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A IMPORTÂNCIA DA FOLIA DE REIS COMO TRADIÇÃO IDENTITÁRIA

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Revista da Católica, Uberlândia, v. 2, n. 3, p. 277-286, 2010 – catolicaonline.com.br/revistadacatolica 277 
 
A IMPORTÂNCIA DA FOLIA DE REIS COMO TRADIÇÃO IDENTITÁRIA DO 
MUNICÍPIO DE CANÁPOLIS – MG 
 
Roberta Santana Braga* 
Ana Lúcia Martins Kamimura** 
 
Resumo 
O presente trabalho apresenta a Folia de Reis, uma das festas mais importantes da cultura 
popular, como um espaço para o resgate e consolidação da memória e a reconstrução de um 
jeito de ser, de pensar e de agir que funciona como âncora identitária da comunidade rural da 
Soledade do município de Canápolis-MG. Tem como encaminhamento metodológico pesquisa 
bibliográfica teórica e documental, além de depoimentos de sujeitos residentes no município de 
Canápolis-MG. Faz um breve esboço da dinâmica societal contemporânea e apresenta as festas 
religiosas como mecanismos que contrapõem a esse estilo de vida que individualiza, desagrega e 
despersonaliza. 
Palavras-chave: Folia de Reis. Tradição. Identidade. 
 
1. INTRODUÇÃO 
 
O município de Canápolis, Estado de Minas Gerais, insere-se na microrregião do 
Triângulo Mineiro localizada na mesorregião do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba. Distante 
475 quilômetros de Brasília e 671 quilômetros de Belo Horizonte, possui uma população de 
11.313 habitantes e uma área de 845,24 quilômetros quadrados1. O município tem sua 
economia voltada para o comércio e algumas indústrias de grande porte, predominando a 
pecuária e agricultura com plantações de abacaxi e cana-de-açúcar. 
 Por ser um município novo, com 60 anos de fundação, a cidade guarda, até os dias 
atuais, características do mundo rural no tocante aos seus costumes e tradições. 
 Como todas as cidades do interior mineiro, mais pontualmente da região do Triângulo 
Mineiro, a sociedade se formou sob os auspícios da religião católica e, ainda hoje, mantém os 
seus ritos e festas. Durante o ano são celebradas as festas em homenagem aos santos 
devocionais, destacando-se, dentre elas: Festas em Louvor a Nossa Senhora de Fátima e São 
Sebastião, Nossa Senhora do Rosário e São Benedito e a Festa da Folia de Reis da Soledade. 
 
*
 Aluna do curso de Pós-graduação em Gestão de Cultura e Políticas Públicas da Faculdade Católica de 
Uberlândia. 
**
 Professora orientadora, Graduada em Serviço Social e Mestre em Educação pela Universidade Federal de 
Uberlândia. Professora do curso de Serviço Social da Faculdade Católica de Uberlândia. E-mail: 
ana_kamimura@hotmail.com. 
1
 Censo demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 2007. 
 
 
Revista da Católica, Uberlândia, v. 2, n. 3, p. 277-286, 2010 – catolicaonline.com.br/revistadacatolica 278 
 
 A escolha do universo de pesquisa voltado para a Folia de Reis e a Festa de Reis da 
Soledade está relacionada com a falta de estudos ou mesmo de uma documentação 
sociológico histórica sobre a representatividade desse rito na comunidade rural e sua 
importância como tradição identitária do município, responsável pelo importante papel de 
guardiã de um saber muito especial, passado de geração para geração e vivo até os dias atuais. 
 
2. UM OLHAR SOBRE A HISTÓRIA DA FOLIA DE REIS 
 
 A Folia de Reis é um festejo de origem portuguesa ligado às comemorações do culto 
católico do Natal. Trazido para o Brasil ainda nos primórdios da formação da identidade 
cultural brasileira, ainda hoje mantém-se vivo nas manifestações folclóricas de muitas regiões 
do país. 
 O eixo central da Folia de Reis é a viagem Epifânica realizada pelos magos do Oriente. 
Tendo à frente uma bandeira com a estampa dos Santos Reis (que também é chamada de 
guia), os foliões passam de casa em casa, revivendo a caminhada dos magos que partiram do 
Oriente rumo à cidade de Belém em busca do Menino-Deus. Os foliões repetem esse 
caminho, referendados pelo texto do evangelista Mateus (Mt 2, 1-2).: “Tendo Jesus nascido 
em Belém da Judéia no tempo do rei Herodes, eis que vieram magos do Oriente a Jerusalém, 
perguntando: ‘onde está o rei dos judeus recém-nascido? Com efeito, vimos a sua estrela no 
céu surgir e viemos homenageá-lo” 
 Segundo Cascudo (1980, p.336) “Era no Portugal velho uma dança rápida, ao som do 
pandeiro ou adufe, acompanhada de cantos”. No entanto, desde o seu surgimento na Península 
Ibérica, até o presente momento, é possível perceber que muitas mudanças e adaptações foram 
ocorrendo no seu ritual. 
 As Folias de Reis da atualidade preservam os elementos de sua origem que remontam às 
denominadas epifanias2. Nelas estão incluídos os festejos pela passagem bíblica que relata a 
visita dos três Reis Magos ao filho de Deus. Em suas origens não havia data específica para 
essas comemorações que aconteciam em diferentes momentos. A unificação do calendário 
cristão foi feita pelo Papa Julio I, em 367 d.C. que fixou a data de 25 de dezembro para a festa 
do nascimento de Cristo e dia 6 de janeiro para celebração e adoração dos Reis Magros. No 
Brasil a área de maior incidência dessas comemorações, tem sido a região Sudeste. 
 
2
 Festividade religiosa comemorativa da aparição ou manifestação Divina. 4. ed. revista e ampliada do mini-
dicionário Aurélio, 2001. 
 
 
Revista da Católica, Uberlândia, v. 2, n. 3, p. 277-286, 2010 – catolicaonline.com.br/revistadacatolica 279 
 
 Geralmente, os grupos de Folias de Santos Reis têm uma unidade ritual autônoma. Não 
estão submetidos à orientação da Igreja institucional, ocorre fora dos seus templos e sem a 
presença do clero. Mesmo que um grupo inspire-se num outro já existente, dificilmente se vê 
unidade de rito e significações, isso porque os códigos de relações, as normas, a estrutura da 
festa e o imaginário vão sendo construídos entre os homens e mulheres da própria 
Companhia, mediada pela experiência vivida no cotidiano. É por isso que, apesar de terem um 
único eixo, elas se diferenciam no ritual, nas construções simbólicas e nos papéis 
desempenhados por seus foliões. 
 As folias brasileiras têm suas origens nas matrizes ibéricas, mas com o passar do tempo 
foram se modificando e na atualidade possuem características próprias. 
 Câmara Cascudo (1998, p.402) define Folia como: 
 
[...] um grupo de homens, usando símbolos devocionais, acompanhando com cantos 
o ciclo [...] festejando-lhe às vésperas e participando do dia votivo [...] não tem em 
Portugal o aspecto precatório da folia brasileira, mineira e paulista [...] é uma 
espécie de confraria, meio sagrada, meio profana, instituída para implorar a proteção 
divina contra pragas malignas que às vezes infestam os campos [...] Há o rei, o 
pajem, o alferes, dois mordomos e seis fidalgos. 
 
 
 Nesta definição é possível observar a presença dos símbolos, do sagrado e profano e, 
principalmente, a existência de uma ressignificação da folia vinda de Portugal. Não é possível 
pensar em uma tradição cultural de Folia de Reis em Canápolis - MG, tal qual existia em 
Portugal, nem mesmo iguais as de outras partes do Brasil. Os grupos de foliões do município 
guardam muitas especificidades que apontam para influências das culturas africanas da época 
da escravidão. Como a performance dos palhaços, o uso de instrumentos de percussão, muita 
cor e alegria no ritual: 
 
Tudo é simbolicamente usado para retratar a história seguida pela fé cristã: objetos, 
personagens, campos, roupas e cores [...] acreditando no caráter religioso atribuído 
popularmente aos três Reis Magos, protetores das famílias, das criações, das 
lavouras e dos bens terrestres” (TIRAPELI, 2003: 40). 
 
 Num tempo em que a tradição perde força e a unidade familiar em torno da crença torna-
se cada vez mais rara, a Folia de Reis figura como um exemplo vivo de fé e devoção, passadade pais para filhos e assim, sucessivamente. No entanto, como a cultura não pode ser 
congelada, a própria tradição faz-se dinâmica (Ferretti, 1995), porque as pessoas não se 
limitam apenas a reproduzir, mas a construir, através de sua subjetividade, de sua 
interpretação e ressignificação, uma realidade simbólica. Nesse sentido, muitas informações e 
 
 
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ponderações apresentadas aqui foram obtidas da Folia de Reis da Soledade, município de 
Canápolis-MG. 
 
3. A FESTA DE REIS DA SOLEDADE 
 
 A região da Soledade, comunidade rural situada ao leste do município de Canápolis, 
clima temperado, destaca-se na história do mesmo por apresentar um grande número de 
moradores que bem antes da fundação da cidade concentrava suas colônias, empórios, 
padarias e farmácias na região. Nas fazendas da região da Soledade além da pecuária destaca-
se a plantação de cana-de-açúcar, abacaxi, soja, milho, algodão e sorgo. A região é rica por 
apresentar terra fértil e potencial hídrico. 
 A Festa de Reis da Soledade evidencia uma situação bem interessante. Em 1965 houve 
uma grande seca na região, os córregos secando e o gado morrendo por falta d’água, motivo 
este que levou o Sr. José Costa Oliveira, proprietário da Fazenda Nossa Senhora Aparecida – 
Soledade – Carro de Boi a fazer uma promessa a seus santos de devoção, os Três Reis do 
Oriente, comprometendo-se que enquanto vida tivesse, sairia com a Folia de Reis pela região, 
e que seus filhos, netos, familiares e amigos continuariam a cumprir sua promessa após a sua 
morte, se não faltasse mais chuva para que o gado e as plantações sobrevivessem. Naquela 
mesma semana choveu em abundância e o Sr. José da Costa Oliveira e sua esposa Maria 
Cândida Oliveira começaram a cumprir sua promessa em janeiro de 1966. 
 Desde então, os foliões saem todo dia 29 de dezembro e percorrem as fazendas até o dia 
05 de janeiro, visitando aproximadamente 150 residências. No dia 06 de janeiro, data em que 
se comemora o dia dos Três Reis Magos faz-se a cerimônia da chegada da Folia às 14:00 
horas na propriedade escolhida para a festa, onde é celebrada a Missa Sertaneja. Após a missa 
é servido um jantar seguido de doces caseiros a todos os visitantes. Em seguida acontece o 
leilão dos donativos arrecadados durante a caminhada como bezerros, porcos, prendas, dentre 
outros, intercalando o leilão com baile e coroação dos três festeiros escolhidos para a 
realização da festa do próximo ano. Os donativos e a renda da Festa são revertidos em 
cadeiras de roda, cadeiras para banho e cestas básicas, a serem doadas às pessoas carentes ou 
entidades. 
 A Festa da Folia de Reis da Soledade é realizada a cada ano em uma propriedade 
diferente, buscando oportunizar a participação de todos os moradores da região. Os habitantes 
da região da Soledade bem como ex-moradores unem-se a cada ano e fazem trabalhos 
 
 
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voluntários para a realização da Festa, como: ajudantes de cozinha, montagem de tendas, 
ornamentação, segurança e ajudantes para estacionamento. 
 No período de caminhada para a arrecadação de donativos, quando os foliões chegam em 
alguma residência em que o proprietário alega não ter condições para fazer doação, a própria 
folia já começa a fazer caridade, doando àquela família mantimentos que já foram 
arrecadados para a festa3. 
 Os instrumentos utilizados pela Folia de Reis da Soledade são: acordeom, caixas, 
cavaquinho e pandeiro. Também fazem parte da composição: o alfer, 1º e 2º capitães, 1ª, 2ª, 
3ª, 4ª e 5ª vozes, o tenente e os palhaços. 
 A alegria dos palhaços dá um brilho especial à jornada a ser cumprida. Momentos de 
emoção e fé contagiam a todos que acompanham de perto a caminhada da Folia de Reis da 
Soledade. 
 Além da esmola e dos versos inspirados na história bíblica do nascimento de Cristo, os 
foliões, lançando mão de uma criatividade ímpar, improvisam, na cantoria, as tristezas, as 
dificuldades, as alegrias, as saudades e a solidariedade vivida pelas pessoas, no dia-a-dia4. 
 A festa envolve foliões e turistas dos municípios de Canápolis, Ituiutaba, Capinópolis, 
Prata, Uberlândia e todo o Triângulo Mineiro. Nos seis últimos dias de cada ano, essas 
pessoas que hoje residem em várias cidades do estado ou até mesmo em outros estados têm 
um encontro marcado. Há uma revitalização dos laços familiares, uma vez que a Folia de Reis 
traz de volta os filhos que saíram do lugar onde nasceram. 
 A cada ano cerca de 3.000 pessoas participam da tradicional Festa de Reis da Soledade. 
No ano de 2007 a Folia de Reis da Soledade foi catalogada como bem imaterial através do 
inventário do acervo cultural do município de Canápolis enviado ao IEPHA-MG5. 
 Se entendermos que a função da raiz é fixar o organismo vegetal e retirar do substrato os 
nutrientes e a água necessários para a planta, vamos entender o porquê dessas pessoas terem 
um encontro marcado e repetirem, anualmente, esse ritual. O objetivo maior da Festa é 
continuar a cumprir a promessa do Sr. José Costa de Oliveira, já falecido, deixando que essa 
tradição religiosa e cultural não se extinga, e ajudando o próximo através de doações, mas a 
Festa de Reis da Soledade vai além do cumprimento da promessa do Sr. José Costa. Nota-se 
 
3
 Dados coletados através de memória oral. Entrevistada: Maria Cândida Oliveira, moradora da Comunidade 
Soledade – Fazenda Nossa Senhora Aparecida – Soledade – Carro de Boi, 2008. 
4
 Dados coletados através de memória oral. Entrevistada: Rosimar Aparecida Gervásio – alfer da Folia de Reis 
da Soledade e organizadora da Festa da Folia de Reis da Soledade, 2008. 
5
 Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais. 
 
 
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que a Folia de Reis é um espaço e a Festa de Reis da Soledade é o lugar para reencontrarem 
os amigos, fazerem memória de um tempo, dando ao mesmo novo significado. Como a 
grande maioria das pessoas engajadas na folia tem uma origem rural, o ritual recria o espaço 
da ruralidade. São os arcos de bambus, as folhas de coqueiros ou bananeiras, as comidas feitas 
nos tachos, o próprio cardápio e a forma de fazer a comida, que são também recuperados. 
 Em cada casa, venda, roçado e quintal nos quais a folia entra, há um encontro dos santos 
peregrinos, com os devotos que recebem a bandeira. Mas o encontro maior acontece nas casas 
onde se dá o almoço e o jantar (pouso), que são sempre festivos. Para que a Festa de Reis da 
Soledade possa acontecer, existe uma responsabilidade solidária daqueles que possuem uma 
situação privilegiada em relação aos demais participantes, que é traduzida nas vacas que são 
ofertadas, nas leitoas, nos frangos e grãos que são oferecidos. Desde os ínfimos valores em 
moeda corrente, que são colocados na bandeira, a um ovo que é doado, um dia de trabalho nos 
tachos de comida, a uma barraca que é levantada ou um altar que é enfeitado, é possível 
perceber uma adesão voluntária que contrapõe o mundo contemporâneo individualizador e 
mercantilizado. Existe um intercâmbio de favores onde o mutirão é regido pelas relações 
interpessoais de obrigações morais. Nele, não apenas o trabalho é partilhado, mas as 
dificuldades, as preocupações, os sonhos, os projetos, as dores e aprendizagens. São as 
receitas da culinária, dos chás e das simpatias que circulam e são ensinados. 
 Segundo Bosi (1994, p.55) “Halbwachs amarra a memória da pessoa à memória do 
grupo; e esta última à esfera maior da tradição, que é a memóriacoletiva da sociedade”. A 
autora assegura que o fato de lembrarmos ou esquecermos determinados fatos depende dos 
grupos de convívio ou de referências, porque fazer memória é mais do que lembrar, é refazer, 
reconstruir. Ou seja, memória é trabalho. Nesse sentido os fatos que são testemunhados são 
objetos de lembranças e conversas e, logo, são revividos, recriados e legitimados pelo grupo. 
“O grupo é suporte da memória se nos identificamos com ele e fazemos nosso seu passado” 
(BOSI, 1994, p. 414). O mutirão solidário que acontece na Festa de Reis da Soledade, 
geralmente, gira em torno da comida que é sempre farta e alimenta a todos. A comida é um 
elemento importante, porque é a somatória dos esforços materiais e afetivos da comunidade. 
 Outro fato importante é que a Folia de Reis e a devoção aos santos Magos do Oriente 
figuram como um elemento identificador entre os moradores da comunidade da Soledade. 
Percebe-se que ser folião é partilhar de um sentimento comum, de uma mesma crença, de uma 
paixão conjunta que é fortalecida pelo rito anualmente repetido. 
 
 
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 A Festa de Reis da Soledade é um tempo e espaço para fazer memória de fatos 
passados, de ensinamentos que estão adormecidos, mas são despertados pela coletividade e 
atualizados na vida de cada um. 
 
4.MEMÓRIA COLETIVA NA CONTEMPORÂNEIDADE: DESAFIOS 
PRESENTES 
 
 O mundo contemporâneo criou um espaço urbano desagregador que inviabiliza o 
fortalecimento da rede de solidariedade. Como um dos exemplos de desagregação causada 
pela dinâmica imposta nas últimas décadas, pode-se citar o próprio cerimonial da comida. 
Cenas de famílias reunidas em torno de uma mesa têm sido cada vez mais raras. O relógio 
impiedoso, com seus ponteiros desgovernados e horários diversos, tem impossibilitado o 
encontro familiar. Nas grandes cidades, o almoço tem sido substituído pelas refeições rápidas, 
feitas na lanchonete mais próxima. Ou ainda, aqueles que moram distante do trabalho levam 
marmita e fazem a sua refeição na sua seção de trabalho ou nos canteiros de obras. 
 Uma outra mudança tem ocorrido na forma de preparação da comida. Na zona rural e nas 
pequenas cidades, o fogão à lenha tem sido substituído pelo fogão a gás. Nas cidades maiores, 
o fogão a gás já perde função para o forno de micro-ondas. A culinária, aos poucos, vai sendo 
substituída pelos produtos pré-cozidos ou congelados e os rituais tradicionais acabam 
suplantados por outros costumes. Um dos costumes do povo mineiro, que atualmente já está 
caindo em desuso, é a reunião dos familiares e amigos para as grandes pamonhadas. Nesses 
eventos, há todo um ritual para cortar o milho, limpar e ralar as espigas e amarrar as 
pamonhas. Atualmente, as pamonharias multiplicam-se. Pode-se comprar o produto acabado 
ou a massa pronta para não se ‘perder tempo’. Afinal, numa sociedade capitalista, tempo 
equivale a dinheiro. 
 No entanto, não se pode negar que o mutirão em torno do feitio da comida ou mesmo o 
fato de sentar-se à mesa ou em torno de uma churrasqueira (costume ainda preservado) abre-
se o espaço para as conversas, para a resolução de conflitos, para a evocação das lembranças. 
“Comemos com nossas lembranças (...). Comemos as lembranças que nos garantem mais 
segurança, condimentadas com ternura e ritos, ou seja, as que marcaram nossa pequena 
infância” (MOULIN apud RIVIÈRE, 1996, p. 256). “Comer juntamente com os outros ensina 
a viver juntos, a manipular um sistema de sinais e compartilhar uma cultura ao mesmo tempo 
em que o objeto alimentar” (RIVIÈRE, 1996, p. 260). O mutirão, movido pela 
 
 
Revista da Católica, Uberlândia, v. 2, n. 3, p. 277-286, 2010 – catolicaonline.com.br/revistadacatolica 284 
 
responsabilidade solidária, o cardápio, os “causos”, as lembranças, as saudades, os 
ensinamentos... São elementos que podem ressignificar uma vida vazia de sentido e evitar o 
caos desestruturador, porque “o homem é um animal amarrado a teias de significado que ele 
mesmo teceu” (GEERTZ, 1989, p. 15). 
 Na Festa de Reis da Soledade o ritual do feitio da comida para o dia da festa ainda é 
preservado, valorizando o ritual e os costumes do povo mineiro. 
 Sem dúvida, só cabe à comunidade preservar aquilo que lhe é próprio, que ela reconhece 
como um bem que possui valor identitário, então, convém que a mesma busque, juntamente 
com os grupos de Reis locais, os representantes da municipalidade e do clero, a preservação 
dessa tradição cultural. Cabe destacar que, seria também a partir das políticas de preservação 
do patrimônio cultural imaterial6, por meio da investigação dos costumes, melodias, festas, 
línguas, rituais, lugares, entre outros, que os saberes transmitidos às gerações, seria 
viabilizado como forma de dar continuidade àquele bem identificado como relevante pelas 
comunidades, com vistas ao respeito e à diversidade cultural. 
 
5. CONSIDERAÇÕES FENAIS 
 
 Ao estudar a Folia de Reis no município de Canápolis como tradição identitária nota-se 
um dado interessante. A maioria de seus participantes foram levados pelos avós, pelos pais ou 
familiares. Esse dado evidenciado neste trabalho revela que a tradição contribui de maneira 
básica para a segurança do ser humano. Isso se dá porque o tempo presente representa a 
continuidade do passado e a esperança do futuro. Nesse sentido, é possível afirmar que o 
ritual da Folia de Reis cumpre um importante papel: o de reunir antigos moradores do 
lugarejo que hoje vivem em várias cidades e estados. E, ao encontrar os amigos, reviver as 
saudades, ativar a memória que foi construída pela coletividade, reavivar também os valores e 
crenças. Essa é uma forma de construir um grupo social. 
 
6
 Entende-se por Patrimônio Cultural Imaterial as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas 
– junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares que lhes são associados – que as comunidades, os 
grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Este 
Patrimônio Cultural Imaterial, que se transmite de geração em geração, é constantemente recriado pelas 
comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um 
sentimento de identidade e continuidade, contribuindo assim para 
promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana. PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL, 
2005. 
 
 
 
Revista da Católica, Uberlândia, v. 2, n. 3, p. 277-286, 2010 – catolicaonline.com.br/revistadacatolica 285 
 
 Nesse grupo social, existe um jeito próprio de ser que está carregado de sentimentos, de 
percepções e atravessados por valores e visões de mundo que funcionam como âncoras 
identitárias. 
 Num tempo, em que o dia de domingo não pode mais ser assegurado como o dia de 
descanso, o comércio não fecha e as indústrias não param, criar um tempo de convivência, de 
trabalho, de oração e de festa é reforçar um mecanismo que contrapõe ao mundo 
individualizado, mercantilizado e dividido. 
 “A nostalgia se transforma então numa vontade partilhada de produzir um lugar, com sua 
identidade local, reconstruindo para esse fim os signos do seu passado como elementos 
fundadores do seu futuro” (JEUDY, 1990, p. 120). 
 Concluindo, é possível apontar o ritual da Folia de Reis da Soledade como um 
mecanismo integrador e identitário no município de Canápolis, mesmo que temporário. Em 
primeiro lugar, porque oportuniza a reunião dos familiares, o encontro dos amigos, reencontro 
dos parentes e vizinhos. Em segundo lugar, porque, ao fazer memórias, reavivar as crenças, os 
valores e reviver as saudades, a pessoa entra em contato com a unidadeperdida de si mesma, 
refaz-se, reconstrói-se e combate o grande vazio existencial da contemporaneidade. Ser o 
mais inteiro possível, eis um desafio ousado para esse tempo de intenso trânsito e 
fragmentação. 
 
Referências 
 
A BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulinas, 1985. 
 
BOSI, E. Memória e sociedade: lembrança dos velhos. 3 ed. São Paulo: Companhia das 
letras, 1994. 
 
CASCUDO, L.da C. Dicionário do folclore brasileiro. vol. 5 
 
CUNHA. M.C.da. Patrimônio imaterial e biodiversidade. In: Revista do Patrimônio 
Histórico e Artístico Nacional. Nº 32/2005. 
 
DURKHEIM, É. As formas elementares da vida religiosa. Trad. Joaquim Pereira Neto. 2 
ed. São Paulo: Paulus, 1989. 
 
FERREIRA, M.N. (org). A tradição e seu significado para o turismo cultural: o Vale do 
Paraíba. São Paulo: CELACC, 1999. 
 
GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989. 
 
 
 
Revista da Católica, Uberlândia, v. 2, n. 3, p. 277-286, 2010 – catolicaonline.com.br/revistadacatolica 286 
 
JEUDY, H.-P. Memórias do social. Trad. Márcia Cavalcanti. Rio de Janeiro: Forense 
Universitária, 1990. 
 
RIVIÈRE, C. Os ritos profanos. Trad. Guilherme João de Freitas Teixeira. Petrópolis: 
Vozes, 1996. 
 
TIRAPELI, P. Festas da fé: Brasil. São Paulo: Metalivros, 2003.

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