Buscar

A poesia de Yves Bonnefoy é marcada por uma busca

Prévia do material em texto

A poesia de Yves Bonnefoy é marcada por uma busca, sem trégua nem concessões, do "vrai lieu" (lugar verdadeiro) - esperança, sempre a preceder a palavra -, da unidade a ser reencontrada. Aceitação do limite, da finitude e da morte que conduz ao encontro, na outra margem, das coisas simples em que revive a manifestação do ser: a moradia, a luz, o fogo, a pedra, a folhagem, a neve, o amor.
Sua obra poética já foi traduzida para mais de vinte idiomas e é reconhecida pela crítica como comparável ao que de melhor se produziu na França em todos os tempos.
saber mais
(comentário do livro Obra Poética com tradução 
e organização de Mário Laranjeira publicado pela 
Editora Iluminuras em 1998)
Anti-Platão 
(Anti-Platon -1947) 
Do Movimento e da
Imobilidade de Douve 
(Du Mouvement et De
L'Immobilité de Douve)
1953
Reinante Ontem Deserto
(Hier Régnant Désert - 1958)
Devoção 
(Dévotion - 1959)
Pedra Escrita
(Pierre Écrite - 1965)
Na Ilusão do Limiar
(Dans Le Leurre Du Seuil)
1975
Aquilo que foi sem Luz
(Ce qui fut sans Lumière)
1987
Início e Fim da Neve
(Début et fin de La Neige)
1991
Lugar onde cai a Flecha
(Là où Retombe La Flèche)
1991
A Vida Errante
(La Vie Errante - 1993)
Uma outra Época 
da Escritura
(Une autre Époque 
de L'Écriture)
1993
Livraria Siciliano 
Livraria Sodiler 
Livraria Saraiva 
Livraria Cultura 
Submarino 
 
Amazon.com 
Barnes and Noble 
"Poeta é quem, numa língua 
em que há sem dúvida noções 
inumeráveis, idéias com pressa 
de dizer tudo, cria relações, 
não entre idéias, mas entre 
palavras, pela via de uma beleza 
de escrita que faz intervir 
as sonoridades, os ritmos, 
e toma a parência de imagens, 
irredutíveis à análise." 
§
"A poesia é antes de tudo 
um modo de lutar contra 
a linguagem. A linguagem 
trinca a realidade, que é aquilo 
que substitui a representação 
mental. Pode-se fazer poesia 
por causa do sentido das 
palavras e entrar numa 
outra ordem de conceitos. 
A poesia não significa, 
ela mostra." 
§
"É preciso ser poeta no momento 
de traduzir poesia. A poesia 
é uma maneira de ser, é uma 
experiência que falta a muitos 
poetas profissionais. Os que 
gostam da tradução já são 
poetas. Traduzir é muito útil, 
porque permite às línguas 
tomar consciência 
de seus limites e preconceitos. 
Quando traduzimos, já somos 
obrigados a viver a poesia 
de uma outra maneira." 
§
"Para mim, um livro de poemas 
significa trabalho: um trabalho 
de escuta. Há grupos de palavras 
que é preciso interpretar 
quando estão passando 
por nós." 
	
	
	
	
	
	
	DOUVE FALA
Que palavra surgiu perto de mim,
Que grito nasce numa boca ausente?
Mal posso ouvir o grito contra mim,
Mal sinto o hálito que me nomeia.
No entanto o grito em mim vem de mim mesmo,
Estou murado em minha extravagância.
Que voz divina ou que estranha voz
Consentira habitar o meu silencio?
 
A ESPUMA, O ARRECIFE
Solidão a não escalar, quantos caminhos! 
Vestes vermelhas, horas tantas sob as árvores! 
Adeus, nesta alva fria, minha água pura,
Adeus, mesmo apesar do grito, o ombro, o sono.
Escuta, nunca mais as mãos que se retomam 
Como perpetuamente a espuma e o rochedo, 
Nem mesmo aqueles olhos que buscam a sombra,
Amando antes o sono ainda partilhado.
Nunca mais se tentar unir voz e oração, 
Noite e esperança, anseios do abismo e do porto. 
Vê, não é Mozart que luta em tua alma, 
Mas o gongo, contra a arma disforme da morte.
Adeus, semblante em maio.
O azul do céu é tíbio neste dia, aqui.
Do astro da indiferença o gládio fere ainda
Uma vez mais a terra do que está dormindo.
 
A MURTA
Por vezes te sabia a terra, eu bebia
Em teus lábios a angústia das nascentes
Quando brota das pedras quentes, e o verão
Dominava alto a pedra airosa e quem bebia.
Por vezes te dizia de murta e queimávamos 
árvore de teus gestos todos todo um dia.
Eram fogaréus breves de uma luz vestal,
Assim eu te inventava em teus cabelos claros.
Todo um nulo verão secara-nos os sonhos,
Tolhera a voz, inchara os corpos, quebrara os ferros.
Por vezes ia rodando o leito, barca livre
Que ganha lentamente o mais alto cio mar. 
 
A ABELHA, A COR
Cinco horas.
O sono é leve, em manchas na vidraça.
O dia vai buscar na cor a água fresca,
Cascateante, da noite.
E é como se a água se simplificasse
Sendo luz ainda mais, que tranqüiliza,
Mas, o Um rasgando-se na perna escura, vais 
Perder-te onde bebeu a boca na acre morte.
(A cornucópia com o fruto rubro
Ao sol que vai girando. E o barulho todo
De abelhas dessa impura e doce eternidade
No tão próximo prado ainda tão ardente).
A FALA DA NOITE
O país do princípio de outubro só tinha
Frutas a se rasgar no chão, seus passarinhos
Chegavam a soltar gritos de ausência e pedra
No alto flanco curvado vindo rumo a nós.
Minha fala da noite,
Çomo uva de um outono tardio tens frio,
Mas o vinho já queima em tua alma e eu encontro
Meu só real calor: teu verbo fundador.
A nave de um findar de outubro, claro, pode
Vir. Saberemos misturar as duas luzes,
Ó minha nave iluminada em mar errante.
Clarão de noite perto e clarão de palavra,
— Bruma que subirá de toda coisa viva
E tu. meu rubescer de Limpada na morte.
 
O GAVIÃO
Já faz muitos, muitos anos,
Em V.,
Vimos o tempo vir diante de nós
Que estávamos a olhar pela janela aberta
Do quarto acima da capela.
Era um gavião
Voltando ao ninho no oco da parede.
Segurava no bico uma serpente morta.
Quando nos viu
Deu um grito de cólera e de angústia pura
Mas sem largar a presa e, imóvel
Na luminosidade da alva,
Formou com ela o próprio signo
Do princípio, do meio e do fim.
E havia ali
No país de verão, bem rente ao céu.
Muitos vasos, cerrados; e de cada um
Erguia-se uma chama; e cada chama
Tinha uma cor outra, que soava,
Vapor ou sonho, ou mundo, sob a estrela
Dir-se-ia uma faina de almas, esperadas
Num trapiche na ponta de urna ilha.
Pensava estar ouvindo palavras, ou quase
(Quase, seja por falta ou por excesso
Da enferma potência da linguagem),
Passar, como se fosse um tremer do calor
No ar fosforescente que fazia unia
De todas essas cores de que algumas
Me pareciam, longe, ser desconhecidas.
Eu as tocava, elas não queimavam.
Eu estendia a mão, não, não pegava nada
Desses cachos de fruta outra que a luz.
 
O POÇO
Escutas a corrente a bater na parede
Quando o balde desce no poço que é a outra estrela.
Vésper às vezes, solitária estrela,
Fogo sem raio as vezes a esperar à alva
Que saiam o pastor e suas reses.
Mas sempre a água está presa, no fundo do poço.
A estrela fica sempre ali selada.
É possível ver sombras, sob os galhos.
São viajantes que de noite passam
Curvados, carregando às costas massa negra, 
Hesitantes, diria, numa encruzilhada. 
Uns parecem que esperam, outros se apagam 
No faiscar que vai sem luz.
A viagem do homem, da mulher é longa, mais longa do que a vida,
É uma estrada no fim do caminho, um céu
Que se pensou ter visto brilhar entre as árvores.
Quando o balde toca a água, que o levanta,
É uma alegria, então a corrente o esmaga.
 
A NEVE
Ela chegou de bem mais longe que as estradas,
Ela tocou o campo, o ocre das flores,
Com essa mão que escreve com fumaça.
Ela ao tempo venceu pelo silêncio.
A luz é mais intensa nesta tarde
Devido à neve.
Parece até que as folhas ardem, frente à porta,
E a lenha recolhida está com água.
 
UMA PEDRA
Tenhosempre fome desse
Lugar que nos foi espelho,
Das frutas curvadas dentro
De sua água, luz que salva,
E gravarei sobre a pedra
Lembrança de que brilhou
Um círculo, fogo ermo.
Acima é rápido o céu
Como ao voto a pedra é fechada.
Que buscávamos? Talvez
Nada, a paixão só é sonho.
Nada pedem suas mãos.
E de quem amou uma imagem,
Por mais que o olhar deseje,
Fica a voz sempre partida,
É a palavra toda cinzas.
(tradução: Mário Laranjeira)
 
© copyright by vasco cavalcante

Continue navegando