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1 Revisão Neste curso, estudaremos propriedades globais (que dizem respeito ao todo) de diversos tipos de espaços. Estas propriedades estão, muitas vezes, asso- ciadas a características locais (que dizem respeito a partes especí cas dos espaços). Diversos teoremas (por exemplo, os diversos teoremas do índice, que estudaremos no nal do curso) e técnicas (como a dos grupos de co- homologia) expressam frequentemente esta relação entre o global e o local. A generalidade destas técnicas encontra diversas aplicações em Física, em suas diversas sub-áreas. Iniciaremos com uma revisão de alguns conceitos matemáticos simples que serão essenciais no estudo que faremos a seguir. 1.1 Homomor smos, Isomor smos e Espaços Quocientes Começamos imaginando um conjuntoX no qual esteja de nida uma operação (que chamaremos de lei de composição) que associa, a cada dois elementos de X, digamos a e b, um terceiro elemento que chamaremos de a � b. Como exemplo, podemos tomar o conjunto de todas as matrizes n� n reais, com a seguinte lei de composição: a � b = ab� ba = [a; b] , onde ab refere-se ao produto de matrizes usual. Observe que a lei de com- posição acima não é necessariamente comutativa (a�b = b�a) nem associativa ((a � b) � c = a � (b � c)). Considere dois conjuntos, X e Y , onde sejam de nidas leis de composição. Vamos denotar a operação em X pelo símbolo � e a operação em Y por �. Assim, estamos supondo que, se a e b pertencem a X, a�b também pertence, e se u e v pertencem a Y , u � v 2 Y . Um mapa f : X ! Y é chamado de homomor smo se f (a � b) = f (a) � f (b) . Podemos ver que a estrutura algébrica do espaço X é preservada em Y , ou seja, o que acontece em X entre a e b acontece em Y entre f (a) e f (b). Se, além disso, o mapa f for bijetivo (sobrejetivo e injetivo), o homomor smo em questão é chamado de isomor smo, os espaços X e Y são ditos isomorfos e este fato é denotado por X �= Y . Um tipo particular de conjunto dotado de lei de composição será muito importante para os nossos propósitos. Um grupo G é um conjunto dotado 1 de uma lei de composição (que indicaremos por �) que associa a cada dois elementos um terceiro (pode ser um dos dois) pertencente ao mesmo conjunto (dizemos que o conjunto é fechado pela lei de composição em questão), de modo que os requisitos abaixo sejam satisfeitos: 1. Existe um elemento, que chamaremos de e, tal que, se g 2 G, g � e = e � g = g; 2. Para todo g 2 G, existe um elemento g�1, tal que g � g�1 = g�1 � g = e; 3. A associação de três elementos satisfaz (g1 � g2) � g3 = g1 � (g2 � g3). No que segue, adotaremos uma notação simpli cada para a lei de com- posição de um grupo: denotaremos g1�g2 simplesmente por g1g2, quando não houver possibilidade de confusão com outros tipos de leis de com- posição. Um subgrupo de um grupo G é um subconjunto de elementos de G, fechado pela mesma lei de composição do grupo, contendo a identidade e e satisfazendo às demais propriedades mencionadas acima. Há dois subgrupos especiais que aparecem imediatamente, quando consideramos um homomor- smo f : G1 ! G2 (G1 e G2 sendo grupos): o núcleo e a imagem. O núcleo (que denotaremos por ker f) é o conjunto de elementos de G1 tais que, se g 2 ker f � G1, f (g) = �e, onde �e é a identidade em G2. A imagem (que indi- caremos por Im f) é o conjunto composto por todos os elementos de G2 tais que, se �g 2 Im f , �g = f (g), para ao menos um g 2 G1. Vamos mostrar que o núcleo e a imagem são subgrupos (de G1 e G2, respectivamente): tomemos dois elementos de ker f , g1 e g2; aplicando f ao seu produto, f (g1g2) = f (g1) f (g2) = �e�e = �e. Isso mostra que g1g2 2 ker f . Tomemos, agora, g 2 ker f e e a identidade em G1. Podemos escrever �e = f (g) = f (eg) = f (e) f (g) = f (e) �e = f (e) , o que mostra que e 2 ker f . Analogamente, se g 2 ker f , �e = f (gg�1) = f (g) f (g�1) = f (g�1), o que mostra que g�1 2 ker f . A associatividade em ker f decorre da associatividade em G1. Assim, vemos que ker f é um subgrupo de G1. 2 Mostraremos agora que Im f é um subgrupo de G2: sejam �g1 e �g2 2 Im f . Então, �g1 = f (g1) e �g2 = f (g2), para pelo menos dois g1 e g2 2 G1. O produto de �g1 e �g2 pode, então, ser escrito como �g1�g2 = f (g1) f (g2) = f (g1g2) = f (g) , com g = g1g2. Assim, se �g1 e �g2 2 Im f , �g1�g2 2 Im f . A identidade pertence a Im f , pois f (e) = f (ee) = f (e) f (e) . Multiplicando por (f (e))�1 dos dois lados (lembre-se que G2 é um grupo!), f (e) = �e, o que diz que �e 2 Im f (e, além disso, que é, pelo menos, a imagem da identidade de G1). Se �g pertence a Im f , e �g = f (g), f � gg�1 � = �e = f (g) f � g�1 � = �gf � g�1 � = f � g�1 � �g. Isso diz que f (g�1) = �g�1 (a inversa é única, para cada elemento do grupo, tente mostrar!). A associatividade é novamente decorrênte da propriedade similar em G2, o que estabelece que Im f é um subgrupo de G2. Além disso, ker f é um subgrupo normal de G1 (um subgrupo H de um grupo G é dito normal se, para cada h 2 H, ghg�1 2 H, para todo g 2 G). Para ver isso, tomemos um h 2 ker f e um g arbitrário em G1. Vemos que, f � ghg�1 � = f (g) f (h) f � g�1 � = f (g) �ef � g�1 � = f (g) f � g�1 � = f � gg�1 � = f (e) = �e. Portanto, ghg�1 2 ker f para todo g 2 G. Precisaremos, para explorar a relação entre os homomor smos e os es- paços conectados por eles, do conceito de relação de equivalência: chamamos de relação R num conjunto X, um subconjunto de X � X � X2. Se um ponto (a; b) de X2 está em R, dizemos que a se relaciona com b pela relação R, ou ainda aRb. Um exemplo de relação é o subconjunto de R2 R = f(a; b) ja e b 2 R e a < bg . A relação entre a e b é denotada, nesse caso, como a < b. Uma relação é dita de equivalência se satisfaz às seguintes propriedades 3 1. (a; a) sempre pertence a R, para todo a 2 X; 2. Se (a; b) 2 R, (b; a) 2 R; 3. Se (a; b) 2 R e (b; c) 2 R, então (a; c) 2 R. Uma relação de equivalência (observe que o exemplo citado não satisfaz os requisitos acima) é usualmente denotada pelo símbolo �. Assim, se (a; b) pertence à relação, escrevemos a � b e lemos a é equivalente a b. Como exemplo, tomemos o conjunto X = fa; b; cg. É simples ver que R = f(a; a) ; (b; b) ; (c; c) ; (a; b) ; (b; a)g é uma relação de equivalência sobre X. A existência de uma relação de equivalência num conjunto X faz com que ele se particione naturalmente em subconjuntos onde, em cada um, todos os elementos são equivalentes uns aos outros. Estes subconjuntos são chamados de classes de equivalência. A classe de equivalência de um elemento a é denotada por [a]. O elemento a usado para denotar a classe de equivalência [a] (poderia ser qualquer elemento equivalente a a) é chamado de representativo da classe. No exemplo dado acima temos duas classes de equivalência, [a] e [c]. Mostramos muito facilmente que: 1. As classes de equivalência são disjuntas ou coincidem (se duas classes têm interseção não nula, não pode haver elemento de uma que não pertença também à outra): de fato, suponha que a 2 [a1] e a 2 [a2] e que b 2 [a1] e b =2 [a2]. Então a � a1, o que implica em a1 � a. Como a � a2, pela terceira propriedade, a1 � a2 e, então, [a1] = [a2]. Logo, b 2 [a2], o que contraria a hipótese; 2. Todo elemento de X está em uma e apenas uma classe de equivalência: como, para todo a 2 X, a � a, vemos que a 2 [a]. Se ele pertencer a outra classe, ela coincidirá com [a], pelo que foi mostrado no ítem anterior. O conjunto formado por todas as classes de equivalência é chamado con- junto quociente de X pela relação R (ou espaço quociente, ou grupo quo- ciente, dependendo da estrutura que ele acomodar) e é denotado como X= �. Teremos bastante interesse num tipo especí co de relação de equivalência, imposto sobre conjuntos que possuam a estrutura de grupo. Dado um sub- grupo H � G, podemos estabelecera seguinte relação de equivalência em G: diremos que g1 � g2 se g1 = g2h, onde h 2 H (mostre você mesmo que esta 4 é uma relação de equivalência!). A classe de equivalência de g é usualmente denotada por [g] � gH, e é chamada de classe lateral à esquerda (em inglês, left coset). O conjunto quociente do grupo G por esta relação de equivalên- cia é chamado G= �� G=H. Um método sistemático para montar as classes de equivalência de G=H consiste em xar um elemento g e multiplicá-lo por todos os elementos de H. É preciso, contudo, checar se as outras classes de equivalência encontradas assim não são redundantes. Em geral G=H não possui estrutura de grupo, exceto na circunstância em que H é um subgrupo normal. Pode-se mostrar isto, a partir de uma proposta de lei de composição no conjunto quociente da seguinte forma (g1H) (g2H) := (g1g2)H. Com a lei de composição acima, é fácil mostrar que G=H é um grupo. Con- tudo, quando tratamos com classes de equivalência, devemos mostrar que a lei de composição é válida independente do representativo, para obter con- sistência em nossas a rmações. Tomemos �g1 como representativo de g1H e �g2 representando g2H. Será que (�g1H) (�g2H) = (g1g2)H? Para isto, devemos mostrar que (g1g2)H = (�g1�g2)H, ou seja, devemos encontrar um h 2 H tal que �g1�g2 = g1g2h. Mas, �g1 = g1h1 e �g2 = g2h2, com h1 e h2 2 H. Assim, �g1�g2 = g1h1g2h2 = g1h1g2h2g �1 2 g2. Como o subgrupo H é normal, g2h2g�12 = h3 2 H. Prosseguindo na mesma linha, g1h1h3g2 = g1h4g2 = g1g2g �1 2 h4g2 = g1g2h5, onde usamos que H é um subgrupo para que h4 = h1h3 2 H e o fato de H ser normal para de nir h5 = g�12 h4g2 2 H. Mostramos, assim, que �g1�g2 = g1g2h5, com h5 = g�12 h1g2h2, que era o que queríamos provar. Observe a importância crucial do fato de H ser subgrupo normal, na demonstração acima. Caso H 5 não fosse normal, a de nição de produto de classes de equivalência seria dependente do representativo e, portanto, não faria sentido. Observe ainda que sempre há uma classe de equivalência [h], formada pelos elementos de H. Quando H é normal, esta classe desempenha o papel de identidade no grupo quociente. Com isto, estamos prontos para mostrar o teorema fundamental do ho- momor smo, que diz o seguinte: considere dois grupos G1 e G2 e um homo- mor smo f : G1 ! G2. Então, G1= ker f �= Im f Para mostrar o teorema, vamos de nir um mapeamento � : G1= ker f ! Im f como � ([g]) = f (g). Como todo mapeamento envolvendo classes de equivalência, primeiro devemos nos certi car de que ele seja bem de nido, ou seja, independente do representativo. De fato, os elementos de uma classe [g] diferem entre si por produtos com elementos h 2 ker f , g0 = gh. Assim � ([g0]) = f (g0) = f (gh) = f (g) f (h) = f (g) �e = f (g) = � ([g]) . Vamos mostrar que � é um isomor smo. Para isto, veri camos primeiro que ele é um homomor smo, � ([g1] [g2]) = � ([g1g2]) = f (g1) f (g2) = � ([g1])� ([g2]) , onde, lembramos, pudemos usar a lei de composição bem de nida no espaço quociente pelo fato de ker f ser um subgrupo normal deG1. Devemos mostrar que � é injetivo e sobrejetivo agora. Suponha que � [g1] = � [g2]. Então f (g1) = f (g2) e (f (g1)) �1 f (g2) = f � g�11 � f (g2) = f � g�11 g2 � = �e. 6 Isso mostra que g�11 g2 = h 2 ker f , o que signi ca que g2 = g1h, ou seja, [g1] = [g2]. Logo, � é injetivo. Considere agora qualquer elemento �g de Im f . Por de nição, �g = f (g), g 2 G1, e assim, �g = � ([g]). Portanto, � é sobrejetivo e está provado o teorema. Vamos dar alguns exemplos, que pretendem ilustrar tanto o conceito de espaço quociente quanto a aplicação do teorema fundamental do homomor- smo. 1. Em todo grupo G encontramos dois subgrupos naturais: aquele com- posto apenas pelo elemento identidade (feg) e o próprio G. Ambos são subgrupos normais (mostre!). Consideremos H = feg. As classes de equivalência neste caso têm apenas um elemento cada: [g] = fgg. Assim, G=H �= G. Tomando agora H = G, observamos que qualquer g é equivalente a qualquer g0: g = g0h, h = (g0)�1 g 2 H = G. Assim, se todos os elementos de G são equivalentes, há apenas uma classe de equivalência [g] = [e]. Assim, G=G �= feg. 2. O conjunto dos inteiros, Z, pode ser considerado um grupo pela oper- ação de adição usual: a identidade é o número 0, o elemento inverso de um elemento n é o elemento �n e a associatividade é conseqüen- cia natural da mesma propriedade para a adição. Como nm = mn (n+m = m+n), ele é um exemplo do que chamamos de grupo abeliano, que se de ne pela comutabilidade de quaisquer dos seus elementos. É claro que todo subgrupo de um grupo abeliano é imediatamente nor- mal (pois ghg�1 = gg�1h = h 2 H por hipótese). O conjunto 2Z é de nido como o subconjunto de Z consistindo dos múltiplos de 2. Ele é um subgrupo (normal) de Z. Vamos calcular Z=2Z. A relação de equivalência proposta é tal que n e n0 são equivalentes se n = n0 + 2k. Os elementos de Z podem ser divididos em dois tipos: elementos do tipo n = 2j e do tipo n = 2j + 1. Cada elemento do primeiro tipo é equivalente a todos do mesmo tipo pois, se n = 2j e m = 2k, n � m = 2 (j � k) = 2l. Analogamente, se n = 2j + 1 e m = 2k + 1, 7 n � m. Contudo, é imediato ver que n = 2j não é equivalente a nenhum m = 2k + 1, pela relação de equivalência proposta. Temos, assim, duas classes de equivalência, que podem ser denotadas pelos representativos [0] e [1]. Como antes, a lei de composição natural no espaço quociente será [a] + [b] = [a+ b] . Podemos estabelecer explicitamente todas as composições possíveis, dado o número nito de elementos do grupo quociente: [0] + [0] = [0 + 0] = [0] , [1] + [0] = [1 + 0] = [1] , [1] + [1] = [1 + 1] = [2] = [0] . Esta lei de composição é característica do chamado grupo cíclico de ordem 2, ou Z2. A identidade é a classe [0] (que é a própria inversa) e a inversa da classe [1] também é ela mesma. Assim, concluímos que Z 2Z = Z2. 3. Vamos denotar por Z � Z o conjunto dos pares f(i; j) ji; j 2 Zg1. É claro que Z�Z também é um grupo e que existe um subgrupo normal constituído pelos pares do tipo f(0; i) ji 2 Zg �= Z. Vamos denotá-lo por H. Pretendemos calcular o espaço quociente Z� Z H . Observamos que a relação de equivalência é a seguinte: dois elementos (a1; b1) e (a2; b2) são equivalentes se (a1; b1) = (a2; b2) + (0; i) , 1A notação parece ser um pouco abusiva, pois Z não é um espaço vetorial; o conjunto em questão é, estritamente, Z2 = Z� Z. Contudo, esta última notação não leva em conta o fato de que cada componente do par ordenado herda a operação de soma do seu Z correspondente (i; j) + (k; l) = (i+ k; j + l) , com o que os pares ordenados exibem o mesmo comportamento de vetores que pertencem a uma soma direta de espaços vetoriais. Assim, a notação Z�Z parece ser a mais adequada, por evidenciar esta propriedade. 8 para algum i 2 Z. Os elementos equivalentes são, então, do tipo (a; b1) � (a; b2) , para todo bi 2 Z. Claramente, (a; b1) não é equivalente a (a0; b1) ou a (a0; b2), se a 6= a0. As classes de equivalência podem ser descritas, então, como: [a] = f(a; b) ja 2 Z é xo e b 2 Z é qualquerg . É imediato ver que a seguinte lei de composição pode ser imposta de forma não ambígua (independente do representativo) [a] + [a0] = [a+ a0] = [a0] + [a] . Também é imediato ver que as classes de equivalência estão em cor- respondência biunívoca com os inteiros. Isto, mais o fato de a lei de composição imitar a lei de composição de Z, faz com que concluamos que Z� Z H �= Z. Observe que, se houvessemos escolhido um outro subgrupo de Z � Z, igualmente isomorfo a Z, não necessariamente teríamos obtido o mesmo resultado. Considere o subgrupo H0 = f(0; 2i) ji 2 Zg = 2Z. Ele é claramente isomorfo a Z. A relação de equivalência (a1; b1) � (a2; b2) se (a1; b1) =(a2; b2) + (0; 2i) , implica na existência de dois tipos de classes de equivalência: [(a; 0)] = f(a; 2i) ja 2 Z é xo e i 2 Z é qualquerg , [(a; 1)] = f(a; 2i+ 1) ja 2 Z é xo e i 2 Z é qualquerg . A lei de composição é [(a; 0)] + [(b; 0)] = [(a+ b; 0)] , [(a; 0)] + [(b; 1)] = [(a; 1)] + [(b; 0)] = [(a+ b; 1)] , [(a; 1)] + [(b; 1)] = [(a+ b; 0)] , o que nos dá a estrutura abaixo para o espaço quociente Z� Z H0 �= Z� Z2. 9 4. Os três exemplos acima são conseqüencias triviais do teorema funda- mental do homomor smo. No primeiro exemplo, consideramos primeira- mente o homomor smo f : G! G, f (g) = g (ker f = feg, Im f = G) e, então, o outro homomor smo f : G ! G, f (g) = e (ker f = G, Im f = feg). Para o segundo, o homomor smo em questão é f : Z ! Z2 dado por f (n) = 0, se n = 2j e f (n) = 1 se n = 2j + 1, para algum j 2 Z. O núcleo é ker f = 2Z e a imagem é Z2. No terceiro caso, primeiramente tomamos o homomor smo f : Z � Z! Z, dado por f (i; j) = i. Obviamente, ker f = f(0; j) jj 2 Zg �= H e Im f = Z. Para obter os resultados correspondentes a H0, o homomor smo em questão é f : Z� Z! Z� Z2, dado por f (i; j) = � (i; 0) , se j for par, (i; 1) , se j for ímpar. O núcleo de f é H0 e a imagem é Z � Z2, o que mostra o resultado anterior. 1.2 Espaços Topológicos, Homeomor smos e Invari- antes Topológicos O conceito de espaço topológico visa de nir a estrutura mais básica na qual possamos estabelecer o conceito de continuidade e tomar limites. Ele é a base para todo o estudo posterior de variedades diferenciáveis e brados, que encontram numerosas aplicações na Física. Vamos à sua de nição: consider- emos um conjunto X e um conjunto T de subconjuntos Ui � X, não sendo necessário ser um número nito de subconjuntos. O par (X; T ) é chamado de espaço topológico se as seguintes propriedades forem satisfeitas: 1. O conjunto vazio ; e o próprio X pertencem a T . 2. Qualquer união de qualquer número ( nito ou in nito) de subconjuntos Ui pertence a T . 3. Qualquer interseção, de qualquer número nito de subconjuntos Ui pertence a T . Usualmente chamamos o próprio X de espaço topológico. Os Ui são chamados conjuntos abertos e T é dita a topologia de X. Existem sempre 10 duas topologias óbvias para qualquer conjunto X: a topologia discreta, na qual T é tomado como sendo o conjunto de todos os subconjuntos de X, e a topologia trivial, na qual T = f;; Xg. Pode-se mostrar facilmente que estas duas de nições de T satisfazem às três propriedades que de nem um espaço topológico. Vamos estabelecer uma série de conceitos relacionados à de nição de con- junto aberto. Num espaço topológico X, chamamos V � X de vizinhança de um ponto x se V contém algum conjunto aberto que, por sua vez, contenha x. Se, além disso, o próprio V for um conjunto aberto, chama-lo-emos de vizinhança aberta. Um espaço topológico é dito um espaço de Hausdor¤ se, para quaisquer dois x e x0 2 X, sempre existirem vizinhanças Vx e Vx0, de x e x0 respectivamente, tais que Vx \ Vx0 = ;. Prosseguindo, de nimos um subconjunto A de um espaço topológico X como fechado se o seu complemento em X for um conjunto aberto. Observe que X e ; são tanto abertos como fechados e que podem existir conjuntos que não são nem abertos nem fechados. Dado um conjunto arbitrário A (aberto, fechado ou nenhum dos dois) de nimos o fecho de A como o menor (no sentido de estar contido em todos e não conter nenhum) conjunto fechado que contém A e o denotaremos por �A. O interior de A é de nido como o maior subconjunto aberto de A e é indicado por A�. A fronteira b (A) é de nida como o complemento de A� em �A: b (A) = �A� A�. É fácil ver que um conjunto aberto é sempre disjunto de sua fronteira e que um conjunto fechado sempre a contém. A última série de conceitos que explicitaremos principia com o de cober- tura: uma família fAi; i 2 Ig (o conjunto I é dito um conjunto de índices; ele pode ser, por exemplo, o conjunto dos números inteiros) de subconjuntos de um espaço topológico X é chamada assim se[ i2I Ai = X. Se todos os Ai são abertos, a cobertura é chamada de cobertura aberta. Ob- serve que o número dos Ai pode ser nito ou in nito e que podem haver muitas (até mesmo in nitas) coberturas para um dado X. Isto nos leva ao conceito de espaço compacto: um espaço topológico X é dito compacto se, para toda cobertura aberta fUi; i 2 Ig, existir um subconjunto nito J � I tal que fUi; i 2 Jg também é uma cobertura aberta de X. Tendo considerado os pontos acima, relativos à estrutura de conjun- tos abertos num espaço topológico, passamos a estudar espaços especí cos, 11 chamados espaços métricos, nos quais existe uma de nição natural de con- junto aberto. Um espaço X é chamado de espaço métrico se podemos de nir uma função d : X2 ! R, chamada de métrica, satisfazendo às seguintes condições: 1. d (x; y) = d (y; x); 2. d (x; y) � 0, com a igualdade valendo apenas se x = y; 3. d (x; y) + d (y; z) � d (x; z). Num espaço métrico, existe uma escolha simples para a topologia: os conjuntos abertos são de nidos como U" (x) = fy 2 Xjd (x; y) < "g e todas as suas possíveis uniões. Os conjuntos U" (x) são chamados de bolas abertas de raio " em torno de x (chamado de centro da bola aberta). É simples veri car que as bolas abertas (com todos os raios e centros) e todas as suas possíveis uniões fornecem uma topologia para X, denominada topologia métrica. Podemos mostrar facilmente a seguinte propriedade de todos os conjuntos abertos desta topologia: todo elemento x de um conjunto aberto (que pode ser algum dos U" ou alguma união arbitrária deles) é centro de uma bola aberta inteiramente contida nele. De fato, se x 2 Ur (a), então " = r � d (x; a) > 0. Vamos, então, mostrar que U" (x) � Ur (a). Suponha que y 2 U" (x). Então, d (y; x) < ", e então d (y; a) � d (y; x)+d (x; a) < "+d (x; a) = r�d (x; a)+d (x; a) = r. Portanto, U" (x) � Ur (a). Reciprocamente, se todo elemento de um conjunto U � X é centro de uma bola aberta contida em U , então U é aberto, pois U pode ser visto como a união de todos estes conjuntos abertos (o que, pelos axiomas que de nem a topologia, é um aberto). Para nossa maior comodidade, vamos de nir por f (U) o conjunto de todos os pontos de Y obtidos pela aplicação de f a todos os pontos de U . Vamos também de nir o conceito de imagem inversa f�1 (y) de um ponto y 2 Y : trata-se do conjunto de pontos de X que são levados em y pela ação de f . Observe que, se f não é sobrejetiva, f�1 (y) pode ser o conjunto vazio. Indo um pouco mais longe, podemos de nir f�1 (V ), com V sendo um subconjunto de Y , como a união das imagens inversas de todos os pontos de V . 12 Num espaço métrico de nimos de maneira direta uma função contínua, usando a métrica: uma função f : X ! Y (X e Y sendo espaços métricos) é dita contínua no ponto x se, para um " > 0, real e arbitrário, sempre é possível encontrar um � > 0, real, de modo que, dado um y que satisfaça d (y; x) < �, então d (f (y) ; f (x)) < ". Dito de outra forma, dada uma bola aberta V" (f (x)) � Y , sempre é possível encontrar um � tal que f (U� (x)) � V" (f (x)). Dizemos que f é contínua em X se ela for contínua em todos os pontos de X. Podemos, agora, mostrar a seguinte proposição: para que um mapea- mento de um espaço métricoX em outro Y seja contínuo (no sentido métrico), é necessário e su ciente que a imagem inversa de todo subconjunto aberto V de Y , f�1 (V ), seja um subconjunto aberto de X. Para ver isso, primeira- mente suponhamos que f seja contínua e tomemos um aberto V � Y . Va- mos mostrar que U = f�1 (V ) é um aberto em X. Para cada ponto x 2 U , f (x) 2 V . Como V é aberto, existe um " > 0 tal que f (x) 2 V" (f (x)), com a bola aberta V" (f (x)) � V . Sendo f contínua em x, existe � > 0 tal que f (U� (x)) � V" (f (x)) � V . Mas, f (U� (x)) � V implica em U� (x) � f�1 (V ) = U . Logo, U é aberto pois,contendo um ponto x, contém também uma bola U� (x). Para mostrar a volta, supomos agora que f : X ! Y é tal que, para todo aberto V � Y , U = f�1 (V ) é aberto em X. Considere um ponto genérico x de X. V" (f (x)) é um aberto de Y contendo f (x). Então, f�1 (V" (f (x))) é um aberto em X contendo x. Conclui-se que existe uma bola aberta U� (x) � f�1 (V" (f (x))), o que implica em f (U� (x)) � V" (f (x)). Isto conclui a demonstração. As considerações acima permitem que formulemos a questão da con- tinuidade de uma função f : X ! Y em termos apenas das topologias dos espaços em consideração. A função f : X ! Y será dita contínua no ponto x se, para cada aberto V de Y , com f (x) 2 V , existir um aberto U de X, com x 2 U e f (U) � V . Chamamos um mapeamento f : X ! Y de contínuo se, dado um aberto V � Y , f�1 (V ) for um conjunto aberto em X. Pode-se mostrar que uma função f : X ! Y é contínua se e somente se ela é contínua em cada ponto x 2 X. Esta de nição, independente da de nição de uma métrica, claramente torna mais ampla a classe de espaços para os quais podemos discutir questões ligadas á continuidade. Tendo de nido os conceitos acima, estamos em posição para considerar o conceito de homeomor smo entre espaços topológicos X e Y , não necessaria- mente métricos: um mapeamento f : X ! Y é chamado de homeomor smo 13 se ele é contínuo e sua inversa existe e também é contínua. É imediato no- tar que a relação entre X e Y de nida como X é homeomorfo a Y (ou seja, existe um homeomor smo entre X e Y ) é uma relação de equivalência, que divide todos os espaços topológicos em classes de equivalência que levam em conta essencialmente se é possível ou não deformarcontinuamente um espaço no outro. A próxima pergunta que aparece é: como caracterizar as classes de equi- valência de espaços homeomorfos uns aos outros? Não se sabe fazer isso em geral. Podemos, contudo, falar em invariantes topológicos, que são quanti- dades ou propriedades que não variam quando aplicamos homeomor smos sobre o espaço. Alguns exemplos seriam a conectividade (simples ou múlti- pla), compacidade (propriedade do espaço ser compacto ou não), grupos de homologia, grupos de homotopia, característica de Euler, etc. Estudaremos diversos invariantes topológicos ao longo deste curso e poderemos veri car a utilidade deles na classi cação dos espaços topológicos. Na prática, se algum invariante topológico difere quando calculado para dois espaços, eles não po- dem ser conectados por homeomor smos, não estando, portanto, na mesma classe de equivalência. 1.3 Exercícios 1. Calcule (Z� Z) = (Z� 2Z). 2. Calcule Z=nZ. 3. Justi que seus resultados através do teorema fundamental do homo- mor smo. 4. Mostre que qualquer espaço métrico é um espaço de Hausdor¤. 5. Mostre que a função f : R! R, dada por f (x) = � �x+ 1 x � 0 �x+ 1 2 x > 0 , é descontínua no ponto x = 0, levando em consideração a topologia usual em R, qual seja, a de que qualquer intervalo aberto (a; b) é um conjunto aberto (os abertos seriam os intervalos e todas as suas uniões). Investigue a mesma questão dotando R primeiramente da topologia trivial e depois da discreta. 14 1.4 Referências 1. M. Nakahara, Geometry, Topology and Physics, IOP, 1990, Bristol (ca- pítulo 2 e início do capítulo 3). 2. E. Lages Lima, Elementos de Topologia Geral, Ao Livro Técnico, 1970, Rio de Janeiro (capítulos 1 a 3). 3. C. Nash e S. Sen, Topology and Geometry for Physicists, Academic Press, 1983, Londres (capítulo 1) 15 1 Variedades Diferenciáveis (1/5) Se os espaços topológicos nos permitiam a consideração de mapeamentos contínuos, as variedades diferenciáveis vão tornar possível a consideração de mapeamentos suaves. Dizemos que um mapeamento f : Rn ! Rm é suave (ou de classe C1) se suas derivadas de ordem arbitrária existem e são contínuas. O estudo das variedades diferenciáveis irá nos dar instrumentos para de nir e utilizar mapeamentos suaves no contexto mais geral possível, qual seja, o de substituir Rn e Rm por variedades diferenciáveis arbitrárias M e N . 1.1 De nição e Exemplos Uma variedade diferenciável é um espaço topológicoM que satisfaz às seguintes propriedades: 1. M é localmente homeomorfo a Rm, para algum m < 1. Isso quer dizer que, ao redor de qualquer elemento p de M existe um aberto U e um homeomor smo � de U num aberto1 de Rm. O valor de m é o mesmo para todos os elementos deM . O par (U; �) é chamado de carta coordenada. A união de todas as cartas é chamada de atlas de M . 2. Se (U1; �1) e (U2; �2) são duas cartas tais que U1\U2 6= ;, notamos, da propriedade acima, que um ponto p 2 U1 \ U2 pode ser mapeado em Rm usando �1 ou �2. Vamos, então, requerer que as aplicações �1 ���12 e �2 � ��11 , de Rm em Rm, sejam suaves2. Estas aplicações (chamadas de funções de transição) têm a função de prover uma mudança de de- scrição (ou de coordenadas) do ponto p (veja a gura 1). Com este requerimento, esperamos que tal mudança se dê de modo suave. 1Uma pergunta interessante é: será que toda variedade diferenciável é automaticamente um espaço de Hausdor¤ (espaços onde, dados quaisquer dois pontos p e q, sempre existem abertos Up e Uq que os contém e são disjuntos)? A dúvida surgiu devido a Rm ser do tipo Hausdor¤ e cada aberto da cobertura ser homeomorfo a ele. Um contra-exemplo é mostrado em Hawking e Ellis (citado ao nal). 2É preciso requerer também que a inversa seja suave, em geral. Um exemplo unidimen- sional ajuda a esclarecer a questão: suponhamos que f : R ! R é tal que sua derivada existe e g (x) é a sua inversa. Então, de g (f (x)) = x, 1 Figura 1: Função de transição entre um aberto U 0j e outro U 0 i , ambos contidos em R m. chegamos a dg (f (x)) dx = 1 = dg df f 0 (x) ) dg df (x) = 1 f 0 (x) . Daí, chamando y = f (x), dg dy = 1 f 0 (g (y)) . Trocando o índice y por x, obtemos dg dx = 1 f 0 (g (x)) . 2 Figura 2: Projeção estereográ ca para S1. Empregaremos a seguinte notação: a aplicação de � em p tem como resul- tado o ponto (x1; :::; xm) 2 Rm. Frequentemente iremos nos referir a uma das coordenadas do ponto de Rm, digamos x�. Indicaremos este fato escrevendo �� (p) ou x� (p). Passamos, a seguir, a considerar alguns exemplos: � O círculo S1: podemos dotar S1 de uma estrutura de variedade difer- enciável de várias maneiras, mas uma bem comum é a projeção estere- ográ ca. S1 pode ser considerado como UN [ US, onde UN = � S1 � polo Norte , US = � S1 � polo Sul . Para todo ponto p 2 UN , consideramos o mapeamento �N : UN ! R descrito na gura 2 (abaixo), que associa xN a p. Da mesma forma, se p 2 US, �S : US ! R, lhe dará uma coordenada xS. Com exceção dos pólos Norte e Sul, todos os pontos têm duas coordenadas xN e xS. A função �S � ��1N nos dá a relação entre essas coordenadas, xS (xN). Usando semelhança de triângulos ( gura 3), obtemos que tan� = 2 xN = xS 2 , Isso implica na existência da derivada da inversa g (x) apenas se f 0 (g (x)) 6= 0, o que não pode ser garantido em geral. 3 Figura 3: Relação entre xN e xS . o que implica em xS = 4=xN , para um círculo de raio 1. Vemos que a função de transição é bem de nida em todos os pontos de UN \ US, do qual não fazem parte nem o pólo Norte nem o Sul (o pólo Norte tem coordenada xS = 0, mas não tem um valor correspondente em UN , nem precisa ter, pois não faz parte deste aberto; isto torna a regra de transição bem de nida para todos os pontos que têm duas coordenadas, o que não é o caso do pólo Norte nem do Sul). Outra coisa que podemos reparar é que todos os pontos têm apenas uma coordenada, dentro de uma mesma carta. Isto não ocorreria se tentássemos coordenatizar S1 com apenas uma carta (o próprio S1, no caso). Usando o ângulo ' de nido na gura 4, veríamos que os pontos imediatamente acima do equador teriamcoordenadas próximas de 0, enquanto os pontos imediatamente abaixo teriam coordenadas próximas a 2�. Assim, haveria uma descontinuidade em funções de ', todas as vezes que ele passasse por 0. Este problema está ausente na coordenatização usando duas cartas. � O espaço RP n: de nimos o espaço projetivo real RP n através de uma relação de equivalência entre pontos deRn+1�f0g. Dizemos que x � y se existe a 2 R�f0g tal que y = ax. Assim, RP n = (Rn+1 � f0g) = �. Denotamos o representativo da classe de equivalência por [(x0; :::; xn)] 4 Figura 4: Coordenatização única de S1. onde xk é a k-ésima coordenada do ponto x 2 Rn+1. Os n+1 números x0, x1,..., xn são chamados de coordenadas homogêneas e não podem nos dar boas coordenadas paraRP n, desde que representam ambigüamente a classe de equivalência. Além disso, seriam n + 1 coordenadas para um espaço n-dimensional. Para obter boas coordenadas, notamos que (tomando xi 6= 0) xj xi = yj yi , se y = ax. A seguir, de nimos as coordenadas inomogêneas �j(i) = xj xi . De nimos uma coordenada redundante �i(i) = 1, para facilitar cálculos posteriores. As coordenadas independentes são, contudo, apenas as n que restam, com i 6= j. É claro, então, que cada classe [(x0; :::; xn)] (com xi 6= 0) será caracterizada por um conjunto único de valores dos �j(i). Vamos de nir abertos Ui exatamente como o conjunto de classes para as quais xi 6= 0 (esta condição pode ser imposta de maneira independente do representativo, já que, se xi 6= 0, qualquer yi = axi também o será). O mapa �i : Ui � RP n ! Rn é, então, �i : �� x0; :::; xn ��! �x0 xi ; :::; xi�1 xi ; 1; xi+1 xi ; :::; xn xi � . 5 Se [(x0; :::; xn)] 2 Ui \ Uj, ele também terá a possibilidade de ser coor- denatizado por �j : �� x0; :::; xn ��! �x0 xj ; :::; xj�1 xj ; 1; xj+1 xj ; :::; xn xj � . A relação entre as duas coordenatizações será �k(j) = xi xj �k(i), que representa �j � ��1i . As funções de transição são suaves, e temos uma estrutura de variedade diferenciável associada a RP n. 1.2 Cálculo sobre Variedades: Vetores Considere duas variedades, M e N , m- e n-dimensionais respectivamente, e um mapeamento f : M ! N . Através de f , um ponto p pertencente à carta (U; �) deM é levado a f (p), que pertence a (V; ) em N . As imagens de p e f (p) em Rm e Rn também são relacionadas pelo mapeamento F : Rm ! Rn dado por (veja a gura 5) F = � f � ��1. Chamando as coordenadas de p em M de x� e as coordenadas de f (p) em N de y�, é claro que y� = F� (x), onde, como usual, estamos designando por x a n-upla (x1; :::; xm). Muitas vezes, quando a coordenatização estiver clara, escreveremos y� = f� (x), o que constitui um abuso de linguagem mas uma simpli cação na notação. Diremos que o mapeamento f é diferenciável de classe C1 (ou suave) se F o for. Se, além disso, ele for inversível e sua inversa também for suave, f será chamado de difeomor smo e M será dito difeomorfo a N e vice-versa. É claro que as dimensões deM e N deverão ser as mesmas, neste caso. Há outros tipos de mapeamentos importantes, em se tratando de var- iedades. Uma curva aberta numa variedade M é um mapeamento suave � : (a; b) ! M , onde supomos que a < 0 < b, por conveniência. Uma curva fechada é um mapeamento suave de S1 em M . Uma função f sobre M é um mapeamento suave de M em R. Vamos denotar o espaço de todas as funções sobre M por M. Um conjunto muito importante de funções é o das funções coordenadas, de nidas como �� : M ! R da seguinte maneira: 6 Figura 5: Mapa associado a f , conectando Rm e Rn. 7 �� (p) = P � � � (p) = x�, onde P � é a aplicação de Rm ! R que associa ao ponto (x1; :::; xm) a �-ésima coordenada do ponto p, x�. Quando não for necessário especi car a coordenatização, iremos denotá-las por x� (p) direta- mente. Podemos, agora, de nir um vetor tangente X a uma curva � num ponto p de M : supondo que � (0) = p, vamos de nir o vetor tangente como uma aplicação deM em R, dada por X [f ] = df (� (t)) dt ���� t=0 . A interpretação geométrica ca clara quando usamos uma coordenatização (observe que a de nição acima não faz uso de nenhuma!). Considere o trecho da curva � (t) sob consideração (aquele na vizinhança de p) como estando dentro de uma carta (U; �). Podemos ver que f (� (t)) = f � ��1 � � � � (t)� = F (� (� (t))) = F � x1� (t) ; :::; x m � (t) � . Dessa forma, vemos que a função f tem uma análoga F que imita, na im- agem da curva � emRm, (x1� (t) ; :::; x m � (t)), tudo o que ela faz. Prosseguindo no cálculo, X [f ] = dF (x1� (t) ; :::; x m � (t)) dt ���� t=0 = dx�� dt @F (x�) @x�� ���� t=0 , onde estamos empregando a notação de Einstein, segundo a qual, índices repetidos implicam em somas. Vamos identi car cada pedaço da expressão acima: @F (x�) =@x�� representa o gradiente da função escalar F : R m ! R, induzida por f . Este termo é independente da curva � (t), podendo ser substituído por @F (x�) =@x � �, contanto que � (0) = � (0). Mantida esta restrição, podemos então escrever @F (x) =@x�. O conjunto de quantidades dx��=dt representa as componentes do vetor tangente à curva induzida em Rm pela curva � (t) (vamos chamar esta curva de c (t) = ��� (t)). Com isso, vemos que a expressão dx�� dt @F @x� 8 representa o produto escalar, em Rm, entre o vetor tangente a c (t) e o gradiente da função escalar F . Assim, X [f ] tem a interpretação (em Rm) de derivada direcional de F ao longo da tangente a c em � (p). É claro que a derivada direcional é completamente caracterizada pelas m quantidades dx�� dt . Conseguimos, assim, trabalhando com quantidades induzidas em Rm, asso- ciar um vetor a uma curva � (t) na variedade. É claro que existem in nitas curvas passando por p que estarão associadas ao mesmo X. O vetor tangente é, então, mais apropriadamente associado à classe de equivalência de curvas que passam por p e têm a mesma derivada direcional (no sentido mencionado acima). O conjunto de todos os vetores tangentes é, claramente, um espaço vetorial, chamado de espaço tangente a M em p, e simbolizado por TpM . Na de nição do vetor tangente, vemos que a função f não desempenha nenhum papel na sua caracterização, da mesma forma que um ponto x em R não importa para caracterizar uma função f (x). Para caracterizar comple- tamente um vetor tangente, precisamos apenas fornecer m números X�, que chamamos de componentes do vetor, sendo o restante das operações a serem realizadas, comum a qualquer vetor tangente. Considere agora os � vetores e� (f) = @F @x� . Suas componentes são X�e� = � � �. É claro que qualquer vetor pode ser escrito de modo único como combinação linear dos e�3 X (f) = X�e� (f) , o que permite que consideremos os e� como uma base do espaço tangente. Abstraindo a função f sobre a qual o vetor está operando, escrevemos X = X�e�, e� = @ @x� . Nesta notação está implícita uma coordenatização �, que conduz às coorde- nadas x�. E se mudarmos de coordenatização? Suponha que o ponto p em 3Para uma outra demonstração deste fato, veja o capítulo 1 de Isham. 9 questão está em uma região de interseção de duas cartas, uma com coordena- tização � e outra com (que conduz a coordenadas y�). Vemos que o vetor tangente à curva � em p pode ser escrito da mesma forma como X (f) = X�e� (f) = dx�� dt @F (x�) @x�� ���� t=0 = �X��e� = dy�� dt @ �F (y�) @y�� ���� t=0 , onde y�� (t) = P � � � � (t) e �F = f � �1. Inserindo ��1 � �, y�� (t) = P � � � ��1 � � � � (t) = �y� (x� (t)) , onde de nimos �y� = P � � � ��1, como a �-ésima componente da função de transição � ��1. Além disso, x�� (t) = P � � � � �1 � � � (t) = �x� (y� (t)) . Estas duas relações nos dizem que podemos considerary�� como função de x � � e vice-versa, graças ao fato de que a função de transição é um difeomor smo. Obtemos, também, a relação entre �F e F : �F (y�) = f � �1 � (p) = f � ��1 � � (p) = F (x�) . Assim, �e� (f) = @ �F (y�) @y�� = @x�� @y�� @F (x�) @x�� = @x�� @y�� e� (f) e �X� = dy�� dt = @y�� @x�� dx�� dt = @y�� @x�� X� . 10 Vemos que as componentes e os vetores da base transformam-se inversamente uns aos outros, de modo que a expressão do vetor que independente da coordenatização. A matriz Jacobiana da transformação é de nida como J�� = @x�� @y�� . Devido ao fato de as componentes de um vetor tangente transformarem-se através da inversa da matriz Jacobiana, chamamos estas componentes de contravariantes. No que se segue, quando estiverem claras as coordenadas em jogo, usare- mos freqüentemente a notação @=@x� � @� e apenas em caso de ambigüidade voltaremos a mencionar a função f sobre a qual atua o vetor X. 1.3 Exercícios 1. Mostre que, se uma função f : M ! N é diferenciável em dois dados sistemas de coordenadas em M e N , ela o é em todos os outros. 2. ConsidereM e N como variedades diferenciáveis. Mostre queM �N é uma variedade diferenciável. Dada uma curva � (t) emM e outra � (t) em N , com � (0) = p e � (0) = q, monte a curva correspondente em M�N e calcule o vetor tangente a ela em (p; q), exibindo explicitamente as suas componentes numa base adequada. 1.4 Referências 1. C. J. Isham, Modern Di¤erential Geometry for Physicists, World Sci- enti c, 1989, Cingapura (capítulo 1). 2. M. Nakahara, Geometry, Topology and Physics, IOP, 1990, Bristol (ca- pítulo 5). 3. C. Nash e S. Sen, Topology and Geometry for Physicists, Academic Press, 1983, Londres (capítulo 2). 4. S. W. Hawking e G. F. R. Ellis, The Large Scale Structure Of Space- Time, Cambridge University Press, 1984, Inglaterra (capítulo 2). 11 1 Variedades Diferencia´veis (2/5) Vetores tangentes na˜o sa˜o os u´nicos objetos associados a m-uplas em Rm que podem ser definidos intrinsecamente numa variedade diferencia´vel. Nes- ta aula, com o aux´ılio de te´cnicas usuais empregadas em espac¸os vetoriais, vamos definir 1-formas e tensores, primeiramente num dado ponto p. Em seguida, vamos estender as definic¸o˜es para todos os pontos de M , obtendo, assim, campos tensoriais. 1.1 Ca´lculo sobre Variedades: 1-formas Dado o espac¸o vetorial TpM , sempre podemos definir funcionais lineares sobre ele: sa˜o aplicac¸o˜es lineares ω que associam a cada vetor um nu´mero ω (X) ∈ R. Dizemos que os funcionais tomam valores sobre os reais, mas podemos generalizar o conceito associando nu´meros complexos, quate´rnions ou elementos de uma a´lgebra de Lie (a ser definida em aulas posteriores). Por enquanto, estaremos interessados no caso de valores reais. Podemos definir uma soma e uma multiplicac¸a˜o por escalares (reais) no espac¸o dos funcionais lineares, atrave´s da seguinte regra (λ1ω1 + λ2ω2) (X) . = λ1ω1 (X) + λ2ω2 (X) . Com isto, este espac¸o se torna um espac¸o vetorial, que e´ chamado dual a TpM e indicado por T ∗pM . Ele tambe´m e´ chamado de espac¸o cotangente aM em p. Os funcionais lineares sa˜o chamados de vetores duais, vetores cotangentes ou 1-formas. O exemplo mais simples (e fundamental) de 1-forma e´ a diferencial de uma func¸a˜o: dada uma func¸a˜o f associamos a ela uma 1-forma df atrave´s de df (X) . = X (f) = Xµ ∂F ∂xµ , onde F = f ◦ φ−1, para um homeomorfismo φ dado como parte de uma coordenatizac¸a˜o. Observe que o funcional definido acima e´ linear df (λ1X1 + λ2X2) = (λ1X1 + λ2X2) (f) = λ1X1 (f) + λ2X2 (f) = λ1df (X1) + λ2df (X2) , 1 se, no espac¸o tangente, tivermos definido (λ1X1 + λ2X2) (f) . = λ1X1 (f) + λ2X2 (f) . Lembrando das func¸o˜es coordenadas, definidas na aula anterior, podemos obter mais m 1-formas dxµ. Sua ac¸a˜o sobre um vetor arbitra´rio X sera´ dxµ (X) = X (xµ) = Xν ∂xµ ∂xν = Xνδµν = X µ. O efeito de aplicar as 1-formas dxµ a um vetor X e´ selecionar a sua µ-e´sima componente. Aplicando sobre os vetores base do espac¸o tangente, eν , dxµ (eν) = eν (x µ) = ∂xµ ∂xν = δµν . Num espac¸o vetorial de dimensa˜o finita, esta relac¸a˜o significa que as m 1- formas dxµ sa˜o uma base de T ∗pM , chamada de base dual. Vamos recordar a prova desta afirmac¸a˜o. Consideremos uma 1-forma gene´rica ω. Como ω e´ uma aplicac¸a˜o linear, ω (X) = Xµω (eµ) . Portanto, uma 1-forma e´ completamente fixada pela sua ac¸a˜o sobre os ve- tores base eµ. Considere a 1-forma espec´ıfica ω ′ = ωµdxµ com ωµ = ω (eµ). Aplicando ω′ a X, ω′ (X) = Xνω′ (eν) = Xνωµdx µ (eν) = Xµωµ. A aplicac¸a˜o de ω′ a X da´ o mesmo resultado que a aplicac¸a˜o de ω, para qualquer X. Logo, ω = ω′ e podemos escrever ω = ωµdx µ. A relac¸a˜o dxµ (eν) = δ µ ν implica na independeˆncia linear de dx µ pois, supondo que ωµdx µ = 0, 0 = ωµdx µ (eν) = ωµδ µ ν = ων . 2 Isto prova que os dxµ sa˜o uma base de T ∗pM . A base dual dxµ foi definida atrave´s do uso expl´ıcito de uma coordenati- zac¸a˜o. Contudo, o conceito de 1-forma ω (X) e´ independente do sistema de coordenadas. E´ u´til observar como variam a base e as componentes de uma 1-forma por mudanc¸as de coordenatizac¸a˜o. As func¸o˜es coordenadas va˜o para yµ (p) = yµ ◦ φ−1 ◦ φ (p) = yµ (x) , onde as coordenadas yµ referem-se a outro homeomorfismo ψ. As 1-formas ba´sicas dyµ podem ser expressas em termos da base dxµ como dyµ = αµνdx ν . Para calcular αµν basta aplicar dy µ sobre os vetores base eν , dyµ (eν) = α µ σdx σ (eν) = αµν . Por outro lado, usando a definic¸a˜o da diferencial, dyµ (eν) = ∂yµ ∂xν , obtemos dyµ = ∂yµ ∂xν dxν . Para obter a lei de transformac¸a˜o das componentes aplicamos a 1-forma sobre os vetores base e¯µ da nova coordenatizac¸a˜o, ω (e¯µ) = ω¯νdy ν (e¯µ) = ω¯µ. Por outro lado, ω (e¯µ) = ωνdx ν (e¯µ) = ων e¯µ (x ν) = ων ∂xν ∂yµ , 3 ou ω¯µ = ∂xν ∂yµ ων . Vemos que as componentes de uma 1-forma mudam com a matriz Jacobiana da mudanc¸a de coordenadas, diferentemente das componentes de um vetor tangente, que mudam com a inversa. Devido a isto, elas sa˜o chamadas de componentes covariantes. Na demonstrac¸a˜o acima ha´ uma diferenc¸a em relac¸a˜o a quando obtive- mos as leis de transformac¸a˜o das componentes de um vetor. La´, utilizando a relac¸a˜o Xµ = dxµα/dt consegu´ıamos obter a lei de transformac¸a˜o dos X µ sem usar a invariaˆncia do vetor com relac¸a˜o a` coordenatizac¸a˜o (esta e´ uma propriedade o´bvia devido a` definic¸a˜o de vetor tangente, mas o ponto aqui e´ que na˜o precisamos usa´-la). Em contraste, aqui e´ necessa´rio utilizar explici- tamente a invariaˆncia da 1-forma, pois na˜o ha´ uma definic¸a˜o mais primitiva das componentes ωµ. 1.2 Tensores e Campos Tensoriais 1.2.1 Preliminares • Vamos considerar os vetores sobre outro ponto de vista: como funcio- nais lineares sobre o espac¸o cotangente. Para isto, definimos a ac¸a˜o de um vetor sobre uma 1-forma como X (ω) := ω (X) = Xµωµ. Dito de outra forma, se temos dois vetores X e X¯, eles podera˜o ser considerados iguais se a sua ac¸a˜o sobre qualquer 1-forma arbitra´ria coincidir: Xµωµ = X¯ µωµ, para qualquer ωµ ⇒ Xµ = X¯µ. Assim, a ac¸a˜o de um vetor sobre 1-formas definida acima caracteriza completamente o vetor. Isto nos da´ uma descric¸a˜o completamente dual dos espac¸os tangente e cotangente. • Vamos recordar o conceito de espac¸o produto tensorial. Dados dois espac¸os vetoriais, X e Y , podemos formar um terceiro espac¸o, chamado de produto tensorial de X e Y e denotado por X ⊗ Y , associando a cada par de vetores x ∈ X e y ∈ Y um vetor x⊗ y de modo que: 4 1. a associac¸a˜o seja bilinear em x e y, ou seja, dados λ1, λ2, α1 e α2 escalares arbitra´rios, (λ1x1+ λ2x2)⊗ y = λ1x1 ⊗ y + λ2x2 ⊗ y, x⊗ (α1y1 + α2y2) = α1x⊗ y1 + α2x⊗ y2; 2. se {xi} e´ uma base em X e {yj} e´ uma base em Y , enta˜o {xi ⊗ yj} e´ uma base em X ⊗ Y . 1.2.2 Tensores como Funcionais Multilineares Podemos, agora, definir objetos multilineares sobre a variedade, aproveitando os conceitos trabalhados ate´ enta˜o. Para sermos concretos, vamos conside- rar um funcional bilinear de um vetor e uma 1-forma, T (ω,X). Usando a bilinearidade de T e expressando ω e X em termos de bases associadas a um mesmo sistema de coordenadas em T ∗pM e TpM , vemos que T (ω,X) = T (ωµdx µ, Xνeν) = ωµX νT (dxµ, eν) . Observamos que a expressa˜o acima e´ explicitamente independente de co- ordenatizac¸o˜es, o que define T como um objeto com significado intr´ınseco (independente do sistema de coordenadas) a` variedade. Dada uma outra coordenatizac¸a˜o ψ, que fornec¸a coordenadas x¯µ para o ponto p, temos T (ω,X) = T ( ω¯µdx¯ µ, X¯ν e¯ν ) = ω¯µX¯ νT (dx¯µ, e¯ν) . Os coeficientes T µν := T (dx µ, eν) possuem uma lei de transformac¸a˜o bem definida em relac¸a˜o a mudanc¸as de coordenatizac¸a˜o: T¯ µν := T (dx¯ µ, e¯ν) = T ( ∂x¯µ ∂xα dxα, ∂xβ ∂x¯ν eβ ) = ∂x¯µ ∂xα ∂xβ ∂x¯ν T (dxα, eβ) = ∂x¯µ ∂xα ∂xβ ∂x¯ν Tαβ. 5 Substituindo as expresso˜es anteriormente encontradas para ω¯µ e X¯ ν em ter- mos de ωµ e X ν , vemos que ω¯µX¯ νT (dx¯µ, e¯ν) = ωµX νT (dxµ, eν) = T (ω,X) . . A lei de transformac¸a˜o dos T µν e´ usualmente tomada (em textos de F´ısica) como a definic¸a˜o deste conjunto de coeficientes como um tensor de tipo (1, 1) (uma vez contravariante e uma vez covariante). Vamos mostrar, a seguir, que o funcional bilinear que estamos conside- rando e´ um elemento do espac¸o produto tensorial dos espac¸os tangente e cotangente, TpM ⊗ T ∗pM , onde agora consideramos ambos como espac¸os de funcionais lineares. Um elemento t´ıpico da base deste espac¸o sera´ eµ ⊗ dxν . O elemento acima pode, por sua vez, ser considerado um funcional bilinear sobre T ∗pM × TpM , cuja ac¸a˜o seja definida por eµ ⊗ dxν (ω,X) := eµ (ω) dxν (X) = ωµXν . Qualquer tensor podera´, agora, ser escrito como combinac¸a˜o linear desta base T (ω,X) = T µνeµ ⊗ dxν (ω,X) . Para ver isto, notamos que, num funcional que seja a combinac¸a˜o linear de funcionais bilineares, os coeficientes devem ser obtidos atrave´s da aplicac¸a˜o de T aos vetores base de TpM e T ∗ pM , T (dxα, eβ) = T µ νeµ ⊗ dxν (dxα, eβ) = T µνeµ (dx α) dxν (eβ) = T µνδ α µδ ν β = T α β. Com isto, vemos que T µνeµ ⊗ dxν (ω,X) = ωµXνT (dxµ, eν) , que coincide com o funcional bilinear definido no in´ıcio1. Vemos, assim, que o tensor de tipo (1, 1) e´ um elemento de TpM ⊗ T ∗pM . 1Nada nos impediria de tomar a base de TpM diferente da base de T ∗pM , mas ter´ıamos dificuldades para descrever mudanc¸as de coordenadas. A base escolhida muda, por mu- 6 E´ claro que podemos formar produtos tensoriais de um nu´mero arbitra´rio de espac¸os vetoriais, aplicando as regras acima sucessivamente. Vamos usar isto para formar o produto tensorial de q espac¸os tangentes por r espac¸os cotangentes em p. Um elemento gene´rico deste espac¸o e´ chamado de tensor de tipo (q, r) e pode ser escrito como T = T µ1...µqν1...νreµ1 ⊗ ...⊗ eµq ⊗ dxν1 ⊗ ...⊗ dxνr . A ac¸a˜o de T como funcional multilinear sobre r vetores e q 1-formas e´ definida naturalmente, T ( ω1, ..., ωq;X1, ...Xr ) . = T µ1...µqν1...νreµ1 ( ω1 ) ...eµq (ω q) dxν1 (X1) ...dx νr (Xr) = T µ1...µqν1...νrω 1 µ1 ...ωqµqX ν1 1 ...X νr r . Dentro desta perspectiva, uma 1-forma e´ um tensor de tipo (0, 1), ω (X) = ωµX µ ≡ TµXµ, e um vetor tangente e´ um tensor de tipo (1, 0), cuja ac¸a˜o sobre 1-formas e´ dada por X (ω) = Xµωµ ≡ T µωµ. Um tensor de tipo (0, 0) e´ simplesmente um nu´mero real. Podemos dizer, enta˜o, que um tensor e´ completamente caracterizado, nu- ma dada coordenatizac¸a˜o, pelo conjunto de coeficientes T µ1...µqν1...νr . Como fazemos, enta˜o, para obter um nu´mero real a partir do conjunto de compo- nentes do tensor? Precisamos de q conjuntos de componentes de 1-formas para contrair com os ı´ndices contravariantes e r conjuntos de componentes de vetores tangentes, para contrair com os ı´ndices covariantes e formar, assim, o nu´mero desejado. A relac¸a˜o entre as componentes de um tensor em duas coordenatizac¸o˜es arbitra´rias e´ T¯ µ1...µqν1...νr = ∂x¯µ1 ∂xα1 ... ∂x¯µq ∂xαq ∂xβ1 ∂x¯ν1 ... ∂xβr ∂x¯νr Tα1...αqβ1...βr . danc¸as de coordenadas, como e¯µ ⊗ dx¯ν = ∂x α ∂yµ ∂yν ∂xβ eα ⊗ dxβ , o que implica (como vimos) em transformac¸o˜es bem definidas para os coeficientes T¯µν = ∂yµ ∂xα ∂xβ ∂yν Tαβ . Com coordenadas arbitra´rias para cada espac¸o, quando trabalha´ssemos com as compo- nentes do tensor (o que e´ muitas vezes o caso) ter´ıamos que lembrar as coordenadas a`s quais esta´ associado cada ı´ndice, para escrever corretamente suas transformac¸o˜es. 7 Note que ı´ndices superiores, associados a espac¸os tangentes, transformam- se como as componentes de um vetor, enquanto ı´ndices inferiores mudam como componentes de 1-formas. Guardar a posic¸a˜o dos ı´ndices nas contas e´ importante, enta˜o, desde que ela indica a origem geome´trica do objeto. 1.2.3 Campos Tensoriais Fac¸amos corresponder um vetor tangente a cada ponto de M , o que cha- maremos de Xp. Agora imagine a aplicac¸a˜o destes vetores a uma func¸a˜o f ∈M (o conjunto das func¸o˜es suaves de M em R). O conjunto de nu´meros assim obtidos pode ser visto como uma func¸a˜o que, a cada ponto p da vari- edade associa o nu´mero real Xp (f), ou seja, um outro elemento de M. Se esta func¸a˜o for suave, para todas as func¸o˜es f ∈ M, diremos que a corres- pondeˆncia proposta e´ um campo vetorial sobre M . Analogamente, podemos definir um campo de 1-formas sobre M , tomando uma 1-forma para cada ponto de M , ωp, de maneira que a aplicac¸a˜o delas sobre um dado campo vetorial Xp produza uma func¸a˜o suave de M em R, ωp (Xp). E´ imediato ge- neralizar a construc¸a˜o para definir campos tensoriais de tipo (q, r), que agem sobre campos vetoriais e campos de 1-formas, Tp = Tp ( ω1p, ..., ω q p, X1,p, ..., Xr,p ) . 1.3 Me´trica e Correspondeˆncia entre TpM e T ∗ pM Utilizando um tipo espec´ıfico de campo tensorial, e´ poss´ıvel estabelecer uma correspondeˆncia entre TpM e T ∗ pM , para cada p ∈ M . Ele e´ chamado de me´trica e e´ um campo tensorial g (X, Y ) do tipo (0, 2) que satisfaz a`s seguin- tes propriedades: 1. g (X, Y ) = g (Y,X); 2. g (X,X) ≥ 0, sendo igual a zero se, e somente se, X = 0; Uma propriedade alternativa, que substitui a segunda e e´ u´til em va´rios casos de interesse e´: 2′. Se g (X, Y ) = 0 para qualquer X ∈ TpM , enta˜o Y = 0. 8 Uma variedade onde vale a propriedade 2 e´ chamada de Riemaniana, enquanto, se vale 2′, a variedade e´ dita pseudo-Riemaniana. Podemos ver que, se existe um tensor deste tipo, e´ imediato construir uma correspondeˆncia entre vetores e 1-formas. Num dado sistema de coordenadas, o tensor g e´ escrito como g = gµνdx µ ⊗ dxν . Podemos mostrar (exerc´ıcio 1) que as duas propriedades acima implicam na existeˆncia de (g−1)µν e em gµν = gνµ (isto tambe´m e´ verdade trocando a propriedade 2 pela propriedade alternativa). Chamaremos a inversa de gµν de gµν . Ela satisfaz gµαg αν = δνµ. Dado um vetor X, caracterizado numa certa coordenatizac¸a˜o por suas com- ponentes Xµ, podemos agora associar uma 1-forma a ele, ωX = Xµdx µ defi- nindo suas componentes como Xµ = gµνX ν . Analogamente, dada uma 1-forma ω, caracterizada por suas componentes ωµ, podemos associar um vetor Xω = ω µeµ, com ω µ dado por ωµ = gµνωµ. Observamos que tanto Xµ quanto ω µ teˆm as propriedades de transformac¸a˜o corretas em relac¸a˜o a mudanc¸as de coordenatizac¸a˜o(covariante para Xµ e contravariante para ωµ), para que possam ser tomados como componentes de 1-formas e vetores, respectivamente. Para que isso ocorresse, foi fundamental a existeˆncia do tensor g, o que propiciou que suas componentes (e as da matriz inversa) compensassem as transformac¸o˜es de Xµ (e de ωµ). E´ fa´cil ver que esta correspondeˆncia e´ um isomorfismo entre o espac¸o tangente e o cotangente. E´ imediato definir um produto escalar no espac¸o tangente (X, Y ) = ωY (X) = ωX (Y ) = gµνX µY ν = g (X, Y ) , e um outro no espac¸o cotangente (ω, α) = α (Xω) = ω (Xα) = g µνωµαν = g (Xω, Xα) . 9 Com essas definic¸o˜es, vemos que (exerc´ıcio 2), (X,Y ) = (ωX , ωY ) , (ω, α) = (Xω, Xα) . Em muitas aplicac¸o˜es, isto permite que usemos “componentes covariantes” de um vetor, e falemos de “vetores covariantes e contravariantes”, mesmo que isso parec¸a uma contradic¸a˜o, em face do que expusemos aqui. A per- missa˜o para isso vem do isomorfismo existente entre o espac¸o tangente e o cotangente, quando esta´ presente um tensor me´trico. 1.4 Exerc´ıcios 1. Mostre que, dadas as propriedades que caracterizam o tensor me´trico, det gµν 6= 0 e gµν = gνµ. Mostre que o mesmo e´ verdade, usando a propriedade alternativa 2′. Contudo, neste caso, na˜o se podera´ garan- tir que os autovalores da matriz gµν sa˜o positivos definidos, como no primeiro caso. 2. Mostre que Xµ = gµνX ν tem as propriedades de transformac¸a˜o das componentes de uma 1-forma e que ωµ = gµνων se transforma como as componentes de um vetor tangente. 3. Mostre que (X, Y ) = (ωX , ωY ) , (ω, α) = (Xω, Xα) . 1.5 Refereˆncias 1. C. J. Isham, Modern Differential Geometry for Physicists, World Sci- entific, 1989, Cingapura (cap´ıtulo 1). 2. M. Nakahara, Geometry, Topology and Physics, IOP, 1990, Bristol (ca- p´ıtulo 5 e cap´ıtulo 7 (para a parte da me´trica)). 3. C. Nash e S. Sen, Topology and Geometry for Physicists, Academic Press, 1983, Londres (cap´ıtulo 2). 10 1 Variedades Diferenciáveis (3/5) Vamos, agora, discutir mapeamentos entre espaços tangentes e cotangentes de variedades distintas, induzidos pela existência de um mapa suave entre elas. Isto nos permitirá considerar o conceito de uxo gerado por um campo vetorial e de derivada de Lie, conceitos muito importantes para a interpre- tação do papel geométrico desempenhado pelos campos vetoriais. Há pelo menos dois tipos de mapeamentos que permitem construir cam- pos tensoriais, desde que tenhamos difeomor smos de uma variedade M em outra N . Vamos considerá-los separadamente. 1.0.1 O Mapa Diferencial O mapa diferencial (em inglês di¤erential map ou push-forward) associa, a um vetor tangente no ponto p de M , um outro vetor tangente num ponto associado a q em N , de maneira suave. O contexto, em geral, ajuda a não confundirmos este mapeamento com o que estudamos na aula passada, o diferencial de uma função (que associa uma 1-forma a uma função). Vamos de ní-lo: suponha que f seja uma função suave de M em N . Ao vetor X 2 TpM , associamos, então, o vetor f�X em Tf(p)N da seguinte maneira f�X (g) := X (g � f) , onde f�X age sobre uma função g de N em R ( gura 1). Em termos de Figura 1: O mapa diferencial associa, ao vetor tangente à curva � (t) no ponto p em M , o vetor tangente à curva f (� (t)) no ponto q = f (p) em N . 1 coordenatizações � emM e emN , podemos traduzir a de nição acima para as componentes dos vetores tangentes. Por um lado, o vetor induzido pelo mapeamento diferencial pertence ao espaço tangente a N em f (p). Assim, ele pode ser escrito como f�X (g) =W� @ (g � �1 (y)) @y� = W� @G (y) @y� , onde estamos associando as coordenadas y� à coordenatização por do ponto f (p) em N e G = g � �1. Por outro lado, a expressão X (g � f) refere-se à atuação de um vetor do espaço tangente a M em p. Então, X (g � f) = X� @ (g � f � � �1 (x)) @x� = X� @ 0@g � �1 � yz }| { � f � ��1 (x) 1A @x� = X� @G (y (x)) @x� = X� @y� @x� @G (y) @y� . Daí, W� = @y� @x� X� . Dadas as componentes X� do vetor original em TpM , o mapa diferencial fornece, através de uma transformação linear simples, as componentes de um outro vetor em Tf(p)M . Observe que a matriz @y�=@x� não é necessariamente quadrada, dado que as dimensões deM e N não precisam coincidir. Se, além de suave, f for também bijetiva1 (ou seja, um difeomor smo) podemos notar que um campo vetorial em M induz um campo vetorial em N . Outra possibilidade é de nir um campo vetorial no próprio M , partindo de um vetor dado num ponto p e usando um mapeamento f : M ! M . Isso será explorado quando falarmos dos grupos de Lie e de campos vetoriais invariantes à esquerda. 1Se f não for bijetiva, pode ocorrer de haver mais de um vetor associado a um único ponto de N , o que não está de acordo com o conceito de campo vetorial. 2 Uma vez de nido o mapa diferencial para um vetor, ele pode ser estendido para tensores do tipo (q; 0), ou T = T �1:::�qe�1 ::: e�q . A extensão é f�T = T �1:::�qf�e�1 ::: f�e�q . As componentes do novo tensor, em N , serão W�1:::�q = @y�1 @x�1 ::: @y�q @x�q T �1:::�q . O mapa diferencial satisfaz ainda à seguinte propriedade: dados f :M ! N e g : N ! P suaves, o mapa diferencial da aplicação composta g � f : M ! P é (g � f)� = g� � f�. É muito simples demonstrar esta a rmação: seja X um vetor de TpM e h uma função de P em R. Então (g � f)�X (h) = X (h � g � f) = f�X (h � g) = g� (f�X (h)) . 1.0.2 O Retrocesso Este segundo mapeamento (em inglês chamado pullback) atua sobre 1-formas, mas no sentido oposto: dado um mapeamento suave f :M ! N , o retrocesso associa uma 1-forma ! de T �f(p)N a uma 1-forma em T � pM , que denotaremos por f �!, da seguinte maneira f �! (X) = ! (f�X) , com X sendo um vetor de TpM . Mais uma vez, vamos calcular as compo- nentes da 1-forma f �! = ��dx� a partir das de ! = !�dy�: vamos considerar f�X = W ��e�, onde W� = @y�=@x�X� e �e� = @=@y�. Atuando com ! sobre ele, ! (f�X) = !�dy� � W ��e� � = !� @y� @x� X�. 3 Por outro lado, f �! (X) = ��X�. Supondo que o vetor X é arbitrário e igualando os dois lados da equação que de ne o retrocesso, �� = @y� @x� !�. Pelos mesmos argumentos anteriores, podemos induzir um campo de 1-formas em M a partir de um em N , quando f for um difeomor smo. Também é possível estender o conceito de retrocesso para tensores do tipo (0; r) sobre N : se T é dado por T = T�1:::�rdy �1 ::: dy�r , o tensor obtido por retrocesso será f �T = T�1:::�rf �dy�1 ::: f �dy�r . Suas componentes, em M , serão ��1:::�q = @y�1 @x�1 ::: @y�r @x�r T�1:::�r . O retrocesso também satisfaz uma lei de composição. Consideremos f : M ! N e g : N ! P . Mostraremos que (g � f)� = f � � g�. De fato, tomando ! como uma 1-forma de Tf�g(p)P e X como um vetor de TpM , (g � f)� ! (X) = ! ((g � f)�X) = ! (g� (f�X)) = g�! (f�X) = f � � g�! (X) . A questão que se coloca a seguir é se podemos generalizar as operações de indução de vetores e 1-formas para tensores gerais, do tipo (q; r). Usando apenas f : M ! N , diríamos que não é possível a generalização, já que f� induz um tensor em N e f � induz em M . Contudo, é possível generalizar a 4 indução se o mapeamento f entre as variedades for um difeomor smo. Vamos tomar o tensor genérico de tipo (q; r), de nido em qQ TpM rQ T �pM , T = T �1:::�q�1:::�re�1 ::: e�q dx�1 ::: dx�r . Podemos de nir um tensor induzido emN por um difeomor smo f :M ! N da seguinte forma f�T = T �1:::�q�1:::�rf�e�1 ::: f�e�q � f�1 �� dx�1 ::: �f�1�� dx�r , que pertence a qQ Tf(p)N rQ T �f(p)N . É fácil ver que as componentes do tensor induzido W�1:::�q�1:::�r são dadas em termos de T �1:::�q�1:::�r como (exercício 1) W�1:::�q�1:::�r = @y�1 @x�1 ::: @y�q @x�q @x�1 @y�1 ::: @x�r @y�r T �1:::�q�1:::�r . Desta forma, campos de tensores de tipo arbitrário (q; r) em M podem in- duzir outros campos de tensores de mesmo tipo em N . Agora, contudo, M e N devem ter a mesma dimensão, já que f é um difeomor smo. 1.1 Fluxos e Derivadas de Lie Vamos nos perguntar a seguinte questão: será que, dado um campo vetorial sobre uma variedade M , é possível encontrar um conjunto de curvas tal que por cada ponto passe apenas uma curva e o vetor tangente a ela nesse ponto coincida com o vetor associado ao campo vetorial ali? Como veremos, o desenvolvimento desta pergunta levará ao conceito de campos vetoriais como geradores de transformações de coordenadas in nitesimais sobre a variedade. Consideremos um campo vetorial X sobre M . Vamos, primeiramente, de nir uma curva integral de X, passando pelo ponto p: trata-se de uma curva � (t), passando por p, tal que 1. � (0) = p; 2. �� (d=dt) = X�(t), para todo t 2 (�"; ") de R. A segunda condição requer um pouco mais de explicação. Estamos usando o mapa diferencial para associar ao vetor tangente em um t genérico do 5 intervalo (�"; ") de R (que é d=dt), um outro vetor tangente em � (t) de M , dado por �� � d dt � (f) = df (� (t)) dt = dF (�� (t)) dt = d�� dt e� (f) , onde f é uma função de M em R, sobre a qual atua o vetor induzido, e usamos uma coordenatização �, de nindo �� (t) � �� (� (t)) = x� (� (t)) . Assim, lembrando que X�(t) (f) = X � (� (t)) e� (f) , vemos que a segunda condição é equivalente a d�� dt = X� (� (t)) . Esta equação diz que o vetor tangente à curva � (t), num ponto genérico da mesma, tem as mesmas componentes que o campo vetorial X naquele ponto. A resposta à questão inicial é, portanto, positiva. Além disso, como é uma equação diferencial de primeira ordem com condição inicial especi cada (�� (0) = x� (p) � x�), a solução é única. Variando o ponto p, obtemos outras curvas integrais, correspondendo aos valores que o campo vetorial assume nos novos pontos. Ou seja, para cada campo vetorial existe uma, e apenas uma família de curvas das quais ele é vetor tangente em cada ponto da variedade. Vamos indexar as famílias de curvas pelo ponto p escolhido para a condição inicial, �� (t; p), onde �� (0) = x� (ou � (0) = p). A restrição t 2 (�"; ") se justi ca. Para escolhas adequadas de ", podemos garantir que o trecho da curva sob consideração caia todo dentro de um dado aberto U . Em geral, contudo, não se pode garantir a existência da solução para todos os valores de t 2 R (veja o livro de Isham para uma menção dos problemas em potencial, principalmente para variedades não-compactas). 6 Isto motiva a de nição de um campo vetorial completo como sendo aquele cuja curva integral em cada ponto p da variedade pode ser estendida para todos os valores de t 2 R. Para variedades compactas, pode-se mostrar que todo campo vetorial sobre ela é completo. O mapa � (t; p), de R � M ! M é chamado de uxo gerado por X. Vamos mostrar que � (t; � (s; p)) = � (t+ s; p) , para quaisquer s, t tais que � (t+ s; p) exista. De fato, d dt �� (t; � (s; p)) = X� (� (t; � (s; p))) e � (0; � (s; p)) = � (s; p) . Por outro lado, d dt �� (t+ s; p) = d d (t+ s) �� (t+ s; p) = X� (� (t+ s; p)) e � (0 + s; p) = � (s; p) . Como os dois lados da equação satisfazem a mesma equação diferencial com a mesma condição inicial, o teorema de existência e unicidade de soluções de equações diferenciais nos diz que eles são iguais. A condição � (t; � (s; p)) = � (t+ s; p) implica na invariância do uxo pela escolha da condição inicial. Esta propriedade pode ser usada para obtermos uma outra visão dos uxos. Consideremos t xo e p variável, cobrindo toda a variedade. Nessas condições, umuxo �t (p) pode ser visto como um difeomor smo deM emM . De nindo uma lei de composição �t � �s (p) � � (t; � (s; p)) = � (t+ s; p) = �t+s (p) , obtemos uma estrutura de grupo comutativo onde �0 (p) = p é o difeomor smo identidade, ��t = (�t) �1 é o difeomor smo inverso. 7 Este grupo é chamado grupo de transformações a um parâmetro. Con- siderando " in nitesimal ��" (p) = � � ("; p) = �� (0; p) + " d�� dt ���� t=0 = x� + "X� (� (0; p)) = x� + "X� (p) = x� + "X� (x) . Esta expressão justi ca que chamemos o campo vetorial X de gerador in - nitesimal da transformação �t. Vamos generalizar o raciocínio acima para uma transformação nita: ��t (p) = � � (t; p) = x� + t d ds �� (s; p) ���� s=0 + t2 2! � d ds �2 �� (s; p) ����� s=0 + ::: = " 1 + t d ds + t2 2! � d ds �2 + ::: # �� (s; p)js=0 = exp � t d ds � �� (s; p)js=0 . Esta operação é convenientemente indicada por �� (t; p) = exp (tX)x�. É simples ver que a expressão acima goza de todas as propriedades anteri- ormente descritas para o uxo, como consequência de propriedades análogas da exponencial. 1.2 Exercícios 1. Mostre a expressão W �1:::�q�1:::�r = @y�1 @x�1 ::: @y�q @x�q @x�1 @y�1 ::: @x�r @y�r T�1:::�q�1:::�r , que indica a relação entre as componentes do tensor de tipo (q; r) in- duzido em N e as componentes do tensor original em M . 8 2. Mostre que o uxo gerado em R2 por X = �y @ @x + x @ @y é � (t; p) = (x0 cos t� y0 sen t; x0 sen t+ y0 cos t) onde x (p) = (x0; y0). 1.3 Referências 1. C. J. Isham, Modern Di¤erential Geometry for Physicists, World Sci- enti c, 1989, Cingapura (capítulo 1). 2. M. Nakahara, Geometry, Topology and Physics, IOP, 1990, Bristol (ca- pítulo 5). 3. C. Nash e S. Sen, Topology and Geometry for Physicists, Academic Press, 1983, Londres (capítulo 2). 9 1 Variedades Diferencia´veis (4/5) 1.1 Fluxos e Derivadas de Lie (continuac¸a˜o) Na aula anterior, conseguimos associar campos vetoriais a conjuntos de cur- vas em uma variedade e vice-versa. Uma questa˜o natural que se coloca e´ a de medir variac¸o˜es infinitesimais dos vetores associados com um campo vetorial dado. Ha´ uma maneira natural de definir tais variac¸o˜es, se considerarmos a direc¸a˜o da variac¸a˜o como associada a uma outra curva integral, gerada por um outro campo vetorial. Consideremos dois campos vetoriais, X e Y , cujas respectivas curvas integrais σ e τ , passando pelo mesmo ponto p, satisfazem dσµ (t, p) dt = Xµ (σ (t, p)) , dτµ (t, p) dt = Y µ (τ (t, p)) . Como avaliar a taxa de variac¸a˜o, por exemplo, do campo Y , entre um ponto p e outro q, infinitesimalmente pro´ximo? Lembramos que a adic¸a˜o de vetores em pontos diferentes na˜o esta´ definida. Precisamos, enta˜o, de alguma ma- neira de “trazer” o valor do campo vetorial em q para p, para compara´-lo, em p, com o seu valor ali. Isto pode ser facilmente conseguido se o ponto q for tal que σ (ε, p) ≡ σε (p) = q, ou seja, se q pertencer ao fluxo gerado porX. Neste caso, σ−ε (q) = p e (σ−ε)∗ ira´ mapear vetores tangentes de TqM em outros de TpM , como vimos na aula anterior. O vetor que correspondera´ a Y (q) em TpM sera´ (σ−ε)∗ Y (q) (figura 1), e poderemos definir a derivada de Lie do campo vetorial Y ao longo do fluxo σ de X como LXY := lim ε→0 1 ε [(σ−ε)∗ Y (q)− Y (p)] , que e´ um vetor em p. Como o procedimento de tomar o limite quando ε→ 0 sempre resulta em um vetor no ponto p, poder´ıamos dar definic¸o˜es alterna- tivas para a derivada de Lie (exerc´ıcio 1). Vamos considerar, concretamente, como as componentes do novo vetor (a derivada de Lie) se exprimem em termos das componentes de X e Y . Considerando as coordenadas de p como 1 Figura 1: Usando (σ−ε)∗, “trazemos” o vetor Y (q) para o ponto p e, neste ponto, comparamos o vetor induzido com Y (p). xµ, e as de q como φµ (q) = φµ (σε (p))= σµ (ε, p) = σµ (0, p) + ε dσµ (t, p) dt ∣∣∣∣ t=0 = xµ + εXµ (σ (0, p)) = xµ + εXµ (x) , vemos que Y (q) = Y µ (q) eµ (q) = Y µ (xµ + εXµ (x)) eµ (q) = ( Y µ (x) + εXν ∂Y µ ∂xν ) eµ (q) . Aplicando o mapa diferencial (σ−ε)∗ a esse vetor, obtemos um outro em TpM , e lembrando que, neste caso, as coordenadas do ponto de sa´ıda sa˜o 2 σµ (ε, p) = xµ + εXµ e as do ponto de chegada sa˜o σµ (−ε, q) = σµ (−ε, σ (ε, p)) = σµ (0, p) = xµ, obtemos (σ−ε)∗ Y (q) = Y µ (q) ∂σν (−ε, q) ∂σµ (ε, p) eν (p) = Y µ (q) ∂xν ∂σµε (p) eν (p) . Para calcular a derivada acima, notamos que a dependeˆncia de xµ em σµε (p) = xµ + εXµ e´ definida por xµ (σµε (p)) = σ µ ε (p)− εX µ (x) = σµε (p)− εX µ (σε (p)) + O ( ε2 ) . Assim, ∂xν ∂σµε (p) = ∂ (σνε (p)− εX ν (σε (p))) ∂σµε (p) = δνµ − ε ∂Xν (σε (p)) ∂σµε (p) . Juntando os resultados parciais, (σ−ε)∗ Y (q) = Y µ (q) ( δνµ − ε ∂Xν (σε (p)) ∂σµε (p) ) eν (p) = ( Y µ (x) + εXα ∂Y µ ∂xα )( δνµ − ε ∂Xν (σε (p)) ∂σµε (p) ) eν (p) = Y µ (x) eµ (p) + ε ( Xν ∂Y µ ∂xν − Y ν (x) ∂Xµ (σε (p)) ∂σνε (p) ) eµ (p) + O ( ε2 ) . Assim, a derivada de Lie assume a expressa˜o (lembrando que lim ε→0 σµε (p) = x µ) LXY = lim ε→0 ( Xν ∂Y µ ∂xν − Y ν (x) ∂Xµ (σε (p)) ∂σνε (p) ) eµ (p) = ( Xν ∂Y µ ∂xν − Y ν ∂Xµ ∂xν ) eµ (p) . 3 Esta expressa˜o e´ a traduc¸a˜o, em coordenadas, da definic¸a˜o geome´trica dada anteriormente. Ela possui uma expressa˜o alternativa que ajuda bastante a explicitar suas propriedades alge´bricas. Definimos o pareˆntese de Lie de dois campos vetoriais X e Y como um campo vetorial que age da seguinte forma sobre uma func¸a˜o f : M → R, [X,Y ] (f) := X (Y (f))− Y (X (f)) . Na definic¸a˜o acima, usamos que, para um campo vetorial X, Xp (f) pode ser visto como uma func¸a˜o de M em R, conforme a definic¸a˜o dada na aula passada. E´ fa´cil ver que (exerc´ıcio 2) LXY = [X,Y ] . O pareˆntese de Lie e´ bilinear nos seus argumentos, antissime´trico e satisfaz a` identidade de Jacobi [X, [Y, Z]] + [Z, [X,Y ]] + [Y, [Z,X]] = 0. Vamos mostrar rapidamente algumas propriedades u´teis: 1. Se f e g sa˜o func¸o˜es de M em R, LfXY = f [X,Y ]− Y (f)X: [fX, Y ] (g) = fX (Y (g))− Y (fX (g)) = fX (Y (g))− fY (X (g))− Y (f)X (g) = f [X,Y ] (g)− Y (f)X (g) ; 2. De modo ana´logo mostramos que LXfY = f [X,Y ] +X (f)Y ; 3. Se f e´ um mapeamento entre duas variedades M e N , X e Y sa˜o campos vetoriais sobre M , enta˜o f∗ [X,Y ] = [f∗X, f∗Y ]: Vamos denotar por xµ e eµ as coordenadas e vetores base do espac¸o TpM , e por y α e e¯α as quantidades correspondentes (via aplicac¸a˜o de 4 f e f∗) em Tf(p)M ; assim, temos f∗ [X,Y ] = f∗ [( Xµ ∂Y ν ∂xµ − Y µ ∂Xν ∂xµ ) eν ] = ( Xµ ∂Y ν ∂xµ − Y µ ∂Xν ∂xµ ) ∂yα ∂xν e¯α = ( Xµ ∂ ∂xµ ( ∂yα ∂xν Y ν ) − Y µ ∂ ∂xµ ( ∂yα ∂xν Xν )) e¯α = ( Xµ ∂yβ ∂xµ ∂ ∂yβ ( ∂yα ∂xν Y ν ) − Y µ ∂yβ ∂xµ ∂ ∂yβ ( ∂yα ∂xν Xν )) e¯α. O que acabamos de obter e´ o resultado desejado, desde que fac¸amos as identificac¸o˜es f∗X = X µ ∂y β ∂xµ e¯β, f∗Y = Y µ ∂y β ∂xµ e¯β. A derivada de Lie pode ser definida tambe´m para 1-formas. A ide´ia e´ a mesma, apenas usamos o retrocesso para comparar 1-formas definidas em pontos diferentes, p e q = σ (ε, p), onde σ e´ o fluxo gerado pelo campo X, LXω := lim ε→0 1 ε [(σε) ∗ ω (q)− ω (p)] . Vamos observar a expressa˜o em componentes da derivada de Lie de 1-formas. Para isso, calculamos primeiramente (σε) ∗ ω (q) = ωµ (q) ∂σµ (ε, p) ∂xν dxν (p) = ωµ (q) ∂ (xµ + εXµ (x)) ∂xν dxν (p) = ωµ (x µ + εXµ (x)) ( δµν + ε ∂Xµ ∂xν ) dxν (p) = ωµ (x) dx µ (p) + ε ( Xµ ∂ων ∂xµ + ωµ ∂Xµ ∂xν ) (x) dxν (p) . Assim, LXω = ( Xµ ∂ων ∂xµ + ωµ ∂Xµ ∂xν ) dxν (p) . 5 Ainda no mesmo esp´ırito, podemos definir a derivada de Lie de uma func¸a˜o de M em R: LXf := lim ε→0 1 ε [f (σε (p))− f (p)] = lim ε→0 1 ε [F (xµ + εXµ)− F (xµ)] = Xµ ∂F ∂xµ = X (f) , onde, mais uma vez, σ e´ o fluxo gerado por X e F = f ◦ φ, com φ sendo a coordenatizac¸a˜o em questa˜o. Como σt sa˜o difeomorfismos, na˜o ha´ problemas para definir uma derivada de Lie ao longo do fluxo σ gerado pelo campo vetorial X para tensores arbitra´rios do tipo (q, r) LXT := lim ε→0 1 ε [(σ−ε)∗ T (q)− T (p)] , onde, se T (q) = T µ1...µqν1...νr (q) e¯µ1 ⊗ ...⊗ e¯µq ⊗ dy ν1 ⊗ ...⊗ dyνr , definimos (σ−ε)∗ T (q) = T µ1...µq ν1...νr (q = σε (p)) (σ−ε)∗ e¯µ1 ⊗ ...⊗ (σ−ε)∗ e¯µq ⊗ (σε) ∗ dyν1 ⊗ ...⊗ (σε) ∗ dyνr . Na˜o e´ dif´ıcil, seguindo os mesmos passos detalhados anteriormente para ve- tores e 1-formas obter a expressa˜o em componentes de LXT . 1.2 Formas Diferenciais Vamos considerar, por fim, um subconjunto dos tensores de tipo (0, r) que consiste de todos os tensores desse tipo com os coeficientes totalmente antis- sime´tricos. Por exemplo, um tensor antissime´trico do tipo (0, 2) e´ ω = ωµνdx µ ⊗ dxν onde ωµν = −ωνµ. Existe mais uma expressa˜o equivalente a` expressa˜o acima, grac¸as a` antissimetria de ωµν , ω = −ωµνdx ν ⊗ dxµ 6 Assim, somando as duas expresso˜es e dividindo por 2, obtemos uma expressa˜o completamente antissime´trica tambe´m nas 1-formas base ω = 1 2 ωµν (dx µ ⊗ dxν − dxν ⊗ dxµ) . Definindo o produto exterior de duas 1-formas base como dxµ ∧ dxν := dxµ ⊗ dxν − dxν ⊗ dxµ, obtemos, ω = 1 2 ωµνdx µ ∧ dxν . O procedimento pode ser generalizado, mas antes de fazer isso, vamos consi- derar o caso de um tensor antissime´trico de tipo (0, 3), para entender melhor a generalizac¸a˜o. Considere ω dado por ω = ωµνρdx µ ⊗ dxν ⊗ dxρ onde ωµνρ = −ωνµρ = −ωµρν = ωρµν = −ωρνµ = ωνρµ e´ completamente antissime´trico em todos os ı´ndices. Existem, agora, mais cinco expresso˜es equivalentes, que vamos exibir abaixo ω = ωµνρdx ν ⊗ dxρ ⊗ dxµ ω = ωµνρdx ρ ⊗ dxµ ⊗ dxν ω = −ωµνρdx µ ⊗ dxρ ⊗ dxν ω = −ωµνρdx ν ⊗ dxµ ⊗ dxρ ω = −ωµνρdx ρ ⊗ dxν ⊗ dxµ Para obter uma expressa˜o completamente antissime´trica, somamos as seis expresso˜es obtidas e dividimos por 6 = 3! (o nu´mero de permutac¸o˜es dos treˆs ı´ndices, raza˜o do nu´mero de expresso˜es equivalentes que obtivemos), ω = 1 3! ωµνρ (dx µ ⊗ dxν ⊗ dxρ + dxν ⊗ dxρ ⊗ dxµ + dxρ ⊗ dxµ ⊗ dxν −dxµ ⊗ dxρ ⊗ dxν − dxν ⊗ dxµ ⊗ dxρ − dxρ ⊗ dxν ⊗ dxµ) ≡ 1 3! ωµνρdx µ ∧ dxν ∧ dxρ. 7 Na expressa˜o acima definimos o produto exterior de treˆs 1-formas base. A generalizac¸a˜o, para um tensor completamente antissime´trico de tipo (0, r) (uma r-forma, ou uma forma de grau r) e´ ω = ωµ1...µrdx µ1 ⊗ ...⊗ dxµr = 1 r! ωµ1...µrdx µ1 ∧ ... ∧ dxµr , onde dxµ1 ∧ ... ∧ dxµr = ∑ P sinal (P ) dxµP (1) ⊗ ...⊗ dxµP (r) , com P sendo uma permutac¸a˜o arbitra´ria de 1...r, sinal (P ) sendo + se a permutac¸a˜o for par (troca de ı´ndices um nu´mero par de vezes) ou − se a permutac¸a˜o for ı´mpar (troca de ı´ndices um nu´mero ı´mpar de vezes). Por exemplo, para levar 1234 em 4321, temos que trocar os ı´ndices de posic¸a˜o um nu´mero ı´mpar de vezes. Assim, o termo dxµ4⊗dxµ3⊗dxµ2⊗dxµ1 apareceria com sinal − na definic¸a˜o de dxµ1 ∧ dxµ2 ∧ dxµ3 ∧ dxµ4 . As propriedades de antissimetria do tensor tambe´m podem ser expressas, nessa notac¸a˜o, como ωµ1...µr = sinal (P )ωµP (1)...µP (r) . E´ imediato verificar as seguintes propriedades do produto exterior de r 1- formas base 1. dxµ1 ∧ ...∧dxµr = 0 se algum ı´ndice µi aparecer pelo menos duas vezes; 2. dxµ1 ∧ ... ∧ dxµr = sinal(P ) dxµP (1) ∧ ... ∧ dxµP (r) ; 3. dxµ1 ∧ ... ∧ dxµr e´ linear em cada dxµi .
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