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1 ANÁLISE DAS PATOLOGIAS DE TÉCNICAS CONSTRUTIVAS PATRIMONIAIS NO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL José Alberto Ventura Couto (1),Cinthia Cristina Hirata Pinetti(2) (1) Prof. Mestre DEC/CCET, UFMS, Brasil. (2) Aluna do Curso de Arquitetura e Urbanismo. Bolsista de Iniciação Científica. Centro de Ciências e Tecnologia, UFMS, Brasil. Resumo: A realização do estudo de materiais e técnicas construtivas patrimoniais possibilita o resgate dos procedimentos da arte de construir, apresentando o potencial de contribuição para a produção de habitações mais sustentáveis. Portanto, ao estudar os materiais, as técnicas construtivas, o uso, a manutenção e as patologias dessas técnicas pode-se contribuir para a identificação dos problemas, seja nas etapas do processo de construção ou na conservação dos edifícios, e agregar melhorias nos sistemas construtivos e nos materiais utilizados. O presente trabalho buscou estudar os materiais e técnicas construtivas utilizados na restauração e conservação do patrimônio histórico Museu José Antonio Pereira, localizado na cidade de Campo Grande – MS, a qual apresenta como característica marcante o uso dos materiais terra crua e madeira. Através de levantamento histórico, entrevistas, visitas in loco e identificação dos materiais, técnicas construtivas e patologias encontradas neste museu, foi realizada a avaliação do processo de construção e da conservação do edifício, bem como a prescrição de orientações e recomendações quanto à forma de escolher e aplicar os materiais mais sustentáveis e de como usar corretamente a edificação, respeitando as exigências de resistência, durabilidade, higiene, conforto e sustentabilidade. Palavras-chave: sustentabilidade, patrimônio histórico, terra crua, taipa de mão. Abstract: The completion of a study of materials and construction techniques allows property redemption procedures of the art of building, showing the potential to contribute to the production of more sustainable housing. This study aimed to study the materials and construction techniques used in restoration and conservation of historical museum José Antonio Pereira, located in Campo Grande - MS, which presents as characteristic the use of raw materials and timber land. Through historical survey, interviews, site visits and identification of materials, construction techniques and diseases found in this museum, was evaluating the construction process and conservation of the building, and prescription of guidelines and recommendations on how to choose and implement more sustainable materials and how to 2 properly use the building, respecting the requirements for strength, durability, hygiene, comfort and sustainability. 1. INTRODUÇÃO As técnicas construtivas utilizadas nos séculos passados foram substituídas devido os avanços da indústria e da popularização das tecnologias. Os materiais produzidos em grande escala tais como concreto, gesso e plástico deram origem a novas técnicas construtivas em substituição as técnicas mais antigas à base de terra e madeira. O resgate das culturas de construções antigas, das técnicas regionais, das artesanais e de materiais de construção locais contribui para a compreensão e aplicação prática de procedimentos considerados fundamentais na relação de usuários e proprietários de edificações de interesse histórico a partir do momento em que se estuda e utiliza técnicas e materiais adequados para a restauração e conservação do patrimônio; bem como proporciona a melhoria dos sistemas e processos construtivos atuais sob o aspecto da necessidade de novos estudos em busca do desenvolvimento social e recomendações e diretrizes projetuais para as práticas (tecnologias e materiais) de uma construção sustentável. O objetivo deste trabalho é estudar os materiais, as técnicas, o processo de construção e conservação, e as patologias do Museu José Antonio Pereira, bem como contribuir para a prescrição de orientações e recomendações quanto à forma de escolher e aplicar os materiais mais sustentáveis e de como usar corretamente a edificação, respeitando as exigências de resistência, durabilidade, higiene, conforto e sustentabilidade, dessa forma agregando melhorias aos sistemas construtivos. 2. ESTUDO DE CASO – MUSEU JOSÉ ANTONIO PEREIRA Para o estudo de caso foi escolhido o conjunto arquitetônico da Fazenda Bálsamo, atual Museu José Antonio Pereira, situado no município de Campo Grande, capital do Estado de Mato Grosso do Sul. A Fazenda Bálsamo é terra doada pelo fundador da cidade, José Antonio Pereira, sendo um marco dos primeiros tempos da cidade de Campo Grande e exemplar singular de construção do século XIX. José Antonio Pereira deixa Monte Alegre, em Minas Gerais, acompanhado de seu filho Antônio Luiz e dos ex-escravos João Ribeira e Manoel, guiados pelo sertanista uberabense Manoel Pinto, que havia participado da Guerra do Paraguai, em busca de terras ricas. Após pouco mais de três meses de viagem a cavalo chegam à confluência de dois córregos, mais tarde 3 nomeados de Prosa e Segredo, situados na atual cidade de Campo Grande. O fundador Pereira regressa a Minas Gerais para buscar a família e reúne, entre amigos e voluntários, 62 pessoas em sua caravana, a qual chega definitivamente na região no dia 23 de junho de 1875. José Antônio Pereira chama o lugar de Arraial Santo Antônio do Campo Grande, em homenagem ao santo de sua devoção. Posteriormente o local é concedido por ele a um dos seus filhos, Antônio Luiz Pereira. Em 1966, o conjunto arquitetônico foi doado por Carlinda, filha de Antônio Luiz, à Prefeitura Municipal de Campo Grande com o intuito de incorporar a área ao Patrimônio Histórico da cidade. (a) (b) Figura 1. Museu José Antonio Pereira. 2.1. Tipologia arquitetônica O conjunto arquitetônico do Museu José Antonio Pereira é composto pela casa principal, pela cozinha/ monjolo e pelo abrigo. Nota-se na Figura 2 que a planta do conjunto possui a casa principal como foco, com o abrigo situado ao lado e a cozinha com monjolo nos fundos. O programa de necessidades da casa principal é claramente dividido em três setores: o íntimo, relativo à família; o social, relativo ao convívio com estranhos; e o de serviços. As plantas são quase sempre formadas por cômodos retangulares ou quadrados. Ao redor da casa principal outras construções compõem o núcleo da fazenda. São currais, senzala, paióis, tulhas, casa do tacho, casa de máquinas (serraria), monjolo, moinho de milho e engenho de cana (CRUZ, 2008). 4 2.2. Restaurações e manutenções Segundo relatório da Prefeitura Municipal de Campo Grande (1983), o museu perdeu algumas das suas características de sua primeira constituição. O bloco principal (casa principal) permaneceu inalterado, mas o abrigo foi reduzido à metade. O bloco anexo (cozinha/ monjolo) não possui mais a despensa e o despejo (compartimento da casa onde se guardam objetos de pouco uso). O “banheiro” foi eliminado e o poço original destruído e furado em outro local. Figura 2. Configuração original do Museu José Antonio Pereira. Fonte: Prefeitura Municipal de Campo Grande, 1983. Algumas obras de recuperação no museu foram realizadas e devido à falta de orientação técnica causou descaracterização do conjunto. Em 1979 o Museu passou por restauração e readquiriu algumas características originais, mas depois desta data ficou semi-abandonado até 1983, quando a área do Museu José Antonio Pereira foi tombado como Patrimônio Histórico do Município de Campo Grande (Decreto de Tombamento n. 4934, de 20 de abril de 1983). Em 1984 o conjunto arquitetônico passa por reforma com durabilidade de aproximadamente sete anos. O local ficou sem manutenção desde o início dos anos 90 e somente em1999, depois de ficar 8 anos abandonado, a Secretaria de Cultura de Campo Grande aprovou o projeto de recuperação do museu proposto pela FUNCESP/ FUNDAC - Fundação Municipal de Cultura, Esporte e Lazer/ atual Fundação Municipal de Cultura de Campo Grande. 5 Os serviços de recuperação foram programados em parceria entre a Prefeitura Municipal de Campo Grande e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). O projeto previa junto à restauração do complexo arquitetônico do Museu José Antonio Pereira, o tratamento paisagístico de toda área física de dez mil metros quadrados e construção da casa do zelador, de um módulo Cantina/ Sanitários e um módulo Lojinha/ Cozinha de treinamento/ Administração da FUNDAC. Como Patrimônio Histórico do Município de Campo Grande, a Prefeitura Municipal através da Fundação Municipal de Cultura é responsável pela manutenção e conservação do Museu. Em entrevista, Maria de Lourdes Maciel, historiadora e coordenadora do Museu, constatou que a manutenção é realizada a cada 12 a 18 meses. Não há relatórios técnicos sobre as obras de manutenção, mas segundo a entrevistada, primeiramente é realizada a análise dos desgastes visíveis para depois executá-las. Os locais de patologias são variáveis, não sendo assim possível detectar a maior incidência de patologias. 2.3. O sistema construtivo A arquitetura do Museu José Antonio Pereira se caracteriza basicamente pelo uso de estrutura independente de madeira e fechamento de pau-a-pique. O museu é formado por três edificações estruturadas com troncos roliços de aroeira que compõem um sistema de baldrames, pilares e cintas. As paredes externas e internas foram executadas originalmente de pau-a-pique e revestidas com barro e por fim caiadas. Segundo Oliveira et al. (2007), a composição da taipa de mão ou pau-a-pique do Museu José Antonio Pereira, é composta por baldrame e esteio de aroeira e frechal de peça roliça em baru (cumbaru); e para a parede de vedação, a trama de pau-a-pique é de madeira do cerrado e varas de guariroba amarradas com cipós ou outras fibras vegetais. A argamassa de preenchimento é uma mistura de barro de olaria (barro forte, solo argilosos), barro de várzea (barro fraco, solo arenoso), areia e esterco. A estrutura da cobertura é de baru, madeira da região também conhecida como cumbaru, com ripamento de carandá e as telhas artesanais de barro queimado são tipo capa canal. As esquadrias são todas de folhas de madeira, planas, trabalhadas com coxó. 6 O bloco principal possui piso de tijolos artesanais de barro queimado com exceção da sala que tem piso de tábuas corridas. A cozinha possui o piso revestido de tijolos artesanais de barro queimado e o abrigo que na restauração de 1984 possuía piso em terra batida, hoje possui revestimento de tijolos. As construções de taipa de mão são simples. Consistem na montagem de uma trama reticulada de madeira e a posterior cobertura dessa trama com uma massa de solo plástico misturado com água e fibras vegetais. Também chamado de taipa de mão ou taipa de sebe, é um sistema indicado para vedações por sua leveza, pouca espessura, economia e rapidez de construção. Inicialmente paus, freqüentemente roliços com diâmetro entre 0,10 e 0,15 cm, são fixados perpendicularmente por meio de furos ou pregos entre os baldrames e os frechais. Posteriormente, são amarrados outros mais finos, ripas ou varas, tanto de um lado como de outro, colocadas duas a duas no mesmo nível ou alternadamente. As varas horizontais podem ser roliças, de taquaras inteiras ou de canela de ema. Para a amarração podem ser utilizados diversos gêneros próprios para cordas, conhecidos no Brasil pelo nome genérico de embiras. Algumas delas são: seda em rama, linho, cânhamo, canabis sativa, tucum, cravete, guaxima, imbé ou buriti. Para a formação da trama podem ser utilizados também pregos ou couro. O espaçamento dos paus-a-pique, fixados verticalmente, varia em torno de um palmo, e as varas horizontais com espaçamento um pouco menor. Com a trama feita, a mistura plástica de solo+água+fibras vegetais é jogada e apertada sobre a trama com as mãos, sem auxílio de qualquer ferramenta e posteriormente é realizado um reboco da mistura plástica de solo+água. (a) (b) Figura 3. (a) Conjunto dos paus a pique com varas amarradas; (b) Disposição das varas. Fonte: Vasconcellos, 1979. 7 3. RECOMENDAÇÕES GERAIS PARA IDENTIFICAÇÃO E ANÁLISE DE PATOLOGIAS NO AMBIENTE CONSTRUÍDO Através da bibliografia sobre análise de patologias de autores como: PICHHI e AGOPYAN; DÓREA e SILVA citado por COSTA JUNIOR e SILVA (2003) ; GOMIDE et al. (2006); MACHADO e OLIVEIRA (2004), foi possível abordar as patologias segundo 3 tipos de definições distintas: (1) como fatores relacionados às etapas do processo de construção, (2) pela distinção entre patologias e falhas construtivas, (3) pela classificação das patologias de acordo com as suas manifestações. 1) Etapas do processo de construção: (PICHHI e AGOPYAN; DÓREA e SILVA citado por COSTA JUNIOR e SILVA, 2003). Durante as etapas do processo de construção vários são os fatores que interferem na qualidade final do produto, dentre eles pode-se citar: (I) no planejamento, a definição dos níveis de desempenho desejados; (II) no projeto, a programação de todas as etapas da obra, os desenhos, as especificações e as descrições das ações; (III) nos materiais, a qualidade e a conformidade com as especificações, (IV) na execução, a qualidade e a conformidade com as especificações, e (V) no uso o tipo de utilização previsto para o ambiente construído aliado ao programa de manutenção. 2) Patologias e falhas: (GOMIDE et al., 2006) Para melhor compreender a causa do problema é importante distinguir e classificar as patologias das falhas. As etapas construtivas mal executadas são consideradas vícios construtivos e podem ser denominadas como patologias ou anomalias e se diferenciam das falhas por, estas, serem consideradas vícios de manutenção. Quando inspecionadas, as patologias construtivas são classificadas em: - endógenas: provenientes de vícios de projeto, materiais e execução; - exógenas: decorrentes de danos causados por terceiros; - naturais: oriundas de danos causados pela natureza; 8 - funcionais: provenientes de degradação. E as falhas de manutenção podem ser classificadas como: - de planejamento: decorrentes de falhas do plano e programa (manuais); - de execução: oriundas dos procedimentos e insumos; - operacionais: provenientes dos registros e controles técnicos; - gerenciais: devido a desvios de qualidade e custos. 3) Manifestações patológicas: Segundo Machado e Oliveira (2004) as patologias se manifestam de maneiras distintas e podem ser classificadas em: - Estético-formais: A estética fica comprometida pelo surgimento, por exemplo, de trincas não estruturais e deslocamento de revestimento; - Estruturais: Além do surgimento de trincas e rachaduras, desnivelamento e recalques, elevações de pisos; - Instalações elétricas: relacionadas com a qualidade da distribuição de energia; - Instalações hidráulicas: envolve a qualidade de abastecimento e tratamento de resíduos sanitários da edificação; - Esquadrias. Machado e Oliveira (2004), sugerem a abordagem sistêmica como a mais adequada para analisar as patologias das construções. A análise de unidades ou elementos também chamados de subsistemas facilita na compreensão das causas e efeitos das patologias. Essa abordagem permite ao profissional uma visão global durante a resolução de problemas complexos, como os relativos à patologia,permitindo-lhe identificar as ações necessárias em cada segmento, assim como entender as influências ou conseqüências entre as diversas partes intervenientes. Porém, não basta a identificação das patologias em cada subsistema. Dessa forma, as recomendações do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado/ RS - IPHAE, “Patrimônio Edificado: Orientações para sua preservação”, complementam a bibliografia sobre o tema ao expor em itens os subsistemas a serem inspecionados para a possível detecção de patologia. A presente pesquisa fundamenta-se, principalmente, nesta bibliografia, pois além de 9 identificar as patologias é possível traçar um roteiro para a identificação e prevenção das mesmas. 4. RECOMENDAÇÕES GERAIS DE MANUTENÇÃO E CONSERVAÇÃO DE AMBIENTE CONSTRUÍDO A degradação é um processo que pode ser relacionado por diversos fatores como os aspectos ambientais, o entorno, as propriedades dos materiais utilizados, a concepção arquitetônica e a ausência de detalhes construtivos adequados. Segundo Rodrigues (2002), quando considerar-se necessário a intervenção na trama de um muro de terra, uma gama de técnicas poderão ser utilizadas para a estabilização e preservação, incluindo: a reintregação de material similar, colocação de sistemas na parte superior das paredes para diminuir os efeitos das chuvas, a consolidação de superfícies e paredes, integração de materiais novos naqueles lugares onde ocorram instabilidade estrutural. É importante frisar, segundo Rodrigues (2002) que pode-se aplicar técnicas e metodologias novas, desde de que o uso destas tecnologias estejam inseridos no contexto da sustentabilidade. Nesta mesma linha de pensamento, o relatório elaborado pelo Projeto Monumenta/BID e IPHAN foi indicada a manutenção das técnicas tradicionais nas obras patrimoniais, pois somente a sua utilização sistemática poderá fazer com que esta se mantenha. A utilização de materiais contemporâneos mais rígidos acarreta dificuldades de assimilação de esforços, resultando em respostas dissonantes no diálogo entre os elementos incompatíveis inseridos no conjunto. Outro grande erro apontado é afirmar que, ao se manter as técnicas tradicionais de construção, estamos incorrendo em uma falsidade histórica. E conclui que a substituição de madeiras por concreto, a eliminação de parede de taipa por tijolos cerâmicos, a utilização de cimento, entre outras, seria a forma mais adequada para condenar o patrimônio à descaracterização. Assim, as intervenções que respondem legitimamente às demandas do uso contemporâneo devem ser levadas a cabo mediante a introdução de técnicas e materiais que mantenham um equilíbrio de expressão, aparência, textura e forma com a estrutura original. A manutenção não tem como finalidade principal a execução de reformas e/ ou alterações de sistemas, devido a erros de concepção ou execução de projetos. A Norma NBR 5674 (1999) – Manutenção Predial: Procedimentos, define várias metodologias para o sistema de manutenção e sua qualidade e descreve manutenção como:“Conjunto de atividades a serem realizadas para conservar e recuperar a capacidade funcional da edificação e de suas partes constituintes a fim de atender às necessidades e 10 segurança dos seus usuários”. Esta norma não é específica, nem apresenta diretrizes particulares por sistema construtivo, o que deveria existir em outras normas de procedimentos. Segundo Gomide et al. (2006) as atividades de manutenção podem ser classificadas em: preditivas, preventivas, corretivas e detectivas. - Manutenção Preditiva: Implantada juntamente com a manutenção preventiva, visa controlar e previnir falhas através de estudos de sistemas e equipamentos com análises de seus comportamentos em uso. - Manutenção Preventiva: Atua antecipadamente para que não haja reparações. São atividades programadas em datas preestabelecidas que obedecem a critérios técnicos e administrativos baseados em dados ou pelo próprio histórico de manutenções anteriormente realizadas. - Manutenção Corretiva: Visa à reparação, caracterizada por serviços planejados ou não, com a finalidade de corrigir falhas. - Manutenção Detectiva: Visa apurar a causa de problemas e falhas para a sua análise. Esta auxilia nos planos de manutenção. Os mesmos autores relacionam outros aspectos que norteiam a manutenção relacionados à gestão de conhecimento e a sustentabilidade do ambiente construído. A gestão de conhecimento implica no estabelecimento de registros, controles e históricos das atividades de manutenção, pois assim possibilita a reavaliação contínua e integrada com a qualidade. Este processo contribui, também, para que as intervenções de manutenção sejam pró-ativas, ou seja, manutenção detectiva, com estudos sobre a falha e a possível solução da causa, a fim de racionalizar os procedimentos existentes e evitar situação de retrabalho, o que também está ligado à sustentablidade. Segundo Rodrigues (2008) a manutenção é a chave para a longevidade de qualquer estrutura. Deve-se atentar a uma programação de ciclo de manutenção que opere conjuntamente com inspeções e monitoramentos praticados com regularidade. A orientação de atividades periódicas de limpeza e manutenção faz-se necessária para a preservação do bem arquitetônico. Segundo IPHAE (2004) existe um limite entre as ações de manutenção a cargo do proprietário ou usuário e as ações preventivas ou corretivas que requerem a intervenção de um profissional especializado. As ações para manutenção são simples e fáceis de realizar e, em geral, com a orientação de serem realizadas periodicamente. Para evitar patologias ocasionadas pela presença excessiva de umidade como manchas e fungos recomenda-se atenção ao sistema de drenagem, mantendo 11 limpas as caixas de inspeção e as valas, assim como as calhas e os condutores. Quando necessário, eliminar a vegetação próxima à edificação. As manchas e fungos em ambientes internos podem ser evitados pela ventilação e circulação de ar diariamente. Deve-se atentar também na proteção e vedação das frestas entre as esquadrias e o sistema de vedação com a finalidade de evitar a infiltração de água. A imunização de peças de madeiras deve ser feita periodicamente com a aplicação de produtos de acordo com as especificações do fabricante e fumigação contra a ação dos xilófagos (IPHAE, 2004). Quando se fala em conversar e restaurar o patrimônio edificado é importante conhecer suas técnicas construtivas e os materiais tradicionais. O surgimento de outros materiais vem substituindo os materiais que são utilizados tradicionalmente na fabricação de revestimentos, é o caso do cimento que substitui a cal. O uso inadequado de revestimento com cimento, traz como conseqüência efeitos nocivos visíveis e irreversível para as construções tradicionais, por sua rigidez e impermeabilidade ao vapor de água (STEINER, 2008). A cal quando é substituída pelo cimento em intervenções de manutenção pode comprometer a capacidade de bom desempenho térmico das paredes. As argamassas à base de cimento e areia formam uma casca com grande capacidade de impermeabilização, o que impede as trocas de calor e umidade do material terra crua com do meio interno/externo, causando ineficiente desempenho térmico da edificação assim como destacamento do revestimento devido à incompatibilidade entre materiais. Segundo Kanan (2007) a problemática da escolha de materiais para a conservação e restauração do edifício deve estar embasada em critérios e princípios de conservação, sendo assim os materiais devem apresentar características e propriedades compatíveis ao sistema utilizado. Os materiais também devem apresentar reversibilidade/ flexibilidade e facilitar a continuidade das intervenções futuras. O material de restauro deve apresentar resistência comparávelou menor do que o material existente, pois caso apresente resistência mais forte é provável que acelere a deterioração das partes em contato. Em muitos casos de edifícios construídos com sistemas construtivos a base de terra torna- se necessário e fundamental alterar as características do solo pela inclusão de aditivos com objetivos distintos, mas complementares, tais como: melhorar o comportamento à fissuração por retração, resistência aos agentes atmosféricos, e aumentar as suas propriedades mecânicas como resistência à compressão e ao corte (LANÇA e SOARES, 2007). Segundo Luso et al. (2007), um dos processos possíveis para o melhoramento mecânico de construções em terra pode ser conseguido através da introdução de elementos de reforço, tal 12 como a injeção de materiais adequados como caldas fluidas à base de cimento e cal. A consolidação através de injeções de caldas ou argamassas tipo “grout” permite a reparação de cavidade, sejam elas fissuras ou vazios internos, e áreas de perda física de material. Este processo também permite a melhoria das propriedades mecânicas, em geral, por conseqüência do aumento da coesão, porém é uma técnica de caráter irreversível. Segundo Steiner (2008) para aprofundar a deteriorização e as patologias, requer estudos específicos no campo da física e química, para analisar a degradação, a formação e a transformação dos materiais constituintes, e assim avaliar a conservação do degrado. 4. METODOLOGIA Para a presente pesquisa foram realizadas as seguintes etapas: pesquisa histórica e documental; documentação e execução de levantamento físico-arquitetônicos; visitação e a inspeção in loco do conjunto arquitetônico do Museu José Antonio Pereira, utilizando-se do roteiro de subsistemas de identificação das patologias e/ou falhas. Posteriormente, foram realizadas a análise e a discussão da eficiência dos procedimentos de restauração e conservação aplicados no Museu, como também, a prescrição de recomendações para melhor manutenção e uso destas edificações e seus sistemas construtivos. Para facilitar a identificação das patologias e/ ou falhas, a edificação pode ser analisada de acordo com um roteiro de subsistemas, pois esta divisão apresenta caráter didático e prático: 1. Entorno 2. Edifício 2.1. Fundações 2.2. Vedações 2.3. Reboco 2.1.1. Recalques 2.2.1. Paredes 2.1.2. Nível Exterior 2.2.2. Colunas 2.1.3. Umidade 2.2.3. Vergas e Arcos 2.4. Pintura 2.5. Entrepisos 2.6. Pisos 2.4.1. Tintas à base de cal 2.6.1. Pisos Frios 2.4.2. Tintas de PVA 2.6.2. Pisos de madeira 2.7. Esquadrias 2.8. Cobertura 2.9.Instalações/ Equipamentos 13 5. RESULTADOS E DISCUSSÃO Para Rodrigues (2008), a premissa básica na conservação e manutenção de edificações em terra crua consiste em intervir na estrutura física o mínimo possível, mediante a intervenções não-estruturais como a construção de cobertas protetoras sobre uma parte ou totalidade do monumento, alterações de padrões de drenagem que podem estar gerando impactos negativos, enterramento parcial ou total de ruínas arqueológicas. Assim, estes cuidados resolvem ou diminuem, em grande parte, os problemas de deterioração que uma estrutura pode estar sofrendo. Ao analisar o plantio de árvores existentes próximas às edificações do Museu José Antonio Pereira (e seu entorno), constatou-se que as árvores existentes nas proximidades da casa principal, assim como no abrigo, não interferem na conservação do Museu. Porém, a cozinha fica comprometida pelo sombreamento e umidade proporcionada pela copa grande da árvore locada próxima a essa edificação. As manchas e os fungos são as patologias mais encontradas em todas as edificações do conjunto arquitetônico Museu José Antonio Pereira. Assim como pode ser observado nas Figuras 4 a 6, a maioria dos pontos encontrados com este tipo de patologia está localizada próxima aos baldrames e as esquadrias, tanto na parte interior, como exteriormente as edificações. (a) (b) Figura 4. Umidade próxima ao baldrame – (a) casa principal, (b) cozinha – exterior. Figura 5. Umidade próxima ao baldrame (interior). Figura 6. Umidade próxima a esquadria (interior). 14 As fissuras e os destacamentos de rebocos aparecem em pequena quantidade. Quando detectadas, as fissuras e os destacamentos de rebocos localizam-se próximas às esquadrias. Nas colunas, nenhum tipo de patologia foi detectado visto que, segundo Oliveira (2007), são de aroeira, madeira de grande resistência. Atualmente as paredes do conjunto arquitetônico do Museu José Antonio Pereira encontram- se pintadas da maneira de como foi feita na última restauração em 1999, com tinta à base de cal, ou seja, caiação. O conjunto arquitetônico do Museu possui piso de madeira somente na sala da Casa Principal, e após a restauração de 1999 e as manutenções no decorrer dos anos, permanece em bom estado. Os pisos de tijolos cerâmicos artesanais assentados nos outros cômodos da casa principal, da cozinha/ monjolo e do abrigo encontram-se em bom estado de conservação. Durante a inspeção ficou constatado que as esquadrias não apresentam nenhum tipo de patologia, assim como a cobertura, que tanto a sua estrutura quanto as telhas estão bem conservadas. Muitas das patologias encontradas em paredes são decorrentes de umidades acumuladas, causadas em sua maioria por capilaridade dos alicerces/solo/lençol freático, por infiltrações de coberturas, por exposição constante as intempéries, gerando desagregação de material constituinte da parede ou mesmo deterioração da estrutura interna da parede (caso do pau-a- pique), manchas, fungos, perda da parede por vegetação ou animais roedores, etc. Patologias como trincas, rachaduras e perda de amarrações podem ocorrer devido as constantes infiltrações de água como a ocorrência recalques, acomodações da estrutura, trepidações no solo, etc. Segundo Rodrigues (2008), a execução de passeio com pequena inclinação junto ao perímetro das construções é uma maneira de evitar que as águas pluviais, que escorram dos telhados, se acumulem junto à base das paredes. Outra solução citada por Rodrigues (2008) seria a execução de drenos, o que exige a escavação de valas de escoamento na profundidade necessária, perpendicular ao sentido do lençol freático, espalhando-se 10 cm de brita no fundo da mesma e colocando feixes de bambu verde ao longo de toda a sua extensão, finalizando-se com o cobrindo de terra. Tais recomendações foram utilizadas no Museu. Nas obras de restauração de 1999, foi executado o sistema de drenagem ao redor das edificações. O sistema consiste em caixas de coleta tubuladas em PVC 200 mm cobertas com pedras britadas com piso de tijolo cerâmico assentado em base de areia e caldeado com nata de cimento. Também foram 15 executados calçamentos de tijolos cerâmicos no entorno de todas as edificações do conjunto arquitetônico do Museu. Porém, apenas com emprego destas alternativas construtivas não esta sendo suficiente para a contenção da umidade nas paredes. Como pode ser observada, a umidade nas paredes é de ocorrência por capilaridade alicerces/solo. Talvez o uso de intervenções estruturais fosse a solução mais adequada para a conservação destas paredes, como por exemplo, a integração de materiais novos ao redor de todo a fundação da edificação (revestimentos, impermeabilizações no alicerce - troncos roliços de aroeira). Quanto às fissuras e os destacamentos de rebocos próximas às esquadrias são patologias causadas pela constante absorção de água ao longo do tempo, sendo que a terra do revestimento tende a dilatar-se com maior significância que a parede, e consequentemente, ocorrem à fissuraçãoou destacamento deste reboco/emboço. Para a manutenção destas ocorrências pode ser uma das alternativas a aplicação de argamassas de revestimento sendo a terra como um dos agregados. Rodrigues (2008) recomenda os seguintes traços: 2:1:1 – areia, pasta de cal e pó de tijolo para reintegração; 3:1:1 – areia, pasta de cal e terra do local para emboço; e 3:1 – areia e pasta de cal para reboco. Oliveira (2002) destacou a utilização de consolidantes em revestimentos como silicato de etila, que tem sido aceito pelos especialistas pela sua capacidade de impregnação e por redundar, após a secagem, em sílica, que não é matéria estranha ao solo. Também têm sido de grande ajuda as resinas acrílicas já polimerizadas, principalmente as suas suspensões aquosas, que permite a respiração da vedação, como também os consolidantes naturais pela extração de mucilagens de cactáceas. Ou mesmo, em estudos de Vargas-Neumann e Blondet (2008), pode-se comprovar a eficiência da reparação de fissuras e trincas das paredes de terra crua através de injeção de pastas de solo líquido (grout de barro), conseguindo alcançar as resistências originais das construções. Os referidos autores descrevem os procedimentos necessários para execução da restauração de obras patrimoniais de terra crua, bem como de edificações que sofrem com problemas de umidades e abalos sísmicos. A primeira etapa faz-se necessário selar os lados (internamente e externamente) da fissura com gesso ou silicone, sendo colocados em todo a selagem, tubos de 3 mm de diâmetro para a formação de bicos onde será injetado o grout de barro. A segunda etapa é a injeção de água nos bicos para evitar que o material fino existente na superfície interior das fissuras funcione como um isolante do grout injetado. Também visa proporcionar uma melhor lubrificação para a injeção do barro, aumentar a umidade nas paredes fissuradas, diminuir a velocidade de secagem e reduzir a formação das micro-enchimento do grout. Como terceira 16 etapa, injetar o grout de barro de baixo para cima, através dos bicos com equipamentos simples como tubos injetores de silicone. Como etapa final, retirar a selagem e rebocar a superfície exterior do grout injetado até um acabamento aceitável. Através de levantamentos bibliográficos sobre o Museu José Antonio Pereira e suas restaurações e manutenções, constata-se que foi desconsiderado a planta original do Museu, pois as partes demolidas do abrigo, do bloco anexo (cozinha/ monjolo) e o banheiro não foram reconstruídas. Não há relatos sobre o método de intervenção das primeiras restaurações, porém, em relatório (1983) fica evidente que a preocupação dos responsáveis pelas obras seguintes sempre foi pela busca de autenticidade do sistema construtivo de taipa do edifício. A ausência de registros, controles e históricos das atividades de manutenção impossibilita avaliar com maior clareza as falhas e as possíveis soluções da causa das patologias encontradas no Museu José Antonio Pereira. 6. CONCLUSÃO O sistema construtivo em terra crua pode ser utilizado nos dias atuais dentro do contexto de sustentabilidade, seja com o emprego de materiais encontrados na região, a madeira e a terra, assim como aperfeiçoados com materiais contemporâneos com a menor necessidade de manutenções. Porém o monitoramento é fundamental, tanto para as construções históricas edificadas, como também como para as construções atuais com uso de cadernos de manutenção e uso pós-ocupação. Mesmo com poucas patologias detectadas no estudo de caso Museu José Antonio Pereira, foi possível relatar algumas recomendações quanto à forma de escolher e aplicar os materiais mais sustentáveis. Estes materiais podem ser mais sustentáveis tanto pela escolha de material da região ou quanto à durabilidade que pode proporcionar, ou seja, a necessidade de menor freqüência de manutenções. 17 7. REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 5674: Manutenção Predial: Procedimentos. Rio de Janeiro,1999. 6 p. 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