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FICHAMENTO DO LIVRO MANUAL DE DIREITO PENAL BRASILEIRO - ZAFFARONI

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FICHAMENTO DO LIVRO: MANUAL DE DIREITO PENAL BRASILEIRO
Eugênio Raúl Zaffaroni & José Henrique Pierangeli
PARTE GERAL
2º BIMESTRE
	
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Segunda Parte:
TEORIA DO DELITO
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12ª AULA – 19/05/03
TÍTULO I
ESTRUTURAÇÃO DA TEORIA DO DELITO
CAPÍTULO XIII
NECESSIDADE DA TEORIA DO DELITO
I - UTILIDADE DA TEORIA DO DELITO
175 - Incumbência da teoria
A teoria do delito é a parte da ciência penal que se ocupa em explicar o que é delito em geral. É uma construção dogmática que nos proporciona o caminho lógico para averiguar se há delito em cada caso concreto. Mas o que quer dizer isto?
Quando um promotor ou um juiz analisam a conduta de quem se apoderou de uma jóia numa loja, tem de averiguar se essa conduta é crime ou não. É delito, porque se ajusta à figura típica do art. 155. Mas pode ocorrer que ela se apoderou daquela jóia pensando ser a sua, ou por engano, ou porque precisava de dinheiro para pagar uma cirurgia de um filho etc. O sujeito continuou cometendo um delito nesses casos ou não? É a teoria do delito que vai responder. Vamos decompor o delito em certas perguntas. Essas perguntas e respostas devem ocorrer em certa ordem. É a teoria do delito que vai nos proporcionar fazer essas perguntas e nos dar a ordem.
II - NECESSIDADE DE ESTRATIFICAR A TEORIA DO DELITO
176 - Conceito de estratificação
Há várias perguntas para responder se quisermos resolver se uma conduta é delito ou não. Quando queremos averiguar se o que temos diante de nós é uma zebra, antes devemos saber quais as características desse animal, compararmos com o animal que temos diante de nós para afirmarmos: zebra. Se afirmarmos: pato, não está certo, porque essas características não correspondem a de um pato.
As perguntas surgem em certa ordem, a partir de um conceito estratificado, ou seja, o conceito de zebra tem estratos, um corresponde ao caráter genérico (animal) e outros a características específicas (cavalo listrado etc.). A primeira pergunta portanto é geral: é animal? Se for animal partimos para outras mais complexas: parece com um cavalo? Tem listras?
Diz-se de conceito estratificado em analogia com a geologia, em que os estratos são as capas minerais de densidade uniforme que constituem os terrenos sedimentários (substância depositada, pela ação da gravidade, na água ou ao ar).
O contrário de conceito estratificado é o conceito unitário. Ao invés de definirmos zebra de modo estratificado, poderíamos simplesmente dizer: zebra é aquilo que a zoologia define como zebra. Aqui não se admite estratos. O primeiro conceito nos permite averiguar se o que estamos vendo é uma zebra, enquanto o segundo não. É um conceito formal. Só saberemos se é uma zebra quando penetrarmos no conteúdo da zoologia.
O conceito unitário é formal, o conceito estratificado é analítico (quais são as características que apresentam os animais que a zoologia chama de zebra e em que ordem devemos tomá-los em consideração).
177 - Teoria estratificada e teoria unitária do delito
Houve quem quisesse dar um conceito unitário de delito: delito é uma infração punível (zebra é aquilo que a zoologia define como tal). Este conceito não deixa de estar correto, mas para o jurista isto não basta: deve-se perguntar quais as características de uma infração punível, sob pena de cair num conceito formal, que não define nada e, em última análise, com conseqüências práticas funestas. Nazismo, ditaduras. Delito é quilo que eu falo o que é.
Hoje se trabalha com conceito analítico, estratificado do crime.
178 - Estratificado é o conceito obtido pela análise, não o delito
Quando dizemos que zebra é um cavalo listrado, afirmamos no plano geral que é um animal, depois, que é um cavalo, depois que é listrado. Portanto, só o conceito que é estratificado e não a zebra. A zebra é uma unidade, os planos não estão na zebra, mas na sua análise, da qual obteremos o conceito.
Com o delito é a mesma coisa. Ele é um só. Para darmos o seu conceitos é que procedemos às suas características analiticamente obtidas.
CAPÍTULO XIV
ESBOÇO ESTRUTURAL
I - OS NÍVEIS ANALÍTICOS DA TEORIA DO DELITO
179 - Colocação geral
Quando perguntamos o que é delito, fatalmente teremos de abrir o Código Penal, que vai nos dar a característica geral e as específicas de um delito.
A primeira afirmação é que delito é um conduta humana. Mas não são todas as condutas humanas que constituem delito. Para distinguirmos as condutas recorremos à Parte Especial do CP ( só são delitos aquelas condutas ali descritas como crime, às quais se associa uma pena como conseqüência, por isto penal. Provisoriamente, afirmamos que delito é uma conduta humana sancionada com uma pena.
Chamamos esses elementos da parte especial que servem para especificar a conduta de “tipo”. A conduta humana que tenha os seguintes elementos: “matar alguém” constitui o “tipo” do art. 121, que se chama homicídio. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel é o tipo de furto do art. 155.
Quando uma conduta se ajusta a um tipo penal chamamos de “conduta típica”, ou seja, tem as características do tipo penal.
Já temos, portanto, duas características do delito:
conduta humana (geral)
típica (específica – é uma espécie do gênero conduta).
Mas só a tipicidade não é suficiente para caracterizar uma conduta humana como delito. E isto porque na Parte Geral do CP – art. 13 a 28 –, vemos que a lei diz que não a crime porque não há conduta, outras vezes há conduta, mas não é típica. Por vezes, mesmo havendo conduta típica, não há delito.
Se pararmos no art. 23 (devemos memorizar), veremos que existem permissões para a realização de ações típicas: estado de necessidade, legítima defesa, e estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito. Tecnicamente dizemos que nesses casos há uma causa de justificação que exclui o caráter de delito da conduta.
Quando a conduta típica não está permitida, diremos que, além de típica ela contraria a ordem jurídica como um todo, porque não existe nenhum preceito em nenhuma lei justificando essa conduta. A isto se chama de ANTIJURIDICIDADE. Dizemos que delito, então, é um conduta típica e antijurídica.
Se continuarmos a ler os arts. 13 a 28, veremos que há hipóteses em que se deduz que mesmo uma conduta típica e antijurídica não é delito, porque se referem a condutas que são claramente típicas, para as quais não existe nenhuma permissão no ordenamento, e mesmo assim não são delito. Ex.: loucos. O louco realiza uma conduta típica e antijurídica, mas que não é delito.
A doutrina chama uma conduta típica e antijurídica de INJUSTO PENAL (conduta + tipicidade + antijuridicidade), reconhecendo que esse injusto não é ainda um delito. Para ser um delito é necessário que seja reprovável, ou seja, que o autor de uma conduta típica e antijurídica tenha tido a possibilidade exigível de se comportar de outra maneira.
A esta característica chamamos de culpabilidade.
Assim:
	Delito
	a) caráter genérico: conduta
	
	injusto penal
	
	b) características específicas
	a) tipicidade
	
	
	
	b) antijuridicidade
	
	
	
	c) culpabilidade
	
É nesta ordem que devemos formular as perguntas para saber se houve delito ou não. Se não houve conduta humana, não tem sentido perguntar se ela é típica. Ex.: cavalo que mata alguém. Se ela é atípica, não faz sentido perguntar se é antijurídica. Ex.: acidente sem vítima. Se ela não é um injusto penal, não faz sentido perguntar se é culpável. Ex.: legítima defesa.
181 - O critério sistemático que surge da estrutura analítica
Toda análise orienta-se por um critério analítico, de análise. Para analisar uma laranja podemos partir da casca para as sementes, das sementes para a casca, ou parti-la em duas metades. Esses critérios analíticos são critérios sistemáticos quando nos toca construirum conceito de laranja a partir da análise: a laranja pode ser descrita como: um fruto com sementes de tal forma... e casca de outra; um fruto com casca de tal forma... e sementes de outra; ou como uma metade direita x e com uma esquerda y.
O conceito de delito como conduta típica, antijurídica e culpável elabora-se conforme um critério sistemático que corresponde a um critério analítico que primeiro analisa a conduta e depois o seu autor: delito é uma conduta humana individualizada mediante um dispositivo legal (tipo) que revela a sua proibição (típica), que por não estar permitida em nenhum preceito jurídico (causa de justificação) é contrária à ordem jurídica (antijurídica) e que, por ser exigível do autor que agisse de maneira diversa diante das circunstâncias, é reprovável (culpável).
O injusto (conduta típica e antijurídica) revela o desvalor que o direito faz recair sobre a conduta. A culpabilidade é uma característica que a conduta desvalorada adquire por uma especial condição do autor (pela reprovabilidade que do injusto se faz ao autor).
III - EVOLUÇÃO DA TEORIA DO DELITO
184 - Injusto objetivo – culpabilidade psicológica (von Liszt)
A dogmática do início do século XX tinha uma marca: entendia o injusto como objetivo e a culpabilidade como subjetiva.
O injusto era a causação física do resultado e a culpabilidade era a causação psíquica do mesmo resultado, que podia ser dolosa (quis causar o resultado antijurídico) ou culposa (imprudência, imperícia ou negligência). Devia-se investigar dois nexos causais para saber se houve delito:
um físico ( a conduta causou o resultado?
Um psicológico ( há uma conduta psicológica entre a conduta e o resultado?
Como dentro do injusto não se distinguia a tipicidade da antijuridicidade, havia muitas condutas antijurídicas e culpáveis que não eram delitos. Havia necessidade de se criar outro requisito para evitar essa caracterização insuficiente do delito. Agregou-se a imputabilidade à antijuridicidade e à culpabilidade. O delito era uma conduta antijurídica, culpável e punível.
conduta ( vontade exteriorizada que colocava em marcha a causalidade;
antijuridicidade ( causação de um resultado socialmente danoso;
culpabilidade ( relação psicológica entre a conduta e o resultado em forma de dolo ou culpa;
punibilidade ( submissão a uma pena das hipóteses de uma conduta injusta e culpável.
185 - Distinção dentro do injusto entendido objetivamente: a tipicidade (Beling)
Era estranho verificar a antijuridicidade e a culpabilidade de uma conduta e averiguar que a lei não a comina com uma pena. Por isto, em 1.906, Beling anunciou a sua concepção do tipo penal, sem alterar o esquema analítico objetivo-subjetivo, onde distinguia dentro do injusto o tipo da antijuridicidade:
a proibição era de causar o resultado típico;
a antijuridicidade era o choque desse resultado com a ordem jurídica, que se comprovava com a falta de permissão para causar o resultado.
O delito passou a ser definido como uma conduta típica, antijurídica e culpável. Alguns consideravam ainda a punibilidade:
conduta ( vontade de por em marcha a causalidade;
tipicididade ( proibição de causar um resultado;
antijuridicidade ( contradição entre a causação do resultado e a ordem jurídica;
culpabilidade ( relação psicológica entre a conduta e o resultado em forma de dolo ou culpa.
186 - A ruptura do sistema objetivo-subjetivo
Ainda no início do século XX viu-se que o conceito de conduta que o DP manejava não correspondia à realidade, porque o conteúdo da vontade da conduta ia parar na culpabilidade, e uma vontade sem conteúdo é inimaginável. Verificaram-se algumas contradições que fizeram esse esquema acabar:
Viu-se que em alguns delitos não havia relação psicológica entre a conduta e o resultado. Isto acontecia nos casos que chamavam de culpa inconsciente. Ex.: um vizinho vai ao teatro e deixa o gás da calefação aberto. A casa explode e atinge um vizinho que se machuca. Não há relação psicológica entre a conduta “ir ao teatro” e o resultado “vizinho ferido”. Se isto é verdade há delito sem culpabilidade, o que é impossível.
Pretendeu-se criar um novo conceito de culpabilidade. Frank, em 1.907, e depois Mezger, passaram a explicar que a culpabilidade contém a relação psicológica nos casos em que esta existe, mas não é uma relação psicológica, mas sim a reprovabilidade da conduta típica e antijurídica. E essa reprovabilidade era feita normativamente. Não foram além disso.
Por outro lado, até 1.910, observou-se que a conduta típica de certos crimes continha elementos subjetivos, chamados de elementos subjetivos do injusto. Ex.: com o fim libidinoso no rapto. (art. 219, do CP). Isto mostrava que o injusto não é só objetivo.
Rompeu-se então o esquema objetivo-subjetivo e o substituíram por outro:
conduta ( vontade exteriorizada que coloca em marcha a causalidade;
tipicidade ( proibição de causação de um resultado que, eventualmente, também leva em conta elementos subjetivos;
antijuridicidade ( contradição entre a causação do resultado e a ordem jurídica;
culpabilidade ( entendida como reprovabilidade, mas contendo também o dolo e a culpa.
187 - O tipo complexo e o finalismo
Nos últimos anos da década de 20 se observou que a culpabilidade, como juízo de reprovabilidade do autor, não podia conter a relação psicológica, ou seja, o conteúdo da vontade. Percebeu-se que era incoerente julgar um ato como contrário ao direito sem levar em conta o conteúdo da vontade com que este ato se realizava.
Hellmuth von Weber e Alexander Graf zu Dohna incorporaram o conteúdo da vontade ao tipo, tornando a culpabilidade só reprovabilidade e incorporando o dolo e a culpa ao tipo.
A partir da década de 30 Hans Welzel começa a trabalhar essas estruturas e parte de que a vontade não pode ser separada de seu conteúdo, de sua finalidade, posto que toda conduta humana é voluntária e toda vontade tem um fim. Esta é chamada teoria finalista da ação, que se contrapõe à teoria causalista:
conduta ( ação voluntária (final);
tipicidade ( proibição de conduta em forma dolosa ou culposa;
antijuridicidade ( contradição entre a conduta proibida com a ordem jurídica;
culpabilidade ( é a reprovabilidade.
188 - A teoria do delito no Brasil
A doutrina brasileira sustentou a teoria causalista (tipo objetivo e dolo e culpa na culpabilidade) em quase todas as obras publicadas durante a vigência do CP/40. Nelson Hungria, Aníbal Bruno, Basileu Garcia, Magalhães Noronha, Paulo José da Costa Jr., e outros).
Já no caso do fim do CP/40 surge a estrutura finalista como melhor metodologia analítica. Embora não adotem um único ponto de partida, a maioria dos autores hoje são finalistas: Heleno Fragoso, Mirabete, Assis Toledo, Damásio de Jesus, Luiz Regis Prado, Cezar Bittencourt etc.).
189 - a discussão dos últimos anos
Volta para o neokantismo
Muitos autores na Alemanha, dentre eles, Jeschek, Wessels, Chönck-Scröder, entre outros, que formam a doutrina dominante nas obras gerais, não aceita o conceito final da ação e também a teoria das estruturas lógico-reais. Aceitam, porém, na maioria, que dolo e culpa fazem parte do tipo, aceitando a maior inovação finalista.
Roxin chama essa corrente de neoclássica-finalista.
Zaffaroni diz que são sistemas ecléticos (formado de elementos colhidos em diferentes gêneros ou opiniões), orientados para um funcionalismo limitado (orientam-se por uma função facilitadora das soluções de casos. Não tem maiores preocupações quanto aos marcos mais amplos do DP).
Pós-finalismo
O debate acerca da natureza do injusto e a polêmica entre o desvalor do ato e do resultado constituem conseqüência da estrutura do tipo na sistemática finalista.
Abriram-se dois caminhos:
1) O funcionalismo criou a teoria da imputação objetiva;
2) Outra teoria – do desvalor puro do ato – tira o resultado do tipo e reduz este resultado a uma condição de maior punibilidade. Assim, o conceito geral de delitoé o mesmo para o crime consumado e tentado.
Por caminhos diferentes tentaram chegar a um conceito de delito de perigo concreto, mesmo nos casos de crime de resultado.
No geral, estas teorias tem sido rejeitadas. Não encontraram correspondência na legislação e tendem à descriminalização de muitas condutas tentadas.
Sistemática funcional-sistêmica
A partir dos anos 70 iniciou-se um ensaio de sistematização funcional, que admite que não são conceitos científicos e que dependem de sua finalidades penais, político-criminais, ou políticos em geral. Não são impostos por dados ônticos ou pela natureza, mas são construídos a partir de conceitos penais pré-estabelecidos.
Tem por base o funcionalismo sistêmico sociológico que tem por maiores expoentes Roxin e Jakobs com obras gerais e outros com obras sobre assuntos específicos.
Roxin constrói um sistema baseado no neokantismo, mas substitui as normas de cultura pela orientação político-criminal de conformidade com os fins da pena. Chama este sistema de funcional, ou racional segundo objetivos. Sustenta duas características para o seu sistema:
1) A imputação a tipo objetivo ( Diz que nas sistematizações anteriores o tipo fica reduzido à causalidade, propondo a sua substituição pela produção de um risco não permitido no âmbito protetor da norma. Com isto, a categoria lógica da causalidade fica substituída por uma regra de trabalho, orientada por valores jurídicos. Seus antecedentes estão nas pesquisas do neokantismo de Honig e do neo-hegeliano Larenz.
2) A culpabilidade é ampliada. Além de responsabilizar o agente com uma pena, ela só faz isto quando há necessidade preventiva geral e especial da pena, ou seja, a culpabilidade fica limitada pela prevenção geral e especial e a prevenção fica limitada pela culpabilidade.
Jakobs radicaliza mais a construção funcional. Constrói um conceito de culpabilidade que está fixado na dependência exclusiva da necessidade de prevenção positiva (reforço na confiança no direito), deixando de lado a inexigibilidade de conduta diversa. Também são conceitos neokantianos.
Estas construções que sistematizam o crime a partir das funções determinadas à pena (prevenção-integração em Roxin, e prevenção positiva, em Jakobs) são um retorno ao neokantismo idealista, mas com um grau mais profundo de estudo e adoção de perspectiva sociológicas mais modernas (Persons e Merton, em Roxin, e Luhmann, em Jakobs).
Valoração geral dos últimos desenvolvimentos
São teorias novas que estão sendo desenvolvidas e merecem um estudo mais aprofundado, partindo do conhecimento principalmente das teorias do delito por nós já mencionadas.
13ª AULA – 27/05/03
TÍTULO II
A CONDUTA
CAPÍTULO XV
CONCEITO E FUNÇÃO DA CONDUTA
I - O DIREITO PENAL NÃO ALTERA O CONCEITO DE CONDUTA
190 - Ato de vontade e ato de conhecimento
O ato de vontade se dirige ao objeto, alterando-o. Ex.: escrevo uma carta, pinto um quadro, dou um presente. Em todos esses casos o objeto é alterado.
No ato de conhecimento não cria-se nada. Limita-se a fornecer dados ao observador sem alterar o objeto enquanto “matéria do mundo”. Ex.: o estudante gradualmente vai conhecendo o DP, mas não o altera.
Esta distinção é importante para o realismo, que entende que os objetos existem fora de nós e antes do nosso conhecimento.
Não é importante para o idealismo, porque o primário, aquilo que é real, é a idéia que eu tenho do objeto. Como enquanto não tenho o conhecimento, não tenho a idéia, o conhecimento é que cria o objeto.
191 - O direito e a conduta humana
Quando o direito penal desvalora uma conduta ele só realiza a seu respeito um ato de conhecimento. O legislador não cria a conduta, só a desvalora, a qualifica de má. Do ponto de vista realista, a conduta já existia, e o fato do legislador chamá-la de má não agrega nada ao ser da conduta. Ex.: se vemos um quadro de Renoir podemos chamá-lo de feio ou bonito. Ele vai continuar pendurado na parede sem nenhuma modificação do seu ser por causa disto. Quando o legislador decide que conduta de matar é má, ele não agrega nada a esta conduta, só a valora.
O desvalor não altera o objeto, porque se o altera estará desvalorando algo distinto do objeto. Ex.: se queremos nos precaver dos lobos e ao mesmo tempo queremos que o desvalor ignore a caracterização zoológica do lobo, querendo que por lobo se entenda um animal lanudo, com chifres, e que solta balidos, vamos acabar nos precavendo das ovelhas.
O direito só é uma ordem reguladora de condutas. Para isto tem de respeitar o “ser” da conduta, ou o que chamamos de “estrutura ôntica”. Por isto o conceito desse ser é ontológico. Se quisermos expressar que o conceito ontológico corresponde a um ser entendido realisticamente dizemos que o conceito é ôntico-ontológico, ou seja, o conceito ôntico-ontológico de conduta é o conceito cotidiano e corrente que temos da conduta humana.
O DP limita-se a agregar um desvalor jurídico a esse conceito realista, mas em nada muda o ôntico da conduta.
192 - Não há delito sem conduta
O direito pretende regular conduta humana, não podendo o delito ser outra coisa senão uma conduta humana. Se admitirmos que o delito é algo diferente de uma conduta, o DP pretenderia regular algo diferente de uma conduta e, portanto, não seria direito, pois romperia o atual horizonte de projeção de nossa ciência.
Se fosse eliminado o princípio nullum crimen sine conducta, o delito poderia ser qualquer coisa, abarcando a possibilidade de penalizar o pensamento, a forma de ser, as características pessoais etc. Se quisermos um direito penal que defenda um mínimo de respeito à dignidade da pessoa humana, não podemos deixar de afirmar que a conduta, no conceito ôntico-ontológico é a base do direito penal.
193 - Tentativas de desconhecimento do nullum crimen sine conducta
Algumas tentativas em se desconsiderar a conduta:
Pretensão de punir as pessoas jurídicas:
Pretende-se punir pessoas jurídicas, principalmente sociedades mercantis, sob o argumento político-criminal que estamos no auge da delinqüência econômica. Buscam fundamento em Kelsen – formalismo – que diz que as pessoas físicas e jurídicas não são mais do que “feixes de direitos e obrigações”, “pontos de imputação”.
Este não é um ponto de vista realista. Uma sociedade comercial é diferente de um homem, são entes distintos em sua estrutura. A conduta de um homem não é equivalente a uma conduta de uma empresa. Revisando o CP, veremos que ele só trata de condutas humanas.
Não há vontade, no sentido psicológico, num ato de pessoa jurídica, o que exclui a possibilidade de conduta humana. A pessoa jurídica não pode ser autora de delito, porque não tem capacidade de conduta humana no seu sentido ôntico-ontológico.
Os argumentos para se sustentar a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, são argumentos de efeito:
seus diretores e administradores ficariam impunes ( É mentira. É só apurar a responsabilidade deles pelo fato. Alguns serão responsabilizados, outros não;
a pena poderia ser uma sanção administrativa ( para isto não precisa do direito penal, basta a ação civil pública. Essas sanções poderiam ser aplicadas pelo próprio juiz penal num processo penal contra seus diretores.
A CF repudiou a teoria da ficção jurídica da personalidade das pessoas jurídicas, aceitou a teoria organicista e admitiu a responsabilidade desses entes no que diz respeito a ordem econômica e financeira (art. 173, § 5º) e ao meio ambiente (225, § 3º).
Os arts. 3º e 4 º da Lei 9.605/98 regularam essa disposição:
Art. 3º ( As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.
Art. 4º ( Poderáser desconsiderada a personalidade jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.
É um absurdo legislativo sob o ponto de vista realista, pois o legislador atribui capacidade de vontade psicológica a uma pessoa jurídica, que só se encontra no ser humano.
O direito penal de autor ( considera a conduta como um simples sintoma de uma personalidade inimiga ou hostil ao direito. O delinqüente é um ser perigoso.
A única conduta penalmente relevante é a conduta típica ( A conduta está no centro da teoria do tipo e não num plano anterior ao da tipicidade.
Se quisermos nos referir à conduta só no tipo, deixamos para traz um importante passo analítico: primeiro vem a conduta, depois a desvaloração típica. Ex.: 1) um fato de um animal não é conduta. Portanto, ela nem chega a ser analisada no plano da tipicidade. 2) Há certos delitos que requerem uma conduta do sujeito passivo, como o rapto consensual. E a ação da raptada não é típica. É uma conduta relevante que não é típica.
II - A QUESTÃO TERMINOLÓGICA
194 - Conduta, ação, ato, fato
Há autores que dividem assim: ato ( ação e omissão. No plano analítico da conduta – antes da tipicidade – não há ação e omissão. Todas as condutas são ações. Daí que Zaffaroni não faz a distinção entre ato e ação.
Vamos utilizar a distinção do Código Civil:
Fatos:
	da natureza
	
	do homem
	involuntários
	
	voluntários (condutas)
III - CONDUTA IMPLICA VONTADE
195 - Vontade e desejo
Toda conduta deve ser voluntária. O problema é esclarecer esse conteúdo.
Separam-se:
vontade é diferente de desejo;
querer é diferente de desejar.
Conduta está ligada ao querer (voluntário), que muda algo, e não ao desejar, que é passivo e não põe em movimento nada e não muda nada.
Aquele que quer – tem vontade – movimenta-se em direção ao resultado. Aquele que deseja, apenas espera o resultado e ficará alegre se ele sobrevier. Podemos ter vontade sem desejo e desejo sem vontade. Exemplo:
“A” quer obter uma soma de dinheiro mediante uma ação violenta contra “B”, mas pode não ter desejado esta ação, pois foi coagido;
“A” quer a morte de um tio rico para receber a sua herança, mas nada faz para matá-lo: não há vontade, conduta.
196 - Vontade e finalidade
Quem tem vontade, tem vontade de alguma coisa. Não existe vontade de nada ou para nada. Por isto, o conteúdo da vontade é a finalidade. Com isto todos concordam. O problema é que:
Os finalistas dizem que esse fenômeno é inegável em qualquer conceito de conduta humana;
Os causalistas dizem que DP pode elaborar conceito de conduta humana diferente da realidade e dizer que a conduta é voluntária sem investigar o conteúdo da vontade.
Uma vontade sem conteúdo não é vontade. É filha de uma visão idealista, porque sob o aspecto realista é absurda. Fica claro que: para uma análise do delito que toma como base o realismo, a vontade implica finalidade, de tal forma que a expressão “vontade final” resulta tautológica. Como não existe conduta sem vontade e a vontade sem finalidade, a conduta requer sempre uma finalidade.
197 - Vontade e vontade “livre”
Ação voluntária não implica em vontade “livre”. O “querido” nem sempre é livremente querido. Ex.: o louco tem capacidade para praticar uma conduta. Portanto, tem vontade e tem finalidade. Mas sua conduta não é livre, por causa de sua incapacidade psíquica. E isto é um problema da culpabilidade, e não da conduta, ou seja, do quarto escalão do delito.
IV - ESTRUTURA DA CONDUTA
198 - A antecipação biocibernética
Não existe elementos da conduta, porque ela não é composta de elementos. Mas existe aspectos da conduta que podemos distinguir:
Aspectos internos (
1) à proposição de um fim ( Nos propomos a ir a Paris.
2) a seleção dos meios para obtenção desse fim ( selecionados os meios para chegar lá: navio, avião etc.
Sempre que nos propomos para um fim, retrocedemos mentalmente, desde a representação do fim, para selecionar os meios com os quais pôr em marcha a causalidade para a produção do resultado querido. Nessa seleção também representamos os resultados concomitantes (por navio demorará mais tempo do que por avião);
Aspectos externos:
3) passamos à exteriorização da conduta, consistente no desencadeamento da causalidade em direção à produção do resultado ( colocamos em marcha a causalidade para chegarmos a Paris. Tomamos o meio escolhido: avião ou navio.
No campo da causalidade só há um processo cego que vai ao infinito.
No campo da ciência e nexo da causalidade não tem uma direção. A finalidade é sempre vidente, tem um sentido e assenta sobre a previsão da causalidade. O nexo de finalidade toma as rédeas da causalidade e a dirige.
A biocibernética se propõe a fazer a ponte entre a ciência física com a biologia e revela que em toda conduta há uma programação, a partir de uma antecipação do resultado. Daí que Welzel também chama a ação final de antecipação biocibernética do resultado.
O que interessa é que a estrutura ôntica da conduta deve ser respeitada pelo DP.
199 - A estrutura da conduta segundo o conceito ôntico-ontológico e sua tradição
O que temos explicado é que não há um conceito jurídico-penal de conduta, mas uma completa identidade entre o conceito ôntico-ontológico da conduta e a conduta penal. A sua origem é aristotélica. Depois S. Tomás de Aquino toma essa idéia para dizer que não há causalidade, mas sim finalidade, distinguindo entre a natureza como fato e a natureza como razão: posto que o humano tende a seu fim de forma causal, o homem deve procurar o seu fim e alcançá-lo.
Hoje todas as correntes filosóficas sustentam a correspondência entre vontade e finalidade, de modo que esse pensamento não corresponde hoje a determinada corrente filosófico, mas a todas. Até o idealismo, dizendo que a ação é criada pelo DP com características muito semelhantes ao conceito ôntico-ontológicos, não se afasta dessa idéia, muito embora seja cômoda desvirtuá-la para fazer essa afirmação (veremos adiante).
200 - Localização do resultado e do nexo causal
O problema é estabelecer a posição que devem ocupar o resultado da conduta e o nexo da causalidade que a une ao resultado. Ex.: um sujeito dispara um tiro no outro para matá-lo (conduta homicida), e este morre 3 dias depois, em conseqüência dos disparos, há uma relação de causa e efeito entre a conduta homicida e o resultado morte. Esta é a relação ou o nexo de causalidade.
Segundo Zaffaroni devemos fazer aqui algumas distinções:
Devemos distinguir a previsão da causalidade do nexo de causalidade. A previsão pertence à conduta e dela não pode ser separada porque sobre ela é armada a finalidade. A previsão aqui se refere a uma causalidade futura, imaginada pelo autor. Já o nexo de causalidade é algo passado, histórico, que o juiz comprova depois do fato, no momento de julgar.
Por isto, a previsão do resultado pertence a conduta e o nexo de causalidade e o resultado estão fora da conduta. Ex.: a ação de lançar uma bomba sobre “Hiroshima” e “Hiroshima arrasada” são coisas diferentes. “Hiroshima arrasada” não pertence à ação de lançar a bomba, mas é apenas o seu resultado.
Alguns teóricos se aperceberam desse fenômeno, ou seja, de que o nexo causal e o resultado não formam parte da conduta. Buscaram um vocábulo para englobar a ação, nexo de causalidade e resultado.
1) Chamaram de fato, o que é inadequado (ver n. 194);
2) Os italianos chamaram de evento, palavra que em português desvirtua o que eles quiseram falar, porque empregada com um conteúdo de contingência;
3) Zaffaroni chama de pragma, que na filosofia quer dizer a ação, incluindo o que por ela foi alcançado, “o procurado no procurar”.
O certo é que o resultado e o nexo causal não fazem parte da conduta, mas a acompanham inseparavelmente. Esses três conceitos podem ser substituídos pela palavra pragma. Mas o certo mesmo é que no nível pré-típico a causalidade e o resultado nãosão um problema do DP.
O DP não ignora que toda conduta tem resultado. Mas o problema penal não é este, mas sim na forma que o DP releva o resultado e a causalidade para o efeito da proibição legal da conduta. E isto é tarefa da teoria do tipo. Ex.: no homicídio o que interessa ao DP investigar é que o tipo, para considerar proibida uma conduta como típica de homicídio, requer que se tenha produzido o resultado morte da vítima, como termo de uma relação causal iniciada pela exteriorização da conduta homicida do autor. A causalidade e o resultado, em seu ser – como integrantes do pragma –, não são um problema jurídico e sim físico.
V - A CONDUTA COMO CARÁTER GENÉRICO COMUM A TODAS AS FORMAS TÍPICAS
201 - Caráter comum para as formas típicas dolosas e culposas
Para testarmos o conceito de conduta temos de comprovar que a ação serve de base para todas as formas que os tipos adotam para individualizar suas proibições, ou seja, os tipos sempre proíbem condutas respeitando esta estrutura do ser da conduta:
dolo ( proíbem condutas, tendo como objeto da proibição o procurar pelo fim da conduta, isto é, o proibido é o desencadeamento da causalidade em direção ao fim típico (morte de um homem, dano na propriedade). A proibição atende aos movimentos 1 e 3 (ver n. 198);
culpa ( proíbem condutas atendendo à forma de selecionar os meios para obter o fim, e não em razão do próprio fim. A proibição atende aos movimentos 2 e 3 (ver n. 198). A seleção dos meios para obter qualquer fim deve ser feita de acordo com certo dever de cuidado, que resulta violado quando podendo prever-se que a causalidade posta em movimento pode afetar outro, não se faz esta previsão, ou quando, tendo sido feita, confia-se que a lesão não sobrevirá.
Aqui (culpa) o tipo também proíbe uma conduta final, só que, em lugar de proibi-la em razão do fim, o faz em virtude da forma defeituosa com que este fim é procurado.
202 - Caráter comum para as formas típicas ativa e omissiva
Tipos ativos ( são aqueles que descrevem a conduta proibida.
Tipos omissivos ( são os que descrevem a conduta devida. Ex.: art. 135.
É final tanto a conduta que o tipo ativo proíbe, como a que o tipo omissivo proíbe. A circunstância de que um selecione o proibido, descrevendo-o, e outro o faça por comparação com uma descrição do devido em nada altera a estrutura ôntica-ontológica das condutas proibidas.
CAPÍTULO XVI
OUTROS CONCEITOS DE CONDUTA E SUA CRÍTICA
I - A TEORIA CAUSAL DA AÇÃO
203 - Conceito geral de conduta para o causalismo
O causalismo tem duas bases filosóficas em que se apóia em dois momentos distintos:
Apoiou-se no positivismo mecanicista ( Física de Newton. Tudo são causas e feitos, dentro de um grande mecanismo que é o universo. A conduta, como parte do universo, também é uma sucessão de causas e efeitos. Esta é a base do sistema construído por von Liszt e Beling.
A ação é uma “enervação muscular”, isto é, um movimento voluntário, não reflexo, mas no qual é irrelevante o fim a que esta vontade se dirige. Ex.: havia uma ação homicida se um sujeito disparava sobre o outro com a vontade de pressionar o gatilho, sem que fosse necessário levar em conta a finalidade a que se propunha ao apertar o gatilho, porque esta finalidade não pertencia à conduta.
A ação era um movimento feito com a vontade de mover-se, que causava um resultado, querido ou não. A omissão era um não fazer caracterizado exteriormente pela “distensão muscular” e, interiormente, pela vontade de distender os músculos. Beling conceituava conduta assim: Deve-se entender por ação um comportamento corporal (fase externa, objetiva da ação) produzido pelo domínio sobre o corpo (liberdade de enervação muscular, voluntariedade) (fase interna, subjetiva da ação); isto é, um comportamento corporal voluntário, consistente em um fazer (ação positiva, movimento corporal) ou em um não fazer (omissão), ou seja, distensão dos músculos.
Hoje está claro que conduta não é só um comportamento corporal ou a distensão dos músculos, porque não existe conduta sem vontade e esta sem finalidade. Ex.: quando movo um dedo não o faço só por um movimento corporal, mas com a finalidade de brincar, tocar, coçar etc. A vontade sem conteúdo não é vontade.
Este conceito ficou abalado quando o positivismo mecanicista começou a revelar-se como falso. O mundo não era só um conjunto de causas e efeitos. O conceito naturalista (mecanicista) de ação já não era tão natural. Era uma invenção que nada tinha a ver com a realidade da ação, especialmente com relação à omissão como exteriorização de uma distensão muscular. Ex.: a mãe que deixa de alimentar o filho, para que morra de fome e sede, não distende qualquer músculo, se na hora que deixa de dar comida ao filho passa a fazer ginástica.
Era fácil fazer teoria do delito “natural”. Num esquema em que o conceito naturalístico de conduta escondia unicamente um processo causal, resultava fácil conceber o injusto como a causação objetiva de um resultado danoso e a culpabilidade como a sua causação subjetiva. Mas se a conduta deixava de ser um processo causal – como no caso da omissão – porque se reconhecia um conteúdo à vontade, o processo desmoronava. (v. n. 183).
Quando este conceito começou a fazer água, porque não correspondia à realidade, os autores descartaram a realidade (o conceito de conduta não é realístico), mantiveram o mesmo esquema, criaram um conceito de conduta que diziam não ser “natural”, mas elaborado para uso doméstico do direito penal. Esta corrente foi a do neokantismo.
Apoiou-se, depois, no neokanismo de Baden (ver n. 149). A primeira foi chamada de estrutura clássica do delito. Esta de neoclássica, desenvolvida por Mezger.
A conduta como conceito final não era uma conduta humana em sua realidade, era um conceito voluntário, como no mecanicista, desprovido de conteúdo.
Como fizeram isto? Afastando-se da realidade, indo para o idealismo, caminho bem conhecido do pensamento humano. O conceito causal de ação passou a ser sustentado pelo idealismo. O neokantismo, que é tributário das teorias do conhecimento em que este cria o objeto que conhece, veio em socorro do conceito causal da ação. Se o universo é um caos e a ordem jurídica nele põe ordem, isto implica o desconhecimento de outras ordens – realidade – e nada obsta a que, ao “pôr ordem”, a vontade fique sem conteúdo. Há um profundo desprezo pela realidade em prol de uma visão idealista.
204 - Crítica do conceito
A teoria do delito é um edifício, em que o alicerce é constituído pelo conceito de conduta. Qualquer alteração no alicerce implica numa alteração do edifício. Desde que o alicerce é lançado sabemos o que ele pode suportar e a distribuição da carga que se fará.
A teoria causalista pretende que haja um conceito de conduta que é próprio do direito penal, um conceito jurídico-penal de conduta humana.
A finalidade da conduta humana realista só é tomada em conta na culpabilidade e que nada muda se assim procedemos. Este argumento é falso e só pode ser sustentado dentro de uma teoria idealista. Se não levamos em conta a finalidade da conduta no tipo e na antijuridicidade, é claro que concebemos essas estruturas como causais, o que é um absurdo. O núcleo do injusto é causal e isto contradiz a essência do direito. O direito não é uma ordem reguladora de condutas, mas de processos causais. E o direito não proíbe nem permite outra coisa além de condutas humanas, pois do contrário deixa de ser direito, ao menos como o conhecemos hoje.
II - AS TEORIAS “SOCIAIS’ DA CONDUTA
205 - Os seus diversos sentidos
A chamada “teoria social da ação” pretendeu ser uma ponta entre o causalismo e o finalismo. Afirma que não é qualquer ação que pode ser proibida pelo direito penal, mas só aquelas que têm sentido social, isto é, atingem terceiros, fazendo parte do interacionar humano. Aquelas que ficam no âmbito individual não interessam ao DP (escovar os dentes etc.).
Mais tarde afirmaram que só tem relevância penal as ações que perturbama ordem social e que faz parte do interagir humano.
A intenção é liberal, é limitar o legislador. Ação é só aquilo que é socialmente perturbador. Esqueceram-se de que o suicídio, a destruição de coisa própria etc., também são ações. Ações que não transcendem o sujeito, não são delitos; não porque não são ações, mas porque não afetam bens jurídicos. É um problema de tipicidade e não de conduta.
Esta teoria coloca problemas de tipicidade no nível pré-tipicidade, raciocínio que leva à conclusão que o conceito de conduta é elaborado de acordo com os requisitos típicos. Existem vários conceitos “sociais” de conduta. Wessels criou a relevância social típica etc. A partir desse início, todos esses autores partem para separar o injusto objetivo ou complexo e da culpabilidade subjetiva ou normativa, num conceito nebuloso que conceitua a conduta a partir das exigências sistemáticas dos tipos.
207 - Esterilidade do conceito social
Não é possível extrair qualquer conseqüência desta teoria que – por nebulosa – se tem pretendido que sirva de base a todas as estruturas do delito. Uma conduta é uma conduta muito embora não seja socialmente lesiva. De outro lado, a lesividade social da ação no plano pré-típico não pode ser outra coisa além de um juízo ético, o que em uma sociedade pluralista é extremamente difícil e perigoso.
III - AS TENTATIVAS DE ESTRUTURAR O CONCEITO DE CONDUTA A PARTIR DE EXIGÊNCIAS SISTEMÁTICAS
208 - O idealismo gnosiológico não possibilita apenas o conceito causal de conduta
A teoria do conhecimento segundo a qual é o conhecimento que cria o objeto (idealismo gnosiológico) alimenta a teoria causal da ação, mas também alimenta outras teorias da ação que, deste modo, multiplicam-se quase ao infinito.
Se o conhecimento cria o objeto, é o tipo (proibição) que cria a conduta. A conduta será segundo a forma típica (forma de proibir). Ex.: se o tipo requer um resultado, a conduta será integrada com este resultado; se o tipo requer uma finalidade, a conduta será integrada com a finalidade etc.
A partir daí se pode sustentar que a conduta é causal ou que se aproxima do conceito ôntico-ontológico, embora sem incorporar todos seus caracteres.
Assim, apercebendo-se de que por razões sistemáticas era necessário descartar a teoria do injusto objetivo e, por conseguinte, colocar o dolo na tipicidade, vários autores fizeram esta mudança, embora sem ligar-se ao conceito ôntico-ontológico da conduta, mas incorporando à conduta os caracteres que, segundo eles, exige o tipo em cada uma de suas formas. Seguem, assim, uma sistemática finalista do delito, ainda que não aceitem em sua totalidade o conceito finalista de ação. Por este caminho, ação é ação realizadora do tipo, com o que a tipicidade passa para o primeiro plano e o conceito de conduta com caráter genérico e pedra angular de todo o sistema se torna secundário.
São critérios que não podem ser admitidos do ponto de vista realista. A conduta não nos pode dizer coisa alguma acerca da proibição da conduta (como pretendem os partidários da teoria social), mas tão-pouco a proibição nos pode dizer algo sobre o ser da conduta (como pretende o conceito sistemático), e sim apenas a respeito dos caracteres de certas condutas que são proibidas.
As condutas não se tornam condutas por estarem proibidas, mas, por estarem proibidas – entre outras coisas – por serem condutas.
	REALISMO GNOSIOLÓGICO
	IDEALISMO GNOSIOLÓGICO
	O conhecimento não altera o objeto
	O conhecimento cria – ou quase cria – o objeto.
	O desvalor (a proibição – tipicidade) não altera a conduta
	O desvalor (a proibição – tipicidade) cria – ou quase cria – a conduta
	Não há conceito jurídico penal de conduta distinto do ôntico-ontológico
	Há um conceito jurídico penal de conduta, distinto do ôntico-ontológico
	Conceito finalista de conduta:
Conduta é um fazer voluntário, vontade implica finalidade, conduta é um fazer final
	Conceito causalista de conduta: conduta é um fazer voluntário; a vontade pode separar-se da finalidade; conduta é um fazer final, mas nela não se considera a finalidade.
Crítica: a antijuridicidade recai sobre um processo causal, porque um fazer privado de finalidade fica privado de vontade e não é uma conduta
	Conceitos “sistemáticos” de conduta:
Os caracteres da conduta são dados pela tipicidade. Crítica: para averiguar que caracteres da conduta pertencem ao injusto, necessita-se perguntar ao injusto o que é a conduta
	Conceito social de conduta: É conduta somente a que tem “relevância social”; por tal se entende a que transcende a outro (alguns requerem que seja em forma socialmente lesiva). Crítica: carece de unidade; a “relevância social” é um requisito da tipicidade e não da conduta
14ª AULA – 02/06/03
CAPÍTULO XVII
AUSÊNCIA DE CONDUTA
I - PANORAMA
209 - Enumeração das hipóteses
Resumindo o que foi dito até agora acerca da conduta, temos que a conduta cumpre a função de alicerce da estrutura teórica do delito, tem uma função de seleção prévia. Assim, alguns fatos sequer chegam a ser considerados condutas e por isto não teria sentido perguntar-se pela tipicidade da conduta.
O tipo traz uma proibição e só se pode proibir condutas.
Vamos ver agora os casos em que não há conduta, como:
os fatos da natureza, porque o homem não participa deles;
os fatos de pessoas jurídicas, que não têm vontade final.
Nosso exame vai ficar nos acontecimentos em que o homem toma parte – fatos humanos. Mas nem todos eles constituem condutas. Já dissemos que para o DP só interessa fatos humanos voluntários. O estudo então será sobre fatos humanos involuntários e fatos humanos voluntários, para o fim de descartarmos os primeiros. São fatos humanos em que não há ação por faltar vontade:
1) Casos de força física irresistível
fatos humanos em que age uma força que provoca movimentos sem o controle da vontade;
fatos humanos provocados por uma força que impede a realização de movimentos de conformidade com a vontade.
2) Casos de involuntariedade:
fatos em que a pessoa se encontra em estado de incapacidade psíquica, que são os casos de inconsciência.
O CP não traz os casos de força física irresistível e de involuntariedade, justamente porque ele respeita o plano ôntico da conduta. Isto quer dizer que o DP reclama a existência de uma conduta humana voluntária e isto independe de qualquer demonstração jurídica, porque a conduta não é jurídica, mas sim humana. É um pressuposto ôntico do delito, e não jurídico.
Parte da doutrina brasileira considera o caso fortuito como ausência de conduta. Mas na verdade o caso fortuito é pressuposto do resultado e não da conduta. E já vimos que o nexo causal e o resultado estão fora da conduta, estão no tipo. No caso fortuito há conduta voluntária e final, que não é punida por atipicidade: falta de dolo ou culpa. Ex.: vou plantar uma árvore e detono uma bomba que estava enterrada. Bebo água e nela tem uma substância que não conheço e que perturba minha consciência.
II - FORÇA FÍSICA IRRESISTÍVEL
210 - Delimitação
A doutrina chama a força física irresistível de vis absoluta: são hipóteses que opera sobre o homem uma força de tal proporção que o faz intervir como uma mera massa mecânica. Exemplos:
Não há delito de dano (art. 163), quando um sujeito que está diante de um armário cheio de cristais é empurrado contra ele, quebrando o que ali estava guardado;
Não há homicídio (art. 121) quando o sujeito é empurrado contra uma anciã, por um grupo de 50 pessoas, de tal forma que ela fica pressionada entre a parede e ele, morrendo asfixiada;
Não há lesões leves quando um sujeito que está sentado à borda de uma piscina recebe um empurrão, que o faz cair dentro d’água, com isto causando lesões a uma banhista;
Não há homicídio culposo por parte de um condutor de um veículo a quem a acompanhante agarra as mãos, fazendo desviar o volante, com isto provocando a morte de um pedestre;
Não há lesões se o sujeito tem o braço agarrado e arremessadacontra uma pessoa, causando-lhe lesões;
Não há difamação daquele que tem o braço forçado a escrever uma carta difamatória.
Mas não devemos confundir a força física irresistível com a coação do art. 22, que sempre constitui uma limitação da vontade. Há vontade, mas limitada. Exemplos:
ameaça-se incendiar o automóvel de um indivíduo se ele se recusar a quebrar uma vidraça;
o indivíduo aperta a anciã contra a parede, pois, do contrário, seriam ambos derrubados e pisoteados pelas 50 pessoas;
o indivíduo joga-se na piscina porque um cachorro enraivecido investe contra ele;
o indivíduo joga o seu veículo contra outro para evitar bater de frente com um caminhão.
Nestes casos o indivíduo dirige a vontade, que é motivada por uma ameaça. A conduta não está livremente eleita, mas constrangida pela ameaça. Há vontade e, portanto, conduta. Trata-se nestas hipóteses de causas de justificação ou de exclusão da culpabilidade, e não de ausência de conduta.
211 - Hipóteses de força física irresistível
A força física irresistível pode vir da natureza e de um terceiro:
da natureza:
a.1) O indivíduo é arrastado pelo vento, por uma correnteza, empurrado por uma árvore que cai etc.
ação de um terceiro:
b.1) Exemplos já mencionados.
Quando provém de um terceiro, há ausência de conduta só para aquele que sofre a força física irresistível. O terceiro exerce uma conduta, pois opera com vontade. É autor de uma conduta, cuja tipicidade, antijuridicidade ou culpabilidade tem de ser averiguadas para saber se há delito. Exemplos:
Há ausência de conduta daquele que é empurrado contra o armário, mas há conduta de quem empurrou;
Há ausência de conduta de quem é pressionado contra a anciã, mas há conduta de quem o empurrou;
Há ausência de conduta daquele que teve seu braço puxado e causou o acidente, mas há conduta de quem puxou-lhe o braço.
Devemos também distinguir o seguinte: a ausência de conduta limita-se à causação do resultado, mas colocar-se sob o efeito de uma força física irresistível é uma conduta e, portanto, deve ser averiguada sua tipicidade, antijuridicidade ou culpabilidade. Exemplos:
O sujeito que causou a morte da anciã por asfixia era um fotógrafo que postou-se diante da multidão enfurecida para tirar fotos. Realizou uma conduta: colocou-se diante da multidão que avança. É típica na forma culposa (veremos ainda);
O sujeito que conduz o veículo e tem como acompanhante um bêbado agressivo, sabendo dessa circunstância, realiza uma conduta que se revelará como culposa na tipicidade;
O sujeito que está na borda da piscina está participando de um jogo de empurra com outras pessoas e por isto veio a cair na piscina, lesionando o banhista;
O sujeito se coloca em frente a uma cristaleira para que outro o empurre e quebre assim os cristais. Haverá conduta de dano.
212 - Força física irresistível interna
Na maioria das vezes a força física irresistível é exterior. Mas também há casos de força física que tem uma causa interior, ou seja, tem por origem o próprio corpo do indivíduo, como é o caso dos movimentos reflexos e respiratórios, por exemplo.
Não realiza uma conduta o sujeito que se esconde num armário com outra pessoa para se esconder do homicida que quer matar o outro e lá espirra, denunciando a presença do companheiro, que vem a ser morto;
Não realiza uma conduta a pessoa que num movimento reflexo à dor, levanta o braço e vem a empurrar uma pessoa num rio e este vem a morrer.
III - INVOLUNTARIEDADE
213 - Conceito e delimitação
A involuntariedade é a incapacidade psíquica de conduta, ou seja, o estado em que se encontra quem não é psiquicamente capaz de vontade.
Esta incapacidade psíquica de conduta não deve ser confundida com outros casos de incapacidade psíquica, que fazem desaparecer a característica do delito, como é o caso da inimputabilidade (art. 26).
Como a análise do delito é estratificada, em vários estratos encontramos requisitos subjetivos e a cada um desses estratos corresponderá uma determinada capacidade psíquica que, não ocorrendo, faz desaparecer aquele estrato (conduta, tipicidade, antijuridicidade ou culpabilidade). À soma das três chamamos capacidade psíquica do delito. Por ora nos ocuparemos da capacidade psíquica da vontade e sua ausência: Exemplo:
Um sujeito a quem o ladrão derruba no chão, golpeando-lhe a cabeça, permanece estendido no pavimento, sem sentidos. Os movimentos que realiza neste estado não são movimentos voluntários, porque sua consciência está anulada. Encontra-se num estado de incapacidade psíquica de vontade.
Ao contrário, um sujeito que mata seu vizinho acreditando que ele era um bandido de filme de faroeste, acreditando ser ele próprio o mocinho, realiza uma conduta, porque atua com decidida vontade de matar. Mas aqui sua vontade não é livre, porque se trata de um alienado mental. Mas esta incapacidade psíquica vai ser analisada na culpabilidade (inimputabilidade). Haverá uma conduta voluntária final, mas apenas sua vontade não é livre por causa da doença mental.
214 - Estado de inconsciência
Existe várias definições de consciência. O sentido que se usará aqui é o clínico. Neste aspecto pode-se dizer que a consciência é o resultado da atividade das funções mentais, é o resultado do funcionamento das funções mentais.
A consciência pode esta perturbada: perguntamos a um sujeito que dia é hoje e ele nos responde que é 20 de janeiro de 1.940. Neste caso não há ausência de conduta, porque não desaparece a vontade final do sujeito = responder que dia é hoje.
Quando a consciência não existe, não se pode falar em vontade e aí desaparece a conduta. Exemplo:
Um sujeito que se encontra desmaiado em virtude de um acidente vascular-cerebral, encarregado de controlar o cruzamento de linhas férreas, deixa de fechar o caminho por uma linha a um trem e sobrevêm um acidente;
Um sujeito em crise epiléptica que, com movimentos descoordenados, causa dano;
Um sujeito que delirando por causa de febre muito alta profere palavras injuriosas.
Em todos esses casos não há consciência e portanto não há vontade e portanto conduta.
215 - Casos particulares de inconsciência
Existem outras incapacidades psíquicas de delito não tão profundas como a inconsciência. Só há inconsciência quando no fato não intervém os centros superiores do cérebro ou quando o fazem de forma altamente descontínua e incoerente.
Há certos estados do sujeito – nem todos patológicos – cuja natureza no campo da neurologia é muito discutível, estando ainda sob investigação. Exemplos:
sonho fisiológico;
Transe hipnótico;
Sonambulismo.
Ante a dúvida médica, que beneficia o réu, devemos concluir que nestes casos há ausência de conduta.
Quanto aos narcóticos, produzirão uma incapacidade que deverá ser analisada caso a caso:
Se há privação de consciência, não há conduta;
Se há só perturbação da consciência haverá conduta e se trata de incapacidade psíquica de tipicidade da conduta ou de culpabilidade.
216 - A involuntariedade procurada
O indivíduo que deliberadamente procura um estado de incapacidade psíquica de conduta realiza uma conduta (a de procurar este estado), que pode ser típica, dependendo das circunstâncias. Exemplos:
O sinalizador da estrada de ferro que toma um narcótico para dormir e causar um acidente, vale-se de si próprio em estado de inconsciência;
O motorista que conhece os sintomas de epilepsia e aos senti-los continua dirigindo e provoca um acidente.
Nestes casos a conduta de procurar a incapacidade é causa direta do resultado lesivo, pois o indivíduo vale-se do seu corpo como se fosse uma máquina, já que, neste estado, só existe causalidade.
As soluções são idênticas para os casos de indivíduos que se colocam sob efeito de uma força física irresistível.
217 - Ausência de conduta na omissão
Às vezes, na omissão, a pessoa não pratica a ação devida, por causa de uma incapacidade de conduta:
Sujeito fica paralisado em razão de um choque emocionalnum acidente e não pode prestar socorro às pessoas.
IV - IMPORTÂNCIA DA DISTINÇÃO COM OUTROS ASPECTOS NEGATIVOS DO DELITO
218 - Efeitos da ausência de conduta
É sumamente importante distinguir os casos em que ocorre ausência de conduta daqueles em que tampouco há delito, devido à falta de algum dos caracteres restantes.
A ausência de conduta tem alguns efeitos práticos imediatos:
Aquele que, para cometer um delito, se vale de um sujeito que não realiza conduta, é, em geral, autor direto do delito. O que não realiza conduta jamais é autor;
É possível atuar em estado de necessidade contra os movimentos de quem não se conduz, mas não cabe opor legítima defesa;
Não se pode ser partícipe dos movimentos de quem não realiza conduta;
Nos tipos em que se faz necessária a intervenção de uma pluralidade de pessoas, não se computa a pessoa que não pratica conduta.
15ª AULA – 03/06/03
TÍTULO III
A TIPICIDADE
CAPÍTULO XVIII
ESTRUTURA DOS TIPOS PENAIS E SUAS RELAÇÕES COM A ANTIJURIDICIDADE
I - CONCEITO DE TIPO E TIPICIDADE
219 - Definição de tipo penal
O tipo penal é um instrumento legal, logicamente necessário e de natureza predominantemente descritiva, que tem por força a individualização de condutas humanas penalmente relevantes (por estarem penalmente proibidas).
O tipo pertence à lei
É a lei – parte especial do CP e leis especiais – que individualiza as condutas, através de tipos, que a lei penal proíbe. Ex.: arts. 155, 121.
O tipo é logicamente necessário
Porque sem o tipo nos poríamos a averiguar a antijuridicidade e a culpabilidade de uma conduta que, na maioria dos casos, resultaria sem relevância penal alguma. Ex.: vamos analisar a conduta de quem deixa de pagar uma parcela da prestação da compra de sua máquina de lavar louça. Se não houvesse o tipo, veríamos que há conduta humana, que ela é antijurídica, que ela é culpável (é exigível que quem deve pague) e só por último resultaria que essa conduta antijurídica e culpável não é delito porque não é sancionada com uma pena pelo direito penal. Nisto é que o tipo é logicamente necessário para a averiguação racional da delituosidade da conduta.
O tipo é predominantemente descritivo
São descritivos porque os elementos descritivos são os mais importantes para individualizar uma conduta. Dentre eles o verbo é o principal, porque conota uma ação.
Mas, às vezes o legislador agrega ao tipo conceitos que são sustentados por um juízo valorativo jurídico ou ético.
1) Quando o art. 213 refere-se à “mulher”. Precisar “o que é mulher” não requer valoração alguma. Mas quando o art. 215 (posse sexual mediante fraude) refere-se à “mulher honesta”, é um conceito que obrigatoriamente tem de se estabelecer de acordo com a ética social;
2) Quando o art. 155 fala em “subtrair coisa alheia móvel”, obrigatoriamente temos de conceituar o valor de “móvel” e veremos que ele será dado pelo Código Civil. Esses elementos valorativos que às vezes aparecem nos tipos se chamam de elementos normativos do tipo penal.
A função dos tipos é a individualização das condutas humanas que são penalmente proibidas
A necessidade lógica do tipo é ditada por esta função.
220 - Tipo e tipicidade
O tipo é a fórmula legal que pertence à lei. A tipicidade pertence à conduta. É a característica que tem a conduta em razão de estar adequada a um tipo penal:
Típica é a conduta que apresenta a característica específica de tipicidade (atípica é a que não apresenta);
Tipicidade é a adequação da conduta a um tipo;
Tipo é a fórmula legal que permite averiguar a tipicidade da conduta.
221 - Outros usos da palavra tipo
Na prática vemos em vários autores várias expressões usando tipo. Zaffaroni critica esse abuso dizendo que a palavra vai perdendo o sentido. O modo que ele usa o tipo se chama de fundamentador ou sistemático.
Outras expressões com a palavra tipo:
Tipo-garantia ( quer dizer o princípio da legalidade;
Tipo de injusto ( conota a tipicidade de uma conduta antijurídica;
Tipo de delito ( quer-se abarcar todos os caracteres do delito;
Tipo de culpabilidade ( diz-se para designar que a culpabilidade deve obedecer à tipicidade da conduta;
Tipo permissivo ( Este o Zaffaroni usa ( é o que surge do preceito permissivo (causa de justificação).
II - MODALIDADES TÉCNICO-LEGISLATIVAS DOS TIPOS
222 - Tipos legais e tipos judiciais
Hoje praticamente não se utiliza mais deixar ao juiz a tarefa de especificar tipos judiciais. Existem leis prevendo que condutas são típicas.
O que temos de ter presente é que, em virtude de ser infinita o número de situações que se podem apresentar, o legislador não consegue prever todos os casos típicos, de forma que se utiliza muitas vezes de tipos abertos (particularmente os culposos e omissivos impróprios) e mesmo assim permanece muitas vezes a dificuldade de separar atos preparatórios de atos executivos (tentativa).
223 - Tipos abertos e fechados
Seria inconstitucional – fere o princípio da legalidade – um tipo que dissesse assim: “são proibidas todas as condutas que ferem o interesse comum”. Seria o juiz quem teria a tarefa de individualizar cada conduta proibida.
Mesmo assim, há casos em que o legislador não individualiza totalmente a conduta proibida, de forma que cabe ao juiz “fechar” o tipo, recorrendo a pautas éticas ou sociais ou regulamentares que estão fora do tipo. Exemplo:
quando a lei reprime o homicídio culposo, exige do juiz que frente ao caso concreto determine qual era o dever de cuidado que necessitou trazer ao tipo, vinda de outro contexto (outras partes do mesmo ordenamento, pautas éticas, atividade regulamentada como cortar árvores etc.).
Esses tipos são chamados de tipos abertos (121, § 3º), por oposição aos tipos fechados, como o do art. 121, por exemplo em que a conduta está perfeitamente individualizada.
Porque é inconstitucional o exemplo do “interesse comum”? Porque tratando-se de sistema de tipo legal, é obrigação do legislador extremar os cuidados para chegar perto do tipo legal, embora muitas vezes tenha de trabalhar com tipos abertos.
Ao falar do “interesse comum” o legislador não tomou o menor cuidado em precisar condutas proibidas. Inversamente, no art. 121, § 3º existem infinitas variáveis impossíveis de serem previstas pelo legislador, obrigando-o a fazer um tipo aberto.
224 - Outra forma de abertura típica
Às vezes é impossível ao legislador precisar no tipo a gravidade ou a entidade de determinado conceito, que depende de cada caso concreto. Por isto é obrigado a deixar ao juiz a tarefa de fechar o tipo. Exemplo: o art. 171 diz que “é crime obter para si ou para outrem vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento”. A lei poderia dizer “em erro mediante qualquer meio fraudulento”. Mas a lei não pode ampliar a punição através de qualquer meio fraudulento, mas só nos meios fraudulentos dotados de gravidade semelhantes ao artifício ou ardil.
226 - A lei penal em branco
São leis penais em branco as que estabelecem uma pena para uma conduta que se encontra individualizada em outra lei. Exemplo:
Art. 268 diz: “infringir determinação do poder público destinada a impedir a introdução ou propagação de doença contagiosa”.
A norma não pode ser deduzida do tipo da lei penal, havendo necessidade de se recorrer a outras disposições legais. Regulamentos, decretos etc. A lei ou regulamento que completa a lei penal em branco, integra o tipo penal, de modo que se a lei penal em branco remete a uma lei que não existe, não terá vigência até que a lei que a completa seja sancionada. Ex.: lança perfume como droga.
III - CONCEPÇÕES COMPLEXA E OBJETIVA
227 - A concepção objetiva do tipo penal
Até 1.906 não havia uma teoria do tipo penal, que neste ano foi enunciada por Ernest von Beling, respeitando a sistemática do delito fundada na cisão entre injusto objetivo e culpabilidade subjetiva. Ele introduziua distinção entre antijuridicidade e tipicidade, categorias que continuavam objetivas.
O tipo era objetivo, abarcava só a exterioridade da conduta, prescindindo de todo externo.
Em alemão chamou-se tatbestand, que significa hipótese do fato que vinha do latim medieval facti species, e que se traduziu para o italiano como fattispecie e para o português como “tipo”.
Vamos recordar que essa construção do tipo, que se traduz na proibição da causação de um resultado, tem o inconveniente de não limitar a causalidade de forma convincente (não há dolo nem culpa no tipo). Além disto suporta o peso de uma concepção “naturalista” da conduta, entendida também como um processo causal cego (sem finalidade) posto em movimento pela vontade de mover um músculo.
228 - A concepção complexa de tipo penal
O descobrimento de elementos subjetivos no tipo por volta de 1.910 e da culpabilidade normativa em 1.907, bem como da dificuldade que se deparava a teoria objetiva do tipo, fizeram com que se pensasse que o dolo – vontade do resultado – deveria ser localizado no tipo. Assim fez von Weber em 1.929 e Grafh zu Dohna em 1.936.
Weber não fazia distinção entre a tipicidade e justificação, de modo que participava de uma concepção bipartida do delito:
Dohna mantinha a divisão tripartida, mas acreditava que a antijuridicidade recaía sobre o aspecto objetivo do tipo e a culpabilidade sobre o subjetivo.
Welzel, na década de 30 aperfeiçoa o conceito de tipo complexo, ou seja, com um aspecto objetivo e outro subjetivo, dentro do marco de uma teoria do delito tripartida: tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade. (É a posição de Zaffaroni). A localização do dolo no tipo resolve uma série de problemas:
O problema da causalidade, que fica limitada pela vontade.
A tentativa é claramente distinguida, porque o querer do resultado (dolo) passa a ser problema típico. O tipo proíbe uma conduta e não uma causação.
O querer do resultado – dolo – que no esquema causalista estava em A, passa a B.
IV - TIPICIDADE E ANTIJURIDICIDADE
229 - Panorama das distintas posições
Não é pacífica a relação entre tipicidade e antijuridicidade. Há 3 posições fundamentais, uma das quais é subdividida.
Teoria do tipo avalorado ( Quase não é mais defendida.
A tipicidade não indica coisa alguma acerca da antijuridicidade. O tipo é “neutro”, “acromático”.
A crítica é que desconhece que uma norma está sempre anteposta ao tipo. Quando se afirma que o tipo é matar alguém, existe uma norma de que matar é uma conduta má. Então o tipo é valorado.
Teoria do tipo indiciário (teoria da ratio cognoscendi) ( Defendida por Max Ernest Mayer
A tipicidade é um indício, uma prova juris tantum da antijuridicidade. A tipicidade se comporta em relação à antijuridicidade como a fumaça em relação ao fogo.
É a preferida de Zaffaroni.
Teoria do tipo como ratio essendi da antijuridicidade ( Se divide em duas.
Sustentam que o tipo é a razão de ser da antijuridicidade. O tipo implica a antijuridicidade:
c.1 ( Teoria dos elementos negativos do tipo ( Sustentada por Helmuth von Weber
Afirmada a tipicidade, resultará também afirmada a antijuridicidade. As causas de justificação eliminam a tipicidade, comportando-se como elementos negativos do tipo.
A crítica é que retroage a teoria do delito ao tempo em que ela era bipartida: injusto e culpabilidade
c.2 ( Teoria do tipo de injusto ( Sustentada por Paul Bockelmann
Diz também que o tipo implica a antijuridicidade, mas esta pode ser excluída por uma causa de justificação em uma análise posterior ao tipo.
A crítica é que ela não procede racionalmente, porque não é coerente que um estrato afirme aquilo que no seguinte pode ser negado, que num estrato se ponha o que no seguinte se tira.
230 - Interesse, bem e norma
Quando o legislador se encontra diante de um ente e tem interesse em tutelá-lo, é porque o valora. Essa valoração do ente se traduz em uma norma que eleva o ente à categoria de bem jurídico. Quando o legislador quer dar uma tutela penal a esse bem jurídico, com base na norma, elabora um tipo penal e o bem jurídico passa a ser penalmente tutelado. Exemplo:
O legislador se encontra diante do ente “vida humana”;
Tem interesse em tutelá-la porque considera que esse ente é bom, necessário, digno de respeito etc.;
Esse interesse é traduzido em uma norma: quando se pergunta como tutelar o ente vida humana se responde: “proibindo matar”. Esta é a norma proibitiva: “Não matarás”;
Essa norma deve ser expressa em leis, e com isto a vida humana se revelará num bem jurídico. Assim, a vida é um bem jurídico para a CF, para o Direito Civil etc.;
Pode ser que o legislador não se contente com esta manifestação da norma e requeira também uma tutela penal, ao menos para certas formas de lesão ao bem jurídico vida. Elabora, então, um tipo penal e o bem jurídico vida humana passa a ser penalmente tutelado.
LEGISLADOR
JUIZ
O tipo pertence à lei, mas a norma e o bem jurídico não pertencem à lei. Estes são conhecidos através do tipo e limitam o seu alcance.
231 - A antinormatividade
O tipo nasce de um interesse do legislador no ente que valora. Eleva-o a categoria de bem jurídico, enuncia uma norma para tutelá-lo, a qual se manifesta em um tipo legal. Conclusão: a conduta que se adequa a um tipo será necessariamente contrária à norma que está anteposta ao tipo e afetará o bem jurídico tutelado. Exemplo:
A conduta adequada ao tipo penal do art. 121 será contrária à norma não matarás e afetará o bem jurídico vida humana;
A conduta adequada ao tipo penal do art. 155 será contrária à norma não furtarás e afetará o bem jurídico patrimônio.
Isto significa que a conduta, pelo fato de ser típica, necessariamente é antinormativa.
Mas não se pense que a conduta que se adequa formalmente a uma descrição típica só por isto é típica. Que uma conduta seja típica, não significa que é antinormativa, ou seja, que esteja proibida pela norma (não matarás etc.).
O tipo é criado pelo legislador para tutelar o bem contra condutas proibidas pela norma. Desse modo, o juiz não pode considerar típica uma conduta formalmente típica, mas que realmente não é contrária à norma e nem lesa o bem jurídico tutelado.
A antinormatividade requer um estudo sobre:
o alcance da norma que está anteposta e que deu origem ao tipo legal;
a afetação do bem jurídico.
Esta investigação é uma etapa posterior ao juízo de tipicidade. Uma vez comprovada a tipicidade legal, indaga-se sobre a antinormatividade. Comprovada esta é que se pode afirmar a tipicidade penal da conduta.
A tipicidade penal pressupõe a legal, mas não a esgota. A tipicidade penal requer que a conduta, além de enquadrar-se no tipo legal, viole a norma e afete o bem jurídico – a isto se chama antinormatividade.
232 - Tipicidade penal: tipicidade legal mais tipicidade conglobante
Tomemos um exemplo: um oficial de justiça cumpre um mandado legal de penhora e seqüestro de um bem. Por força legal pede ajuda da polícia e com todas as formalidades legais seqüestra o bem do devedor, colocando-o à disposição do juízo. O mais elementar bom senso nos diz que isto não é crime.
Mas por quê? Receberemos como resposta que o oficial agiu de conformidade com o art. 23, III, do CP, em estrito cumprimento do dever legal. Boa parte da doutrina diz que o oficial agiu amparado por uma causa de antijuridicidade. No entanto, para a teoria do tipo indiciário isto é impossível.
A tipicidade implica antinormatividade (contrariedade à norma) e não podemos admitir que num ordenamento uma norma ordene o que a outra proíbe. Tem de existir um mínimo de ordem num sistema, num ordenamento, que proíba uma norma de permitir o que a outra proíbe. As normas não vivem isoladas, mas num entrelaçamento sistemático em que umas limitam as outras e não podem ignorar-se. O sistema não é um caos, um amontoado de normas, mas uma ordem de proibições, um conjunto de normas que guardam entre si uma certa ordem, que lhevem dada por seu objetivo geral ou final, qual seja, evitar a guerra civil.
Esta ordem mínima proíbe que uma norma proíba o que a outra ordena, como proíbe que uma norma proíba o que a outra fomenta. A lógica nos diz que o tipo não pode proibir o que o direito ordena e nem o que ele fomenta.
No caso do oficial de justiça, se penetrarmos um pouco mais no alcance da norma que está anteposta ao tipo, a conduta do oficial que se adequa ao tipo legal não pode estar proibida, porque a própria ordem normativa a ordena e incentiva.
O juízo de tipicidade não é um mero juízo de tipicidade legal, mas que exige um outro passo, que é a comprovação da tipicidade conglobante, que consiste na averiguação da proibição através da indagação do alcance proibitivo da norma, não considerada isoladamente, e sim conglobada com a ordem normativa.
A tipicidade conglobante é um corretivo da tipicidade legal, que permite excluir do âmbito da tipicidade aquelas condutas que aparentemente estão proibidas, como a do oficial de justiça, cuja conduta aparentemente se adequa ao tipo do art. 157, do CP, mas que não é alcançada pela proibição “não roubarás”.
A função da tipicidade conglobante é reduzir a tipicidade legal à dimensão daquilo que a norma proíbe, deixando fora da tipicidade penal aquelas condutas que somente são alcançadas pela tipicidade legal, mas que a ordem normativa não quer proibir, precisamente porque as ordena ou as fomenta.
A tipicidade penal da conduta surge da conjunção da adequação penal e a antinormatividade. Tipicidade penal = tipicidade legal + tipicidade conglobada.
233 - Antinormatividade e antijuridicidade
A ordem jurídica não se compõe só de normas proibitivas. Existem também normas permissivas. E isto não é uma contradição entre normas, mas pressupõem, num jogo harmônico, a existência de normas permissivas.
O preceito permissivo dá lugar a uma causa de justificação. A antijuridicidade surge:
da antinormatividade (tipicidade penal);
da falta de adequação a um tipo permissivo = a conduta antinormativa não está amparada por uma causa de justificação.
A tipicidade penal implica a contrariedade com a norma, mas não implica a antijuridicidade, porque pode haver uma causa de justificação que ampare a conduta.
A antijuridicidade pressupõe a antinormatividade, mas não é suficiente a antinormatividade, pois pode incidir sobre a conduta típica um tipo permissivo, uma causa de justificação.
Neste sentido a tipicidade penal opera como um indício da antijuridicidade, como um desvalor provisório. Por isto Max Ernest Mayer expressava a relação entre a tipicidade e a antijuridicidade como a fumaça e o fogo.
234 - Atipicidade conglobante e justificação
Pode-se afirmar que os casos identificados como atípicos (oficial de justiça) também poderiam ser resolvidos pela falta de antijuridicidade. Há quem afirme que uma conduta atípica é o mesmo que uma conduta justificada. Na verdade, Welzel diz, não se pode afirmar, com base no realismo, que dê no mesmo a morte de uma mosca e a morte de um homem, ainda que em legítima defesa.
A legítima defesa é uma permissão outorgada pela ordem jurídica para a realização de uma conduta antinormativa. Se um indivíduo nos agride injustamente, mesmo que tenhamos oportunidade de fugir, não somos obrigados a fugir, porque não somos obrigados a suportar o injusto. O direito nos dá uma permissão, sem dar relevância à possibilidade de fuga.
Esta permissão não quer dizer que o direito fomente, e muito menos nos ordene semelhante conduta. Simplesmente, num caso dessa magnitude limita-se a permitir a conduta. Não quer incentivar o homem a matar.
Esta é a principal diferença entre a tipicidade conglobante e a justificação. A atipicidade conglobante não surge em virtude de permissões da ordem jurídica, e sim em razão de mandatos e fomentos normativos, ou de indiferença (por insignificância) da lei penal. Ex.: a lei resigna-se que um vizinho subtraia uma jóia valiosa de seu vizinho para pagar a internação do filho gravemente enfermo, mas não fomenta, muito menos ordena, essas ações.
IV - OS BENS JURÍDICOS PENALMENTE TUTELADOS
235 - A importância do bem jurídico
O bem jurídico desempenha um papel central na teoria do tipo, porque dá o verdadeiro fim da lei penal. Sem um bem jurídico não há um “para que” do tipo, e portanto não há possibilidade de interpretação teleológica da lei penal.
Não se concebe uma conduta típica que não afete um bem jurídico, porque os tipos são feitos para tutelar juridicamente esses bens.
236 - Conceito de bem jurídico
Mas o que é bem jurídico? Bem jurídico é o direito que temos de dispor de certos objetos. Não é o objeto em si mesmo, mas a relação de disponibilidade do titular da coisa:
quando alguém subtrai uma coisa móvel de nossa propriedade, ele está impedindo nossa relação de disposição daquela coisa como bem entender. Não é crime doar meus bens a quem bem entender;
quando alguém calunia outra pessoa, está impedindo que esta disponha de sua honra da maneira que bem entender. Não é crime eu confessar meus pecados publicamente.
238 - A moral como bem jurídico
A moral em sentido estrito não pode ser considerada bem jurídico. Se um casal convida os vizinhos para assistirem suas relações sexuais em casa, isto não afeta bem jurídico algum. Mas se se mantém relação com a janela aberta, isto afeta a “moral pública”, ou seja, o sentimento de pudor que a sociedade tem o direito de ter. Só neste sentido é que se pode falar de moral como bem jurídico. Outro exemplo: o sujeito resolve defecar em via pública. Não é ato sexual, mas também ofende ao sentimento de pudor público.
Além disso, a moral é individual. O sujeito pode ter o direito de tê-la, mas não de impô-la.
239 - Pode-se prescindir do bem jurídico?
O tipo implica no dever de abster-se da conduta que a norma proíbe.
Quando não se pergunta porque a norma proíbe determinada conduta, só nos resta afirmar que o dever se impõe por si mesmo, como um ato de autoridade, por capricho, por preconceito. Assim, resultará violado o princípio republicano de governo (art. 1º, CF) que impõe a racionalidade de seus atos.
O bem jurídico tem duas funções:
uma função garantidora, que emerge do princípio republicano;
uma função teleológico-sistemática, que dá sentido à proibição manifestada no tipo e a limita.
240 - Classificação dos tipos penais em razão dos bens jurídicos afetados
A doutrina e os Códigos classificam os tipos de acordo com os bens jurídicos afetados:
O primeiro critério de classificação foi o religioso, dado pelo Decálogo. Depois foi substituído pelos delitos contra o Estado. Hoje, a partir do CP da Baviera de 1.813, voltou-se a uma classificação personalista. Primeiro protegem-se os delitos contra as pessoas, a honra, o estado civil...;
Outro critério de classificação dos tipos é quanto a intensidade de afetação dos bens jurídicos. Nesse sentido, podem ser qualificados ou privilegiados, sempre em relação a um tipo fundamental ou básico. Ex.: art. 121 (básico), § 1º (privilegiado) e § 2º (qualificado).
Outro critério é da agravação ou atenuação do delito em razão de uma maior ou menor culpabilidade. Isto ocorre quando a lei adota como critério os motivos do crime ou o estado psíquico do sujeito, questões que pertencem à culpabilidade. Ex.: homicídio por relevante valor social – art. 121, § 1º.
Por fim, outro critério é pelo número de bens jurídicos que o tipo tutela. Fala-se em tipos com bem jurídico simples e complexo. O art. 121 é simples. Tutela a vida. O art. 158 (extorsão) é complexo, porque tutela a liberdade de determinação e o patrimônio.
16ª AULA – 10/06/03
CAPÍTULO XIX
TIPOS ATIVOS DOLOSOS: ASPECTO OBJETIVO
I - PANORAMA DA ESTRUTURA DO TIPO DOLOSO
241 - Aspecto objetivo e subjetivo do tipo doloso ativo
Há quatro espécies de tipos penais: dolosos, culposos, ativos e omissivos. Estudaremos primeiro os dolosos ativos, porque configuram a maior parte dos tipos penais, ou seja, a

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