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HHHH@@@@MMMMLLLLεεεεTTTT 2222 Tragédia Texto de: JULIO CARRARA Compilado das obras de: WILLIAM SHAKESPEARE HEINER MÜLLER Escrita em 2005 Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara H@ml€tH@ml€tH@ml€tH@ml€t2222 1111 PERSONAGENS: HAMLET HAMLET-MÁQUINA FANTASMA (OFF) OPHELIA OPHÉLIA PUTA GERTRUDES LAERTES CLÁUDIO COVEIRO CENÁRIO: Dois andaimes e uma escada separando os mesmos. Lixo eletrônico por todo o espaço cênico. O ambiente é sinistro. Uma Dinamarca destruída pela hecatombe nuclear. Esqueletos de seres humanos e de animais em diversos cantos. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara H@ml€tH@ml€tH@ml€tH@ml€t2222 2222 CENA 1 (Três TVs transmitindo simultaneamente sua programação com chuviscos e distorções na imagem. Um rádio-relógio digital de onde se vê as horas e o barulho insuportável do despertador. Celulares tocando, ruídos de britadeiras, buzinas e freadas de carros, apitos de navios, trens se locomovendo nos trilhos, sons de LPs riscados, uma verdadeira poluição sonora que deverá durar cerca de dois minutos. De repente, tudo se silencia. Ao longe, sinos repicam. Ouve-se a marcha fúnebre distorcida seguida da marcha nupcial, também distorcida.) VOZ OFF (Metálica.) Os sinos anunciavam os funerais nacionais: assassino e viúva em passo solene atrás do caixão do nobre cadáver. O luto transformou-se em júbilo. O júbilo em voracidade. Em cima do caixão, o assassino trepou com a viúva. (Gargalhadas, gemidos de prazer seguidos de orgasmos, mesclados com blasfêmias. Luz sobe em resistência, com características expressionistas de luz e sombra, revelando as ruínas da Dinamarca após uma hecatombe nuclear. Hamlet-Máquina, um robô com a voz metálica, está no andaime, de cabeça pra baixo.) HAMLET-MÁQUINA Aí vem o fantasma que me fez. O que quer de mim? Não te basta um funeral solene e oficial? O que me importa o teu cadáver? Talvez acabe mesmo chegando ao céu. O que é que está esperando? Os galos foram mortos. Não há mais amanhecer. Eu me deitei no caixão e ouvi o mundo girar no compasso da putrefação. (Deita-se no caixão. Vozes distorcidas em inglês. Em outro plano, entra Hamlet, vestido de preto.) Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara H@ml€tH@ml€tH@ml€tH@ml€t2222 3333 HAMLET Pra onde me leva? FANTASMA (Off.) Escuta. Sou o espírito de teu pai condenado a vagar pela noite e a passar fome no fogo enquanto é dia até que os crimes cometidos em meus tempos de vida tenham sido purgados se transformando em cinza. Se você algum dia amou seu pai... Vinga esse infame assassinato. HAMLET Assassinato! FANTASMA (Off.) Dizem que fui picado por uma serpente. Mas saiba você, meu nobre jovem que a serpente cuja mordida tirou a vida de teu pai agora usa a sua coroa. HAMLET Meu tio! FANTASMA (Off.) Sim, essa besta incestuosa e adúltera. Eu dormia, de tarde, em meu jardim, como de hábito. Nessa hora de calma e segurança, teu tio entrou furtivamente, trazendo, num frasco, o suco dá ébona maldita e derramou no pavilhão de meus ouvidos a essência morfética que é inimiga mortal do sangue humano. Assim dormindo, pela mão de um irmão, perdi, ao mesmo tempo, a coroa, a rainha e a vida. Abatido em plena floração de meus pecados, sem confissão, comunhão ou extrema-unção, fui enviado para o ajuste final com todos os meus pecados pesando na alma. HAMLET Oh, terrível! Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara H@ml€tH@ml€tH@ml€tH@ml€t2222 4444 FANTASMA (Off.) Se você tem sentimentos naturais não deve tolerar que o leito real da Dinamarca sirva de palco à devassidão e ao incesto. (No outro plano.) HAMLET-MÁQUINA A minha mãe, a noiva. Os seus seios - um roseiral; o ventre - o ninho de víboras. FANTASMA (Off.) Mas, seja qual for a tua forma de agir, não contamina tua alma deixando teu espírito engendrar coisa alguma contra tua mãe. Entrega-a ao céu. Adeus de uma vez! Lembra de mim. (Sai.) HAMLET-MÁQUINA O ventre materno não é uma via de mão única. Agora eu te amarro as mãos às costas, pois me dá nojo o teu abraço, com o teu véu de noiva. Reconhece o fruto do teu ventre? HAMLET (Levanta-se.) Lembrar de ti! (No outro plano.) HAMLET-MÁQUINA Eu queria que minha mãe tivesse me poupado. Deveriam costurar as mulheres, um mundo sem mães. Nós poderíamos nos chacinar em paz, e com alguma confiança, quando a vida se torna longa demais para nós ou a garganta estreita demais para os nossos gritos. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara H@ml€tH@ml€tH@ml€tH@ml€t2222 5555 FANTASMA (Off.) Lembra de mim. HAMLET Ouve, vou apagar da lousa da minha memória todas as anotações frívolas ou pretensiosas. FANTASMA (Off.) Jure! HAMLET No livro e no capítulo do meu cérebro viverá apenas o teu mandamento. FANTASMA (Off.) Lembra de mim! HAMLET Ó traidor, traidor; desgraçado, sorridente traidor! FANTASMA (Off.) Jure! HAMLET Minha lousa! - preciso registrar que se pode sorrir e, sorrindo, ser canalha. Pelo menos, estou certo, aqui na Dinamarca. (No outro plano.) HAMLET-MÁQUINA A Dinamarca é uma prisão. Entre nós cresce uma parede. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara H@ml€tH@ml€tH@ml€tH@ml€t2222 6666 VOZ OFF Há algo de podre no Reino da Dinamarca. FANTASMA (Off.) Lembra de mim! HAMLET Repousa, espírito confuso! Nosso tempo está desnorteado. Maldita a sina que me fez nascer um dia pra consertá-lo! Adeus, adeus! FANTASMA (Off.) Jure. HAMLET Está jurado. (Enterra a espada na terra. Vozes distorcidas em inglês num volume ensurdecedor.) CENA 2 (Hamlet-Máquina no caixão. No outro plano, Hamlet, num penhasco, observa o mar.) HAMLET-MÁQUINA Eu era Hamlet. Estava parado à beira-mar e falava BLA-BLA com a ressaca. Atrás de mim, as ruínas da Europa. (Ruídos de cardiógrafo. Em off, uma respiração ofegante.) HAMLET Ser ou não ser - eis a questão. Será mais nobre sofrer na alma pedradas e flechadas do destino feroz ou pegar em armas contra o mar de angústias e combatendo-o, dar-lhe fim? Morrer, dormir. Talvez sonhar. Ai está o Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara H@ml€tH@ml€tH@ml€tH@ml€t2222 7777 obstáculo! Os sonhos que hão de vir no sono da morte nos obrigam a hesitar. Pois quem suportaria os açoites e os insultos do mundo, podendo, ele próprio, encontrar seu repouso com um simples punhal? Senão porque o terror de alguma coisa após a morte – o país não descoberto, cujos confins jamais voltou nenhum viajante? E assim a reflexão faz todos nós covardes. E empreitadas de vigor e coragem, saem de seu caminho e perdem o nome de ação. (O som do cardiógrafo indica a morte de um paciente. entra Ophelia que se vira para Hamlet.) HAMLET-MÁQUINA Ninfa... em tuas orações sejam lembrados todos os meus pecados. (Entra Ophelia Puta. O seu coração é um relógio. Está nua da cintura para baixo.) OPHELIA PUTA Eu sou Ophelia. Estou só com meus seios, minhas coxas, meu ventre. Com as mãos sangrando rasgo as fotografias dos homens que amei eque se serviram de mim na cama, na mesa, na cadeira, no chão. Atiro minhas roupas no fogo. (Strip-tease de Ophelia Puta.) Quer comer o meu coração, Hamlet? (Dança com Hamlet. A dança toma-se mais rápida e mais selvagem. Hamlet-Máquina come o coração de Ophelia Puta dentro do caixão.) HAMLET-MÁQUINA O poder da beleza transforma a honestidade em meretriz. Vai prum convento. Ou prefere gerar pecadores? Que fazem indivíduos como eu rastejando entre o céu e a terra? Somos todos canalhas. Não acredite em nenhum de nós. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara H@ml€tH@ml€tH@ml€tH@ml€t2222 8888 OPHÉLIA Senhor, com que a beleza poderia ter melhor comércio do que com a virtude? HAMLET Eu te amei um dia. OPHELIA PUTA Realmente, senhor, cheguei a acreditar. HAMLET-MÁQUINA Pois não devia. Eu não te amei. OPHELIA PUTA Tanto maior o meu engano. HAMLET Se você se casar, leva esta praga como dote: Embora casta como o gelo e pura como a neve, não escapará à calúnia. Vai pro convento. Ou se precisa mesmo casar, casa com um imbecil. Os espertos sabem bem em que monstros vocês o transformam. OPHELIA Poderes celestiais, cure-o. HAMLET-MÁQUINA Já ouvi falar de como você se pinta. Deus te deu uma cara e você faz outra. Foi isso que me enlouqueceu. Afirmo que não haverá mais casamentos. Os que já estão casados continuarão todos vivos - exceto um. Os outros ficam como estão. Prum bordel - vai! (Ophelia Puta chupa Hamlet-Máquina.) Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara H@ml€tH@ml€tH@ml€tH@ml€t2222 9999 CENA 3 (Cláudio rezando latim. Entra Hamlet.) HAMLET Eu devo agir agora; ele agora está rezando. E assim ele vai pro céu... E assim estou vingado. Um monstro mata meu pai e, por isso, eu, seu único filho, envio esse canalha ao céu. Isso é recompensa, não é vingança. Ele colheu meu pai impuro, com todas suas faltas florescentes. Não. Pára, espada, e espera ocasião mais monstruosa! Quando estiver dormindo bêbado ou no gozo incestuoso de seu leito. Aí derruba-o, pra que seus calcanhares dêem coices no céu, e sua alma fique tão negra e danada quanto o inferno, pra onde ele vai. VOZ OFF Televisão HAMLET-MÁQUINA A nojeira nossa de cada dia nojeira VOZ OFF Na verborreia preparada HAMLET-MÁQUINA Pela alegria prescrita VOZ OFF Como se escreve HAMLET-MÁQUINA ACONCHEGO Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara H@ml€tH@ml€tH@ml€tH@ml€t2222 10101010 VOZ OFF Dai-nos hoje a morte nossa de cada dia HAMLET-MÁQUINA Pois teu é o Nada Náusea VOZ OFF Pelas mentiras em que se acredita HAMLET-MÁQUINA Nojeira VOZ OFF Dos mentirosos e de mais ninguém HAMLET-MÁQUINA Asco VOZ OFF Pelas mentiras em que se acreditam HAMLET-MÁQUINA Nojeira VOZ OFF Pelos rostos marcados dos hipócritas HAMLET-MÁQUINA Pela luta por postos, votos, contas bancárias VOZ OFF Nojeira Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara H@ml€tH@ml€tH@ml€tH@ml€t2222 11111111 HAMLET-MÁQUINA Um carro de assalto que faísca com as suas graças. Passo por ruas galerias fisionomias VOZ OFF Com as cicatrizes da batalha de consumo HAMLET-MÁQUINA Miséria VOZ OFF Sem dignidade HAMLET-MÁQUINA Miséria sem a dignidade VOZ OFF Da faca do boxe do punho HAMLET-MÁQUINA Os ventres humilhados das mulheres VOZ OFF Esperança das gerações HAMLET-MÁQUINA Sufocadas em sangue covardia estupidez VOZ OFF Gargalhadas vindas de ventres mortos Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara H@ml€tH@ml€tH@ml€tH@ml€t2222 12121212 HAMLET-MÁQUINA Heil para a COCA-COLA VOZ OFF Um reino HAMLET-MÁQUINA Para um assassino VOZ OFF Na solidão dos aeroportos Eu respiro aliviado HAMLET-MÁQUINA Eu sou VOZ OFF Um privilegiado HAMLET-MÁQUINA O meu nojo é um privilégio VOZ OFF Protegidos por muralhas HAMLET-MÁQUINA Arame farpado VOZ OFF Prisão (Vozes com eco.) Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara H@ml€tH@ml€tH@ml€tH@ml€t2222 13131313 CENA 4 (Ophelia olhando para o riacho, delirante, apoiada num galho de árvore.) OPHELIA E meu pai não voltará nunca mais? Não. Ele está morto. Num leito de paz e conforto. Tinha a barba branca como a neve e foi embora. É inútil o nosso pranto. Que Deus o proteja agora... (O galho se quebra e Ophelia cai no riacho.) CENA 5 (Cemitério. Coveiro abre uma cova. Entra Hamlet.) HAMLET Pra que homem está cavando esse túmulo? COVEIRO Pra homem nenhum, senhor. HAMLET Pra qual mulher, então? COVEIRO Nenhuma, também HAMLET Então, o que você vai enterrar aí? COVEIRO Alguém que foi mulher, senhor. Mas, já morreu. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara H@ml€tH@ml€tH@ml€tH@ml€t2222 14141414 HAMLET Quanto tempo um homem pode ficar debaixo da terra sem apodrecer? COVEIRO Olha, se não tiver podre antes de morrer uns oito ou nove anos. Vê esse crânio aqui? Está enterrado aí há 23 anos. Este é o crânio de Yorick, o bobo do rei. HAMLET Deixa eu ver. (Pega o crânio.) Pobre Yorick, onde andam suas piadas? Tuas cambalhotas? Tuas cantigas? Mil vezes me carregou nas costas e agora me causa horror só de lembrar. Daqui pendiam os lábios que beijei não sei quantas vezes... (Entram Laertes, Cláudio, Gertrudes e o corpo de Ophelia.) GERTRUDES (Espargindo flores.) Esperava que fosse a esposa do meu Hamlet. Pensava adornar teu leito de noiva, não florir sua sepultura. HAMLET O quê? Ophelia? (Salta na sepultura.) Parem um momento a terra para que eu a aperte uma última vez em meus braços. Cubram agora de pó o vivo e a morta. Esse sou eu, Hamlet, o Príncipe da Dinamarca. LAERTES Que o demônio carregue tua alma. HAMLET Eu amava Ophelia. Quarenta mil irmãos não poderiam, somando o seu amor, equipará-lo ao meu. O que fará por ela? Vai chorar, lutar, jejuar? Beber um rio, comer um crocodilo? Eu farei isso. Eu te peço. Tire teus dedos da Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara H@ml€tH@ml€tH@ml€tH@ml€t2222 15151515 minha garganta. Por esta causa eu lutarei com você até que minhas pálpebras parem de pestanejar. (Sai.) CLÁUDIO (Para Laertes.) Fortalece a tua paciência com a nossa conversa de ontem a noite. Vamos dar continuidade à nossa decisão. (Saem.) CENA 6 (Mar profundo. Ophelia, numa cadeira de rodas, enrolada em alvas ataduras. Passam peixes, ruínas e pedaços de cadáveres.) OPHELIA PUTA Aqui estou. No coração das trevas. Sob o sol da tortura. Rejeito todo o esperma que recebi. Transformo o leite dos meus seios em veneno mortal. Sufoco o mundo que pari entre as minhas coxas. Eu o enterro na minha buceta. Viva o ódio, o desprezo, a insurreição, a morte. Quando ela atravessar os vossos dormitórios com facas de carniceiro, conhecerão a verdade. (Ophelia Puta permanece em cena. Marturba-se com um pequeno globo terrestre. Sua vagina está descoberta e quando goza, escorre absinto pelas suas pernas. Fica imóvel.) CENA 7(Castelo. Hamlet, Laertes, Gertrudes e Cláudio.) HAMLET Da-me o teu perdão, senhor. Eu te ofendi. Foi Hamlet que ofendeu Laertes? Hamlet, jamais. Quem ofende, então? Sua loucura! Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara H@ml€tH@ml€tH@ml€tH@ml€t2222 16161616 CLÁUDIO Coloquem os jarros de vinho nesta mesa. O Rei está brindando a Hamlet. Hamlet, esta pérola é tua. (Envenena a taça.) A tua saúde! GERTRUDES A Rainha brinda à tua fortuna, Hamlet. (Pega a taça envenenada.) CLÁUDIO Gertrudes, não beba! GERTRUDES Vou beber, meu senhor. (Bebe.) HAMLET Eu te peço, ataca com mais violência. (Lutam.) LAERTES Toma esta agora. (Laertes fere Hamlet. As armas são trocadas. Hamlet fere Laertes.) GERTRUDES Hamlet, a bebida... Fui envenenada!!! (Morre.) HAMLET Traição... Tranquem as portas. Procurem o traidor. Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara H@ml€tH@ml€tH@ml€tH@ml€t2222 17171717 LAERTES Está aqui, Hamlet. Hamlet, nenhum remédio poderá salvá-lo. Você está morto. Não tem meia hora de vida. O instrumento está em sua mão. Estou morto também. O Rei é o culpado! HAMLET Então, veneno, termina a tua obra. (Fere o rei.) Toma, rei maldito, assassino, incestuoso, acaba essa poção! Engole tua pérola. Segue minha mãe. (Cláudio morre.) LAERTES Teve o que merecia: o veneno que ele próprio preparou. Troca o teu perdão com o meu, Hamlet. Que minha morte e a de meu pai não pesem sobre você. Nem a tua em mim. (Morre.) HAMLET O céu te absolva. Vai e eu te sigo. Mas que seja assim. O poderoso veneno domina o meu espírito. O resto é silêncio. (Morre.) (No outro plano.) HAMLET-MÁQUINA Não quero mais comer, beber, respirar, amar uma mulher, um homem, uma criança, um animal. Não quero mais morrer. Não quero mais matar. Quero habitar nas minhas veias, na medula dos meus ossos, no labirinto do meu crânio. Sento-me na minha merda, no meu sangue. Meus pensamentos são chagas em meu cérebro. O meu cérebro é uma cicatriz. Hamlet, o príncipe dinamarquês é alimento dos vermes tropeçando de buraco em buraco até o último buraco. (Entra no caixão e tira o chip que o alimentava, ficando paralisado.) Julio CarraraJulio CarraraJulio CarraraJulio Carrara H@ml€tH@ml€tH@ml€tH@ml€t2222 18181818 ATOR(ES) (Tiram os figurinos ficando nus.) Não sou Hamlet. Não represento mais nenhum papel. Minhas palavras já não me dizem mais nada. Meu drama não se realiza mais. Por pessoas às quais o meu drama não interessa, para pessoas às quais ele nada importa. A mim ele também já não interessa. A esperança não se concretizou. O meu drama, se ainda tivesse lugar, realizaria-se na época da revolta. O meu drama não teve lugar. O texto perdeu-se. Os atores penduraram seus rostos no gancho do vestiário. Como uma corcunda vou carregando o meu pesado cérebro. VOZES EM OFF Silêncio! Silêncio! Silêncio! FIM Setembro/2005
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