma lição sobre motivaçãoINTRODUÇÃO: Uma lição sobre motivaçãoINTRODUÇÃO: Uma lição sobre motivação JORGE – JORGE – JORGE – JORGE – JORGE – Boa tarde a todos. Hoje faremos um breve estudo sobre alguns conceitos elementares da Psicologia Racional. Supondo que nos reunimos por estarmos ansiosos para estudá- los, iremos começar, sem mais delongas, falando de MOTIVAÇÃO, um conceito da Psicologia em geral, que se refere aos MOTIVOS dos comportamentos. Quando, por exemplo, perguntamos: “Por que fulano casou-se com aquela fulana?”, queremos saber quais foram os fatores psicológicos ou fisiológicos que levaram o fulano a casar-se com fulana. 11 13 Capítulo ICapítulo ICapítulo ICapítulo ICapítulo I Buscando Prazer O princípio do prazerO princípio do prazerO princípio do prazerO princípio do prazerO princípio do prazer O princípio do prazer é nosso segundo conceito e o ponto de partida para a compreensão dos MOTIVOS conscientes ou inconscientes das ações e reações. A exemplo do Dr. Sigmund Freud (1856-1939), o “pai da psicanálise”, adotamos o PRINCÍPIO do PRAZER, entendendo que o sistema psíquico funciona fiel a ele, e o adotamos, portanto, como proposta inicial para a análise dos comportamentos. Por esse princípio nos reunimos para a palestra de hoje, e o tomamos como ponto de partida para o desenvolvimento de hipóteses de trabalho. Adotá-lo, portanto, implica dar como certo, para início de conversa e em qualquer situação, que todo indivíduo sensível, quando age ou reage é sempre em busca de prazer; isto é, de prazer relativo, que não precisa ser de grande gozo. Pode ser meramente o alívio para uma dor, um sofrimento físico, moral e, até mesmo, a atenuação de uma insatisfação insignificante e praticamente imperceptível provocada pelo DESEJO. Ressaltemos, contudo, não ser apropriado considerar o princípio do prazer o MOTIVO dos comportamentos. Por princípio, entenda-se a idéia que define LEI ou regra e dá início a raciocínios, conduzindo ao vislumbre lógico do MOTIVO empírico, experimental, 14 “concreto”, que é, invariavelmente, a causa básica dos comportamentos: um SENTIMENTO de desprazer definido, ou indefinido, agudo ou vago. Com efeito, observando os animais em geral, podemos verificar que TENDEM a afastar-se das estimulações perturbadoras e a aproximar-se das que proporcionam conforto, prazer. Até mesmo a simples ameba afasta-se das espetadelas de uma agulha e aproxima-se de partículas alimentares. É o óbvio se impondo à razão: os animais, em condições normais, se movem para fugir da situação de DESPRAZER. Como conseqüência da fuga do desprazer, o movimento se dá em sentido contrário, oposto ao de desprazer. Logo, invariavelmente se dá em direção ao alívio ou PRAZER. Em si, o movimento é sempre para atenuar o sentimento que o MOTIVOU, independente da sua eficácia, levando ou não ao prazer. Sendo assim, o MOTIVO dos movimentos, dos comportamentos ativos e reativos dos animais, inclusive dos homens, é a sensação de DESPRAZER. É para sair de incômodo maior ou menor que buscam prazer. Assim, por exemplo, se um animal está com fome, está em desconforto; por isso, se movimenta da situação desprazerosa para o prazer de se alimentar. Aplicando tal regra na compreensão das ATITUDES humanas podemos obter a primeira resposta rudimentar e genérica para qualquer questão sobre comportamentos, inclusive a formulada anteriormente, isto é, responderíamos que fulano casou-se com fulana para ter prazer, pois se não o fizesse ficaria em desprazer. Tipos de atividadesTipos de atividadesTipos de atividadesTipos de atividadesTipos de atividades Atividades se dão no universo interno e externo dos indivíduos. Ou seja, as atividades do âmbito interno dos animais em geral são orgânicas, fisiológicas e nervosas, sendo que para a 15 psicologia humana interessa, particularmente, as psíquicas, que se acredita originárias, por evolução, das nervosas. As atividades chamadas de “comportamentos” e “condutas” se dão no exterior físico e são manifestas, visíveis, ao expressar certas atividades do interior fisiológico e psíquico. Para a Psicologia Racional, o SENTIMENTO de desprazer é o fator que, nos humanos, MOTIVA ou dá causa a atividades psíquicas, tais como, pensamento (imaginação, associação de idéias, devaneios, sonhos, raciocínios etc.) e físicas, como os molares (de conduta), sendo estes conhecidos como os de “vida de relação”, pois estão voltados ao ambiente exterior. Em muitos casos, o desprazer provoca até comportamentos moleculares como os de secreção hormonal, de adrenalina, suor e outros fisiológicos. Tendo em conta mais estes esclarecimentos, podemos acrescentar que fulano, antes de casar-se, SENTIA um certo desconforto, um “não sei o quê”, que o levou a PENSAR na fulana e a DESEJAR casar-se com ela. Talvez a desejasse, a amasse de verdade ou apenas quisesse o dinheiro dela, mas em qualquer dos casos buscou o prazer que acreditava obter, casando-se com a amada ou com seu dinheiro. Agora, o que digo aqui não vale nada, se as idéias que representam minhas palavras não forem apreendidas e colocadas em confronto com os fatos da realidade íntima e exterior. Isto é, sem a observação prática, o exposto é um conjunto de palavras vazias, ou sem o entendimento das idéias que representam. Atividades inconscientesAtividades inconscientesAtividades inconscientesAtividades inconscientesAtividades inconscientes Eu digo isso, porque há atividades que ocorrem de modo inconsciente e impedem, por exemplo, o entendimento das idéias expostas em uma palestra ou livro. A atenção pode ser desviada 16 para pensamentos alheios aos requisitados, e aí, DISTRAÍDOS sentimos, ou passamos a acreditar, que as palavras, ouvidas e lidas não tinham significados importantes ou claros. De ordinário, costumamos culpar o autor do livro ou o palestrante pela incompetência de não conseguir nos fazer gozar o prazer que procuramosno livro ou na palestra! Mas, há boa probabilidade de que não tenhamos nos esforçado o suficiente para entender o que nos tentavam passar através das palavras, e a ausência do esforço para conseguir entendimento, indica que nos esforçávamos para realizar outro OBJETIVO: o de buscar o prazer em coisa diferente. Aplicando agora, os novos conhecimentos para entender porque não procuramos o gozo no entendimento da palestra ou do livro, descobriremos que, na verdade, IGNORAMOS o significado mais amplo das palavras ditas ou escritas, pois nos distraímos buscando prazer em pensamentos diferentes dos requisitados por elas. SENTIMOS que as palavras causavam enfado e, de modo inconsciente, FUGIMOS delas, ao DESLOCAR a atenção para outras coisas trazidas ao PENSAMENTO... Estar inconsciente de algo é ignorar esse algo. A pessoa está inconsciente daquilo que IGNORA; daquilo que não sabe se existe, acontece ou ocorre. Normalmente estamos inconscientes de muitas coisas, inclusive das FUGAS que realizamos para não pensar em coisas tristes, dolorosas ou “chatas”. Aliás, a pessoa só pode adquirir consciência do muito que ignora sobre si, se estudar psicologia e praticar a auto-observação usando o que estudou. O problema, aqui, é que estudar implica em exercitar a teoria na prática. Sem exercitar as lições recebidas, não se aprende nada de Psicologia Racional, ainda que se permaneça muitos anos de boca aberta, aí onde vocês estão agora. É assim, porque a pessoa só pode agir ou reagir, CONSCIENTE de seus motivos, quando deixa de IGNORAR as leis psicológicas determinantes das ações e reações, tais como 17 as que a fazem se distrair, quando está aqui, por exemplo, com o fim de estudar para deixar de IGNORAR. Estudando sobre si, ela pode aprender, e saber, quando entra em desprazer e pensa, se comporta, em busca IRRACIONAL pelo prazer. Para facilitar ainda mais o entendimento dessa busca IRRACIONAL, vou contar um sonho que tive. Antes, porém, deixe- me dizer-lhes que eu sofria bastante, por não compreender, porque me magoava muito nas relações sociais. Eu SENTIA tanto desprazer quando me deixava magoar pelas pessoas, que um dia busquei prazer pedindo sabedoria a Deus. Não queria saber tudo! Contentar-me-ia em compreender alguma coisa sobre amor e ódio, entre os humanos. E enquanto aguardava Deus me atender, fui estudando psicologia. Fui atendido. E com tanta abundância, que hoje quase me arrependo de ter estudado, depois de pedir. É que agora SINTO uma certa vergonha, ao entender que me magoava, porque buscava prazer na mágoa... 19 Capítulo IICapítulo IICapítulo IICapítulo IICapítulo II Nos Sonhos Interpretando sonhos na prisão das ilusõesInterpretando sonhos na prisão das ilusõesInterpretando sonhos na prisão das ilusõesInterpretando sonhos na prisão das ilusõesInterpretando sonhos na prisão das ilusões Com mais estudo, vocês entenderão sobre essa busca inconsciente. Por ora, quero contar que certa vez, um pouco antes de acordar, tive um sonho. O que sonhei? Que via uma galinha triste, doente e machucada, tentando atravessar uma porta. Fui tentar ajudá-la, e quando a toquei, ela deixou de ser galinha. Virou uma pardoca, a fêmea do pardal. A pardoca podia voar, mas estava tão triste, doente e machucada quanto a galinha; eu a peguei. Não foi nada difícil pegá-la, porque ela estava muito fraca, abatida e sofrendo. Coloquei-a numa gaiola, junto com um pardal, notando antes, que a gaiola tinha vãos muito largos e não impediria ambos de voar bem alto e longe, se quisessem fazê-lo. Eram livres, mas pelo jeito não queriam a liberdade, pois o pardal, quando viu a pardoca fraca, ficou tarado. Vocês já viram pardais namorando? MÁRCIAMÁRCIAMÁRCIAMÁRCIAMÁRCIA BRIZOLLABRIZOLLABRIZOLLABRIZOLLABRIZOLLA – Namorando ou se acasalando? JORGEJORGEJORGEJORGEJORGE – Hoje há diferença, entre namorar e trepar (risos)? Eu perguntei se vocês já viram pardais namorando, porque quem viu sabe que as preliminares são uma loucura! É um voando atrás do outro, até caírem ambos num pacote. Embolados, eles fazem assim: criuscricrisic, ic. Você pensa que é briga, vai apartar e passa 20 vergonha. Então, eis que o pardal montou na pardoca e grrrr, rrr. E a pardoca, coitadinha, parecia ficar... CARMENCARMENCARMENCARMENCARMEN TERESATERESATERESATERESATERESA – Mais doente ainda? JORGEJORGEJORGEJORGEJORGE – Muito feliz! Ela pôs no bico um sorriso meio idiota e piava assim: pirutiupitupitu, tu... Embora doente, parecia encontrar prazer dentro de uma gaiola sem grades, e DISTRAÍDA com os REPETIDOS assédios do “namorado”. Todavia, a pardoca ia ficando cada vez mais abatida, mais doente. E o pardal, mais uma vez, e de novo, grrrr, rrr, na pardoca. Achei demais e tentei apartar. O pardal montado: grrrr, rrr, e a pardoca, coitada, piando cada vez mais fraquinho: pirutiupi, tu. Quando consegui apartar, a pardoca já havia morrido. Acordei de repente, condoído pela sorte dos pardais que, DISTRAÍDOS com o “amor”, eram inconscientes da prisão sem grades. Tentei interpretar o sonho, sabendo que ele resultava de uma atividade psíquica, visando encontrar prazer perdido em dia anterior, ou antes... Que fato teria gerado o desprazer que MOTIVOU o sonho? O pior é que o sonho fracassou na sua função, pois acordei sentindo o coração apertado... Bom, devo explicar que sou uma pessoa BEM INTENCIONADA e boa, como todo mundo. Amo animais em geral e entendo que devem ser protegidos de humanos IGNORANTES. Sofro muito, quando vejo um bicho qualquer sendo maltratado covardemente, e procurava me safar do sofrimento, mergulhando no sonho em busca de PRAZER. Ao tentar identificar qual teria sido o fato que forneceu MOTIVO ao sonho, lembrei de uma situação ocorrida em dias an- teriores. Um casal de canários havia sido doado para nossa esco- la e colocado em um viveiro enorme, com outros pássaros. No meio deles, por certo devia haver indivíduos agressivos, e um pe- riquito grosseiro bicou a delicada canária machucando-a. Quando me contaram, procurei retirar os canários da promiscuidade do viveiro, pois já não podiam ficar lá. 21 Aparentemente, o ferimento na perna da canária era superficial e insignificante, por isso coloquei o casal numa gaiola privativa. Ela bebia, se alimentava sem dificuldade e parecia bem disposta. Levei-os, então, para minha casa, com o fim de cuidar melhor deles, com bastante carinho. Após a primeira noite que passaram em minha casa, percebi, logo de manhã, que o canário BICAVA o ferimento da canária. Por que faria isso? Eu sabia que os animais em geral reagem, quase automaticamente de modo comportamental, a certos “sinais” presentes no meio ambiente... Zoólogos formidáveis como o alemão Konrad Lorenz e o holandês Nikko Tinbergen, por exemplo, observaram comportamentos “de recuperar ovos” em gansos e, em outras aves que fazem ninho no solo, e verificaram que TENDEM a rolar com o bico, para dentro do ninho, qualquer objeto arredondado e de certo tamanho que esteja próximo. Observem que não procuram rolar para o ninho os ovos que realmente de lá saíram, ou outros ovos, e sim objetos cujas FORMAS serviam de “sinais” para desencadear atividades “de recuperar ovos”. Tendo esse conhecimento, a primeira resposta que me ocorreu foi a de que o ferimento servia de sinal para causar uma excitação desconfortável no canário, e ele se aliviava, bicando-o. Talvez o sinal levasse a ato muito comum entre pássaros, de limpeza de penas, DESLOCADO para a perna ferida. Nos macacos, a limpeza de parasitas e sujeiras, que um faz nos pêlos do outro, é atividade de integração social e conhecida por “catação”. Por via das dúvidas, separei a canária do canário. Coloquei- a isolada em outra gaiola, acreditando que agora melhoraria do ferimento, pois o outro, ainda que tivesse boa INTENÇÃO, já não poderia mais agredi-la com bicadas. Mas qual! No dia seguinte a gaiola estava toda ensangüentada, e a canarinha,que judiação, quase morta. Ela parecia precisar que outro a bicasse, ou das 22 bicadas, porque apesar de isolada, se bicava na ferida. Sendo o ferimento, também para ela, sinal disparador de bicadas reflexas, de “limpeza”, ela mesma, se encarregou de bicar-se. E era muito tarde. Nada mais pude fazer. Ela morreu de tanto sangrar. Sonhar é atividade psíquica, através da qual, de modo reflexo e na inconsciência, buscamos conforto para as INSATISFAÇÕES. Mas, repito que buscar prazer não é o mesmo que encontrar. Nem sempre o conseguimos. No sonho, eu buscava proteger e salvar a pardoca e terminei tão frustrado quanto me SENTI culpado pela sorte da canária. Então, eu buscava no sonho, alívio para a culpa que SENTIA. Buscar prazer nas ilusões pode dar desprazerBuscar prazer nas ilusões pode dar desprazerBuscar prazer nas ilusões pode dar desprazerBuscar prazer nas ilusões pode dar desprazerBuscar prazer nas ilusões pode dar desprazer Em outras aulas já demonstrei, que todo “ser vivo” se firma no ambiente tentando exercer algum CONTROLE sobre presas, território e parceiro sexual, por exemplo, fato que o leva a aprender e a EVOLUIR. Ninguém deve estranhar isto, pois a natureza está sempre em movimento e em TRANSFORMAÇÃO, e termina criando situações NOVAS, ditadas por desequilíbrios e equilíbrios energéticos. Os chamados “seres vivos” não escapam dessa regra. Eis a razão pela qual os cientistas constatam que os “seres vivos” se transformaram, se transformam e EVOLUEM, tanto na anatomia como na inteligência. Com a tendência evolutiva dos “seres vivos” em mente, lembro que no curso, “Sexo, prazer e amor”, discutimos tema muito conhecido dos veterinários de zoológicos, sobre os animais. Que, tendo as ATIVIDADES restringidas por jaulas, DESLOCAM as energias que deveriam gastar na busca por PRAZER EM LIBERDADE, para atos VICIADOS, dirigidos ao próprio corpo. Os papagaios, por exemplo, podem passar a se ferir, em gaiolas, arrancando as próprias penas com os bicos, por terem sido 23 privados de exercitá-los em galhos de árvores; nas jaulas, os leões andam em círculos o tempo todo como se realizassem longas caminhadas, livres pelos prados selvagens... Acorrentados e impedidos de se locomover, elefantes balançam o corpo sem parar etc. Livres, na natureza, não teriam tanto tempo para os vícios, pois viveriam atarefados, com ATIVIDADES ADAPTATIVAS naturalmente EXIGIDAS pelo ambiente, tais como fugir de predadores, competir com outros do mesmo grupo, caçar, construir ninhos, resolver problemas de acasalamento, etc. Em liberdade, por exemplo, lobos e felinos, quando levemente feridos, lambem o ferimento por tempo suficiente para realizar uma eficaz assepsia curativa. Aprisionados, recebem alimento e cuidados físicos dos que os aprisionaram, e passam a ficar muito tempo na ociosidade. Impedidos de realizar ATIVIDADES ADAPTATIVAS, ou aprendizagens que os permitiriam se firmar na plenitude de ser, lambem tanto um superficial arranhão, que terminam por transformá-lo numa grave chaga. Chegam a provocar terríveis mutilações em si mesmos. As exigências ambientais geram constantes problemas, que são ótimas oportunidades para o animal APRENDER formas de ação inéditas, NOVAS. A aprendizagem não ocorre, porém, se ele REPETE, de modo compulsivo e “reflexo”, as formas arcaicas de ação. E essa REPETIÇÃO pode ocorrer, em razão de uma inadequada percepção da realidade. Gansos rolam objetos estranhos para dentro do ninho, por exemplo, porque eles possuem FORMAS PARECIDAS com as do ovo. Diríamos que DESLOCAM os atos que deveriam CONTROLAR os objetos verdadeiros, para objetos falsos, como se “acreditassem” lidar com os verdadeiros. Ora, vimos que animais IRRACIONAIS como gansos, macacos e outros realizam atividades de limpeza em si e nos parceiros. Aprendemos também que, em razão de inadequadas percepções, podem CONFUNDIR o ferimento próprio e alheio 24 como “sujeira” ou objeto estranho ao corpo, e para ele DESLOCAR atos compulsivos de limpeza. Isso nos leva a perguntar: será que quando estamos DISTRAÍDOS ou esquecidos de RACIOCINAR não fazemos o mesmo? Será que não deslocamos REPETIDOS, arcaicos e insatisfatórios atos, a objetos inadequados como o próprio corpo e alheio, em vez de realizar nossa plenitude de ser e gozar maior SATISFAÇÃO? O princípio que rege os atos deslocados pode ser reco- nhecido no seguinte exemplo humano: um empresário ficou mui- to irritado com um funcionário relapso e DESEJOU botá-lo na rua a pontapés. Pensou o quanto seria prazeroso fazê-lo. Mas, TE- MENDO a represália legal, apenas o despediu dentro das normas. Certamente, ficou INSATISFEITO por não realizar o que queria e, mais tarde, ao chegar em casa, o seu cão de estimação foi ao seu encontro para recebê-lo afetuosamente. Demonstrando alegria, pulou sobre o empresário, que deu-lhe contundente pontapé. De- pois, percebendo vagamente que teria cometido um erro, FUGIU da culpa buscando uma DISTRAÇÃO e racionalizou o ato treslou- cado alegando que a CULPA pelo pontapé grosseiro foi do cão, que o irritou ao encher a sua calça nova de pêlos. Como se vê, o DESEJO de dar um pontapé no funcionário fez a musculatura da perna e do corpo ficar em TENSÃO. O desejo fixou energias bioelé- tricas na musculatura e o pontapé foi reprimido determinando uma INTENSÃO recalcada que foi liberada no ato DESLOCADO, do qual se arrependeu... Mas já era tarde. O azar foi do cão desprotegido de LEIS capazes de o livrar de pontapés. Por ser submisso, se colocou disponível e próximo demais do agressor DOMINANTE. Em suma, as energias psíquicas e físicas mobilizadas pelo desejo de chutar o empregado protegido por legislação, forçavam a busca da satisfa- ção prazerosa para outro ser, e impeliram ao pontapé no momento exato em que o desprotegido cachorro se aproximou carinhoso. Sendo assim, para não DESLOCAR agressões a pessoas e seres da mais íntima convivência, aos quais dizemos amar, não 25 seria errado reprimir pontapés? Deveríamos todos liberar o ódio e começar a dar pontapés nas pessoas que nos irritam? Há psicólogos que defendem tal postura catártica DESLOCADA para sacos de areia e almofadas, mantendo os clientes aprisionados nas ATIVIDADES motivadas por impulsos sentimentais, irracionais e pouco civilizadas, que DISTRAEM como REPETIÇÕES VICIADAS e tornam impossível a APRENDIZAGEM de respostas RACIONAIS, em que a raiva do animal não venha a ser despertada, nem alimentada. Dissemos antes que, quando as energias psíquicas e orgânicas do indivíduo são impedidas de expressão nos atos SATISFATÓRIOS à realização plena do ser, surgem ATOS DESLOCADOS que as “gastam”, em alvos substitutos dos originais. O homem já evoluiu anatômica e fisiologicamente do uso das patas para o da INTELIGÊNCIA RACIONAL, e se for impedido, cerceado ou reprimido de realizar ATIVIDADES desta categoria mental, REPETIRÁ especializadas atividades arcaicas, em VÍCIOS que prejudicam justamente a aprendizagem e o desenvolvimento da INTELIGÊNCIA. Tendo uma noção sobre deslocamentos, ao saber que fulano, depois de declarar amor por fulana e casar-se com ela, dilapidou todo o dinheiro dela e a abandonou, poderemos arriscar uma hipótese: a de que foi impedido, pela cultura, de se firmar no nível mental e psicológico do ser humano ADULTO e civilizado. Podemos supor que ele declarou amor imaturo, e casou-se para REPETIR atos DESLOCADOS do leviano relacionamento infantil com a mãe, para a fulana. A paixão por ela, ou pelo dinheiro dela, pode ter sido motivada por SENTIMENTO de busca infantil por prazerosa DEPENDÊNCIA da mãe provedora! Ora, biologicamente ainda somos animais! Vivemos em sociedade, cujas leis e regras de organização social reprimem algumas atividades grosseiras e brutas, e quase todas de SUBLIMAÇÃO, que levariam o homem a avançar no plano mental. 26 O homem bruto, por exemplo, reprimido na grosseria, pode APRENDER a sublimar.Se sente ódio por pessoas e é impedido por lei, de matá-las a dentadas, poderá buscar SATISFAÇÃO deslocando as atividades dos maxilares para compulsivos atos de fofocas. São atividades igualmente imaturas e atrasadas, que preservam a eficácia dos MOTIVOS sentimentais e animais, mas não tão lesivas. Por outro lado, é bem provável que nós todos, apesar da elevação espiritual, civilidade e BOAS INTENÇÕES, de que nos jactamos investidos, busquemos SATISFAÇÃO em ATIVIDADES DESLOCADAS, arcaicas, e já VICIADAS, porque a prisão social e cultural reprime a maioria das atividades de crescimento mental... Aliás, quem quiser se analisar com seriedade APRENDE- RÁ, neste estudo, a reconhecer alguns dos VÍCIOS gerados pelo deslocamento de energias, que no passado eram gastas na COM- PETIÇÃO territorial, instintiva, irracional e animal, para atos da mesma qualidade, mas DISFARÇADOS de “civilizados”. Os disfar- ces mantêm o COMANDO dos impulsos irracionais, impedindo que estes sejam reconhecidos e, porque são IGNORADOS, per- manecem na inconsciência. Deslocamento de culpaDeslocamento de culpaDeslocamento de culpaDeslocamento de culpaDeslocamento de culpa Fofoqueiro, normalmente, é o sujeito que CULPA outras pessoas pela sua frustração, desprazer ou INSATISFAÇÃO. Se ele sofre por não ter sido promovido no emprego, por exemplo, culpa o chefe. Sente ódio do “culpado” e sofre mais ainda. Pode buscar recuperar o prazer, então, na vingança, e “matar o culpado” simbolicamente, nos sonhos, devaneios ou falando mal dele e sabotando sua chefia. E não é por buscar o prazer que consegue, já vimos. Na verdade, o ódio o consome cada vez mais, na medida em que realimenta o sofrimento, ao lembrar da não promoção, do 27 “culpado” e do insucesso de suas anteriores atividades vingativas. Em TENSÃO constante vive DESLOCANDO atos gerados pelo ódio contra pessoas do seu convívio. Conseqüentemente, a IGNORÂNCIA de que certas atividades não são as mais adequadas para fornecer prazer, pode gerar desprazer e dores contínuas. Eu sabia, por exemplo, que me sentir culpado pela morte da canária não era o modo correto de buscar prazer. Mas, esta sabedoria ainda era apenas teórica, e só se tornou prática, depois de aplicar meus conhecimentos na análise do que eu SENTI após o sonho. Nele, a pardoca não se recuperou da doença porque eu fui imprudente e a aproximei do macho, permitindo que fossem envolvidos pelo “amor-tesão”. Depois, NÃO SABIA como deter as investidas de “amor” do pardal tarado. O SENTIMENTO indicava que eu me odiava por essa IGNORÂNCIA! Ora, havia uma ligação do sonho com o fato ocorrido com os canários, e, obviamente, eu sentia culpa por tentar cuidar deles com ATOS inadequados. Sentia culpa por ter sido IGNORANTE e, enquanto não APRENDESSE a deixar de ser, continuaria buscando alívio para minha dor DESLOCANDO o ódio contra o “culpado”, com agressões. O “culpado” era eu, e então, “bicava ou lambia” o ferimento aberto pela culpa em meu coração, como se buscasse o prazer de me SENTIR “limpo” com a auto-agressão. SANDOVAL QUARESMA –SANDOVAL QUARESMA –SANDOVAL QUARESMA –SANDOVAL QUARESMA –SANDOVAL QUARESMA – Mas você fez o que pôde! E assim como não culpou outras pessoas não devia culpar a si mesmo por não saber cuidar melhor de canários! JORGE –JORGE –JORGE –JORGE –JORGE – Meu caro amigo, a Psicologia Racional oferece uma teoria testada para o indivíduo USAR na análise dos seus problemas. Logo, obedecemos ao seguinte princípio: não mate minha fome oferecendo-me peixes para comer; ensine-me a pescar e deixe que o sentimento famélico me leve a fazê-lo. Não é que não seja bom ter você por perto, aconselhando-me! É que em nossa cultura há muitos dizendo como devemos fazer para viver 28 felizes sem resolver os problemas que nos afligem. E se eu me livrasse de culpas sem APRENDER com elas, apenas FUGIRIA de encarar o SENTIMENTO que me motiva a detectar e resolver problemas! Manteria minha inteligência na prisão da especialização e sem realizar ATIVIDADES RACIONAIS. Apenas “justificaria” minha IGNORÂNCIA, atendendo ao desejo de não ser ignorante, e a manteria fora de foco da ATENÇÃO crítica. Seria o mesmo que atribuir a morte dos animais à IGNORÂNCIA dos canários, da galinha, dos pardais e até de quem me deu os pássaros! Aí, DISTRAÍDO com a culpa dos outros, preservaria a minha como algo aceitável. Assim, FUGIRIA do desprazer que a culpa gera e das ATIVIDADES naturais e adequadas para torná-la consciente. E, em vez de APRENDER, realizando minha vocação de ser inteligente, continuaria VICIADO nas infantis, irracionais e IRRESPONSÁVEIS RELAÇÕES com outras criaturas. Por outro lado, eu também poderia ficar VICIADO, em sentir culpa. Neste caso, a culpa não serviria de MOTIVADORA para a aprendizagem, e sim de atividade patológica, masoquista, de autoflagelação. Para diferenciar a atividade produtiva da não inteligente, suponham que eu tivesse derrubado uma leiteira por falta de ATENÇÃO, e derramado todo o seu conteúdo. De modo sadio, procuraria entender que devo prestar mais ATENÇÃO no que faço; de modo doentio, não procuraria aprender nada, ou mesmo aprendendo, continuaria a “sofrer pelo leite derramado”. A canária morreu e nada que eu fizesse poderia ressuscitá- la! Daí ser estupidez chorar pelo leite derramado ou pela morte da ave. O que havia para lamentar era a minha IGNORÂNCIA e irresponsabilidade. E neste caso, a culpa indicava haver algo que eu podia fazer: APRENDER a deixar de ser ignorante e irresponsável. Quem aceita cuidar de canários deve ser coerente com a racionalidade e aprender a fazê-lo. É como age quem é consciente de sua responsabilidade na convivência com outras criaturas. 29 Lembram quando o “Pequeno Príncipe”, de Saint Exuperry, declarou que nos tornamos responsáveis pelas criaturas que cativamos? Então, a inteligência não me permite esconder a culpa de meus olhos críticos, nem que a preserve com orgulho. Eu não poderia exibir a IGNORÂNCIA, dizendo: “Que pena! Eu não sabia que isso podia acontecer!”. Isto seria usar a ignorância como desculpa pelas desastrosas conseqüências da minha ação ignorante. Ao contrário, a ignorância provoca vergonha em quem dela se torna CONSCIENTE. E justificá-la, em vez de corrigi-la, me envergonharia, pois só quem é viciado na IGNORÂNCIA a justifica através de REPETIÇÕES inconscientes, e a ostenta como se fosse um valioso troféu. Eu fui culpado sim, de imprudência, imperícia e negligên- cia, ao aceitar levianamente e de modo irresponsável, cuidar de dois seres viventes. IGNORAVA que não devia colocá-los com periquitos e que precisava proteger o ferimento da canária contra as bicadas do outro e dela própria. Ora, sem aceitar a CULPA, ninguém pode observá-la e estudá-la, para se ARREPENDER dos erros que ela acusa, e em seguida APRENDER a não cometê-los mais. Afinal, o preço da ignorância não é pago apenas por quem erra, mas também por canários e todos os outros seres que so- frem, por terem de conviver com ignorantes. Quando DIGO que amo pessoas e entes da natureza, e não me responsabilizo pelo bem estar deles, mostro leviandade e que o que DIGO não merece crédito. Mostro ainda, o que devem esperar de mim as pessoas e seres que digo amar. Só quem admite erros pode APRENDER a corrigi-los e obter o prazer negado aos que fogem da compreensão, usando desculpas esfarrapadas. Pior, fugindo da admissão do erro, eu não seria diferente das criaturas de cérebro acanhado, que nos meus sonhos tento ajudar a ultrapassar a porta da transformação! Eu não poderia ensinar ninguém a usar a RAZÃO, fugindo da atividade racional! Se o fizesse, continuaria desesperado como 30 no sonho, em que, apesar de fornecer as condições para a galinha se transformar em pardal com fortes asas, não poderia privá-la da complicada convivência “amorosa” com outros seres. Eu a QUERIA uma ave forte para escapar das grades da gaiola em vôo livre,mas NÃO VERIA, que só iria se fortalecer, pescar ou voar em liberdade se ela QUISESSE. Então, culpa indica ação a ser revista, analisada, sendo, portanto, um estimulante para a APRENDIZAGEM. Neutralizando-a deixo de me importar com as conseqüências de meus atos e de APRENDER. Ora, sem aprender, na tarefa de tentar ajudar pessoas a atravessar um portal de luz (o logotipo do NUPEP é uma porta aberta atravessada por forte luz, que envolve estudante prestes a cruzá-la), eu continuaria a agir tão INCONSCIENTE como o pardal tarado, que “ferra” a criatura que deveria ajudar. Muitos dizem amar pessoas, animais e a natureza, tendo na cara o mesmo sorriso idiota da pardoca do meu sonho. Com o mesmo ar patético dizem também: “O amor é lindo! Só o amor constrói! É preciso preservar a natureza...” Mas, na prática, fogem das desagradáveis culpas e se REPETEM na ação destruidora de tudo o que tocam, com atos INCONSCIENTES, que não corrigem “nem a pau”, pois não se propõem a tomar consciência deles. Contudo, procurando aprender mais, perguntamos: se o canário macho havia de realizar atos deslocados, por que tinha de ser especificamente, justamente os de bicar o ferimento da canária? VITORVITORVITORVITORVITOR SCHIEZAROSCHIEZAROSCHIEZAROSCHIEZAROSCHIEZARO – Você já respondeu! O ferimento era um estímulo para ele bicar! O incomodava de certa forma e ele o bicava buscando reduzir o incômodo; para ter prazer. Só que buscar não significa conseguir! JORGE –JORGE –JORGE –JORGE –JORGE – Muito bem, Vítor! Mas agora devemos avançar para encontrar resposta mais precisa, que explique, senão os atos dos canários, os nossos. É claro! Afinal, em Psicologia Racional procuramos entender comportamentos de homens, mesmo 31 quando falamos dos outros animais. Até agora, por exemplo, os animais nos mostraram que as energias impulsionadoras da adaptação evolutiva exigem ATOS INTELIGENTES ou de APRENDIZAGEM, diante dos problemas. E para dar vazão natural à inteligência, os problemas expressos nas PERGUNTAS são sempre melhores do que as certezas das respostas, que o vício da IGNORÂNCIA preserva. Por que o canário tinha de bicar justo a perna da canária? DAVID CANASSA –DAVID CANASSA –DAVID CANASSA –DAVID CANASSA –DAVID CANASSA – Porque o ferimento era um estímulo e o canário não chuta. Canário bica. Sendo ave, opera no seu ambiente, predominantemente, com o bico. JORGE –JORGE –JORGE –JORGE –JORGE – Bom, David, é verdade que cada criatura se expressa no ambiente através das atividades específicas do seu NÍVEL EVOLUTIVO. Se fosse um gato arranharia, um cão morderia, e um burro, o que faria? Escoicearia e morderia. É evidente que o ferimento da canária não estimulou no canário a atividade de pensar, de produzir idéias, raciocínios! Que besteira, não é? Se o canário raciocinasse antes de bicar, não bicaria a perna ferida da companheira. Sendo uma ave, o estímulo despertava nele a reação operante de bicar. Todavia, havia outros estímulos na gaiola! Por que não bicou a vasilha de comida, de água, o pau do poleiro, as grades da prisão, entre outras coisas? Por que o ferimento da canária foi o SINAL eficaz entre todos os outros? Observem que essa pergunta deve servir de SINAL eficaz para estimular uma ATIVIDADE natural do animal humano: a de raciocinar. Cada SINAL exige resposta específica e correspondente ao melhor nível do sujeito. Se não tem resposta eficaz para minhas perguntas, é porque não aprendeu o suficiente sobre o assunto, ou eu não forneço sinais claros o suficiente para levar a ATENÇÃO dele para o que quero saber. Seja lá pelo que for, é bom aprender agora que o canário bicou o ferimento da canária, porque era o SINAL que solicitava a ATENÇÃO dele. Além disso, exigia ou PEDIA 32 atividade reflexa, habitual e SOCIAL. A vasilha de comida não era sinal que prendia sua ATENÇÃO, por estar vazia ou por ele estar sem fome. Em outras palavras, a canária estava disponível e parecia PEDIR a ATENÇÃO e as bicadas do canário, assim como a fulana pediu o que teve, ao casar-se com o fulano... Sentindo e agindoSentindo e agindoSentindo e agindoSentindo e agindoSentindo e agindo Se eu tivesse evoluído mais, e exercitasse um NÍVEL pleno da razão, raciocinaria antes de agir e teria encontrado uma solução para proteger a canária dos outros e de si mesma. O acontecimento mostrou, portanto, que o raciocínio não é atividade tão constante nos meus pensamentos e atos, como eu gostaria que fosse. E não se apresentou nos meus cuidados aos canários, talvez porque me DISTRAÍ da realidade presente, com temas que não eram pertinentes a pássaros. No mínimo, eu deveria ter me informado sobre canários, antes de tentar cuidar deles! A verdade é dura, mas o fato é que o ferimento da canária não foi SINAL capaz de desencadear raciocínio nela, no seu macho ou em mim. Podemos dizer, apenas, que tanto os canários como eu fomos só capazes de SENTIR que o ferimento existia e que estava ali requisitando uma atividade nossa. Enquanto seres meramente sentimentais, como respondemos ao ferimento da canária, eu e o canário? PATRÍCIA RAMOSPATRÍCIA RAMOSPATRÍCIA RAMOSPATRÍCIA RAMOSPATRÍCIA RAMOS – – – – – Só sentindo e agindo de modo irracional... JORGE –JORGE –JORGE –JORGE –JORGE – É claro! Por princípio, sabemos que o MOTIVO das ações é o sentimento de desprazer. Uma excitação indefinida, de ansiedade talvez, fez o canário dar bicadas, instintivamente, no ferimento para se aliviar... Poderíamos entender esse assunto da bicada como a coceira que PEDE ou exige a resposta específica da coçada. A coçada não elimina a coceira, mas dá certo alívio, 33 conforto... De qualquer ângulo que estudemos, verificamos ter sido um sentimento que fez o canário SENTIR DESEJO de bicar o ferimento. E bicou. O canário tinha consciência para saber que fazia mal à canária, ao realizar seu DESEJO? ALGUNS DA PLATÉIAALGUNS DA PLATÉIAALGUNS DA PLATÉIAALGUNS DA PLATÉIAALGUNS DA PLATÉIA – – – – – Não. JORGE –JORGE –JORGE –JORGE –JORGE – E mais tarde? Ele procurou avaliar o resultado de seus atos? ALGUNS DA PLATÉIAALGUNS DA PLATÉIAALGUNS DA PLATÉIAALGUNS DA PLATÉIAALGUNS DA PLATÉIA – – – – – (Risos) Não. JORGE –JORGE –JORGE –JORGE –JORGE – O canário sequer sentiu a culpa, porque este sentimento só surge por evolução, entre humanos com ordem superior de consciência para, ao menos, desconfiar que errou de algum modo. A culpa é modo superior de SENTIR que há problemas a resolver. E fugir deles, através de DISTRAÇÕES é atividade psicológica atávica que pode ser mantida como VÍCIO. Em 1846, o médico Robert Liston (1794-1847), era chama- do “dedos de relâmpago” por ser grande cirurgião. Ele realizou a primeira cirurgia com anestesia da Europa, em Londres, amputan- do a perna de um homem. Pena que tenha amputado a perna erra- da... Talvez tivesse sentido culpa, mas se DISTRAÍDO dela porque sua bicada foi enaltecida socialmente como “sucesso inédito” na arte de anestesiar... Houve também, a prática indiscriminada da sangria médica, tempos atrás. Por qualquer coisa, os médicos sangravam... Segundo Richard Gordon, autor do livro, “A assustadora história da medicina”, o grande médico, John Coakley Lettsom (1744-1815), caridoso e benemérito da humanidade, foi o fundador da atual Sociedade de Medicina de Londres e, como todos os médicos antigos, repetia os princípios destinados a rejeitar culpas com antecipação: “Quando os pacientes vêm a mim eu os purgo, sangro e faço suar. Então, se resolvem morrer, o que é da minha conta?” 34 Os médicos antigos, muitas vezes não sabiam o que fazer para curar ou diminuir as dores do paciente, mas nem por isto deixavam de realizar as ATIVIDADES enaltecidas socialmente, que deles eram esperadas e exigidas. E, com exceção do charlatão, que é contumaz, todos os médicos já feriram, ocasionalmente, ao “bicar” como o canário ou como o pardal tarado, porque os pacientes querequisitam a ATENÇÃO deles fornecem um SINAL que PEDE resposta SOCIAL inconsciente e sentimental. Diante desse sinal há os que sangram demais os bolsos do cliente, receitam anestésicos, estimulantes, cirurgias e todos os tipos de remédios, muitas vezes SEM RACIOCINAR se farão bem ou mal. Afinal de contas, para a resposta SOCIAL basta que os médicos tenham a autorização institucional para o exercício da função profissional de curar e de aliviar as pessoas de seus sofrimentos. As dores e o medo de mutilações e de morte provocam uma regressão nas pessoas, a estágios reflexos, “automáticos” e infantis de frágil dependência, levando-as a se comportar como crianças que, esperam do médico, também, a segurança paternal. Por isso, muitos médicos se tornam especialistas em apresentar poses e atos de dominância, respostas tão inconscientes, muitas vezes, quanto às bicadas do canário. O canário sabia que estava provocando a morte de sua parceira? Não. Ele estava inconsciente daquilo que sua atividade podia produzir. Então, ele bicava dormindo? Estar inconsciente é não saber nada do que se faz? Claro que não! Certamente sabia que bicava. Há médicos buscando realmente curar, aliviar sofrimentos e realizar avanços na Medicina. Mas, também, há os DISTRAÍDOS desses objetivos nobres, e com a atenção diretamente voltada a outros objetivos dados pelo sentimento de dominância, de poder, de vaidade e prepotência arrogante. E IGNORAM quando seus atos não são os mais adequados para curar ou aliviar. Como a consciência, a inconsciência é um estado relativo. 35 Sou consciente de algumas coisas e inconsciente de outras. Eu estava inconsciente de que os canários bicariam o ferimento e eles estavam conscientes de que havia algo na frente, exigindo ser bicado. Podemos dizer que esse algo era o sangue, a perna ferida ou machucada, mas devemos entender que o pássaro não pensa com nossas palavras, se é que pensa. O mais correto é dizer que dado sinal estimula-o a sentir e a reagir de modo reflexo, de acordo com o sentimento. Mas, o canário não sabe nada de sinais porque não estuda conosco. Por outro lado, não sei o que um sinal produz na cabeça do canário, porque não sou canário. Mas, experimentos mostraram, também, que os filhotes de pássaros abrem o bico diante dos pais e isto seria um sinal de pedido para depositarem alimento lá dentro... Observando comportamentos concretos, relacionados com certas formas perceptivas, digo apenas que o canário vê no ferimento algo e tem consciência do que vê; do que sente, pois é o sentimento que o orienta no ato de bicar. Por isso podemos dizer, que ele tem consciência da presença do ferimento, enquanto um sinal, e da necessidade de bicar. E sabe que bica. Logo, o canário tem muita consciência. Não tem? Tem. Só falta-lhe deixar de IGNORAR que, ao bicar pode fazer mal a si e a outros. Muito bem. Médicos em abundância cometeram muitos erros por este mundo afora. Sentiram que deviam fazer o que fizeram e tinham consciência do que faziam. Nos casos em que os seus atos foram inadequados, pode ter lhes faltado a consciência disso. Mas, em todos os casos, sem dúvida, fizeram o que os pacientes esperavam deles. E o que esperavam? 37 Capítulo IIICapítulo IIICapítulo IIICapítulo IIICapítulo III No Poder O exercício do domínioO exercício do domínioO exercício do domínioO exercício do domínioO exercício do domínio Para responder, devo discutir com vocês outra observação. Na minha infância tive um cachorro que parecia capão. Era gordinho e pretinho. Tinha um toco de cauda e, por isso, o chamávamos de Pitoco. Foi criado por nossa família desde que era pequenino, embora eu sempre me lembre dele como cão adulto. Ele foi meu fiel companheiro desde que nasci, até meus dezoito anos. Quando eu tinha aproximadamente oito ou nove anos, outro cachorro entrou em minha vida. Era amarelo e tinha seguido minha mãe na volta das compras, no mercado. Adotamo-lo e lhe demos o nome de Bob. Ele era muito parecido com o Biju, cachorro da atualidade que alguns de vocês conhecem. Tinha a mesma carinha alegre do Biju, muito simpática, sempre sorrindo para a gente. Pois bem, eu ensinei o Bob a sentar-se para pedir comida, a andar apenas sobre as patas traseiras, a buscar chinelos... Em muitas ocasiões desfilei pelas ruas de Sorocaba orgulhoso, com ele equilibrado na garupa da bicicleta. Eu achava o Bob muito inteligente e brincava mais com ele, porque o Pitoco era meio rabugento. Quase não brincava. Era um cachorro sério, invocado. Chegavam pessoas para ver minha mãe, que benzia crianças, aconselhava e dava amparo espiritual, 38 e ele se aproximava delas, como quem não queria nada. Sorrateiro, com jeitão maneiro, sossegado, ninguém prestava atenção nele. Parecia apenas um cão preguiçoso, muito folgado... Mas quando chegava perto das pessoas, nhac; ele mordia a perna delas. Vivia criando problemas para minha adorada mãe, por causa disso. O Pitoco era encrenqueiro e bom de briga, apesar de ser baixinho. Sua constituição física baixa e atarracada era semelhante a de um buldogue e, devido a essa estrutura, os outros cães, ao atacá-lo afoitamente, terminavam rolando por cima dele, e caindo numa espécie de “cama de gato”, como se levassem um golpe de judô. Virou e mexeu, alguém de casa tinha de desgrudar os dentes do Pitoco, do pescoço de outro cachorro. Já o Bob, coitado, a gente via logo que era neurótico; que tinha problemas de afirmação sexual. Por isso, de vez em quando a gente passava vergonha com ele, pois não reagia com firmeza convincente, quando outro cão abusava de sua bondade e queria usá-lo como cadela. Pois bem, quase todo mundo sabe que os animais sociais defendem ferozmente um espaço vital que nós chamamos de terri- tório. Então, o território do Pitoco e do Bob era, religiosamente, demarcado todo dia, com urina, e abrangia alguns metros em volta da casa, ali na Artur Gomes, uma rua central da cidade, mas que na época era sem pavimentação, cheia de buracos e de mato. O por- tão de nossa casa, assim como as portas, vivia aberto. Os cachor- ros, assim como as cabras e galinhas que minha mãe criava, saiam para a rua e entravam quando queriam. Isso era delicioso! Vocês não podem imaginar como é viver entre animais domésticos e com a casa toda aberta, sem medo, nem paranóia. Nunca mais teremos isso. Mas, como eu dizia, o cachorro que se atrevesse a passar na frente da casa estava invadindo o território. Quando acontecia, o Bob era o primeiro a dar o alarme e começava a encher a paciência do Pitoco, latindo em suas orelhas, como se o conclamasse a irem expulsar o outro dali. 39 O Bob tinha alguns dentes estragados e vivia apanhando do Pitoco que, ao contrário, tinha dentadura formidável. Mas, no fundo eram amigos... Deviam ser, porque afinal, moravam na mesma casa e demarcavam o mesmo território. O que digo é que essa relação social não evitava que, por ciúme, por algum pé de frango ou bala de doce, o Pitoco abandonasse a preguiça e irritado, batesse no Bob. Ai dele quando tentava se alimentar antes do Pitoco. Afrontava a “autoridade” do DOMINANTE da relação social e apanhava. Por isso vivia machucado, e talvez, REPRIMINDO muita raiva. Todavia, quem os visse juntos, latindo atrás da carroça do leiteiro, que passava em frente da casa, dormindo um com a cabeça repousada no corpo do outro, diria que na maior parte do tempo eles tinham uma amizade linda, exatamente do tipo que as pessoas, não muito racionais, são capazes de ter. Sempre que nos referimos à amizade entre irracionais, também lembramos interessante estudo que os cientistas realizam sobre a formação HIERÁRQUICA dos animais sociais! Entre inúmeras espécies, há COMPETIÇÃO dos indivíduos no grupo, para “ver” quem domina, de modo que as escaramuçasentre eles permitem que cada um se posicione em degrau hierárquico muito bem definido. Na primeira vez que os cientistas observaram essa COMPETIÇÃO por dominância, entre irracionais, foi entre galinhas, e por isso chamaram o fenômeno de “ORDEM DAS BICADAS”. Eles constataram que a galinha dominante era, invariavelmente, a que BICAVA o submisso mais próximo... Curiosamente, esse estudo mostrou que as lutas violen- tas entre membros da mesma espécie eram raras. Depois de fir- mado o status de cada um no grupo, os animais SUBLIMAM o embate mais duro, e mais feroz, capaz de gerar ferimentos sérios e até a morte, SUBSTITUINDO-O por RITUAIS nos quais um EXI- BE ao outro suas melhores armas. Ursos, lobos e felinos em ge- ral, por exemplo, eriçam pêlos e adotam posturas agressivas, que dão a APARÊNCIA de serem maiores do que realmente são, es- 40 cancaram as afiadas presas e rosnam grosso e alto. Tal EXIBI- ÇÃO geralmente é suficiente para provocar MEDO e levar o outro a assumir postura SUBMISSA e apaziguadora. As aves EXIBEM esporas, bicos, penas, gritos, etc. Mas, voltando à minha saudosa recordação, quando outro cachorro invadia o território, o Bob “convocava” o Pitoco para irem expulsá-lo. Era uma coisa impressionante o que eu observava na época, e mesmo sem ter o entendimento de hoje, me intrigava com o que o Bob fazia. Ele latia, latia, na cabeça do sossegado Pitoco, corria até o portão e voltava a latir novamente nas orelhas dele, continuadamente, infernizando a paciência do outro. Indicava claramente que havia cachorro estranho no território, e que estava incomodado, mas parecia “não acreditar” que tinha competência para expulsá-lo sozinho. E chamava o Pitoco. Insistia, até que o Pitoco, muito irritado, talvez nem tanto com o invasor do território, mas com o Bob, ia. E, na hora que a briga ficava mais feia, inexplicavelmente, o Bob passava a morder o Pitoco. Eu não me conformava com aquilo. Muitas vezes tive de intervir, jogando água fria nos três ou quatro briguentos e ralhando com o Bob. Que cachorro mais ordinário, traidor e ardiloso! Convocava o parceiro para defender o território, a casa de ambos, e ao invés de brigar ao lado dele, ajudava os de fora! Às vezes, era mais de um ou o outro era grande, e o Pitoco passava mal e precisava de ajuda! Antes da traição, o Bob parecia gritar nas orelhas do Pitoco para animá-lo: “Vamos lá. Está vendo o cara? Ele é grande, mas não é dois! Não é de nada. Vamos lá, vamos!”. O Pitoco ia, e logo se via com o Bob mordendo seu pescoço. Tinha de brigar contra dois ou mais... Coitado do Pitoco! Tinha um amigo “cachorro”, como muitos de nós já tivemos. Isso foi uma coisa que observei na minha infância e adolescência, sobre a função social de DOMINÂNCIA e amizade entre cães com personalidades diferentes... 41 Vida de cachorroVida de cachorroVida de cachorroVida de cachorroVida de cachorro Outro dia, no começo deste ano, eu caminhava com um amigo e ali, na rua Visconde do Rio Branco, vimos um cara brigando com um cachorro. O cachorro rosnava e latia de modo natural. Aparentemente defendia o seu território, e o sujeito o encarava, “rosnava e latia” como se fosse outro cão. O homem também xingava o cão de tudo quanto era nome feio. Falei para o amigo: “Veja, esse homem se comporta como um cachorro. Não é absurdo?” Cada um procurava EXIBIR ao outro suas melhores armas para provocar SUBMISSÃO e estabelecer DOMINÂNCIA. Em outra ocasião, quase no mesmo local, vimos um cachorro ser atropelado por um carro e ficar girando em círculos no meio da rua, ganindo, dolorosamente. Outro cão, que estava na calçada, do outro lado da rua, partiu como um raio para cima do sofredor, para agredi-lo. Interessante, não? O que pode ter acontecido nesse caso? Os animais irracionais competem entre si por acesso a parceiros de acasalamento, por comida, território etc., obedecendo a um esquema reflexo ou instintivo, ou vinculando uma reação motora ao que SENTEM. Isto é, diante de certos sinais do ambiente eles SENTEM e AGEM de modo compulsivo e quase mecânico. Certos sinais do ambiente estimulam os indivíduos a reagir, instintivamente. Um cão, passando em frente de minha casa era, ao Pitoco e ao Bob, um sinal de invasão de território. Afinal, a memória arcaica avisava que o invasor de território representava uma ameaça, pois poderia se tornar mais um rival a dividir e roubar a comida, a toca, os filhotes, as fêmeas no cio, etc. Por outro lado, nas relações sociais, entre irracionais do mesmo grupo, vigoram a dominação e a submissão. E cada um espera do outro ATIVIDADES compatíveis ao status hierárquico ocupado. Podemos dizer que o Pitoco esperava do Bob a posição de submisso, pois quando sua EXIBIÇÃO de pêlos eriçados, 42 presas em evidência e rosnados agressivos, não bastava, batia nele sempre que se atrevia a disputar com ele qualquer alimento ou carinho dos donos. Pitoco era o cão dominante e dar-lhe um revide franco e aberto não era nada salutar ao Bob, que certamente se submetia, reprimindo muitas ATIVIDADES de ataque e de raiva. Talvez disto resultasse a sua neurose... Mas, não podemos afirmar que ele revidava, planejando traiçoeiras emboscadas contra o Pitoco ou que, quando vinha um invasor, ele incitava-o à briga para aproveitar e descarregar o seu ódio reprimido com ajuda externa. Não podemos dizer isto. O fato, porém, é que quando o Pitoco ficava em apuros, ao brigar com outro, o Bob se atrevia a bater no Pitoco. Bem mais tarde, só depois de formular o conceito “Beto- Biju” é que fui compreender que o apuro do Pitoco, na hora da briga, servia de sinal para o Bob SENTIR o impulso irresistível de atacá-lo. A situação do Pitoco, PRECISANDO DE AJUDA, sinalizava fragilidade que fortalecia Bob. E naquele momento ele SENTIA-SE forte, diante de outro mais fraco e, instintivamente, “automaticamente”, aproveitava para enfiar os dentes cariados no Pitoco. Se Bob fosse racional, poderíamos dizer que tentava matar o Pitoco infeccionando-o com os dentes podres. Mas, não. Nada era pensado. A APARÊNCIA de fragilidade, de necessidade de ajuda é incompatível com a dominância, pois é forte SINAL de submissão que gera nos IRRACIONAIS sociais o SENTIMENTO de confiança que os fazem agir, no sentido de DOMINAR. Basta ver uma situação que sirva de sinal ao ímpeto de COMPETIR, para dominar, e o animal irracional age buscando o prazer da dominância. Lembremos do cachorro atropelado e gritando de dor. Ele mostrava estar ferido, enfermo e fraco... De alguma maneira, ver o outro enfraquecido, frágil e precisando de ajuda, desperta nos irracionais o SENTIMENTO que leva a ATOS reflexos de dominância. 43 Dominação e submissãoDominação e submissãoDominação e submissãoDominação e submissãoDominação e submissão Alguém poderia interpelar-me, agora, para perguntar: “E daí? O que eu tenho com cães, gatos, pardais e canários? Não sou nenhum deles!” E eu informaria que a Psicologia Racional tem se servido de estudos comparativos, que definem SEMELHANTES ATIVIDADES entre indivíduos de espécies animais diferentes, ao longo do processo evolutivo. E, oras bolas, todos os homens continuam animais mamíferos, e não devem ter conservado somente as tetas da animalidade inferior... Quem se der ao trabalho, irá observar, por exemplo, garotas proporcionando cenas deprimentes, às vezes em plena sala de aula, com a ATENÇÃO imersa nos devaneios típicos do cio e da sedução para o acasalamento. Bem amparadas por racionalizações culturais que justificam os rituais do cio, sob a afirmação da “tradicional vaidade feminina”, em vez de prestar ATENÇÃO nas aulas que visam civilizar, alisam os cabelos, lixam as unhas e esfregam creme hidratante nos braços como se fossem gatas se lambendo ou animais exagerando na assepsia, em suas jaulas psicológicas. Os rapazes também não deixam por menos. Preocupados que estão em adquirir massa muscular para parecer elefantes,rinocerontes e ursos, tatuam-se para se EXIBIR como pavões, nos rituais competitivos. Tais ATIVIDADES são típicas repetições atávicas e VÍCIOS, que prendem mentalmente os homens no nível da animalidade inferior. Contudo, se o atavismo é “sucesso” enaltecido pela cultura, deve ser porque interessa aos dominantes conservar a burrice dos dominados, para que não VEJAM a escravidão em que estão e não comecem a VOAR para fora dela. Assim é que a maioria dos homens anda DISTRAÍDA pela crença de que está “abafando” e exibindo orgulhosa, a IGNORÂNCIA do tipo irracional. Muitos VÍCIOS inconscientes, dos homens, têm sua origem na manutenção das ATIVIDADES típicas de animais 44 inferiores, e um deles é o de estar freqüentemente em COMPETIÇÃO por dominância, por status mais elevado na escala social. Os motivos SENTIMENTAIS dessa busca são inconscientes e geram ATIVIDADES que conduzem a fins também inconscientes, mas mascarados por racionalizações culturais. O sujeito não toma consciência do motivo, nem do objetivo que realmente atinge com tais atos, porque só mantém a ATENÇÃO voltada ao prazer que obtém, acreditando que seu motivo é o “amor”, a “bondade”, a “forte personalidade”, ou a “agressividade invejável que demonstra ao lutar para VENCER na vida”. Um cachorro não tem consciência do mal que faz para si e para outro, com suas atividades, porque também IGNORA o que o motiva e os resultados mais amplos de sua conduta. Aliás, ele não tem consciência do que significa bem e mal, e não está interessado em reavaliar seus atos para tê-la. Qual é a consciência que o cachorro tem? Para estudiosos dos comportamentos, apenas a que mostra ter, com seus atos... Não podemos supor, portanto, que ele, assim como o pardal e os canários, avaliem os motivos reais de seus atos e os objetivos finais realizados. Tudo indica, contudo, que eles têm consciência dos estímulos presentes em seu ambiente, pois reagem a eles. Poderíamos atribuir consciência da maldade e da covardia, ao cachorro que atravessou a rua para atacar o que foi atropelado e que ferido gritava de dor? Não. Mas o fato é que ele viu o outro, ouviu seus ganidos típicos de dor e partiu para cima. Portanto, mostrou que tinha consciência do que acontecia e agiu. Só não sabia se agia fazendo o bem ou o mal. Não sabia que agia como um covarde destituído de piedade. A consciência de tais valores é ESPERADA somente de humanos INTELIGENTES e civilizados, capazes de avaliar os próprios atos e suas conseqüências, em autocrítica típica dos mais evoluídos. Esta categoria, infelizmente não inclui todos os homens... Por que um animal irracional, sem fome, atacaria outro de 45 sua espécie e grupo social, que está ferido ou em condição de fragilidade? Se não quer se alimentar do outro, tudo indica que busca o prazer da dominação, através da agressão. O outro está ferido, dando a clara impressão de que não pode revidar com eficácia e que pode ser vencido, derrotado e dominado. Não digo que PENSA sobre essa possibilidade e sim, que a fragilidade do outro o faz SENTIR, de modo reflexo, que é mais forte e que o DOMÍNIO é seu... LÍVIA OSHIRO –LÍVIA OSHIRO –LÍVIA OSHIRO –LÍVIA OSHIRO –LÍVIA OSHIRO – Então, é por isso que os predadores se atrevem a atacar presas maiores que normalmente evitam? E intensificam os ataques aos líderes do próprio bando, quando eles estão feridos, envelhecem ou ficam doentes? JORGE –JORGE –JORGE –JORGE –JORGE – É o fenômeno encontrado, tanto na literatura científica quanto na observação da realidade. Um leão geralmente não ataca o búfalo adulto e forte, mas se este estiver velho ou ferido o faz. O leão saudável que lidera um grupo, pode sofrer ataques, porém, na maior parte do tempo os rivais se mantêm à distância, pelo medo da força e ferocidade que EXIBE. Quando ele se fere, é atacado mais facilmente. A fragilidade ditada pelo ferimento anima os ataques. E como no envelhecimento também há sinais de fraqueza, acontece a mesma coisa. Entre nós foi criado um estatuto para a proteção do idoso. Por que é preciso proteger o idoso? Não somos humanos? Não somos civilizados? Não somos racionais? Entre os homens há alguns, mas assim como a criança e a mulher, o idoso é visado por todo tipo de covarde procurando alvo fácil. Dados levantados recentemente, pelo Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde (Claves), da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), a partir do Banco de Dados do Sistema Único de Saúde (DataSUS), revelaram que no ano 2000, 13.436 idosos morreram por acidentes ou violência no país, com média de quase 37 por dia. Constatou- se também, que mais da metade (54%) dos agressores eram filhos ou enteados dos agredidos. Certamente, muitos agressores diziam 46 “amar” os velhos agredidos. Logo, não devem definir “amor” como os humanos civilizados, não é? O amor tesão e a racionalizaçãoO amor tesão e a racionalizaçãoO amor tesão e a racionalizaçãoO amor tesão e a racionalizaçãoO amor tesão e a racionalização Então! O estudo das relações de dominação e submissão, feito por nós da Psicologia Racional, indica que a fragilidade de uns estimula a herança instintiva e animal, de outros, levando estes a se SENTIREM fortes e poderosos em relação aos primeiros e a realizarem, se não de modo consciente, ATIVIDADES inconscientes de EXIBIÇÃO de dominação e de exercício efetivo de PODER. Os graus em que essa presunção se manifesta variam das insinuações e posturas discretas à violência brutal, conforme o nível de humanidade e de civilidade daquele que se relaciona com o indivíduo frágil. A herança instintiva se apresenta nos SENTIMENTOS que, sem serem questionados, MOTIVAM atividades desrespeitosas, preconceituosas, de menosprezo e até violentas contra os mais frágeis e indefesos, que se deveria proteger. A destruição de plantas e animais no planeta, apesar de bem racionalizada pela verborrágica apologia do “progresso”, prova isso. Repetindo: animais irracionais, mesmo sendo homens, não fazem AUTOCRÍTICA! Eles não procuram conhecer quais são os motivos e os resultados mais amplos de sua ação, porque já sabem! Mas sabem as racionalizações e as justificativas culturais, e com a ATENÇÃO presa nelas não avaliam o bem ou o mal que causam. Sendo fixa a ATENÇÃO na crença de que não são COVARDES, nem impiedosos, não podem observar tais atributos em si. Por buscar prazer individual, animal e egoísta, FOGEM da autocrítica racional. Observem que no meu sonho o pardal era tarado ou “amoroso”. A galinha doente virou uma pardoca, assim que foi 47 ajudada por mim, mas passou a ser assediada pelo “amoroso” pardal tarado e não conseguiu VOAR. Na realidade, a perna ferida da canária virou estimulante para o macho bicar... Não foi isso? Foi. ASSOCIANDO o simbolismo onírico com eventos reais, podemos dizer que, enquanto o canário SENTIA desejos de bicar o ferimento, o pardal SENTIA desejos de “amar”, não podemos? Amor, contudo, para quem RACIOCINA um pouco, não pode significar o mesmo que copular. A verdade é que o pardal teve um ataque de tesão, SENTIMENTO que entre homens motiva a ATIVIDADE puramente animal de copular, mas que para não PARECER assim, é racionalizada como sendo expressão de “amor” ou de amizade entre pessoas. Mas, pessoas nada têm com isso, porque os SINAIS que estimulam o sentimento animal são traços corporais, da face, da bunda, dos seios, da voz, do sorriso etc... Pessoa é uma entidade psíquica e afetiva que, sendo INTELIGENTE exige ATOS coerentes de amor e amizade para SENTIR que é amada. Não lhe basta apenas o conjunto de sinais corpóreos, APARENTES e superficiais para SENTIR isso. E se aceitarmos que DESEJO sexual significa amor ou amizade pelas pessoas, devemos nos responsabilizar pelas conseqüências lógicas dessa aceitação! Eu não vou querer amigos me amando e entre as amigas vou ser obrigado a ser rigorosamente SELETIVO. O amordesse tipo reduz a pessoa a uma pequenez inaceitável ao humano civilizado... Vejamos que a porca não sente amor por gato, nem cão por minhoca, porque os sinais que despertam o desejo para a cópula são os próprios da espécie animal a que pertencem. Em razão dos SINAIS o homem também não ama zebras, a natureza, os amigos e parentes, certo? Se assim é, quando falamos desse amor despertado por SINAIS, não distinguimos homens de minhocas, besouros, jacarés e burros, não é? O animal, que se diz racional, evoluiu mergulhado na cultura que construiu segundo seus desejos, ao longo dos tempos, e se 48 não raciocina antes ou depois de agir, sempre tenta dar a impressão que sim. Assim sendo, sempre APARENTA realizar ATIVIDADES racionais, quando racionaliza a animalidade de suas atividades nos moldes culturais e bem ao gosto e desejo de outros irracionais. É racionalização, a tentativa de fazer PARECER racional uma ATIVIDADE que não é. E uma atividade só é racional, se o MOTIVO que lhe deu origem ou a desencadeou não foi um sentimento, e sim uma IDÉIA a que se chegou, após elaboração de apurada coerência lógica e com consciência do OBJETIVO a alcançar. Ao contrário, a atividade é racionalizada quando é motivada pelo sentimento e se faz acompanhar de pseudo- raciocínio, que lhe atribui falsos motivos e fins “nobres”. Não há nada de errado com os atos animais! Defecamos, urinamos, cuspimos, nos alimentamos e copulamos, entre outras coisas que fazemos em comum com os animais. Tentamos realizar essas ATIVIDADES de modo civilizado, mas sempre será ridículo racionalizar para DISFARÇÁ-LAS e atribuir-lhes motivos e fins nobres. Racionalizando, o fulano “explicou” seu casamento e sentimento de desejo, alegando que as pessoas decentes, quando amam, devem casar. Acreditando ser decente, então, disse que casou por amor. Depois de dilapidar a fortuna da esposa, a abandonou dizendo não a amar mais, e diz agora que o fez porque “ela merece uma vida melhor, ao lado de alguém que a ame”. Ora, seus atos contraditórios e prejudiciais à “amada” demonstram que ele mentiu, de modo consciente ou inconsciente. Acreditando que amava a pessoa, mentia inconscientemente, motivado por SENTIMENTO menos duradouro e nobre, de tesão ou de ambição. E, ao dizer que o amor acabou, fugiu de VER um mentiroso contumaz em ação, achando-se decente, tanto quando casou, quanto quando separou do ser que prometeu amar. Perdeu de VER, portanto, um canalha maior, se abandonou a esposa sem dinheiro e com quatro filhos para criar. Para continuar fugindo de 49 responsabilidades, talvez ele insista em racionalizar, dizendo que o que fez foi para o bem dos filhos, como se tivesse raciocinado antes, em busca de meios para fazer o bem a outras pessoas. Vejamos, enfim, que seus atos, de casar e de abandonar a fulana, são coerentes apenas com o que sentiu e incoerentes com o bem que diz dedicar a outros. Conheci um moço que dizia praticar o amor de Jesus. Ele tinha a fama de aliviar sofrimentos, com a imposição das mãos, orações e doações energéticas... Um dia, a mulher dele telefonou para o NUPEP, querendo saber sobre curso que eu daria, de Psicologia Racional. E falou para a jovem que a atendeu: “Olha, o Cicrano das Quantas quer fazer o curso e me pediu para telefonar”. Após a jovem dar as informações de praxe, a mulher perguntou: “Você não sabe quem é o Cicrano das Quantas?” A atendente respondeu: “Não!” Talvez a mulher esperasse ouvir: “Puxa, que emoção! Vamos pôr banda de música na frente do prédio e avisar a todos os jornais da cidade que o Cicrano das Quantas vai fazer nosso curso...” Como isto não aconteceu, ela não inscreveu o marido. Na verdade, não posso garantir que inscreveria, se fosse diferente. Mas, só fui informado desse fato, bem mais tarde... Por aqueles dias, eu havia recebido um recado de que o Cicrano das Quantas queria falar comigo a respeito do lançamento do meu primeiro livro, “Seja feliz já”, e pedia que eu fosse à sua clínica de terapias alternativas. Fiquei contente, pois imaginei que ele quisesse trocar experiências, conhecimentos e estreitar laços de amizade. Fui... Quando lá cheguei, sua esposa avisou-o e ele mandou-me entrar em seu consultório. Estranhei, porque sabia que ele estava atendendo alguém lá. Mas, mandou-me entrar. Entrei. Quando passei pelo umbral da porta levei um impacto: ele estava em pé no centro da sala, todo vestido de branco, e tinha a seus pés uma senhora estendida. Ela estava doente e recorreu a ele, aceitando prostrar-se no chão, para receber, sei lá que tipo de 50 tratamento. Meu Deus! Vi ali, claramente, que ele me EXIBIA seu poder de “expulsar demônios”, ou coisa que o valha. Aquela pobre senhora indefesa, ferida, buscando ajuda, socorro, certamente fazia aflorar nele, a vaidade, a prepotência, o sentimento de ser o máximo. E ele a usava para revidar a “ofensa” que acreditava ter recebido, numa ATIVIDADE irracional. Em sua mente VICIADA deve ter acreditado que me aplicou um “golpe de mestre”, e que, ao exibir poder, submeteu-me. Que MOTIVO levava aquele homem a envidar esforços no sentido de dar ajuda espiritual e terapêutica às pessoas? Era desejo por status social? Por dinheiro? Cobrava caro? Barato? Nada cobrava? Não sei dizer. Talvez fosse BEM INTENCIONADO e levasse uma terapia de amor, de bondade, às pessoas. Também nada tenho a dizer sobre isso. O que sei é que, naquele instante, sua ATIVIDADE foi motivada pelo DESEJO de me mostrar poder. E ele estava consciente disso? Provavelmente só da justificativa que criou; isto é, de que “queria conversar sobre o lançamento do meu primeiro livro”. Ou seja, devia IGNORAR, que queria me mostrar, em modesta nobreza, que Deus lhe deu um dom ESPECIAL, um PODER mediúnico, paranormal, de curar pessoas. Certamente se SENTIU diminuído na importância, quando a esposa lhe contou que não era conhecido pela atendente... E me deu o seguinte recado: “Nem ligo por vocês terem me IGNORADO! Mas veja que não tenho tempo de fazer seu curso, porque ando ocupado fazendo caridade, o bem e até milagres”. Viram como ele se SENTIU vencedor e dominante? Eu IGNORAVA sua tentativa de obter informações e na ocasião ainda acreditava que, apesar da exibição, ele buscava apenas a aproximação amistosa comigo. Mas isto jamais aconteceu. Sua atitude só foi até a exibição. Nunca esqueço de que as pessoas vivem medindo a altura daqueles que encontram, e comparando com a sua, “para ver 51 quem é mais alto ou mais baixo”. Comparam roupas, dentes, aparência geral, casa, carro, profissão, entre tantas outras coisas mais. Também observo o prazer que certos “curadores” religiosos parecem ter quando as pessoas pedem ajuda para seus sofrimentos e são levadas a se ajoelhar ou a se prostrar deitadas no solo da igreja... Eles, em pé à frente delas, levam os braços para o alto com imponência, como se entrassem em contato direto e privilegiado com o PODER maior de Deus. O espetáculo impressiona, ao realçar a fraqueza da submissão estimulando a postura de DOMINANTE. E como a contradição sempre se apresenta na racionalização, tais “representantes divinos” sempre ousam falar em humildade. Para que alguém reconheça algo a que se proponha ob- servar é necessário que o tenha conhecido antes. Digo que, por ser animais, ainda, sempre COMPETIMOS para ter poder... E indi- co, para observação, as inumeráveis competições racionalizadas culturalmente como “esportes”, “jogos”, “eleições”, “concursos” etc, nas quais os vencedores “sobem aos píncaros” da vaidade. Pois bem, o moço mencionado queria exibir PODER que alguns médicos exibem. E por que uns e outros fariam isso? Por se SENTIREM fortes diante de pacientes precisando de ajuda? O que sentem, precisamente? Que são melhores do que os pacientes, no mínimo!
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