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Pensamento Hegeliano e a dialética



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O PENSAMENTO HEGELIANO: O SISTEMA E A DIALÉTICA 
 Cassio Donizete Marques1 
 
Resumo 
 
Hegel é considerado um dos pensadores mais complexos de toda a história da 
filosofia. Seu pensamento estabelece, senão uma ruptura total com toda a 
filosofia anterior, um novo marco para a filosofia que viria pós Hegel. Muitos 
temas são tratados por ele, mas pode-se afirmar que todos eles estão ligados a 
dois pontos centrais de seu pensamento: a construção de um sistema e a sua 
dialética. Este sucinto artigo busca apontar as principais características do 
sistema e da dialética hegeliana sem, no entanto, ter a pretensão de esgotar o 
assunto que vem sendo objeto de pesquisa nas últimas décadas, por parte de 
um grande número de estudiosos do pensamento hegeliano. 
Palavras-chave: sistema - dialética - história 
 
1. A construção de um sistema 
Georg Wilhelm Friedrich Hegel nasceu em Stuttgart, a 27 de agosto de 1770 e 
faleceu em 1831 em Berlim, acometido de cólera. Pode-se afirmar que Hegel é 
o pensador que conseguiu „fechar‟ toda uma tradição de pensamento que se 
inicia na Idade Moderna, bem como servir de marco para uma nova caminhada 
e método de reflexão filosófica. 
Hegel foi influenciado por alguns pensadores que o antecederam, mas pode-se 
dizer que quase todos os pensadores que o sucederam, de forma direta ou 
indireta, sofreram a influência de seu pensamento. Ele se tornou um dos 
filósofos mais polêmicos, debatido e muitas vezes um dos menos 
compreendido em toda história da filosofia. 
 
1 Graduado e mestre em Filosofia pela PUC Campinas e doutor em Filosofia da Educação pela Unicamp. Professor do 
Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio – CEUNSP de Itu e Salto e do Colégio Sagrada Família de Salto. 
 
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É difícil falar de Hegel sem falar de um acontecimento que mudou o rumo de 
praticamente toda história da humanidade e, o qual, não poderia ter deixado de 
influenciá-lo. A revolução francesa (1789) e seus ideais estão presentes de 
forma marcante na vida dos jovens da época e Hegel os vivenciou 
profundamente. Os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade proclamados 
pela revolução francesa. Hegel lia apaixonadamente os jornais franceses. Para 
ele a revolução é a realização do modelo da „liberdade humana‟ que começava 
a iluminar a realidade alemã, ainda marcada pelo feudalismo, despedaçada 
politicamente e religiosamente. A revolução se torna antítese dessa realidade. 
O mundo propriamente humano, obra da razão, se está a criar (GARAUDY, 
1971). Os intelectuais alemães, idealistas, devem buscar oferecer uma 
resposta que supere a diferença entre os ideais da revolução e a realidade 
alemã. Hegel realiza um movimento filosófico que busca libertar o homem, 
tornando-o sujeito autônomo e capaz de dirigir seu próprio desenvolvimento. 
A influência marcante da revolução francesa em sua vida faz com que Hegel 
coloque a história como mediação privilegiada na construção de seu sistema. 
Todo pensamento de Hegel é perpassado pela história, ela é a exaltação da 
liberdade. Não há mais uma separação entre história e ciência e assim é 
possível reconciliar o homem consigo mesmo. Hegel vai buscar reconhecer nas 
instituições e nas coisas a marca do homem, a obra do espírito, a alma que 
arrasta a realidade no seu movimento. É o “fim de um mundo e o nascimento 
de outro” (GARAUDY, 1971, p. 8). É o drama do mundo onde as contradições 
exigem uma solução. É a infelicidade presente como momento negativo de sua 
dialética. É a luta entre a vontade geral e os interesses privados que levam 
Hegel a buscar na história explicações para os conflitos. 
Após a sucinta colocação acima sobre a importância da história para o 
pensamento hegeliano, faz-se oportuno apresentar as duas correntes 
filosóficas que, influenciaram profundamente todo pensamento moderno e não 
poderia deixar de influenciar o pensamento de Hegel. 
Hegel tem diante de si duas fortes correntes filosóficas. De um lado o 
empirismo inglês, que tem sua expressão máxima em Hume, defendendo a 
supremacia da experiência sobre a razão e do fato como critério último da 
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verdade. Hegel verifica que este empirismo limita o homem à ordem das 
coisas, segundo ele, a ênfase deve ser dada à razão, pois esta não limita o 
homem, mas sim o liberta. De outro lado o kantismo que defende a 
impossibilidade de conhecer a coisa-em-si (noumeno) o que para Hegel 
limitaria a capacidade da razão, passando a existir uma divisão do mundo em 
duas partes, subjetivo e objetivo, pensamento e existência. O homem deve 
trazer esses dois momentos para a razão, para que sejam unificados 
(ANDERY, 1988) 
É importante mencionar também a influência de Descartes. Hegel o considera 
„herói‟ da filosofia moderna ao buscar na razão a fonte de todas as coisas, 
onde a realidade objetiva está contida. Porém, em Descartes ainda não existe 
a adequação total entre real e racional e seu pensamento, segundo Hegel, é 
abstrato e não consegue adquirir um conteúdo concreto sem recorrer à 
experiência. 
A realidade e o verdadeiro não são substâncias, mas sim sujeito, pensamento, 
espírito. O mundo é também espírito. O finito e o determinado são 
absolutamente nada, não tem realidade ontológica. Pode-se encontrar no 
pensamento hegeliano uma aproximação com o pensamento de Platão, porém 
para Hegel, diferentemente de Platão, o mundo não é nem sombra. A única 
realidade é o espírito. Este espírito se constrói a partir da 
participação/mediação no negativo (nada), este assume um sentido de 
potência, de energia do pensamento. A realidade se torna atividade, processo, 
onde o espírito se autogera numa superação constante, é a unidade que se faz 
através do múltiplo. (REALE e ANTISERI, 1990) 
Todo pensamento de Hegel se move dentro do espírito absoluto. O que existe 
é o todo, não existe a parte. A parte só existe quando se integra ao todo – algo 
fora do todo se torna negação do todo, momento antitético por contradição. 
Como diz Hegel 
o verdadeiro é o todo. Mas o todo é somente a essência que atinge a 
completude por meio do seu desenvolvimento. Deve-se dizer do 
absoluto que ele é essencialmente resultado e que é o que na 
verdade é, apenas no fim...de vir-de-si mesmo. (1988, p.17) 
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Todo este conhecimento do real passa por três momentos: o do imediato ou 
universal abstrato; o da sua negação que é reflexão e mediação, e o da 
totalidade concreta que supera e ao mesmo tempo contém/conserva. Esse 
desenvolvimento se dá não de forma linear, mas dentro de uma circularidade 
Esse círculo do absoluto é marcado por três momentos: o „em-si‟ (ideia), o fora-
de-si (natureza) e o retorno-a-si (espírito). Isso torna compreensível a tríplice 
distinção da filosofia hegeliana: Lógica, Filosofia da Natureza e Filosofia do 
Espírito. 
Hegel assume uma posição panlogista, onde o Espírito domina – o único ser é 
igual ao pensamento/espírito. Nesse sentido, Deus é o Espírito infinito. A única 
realidade é Deus, mas ele precisa do calvário da história para que possa se 
descobrir, passando pelos três momentos: negação/alienação no finito que se 
apresenta como ideia; exteriorização na natureza e volta a sim próprio como 
Espírito. A evolução do espírito absoluto coincide assim com a história do 
espírito humano, ambos possuem em comum o que é, em si e para si. 
Abbagnano (1970) afirma que o sistema hegeliano se encerra na existência de 
uma autoconsciência absoluta que será chamada, pelos partidários de Hegel, 
também Espíritos, Conceito puro, Consciência absoluta, Superalma. Enfim, aconstrução do sistema hegeliano se dá num movimento dialético constante, 
entendido aqui como síntese dos opostos. O todo já está presente desde o 
início e acompanha todo processo de desdobramento do espírito ao longo da 
história até a retomada da razão absoluta. 
2. A dialética 
Na Grécia antiga, a palavra dialética aparece como substantivo, significando 
„palavra‟, „discurso‟, „razão‟, ou melhor, „arte da palavra‟, „arte da discussão‟, 
que convence e leva à compreensão. Tem como característica a organização 
de um sistema coerente, com fundamento lógico, a distinção entre o verdadeiro 
e o falso nas afirmações dos outros. Ela vem ao longo dos tempos assumindo 
diversos sentidos e mantém o princípio de não-contradição até Hegel 
(FOULQUIÉ, 1978). Nicola Abbagnano em seu dicionário de filosofia assim 
afirma 
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Esse termo, que deriva o seu nome do diálogo, não foi empregado, 
na história da filosofia com um significado unívoco, que possa 
determinar-se e esclarecer-se uma vez por todas; mas recebeu 
significados diferentes, diferentemente aparentados entre si e não 
redutíveis uns aos outros ou a um significado comum (1970, p. 252,) 
Hegel busca em Heráclito de Éfeso a dialética como „estrutura da realidade e 
do pensamento‟, contradição. Em Aristóteles ele verifica a preocupação com o 
movimento das coisas e que estas estão num constante vir-a-ser, entendido 
como passagem de potência para ato. 
A dialética assume em Hegel o ponto central de seu pensamento e está 
presente, influenciando, de forma diversa, a nossa posição frente à realidade, 
uma vez que este método foi incorporado no pensamento de diversos outros 
pensadores e correntes filosóficas, entre elas o marxismo e o existencialismo. 
De certa forma toda filosofia de Hegel é dialética uma vez que sua filosofia é 
uma filosofia do devir e essencialmente racionalista – todo racional é real e 
todo real é racional. 
Na Fenomenologia do Espírito Hegel diferencia a sua dialética da de Platão ao 
afirmar que o espírito só conquista a sua verdade encontrando-se a si próprio 
na dilaceração absoluta. Penso ser esta colocação a base da dialética 
hegeliana. Todo sistema filosófico de Hegel é construído de tal forma onde a 
dialética expressa o movimento constante e complexo a que está submetida 
toda realidade que assume em seu sistema uma posição negativa. Essa 
negatividade vem da natureza, do mundo objetivo e é a matriz do processo de 
transformação contínua de toda a realidade. A concepção do real é 
estritamente monista, uma vez que não há distinção entre o pensamento 
absoluto e o ser absoluto. O ser é negado no pensamento, tornando-se „nada‟. 
Souza (1986, p. 11) afirma que “a intermediação do negativo – em termos de 
contradição cuja superação constantemente se impõe – garante, portanto, o 
dinamismo do processo dialético” 
A morte do Espírito é o processo que o mesmo deve passar para voltar a si 
mesmo, processo de contradição. A identidade é a simples determinação do 
imediato do ser. A contradição é necessária, pois esta é a raiz de todo 
movimento, é ela que dá a impulsão e a atividade. 
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Na dialética, a razão se reconhece na realidade que surge a ela como 
estranha, e ao mesmo tempo esta realidade se concilia consigo mesma, 
superando as diferenças, as divisões. Nesse sentido ela passa a ser a 
conciliação dos contrários, a „síntese dos opostos‟. 
Toda dialética hegeliana se desenvolve dentro do grande movimento triático. O 
primeiro momento desse movimento é a tese, o ser é, momento de afirmação, 
essa identidade inicial do ser manifesta algo de vazio, de negatividade, de não 
idêntico. O segundo momento é a negação ou antítese, o ser não é, é o 
momento de exteriorização do ser na natureza, nas coisas físicas/orgânicas. É 
neste momento que se começa a apreender aquilo que a coisa é. A 
contradição está implícita na tese, e a antítese a explicita. O terceiro momento 
é o da síntese, Espírito, que se apresenta como reinteriorização do mundo 
exterior pelo ser. Todos os momentos – ser, natureza e Espírito tem em-si sua 
negação e superação (FOULQUIÉ, 1978) 
Tem-se na dialética hegeliana um esforço constante de totalização que não se 
apresenta sob a mera forma de acumulação ou de somatória, mas é um todo 
vivo, um todo em desenvolvimento que abraça o histórico num movimento 
constante de devir, uma totalização em curso, ela é o „superior movimento 
racional‟. Movimento não só gnosiológico ou epistemológico, mas também 
ontológico, pois visa apreender a própria estrutura da realidade. (MOURA, 
1977). 
 Considerações finais 
Este sucinto trabalho apresentou alguns dos aspectos centrais do pensamento 
de Hegel. Pensador que se apresenta como construtor do grande e último 
sistema. Apesar de muitos estudos sobre o seu pensamento, longe se está de 
esgotar toda riqueza nele contido. A construção de seu sistema, concretizado 
no Espírito Absoluto, expressa o ponto mais alto de seu pensamento. Cabe 
procurar, a partir do estudo de seus textos, interpretar o seu pensamento e 
assim ter em mãos uma fonte rica de reflexão que muito nos ajuda a 
compreender a própria filosofia e a interpretá-la no nosso presente, tendo 
sempre em vista as suas limitações e a própria dificuldade de adequação de 
seu sistema fora do todo de seu pensamento. 
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Referências 
 
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Trad. Alfredo Bosi. SP: Mestre 
Jou, 1970 
ANDERY, Maria Amália (org.) Para compreender a ciência. RJ: Espaço e 
Tempo e EDUC, 1988 
FOULQUIÉ, Paul. A dialética. Trad. Luis A. Caeiro. 3. ed. Publicações Europa-
América. 1978 (coleção saber) 
GARAUDY, Roger. O pensamento de Hegel. Trad. Maria Tacke Lisboa. 
Moraes Editores, 1971 
HEGEL, Georg W Friedrich. Os pensadores. Trad. Henrique Claudio de L. Vaz 
e Antonio Pinto de Carvalho. 4 ed. SP: Nova Cultural, 1988 
HEGEL, Georg W. Friedrich. Fenomenologia do espírito. trad. Paulo 
Meneses. Petrópolis, RJ: Vozes, 1992. 
HEGEL, Georg W. Friedrich. Princípio de filosofia do direito. Trad. Orlando 
Vitorino. Lisboa: Guimarães Editores, 1990 
MOURA, José Barata. Totalidade e contradição: acerca da dialética. Lisboa, 
Livros Horizonte, 1977 (coleção Razão e Diálogo) 
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. SP: Paulinas, 1990. 
v. III (Coleção filosofia). 
SOUZA, Francisco de Paula. Dialética – a grande mistificação. In Revista 
Reflexão. Instituto de Filosofia Puccamp. Ano XI nº 36