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Narcisismo na Teoria Psicanalítica de Freud

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS 
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS 
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA 
 
 
 
 
 
NARCISISMO 
 
 
 
Elisângela Barboza Fernandes 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
São Carlos 
2º semestre de 2002 
 
 2
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS 
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS 
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA 
 
 
 
 
 
 
NARCISISMO 
 
 
 
Elisângela Barboza Fernandes 
 
 
Monografia apresentada como conclusão da 
disciplina Pesquisa em Psicologia 8, para a 
obtenção do título de Bacharel em 
Psicologia, sob orientação da Profa. 
Georgina Faneco Maniakas. 
 
 
 
 
São Carlos 
2º semestre de 2002 
 
 3
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Agradeço 
A minha mãe 
A minha irmã Viviane e meu irmão Leo 
Aos meus amigos, presentes mesmo nas madrugadas dos domingos 
A professora Georgina pela compreensão e disponibilidade 
E a todos os que indiretamente contribuíram para a realização deste trabalho. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 4
Sumário 
 
RESUMO..............................................................................................................5
 
INTRODUÇÃO...................................................................................................7 
1. A PRIMEIRA TÓPICA E O NARCISISMO............................................................................................ 11 
1.1. Considerações iniciais do conceito......................................................................................................11
 
1.2. Introdução ao narcisismo (1914)......................................................................................................... 17 
1.2.1. As relações do narcisismo com as pulsões e a libido ...................................................................18 
1.2.2.. As relações entre autoerotismo, narcisismo e escolha objetal...................................................21
 
1.2.3. A questão do ideal do ego................................................................................................................. 24 
1.2.4. Narcisismo primário e narcisismo secundário...............................................................................27 
1.2.5. Comparação entre narcisismo e os estados “normais” e entre narcisismo e as afecções 
psíquicas..........................................................................................................................................................29 
1.3. O narcisismo nos Artigos metapsicológicos posteriores à introdução do conceito...................34 
1.3.1. Pulsões e seus destinos (1915)...........................................................................................................34
 
1.3.2. Complemento metapsicológico à teoria dos sonhos (1915).........................................................36 
1.3.3. Luto e melancolia (1917 [1915]).........................................................................................................40 
1.3.4. A teoria da libido e o narcisismo - 26ª Conferência (1916-17).....................................................43 
1.3.5. As neuroses narcísicas....................................................................................................................... 48
 
2. A PASSAGEM DA PRIMEIRA PARA A SEGUNDA TÓPICA E O NARCISISMO......................54 
3. A SEGUNDA TÓPICA E O NARCISISMO.............................................................................................59 
3.1. Além do princípio de prazer (1920).....................................................................................................59
 
3.2. Psicologia das massas e análise do ego (1921)...................................................................................72 
3.3. O ego e o id (1923)...................................................................................................................................82 
3.4. As relações entre narcisismo e complexo de Édipo..........................................................................98
 
3.5. Esboço de psicanálise (1940 [1938])...................................................................................................104 
CONCLUSÃO..................................................................................................111
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................114
 
 
 5
RESUMO 
 
 
 A teoria do narcisismo, elaborada por Freud, foi de grande importância para o 
desenvolvimento de sua teoria psicanalítica. Freud segue um longo caminho, tanto 
para o desenvolvimento do conceito, quanto para explicitar as suas conseqüências 
para a formulação de conceitos posteriores. O que procuraremos apresentar neste 
estudo, rastreando o conceito ao longo da obra, são os textos principais que marcaram 
essa caminhada. 
 A princípio o conceito é investigado à luz dos casos de homossexualidade no 
estudo sobre Leonardo da Vinci e na Análise do caso Schreber. Logo é concebido 
enquanto fase intermediária entre o autoerotismo e a escolha de objeto, dentro do 
campo da normalidade, estando ligado, inclusive - por meio da visão antropológica - 
ao sentimento de onipotência dos povos primitivos em Totem e tabu. 
Sua introdução produz alterações e começa a abalar a teoria pulsional 
formulada nos Três ensaios da teoria sexual, que concebe o conflito psíquico como um 
conflito entre pulsões sexuais e pulsões de auto-conservação. Dentro do artigo 
Introdução do narcisismo são apresentadas as relações do narcisismo com as diferentes 
expressões que se fazem essenciais para seu entendimento, entre elas e de 
fundamental importância, estão as noções de identificação e escolha objetal, seguido 
de outros artigos metapsicológicos, decisivos para a compreensão da importância do 
conceito, como, por exemplo, Luto e melancolia. 
Destes textos apreende-se que tanto o narcisismo quanto o investimento objetal 
mostram-se fundamentais para a formação do sujeito, uma vez que são os 
investimentos narcísicos, oriundos dos cuidados maternos, que confirmarão ou não à 
criança o seu lugar como objeto de amor, estando, portanto, na base do que 
conhecemos por auto-estima. 
São abordadas as questões introduzidas pelo narcisismo para a passagem da 
primeira para a segunda divisão tópica do aparelho psíquico e explanadas as 
 
 6
alternativas explicativas utilizadas. Entre estas, a principal é a introdução da oposição 
entre pulsões de vida e pulsões de morte, mais especificamente tratada em O ego e o id. 
 Nesse sentido, mais uma vez o narcisismo tem um papel fundamental, tanto 
para a consolidação da reestruturação do psiquismo quanto para o advento da 
segunda teoria pulsional, pois foi a observação da dissociação entre as pulsões de vida 
e de morte, na melancolia, que permitiu a Freud proceder à descrição da segunda 
teoria pulsional, ao mesmo tempo em que novas instâncias psíquicas precisaram ser 
elaboradas para responder pela gênese psíquica das afecções narcísicas. 
 
 7
INTRODUÇÃO 
 
 
Podemos dividir a obra freudiana em dois grandes momentos do pensamento 
de seu autor. O primeiro momento corresponde à primeira divisão tópica do aparelho 
psíquico, e compreende os períodos 1885 a 1919, e o segundo momento corresponde à 
segunda divisão tópica do aparelho, que compreende o período de 1920 a 1939. 
A passagem da primeira para a segunda tópica ocorre por meio da retomada e 
da alteração de alguns conceitos, além da introdução de outros, envolvidos no 
desenvolvimento e fundamentação da estrutura teórico-explicativa freudiana. 
Entre as noções consideradasfundamentais para a “virada” dos anos 20, a 
noção do narcisismo exerce um papel capital, pois a idéia de investimento do ego pela 
libido, que ela introduz, não permite mais a manutenção de um suposto conflito 
pulsional entre pulsões sexuais e pulsões egóicas. A partir daí, Freud se vê obrigado a 
introduzir um novo dualismo pulsional. 
A Primeira tópica distingue três sistemas, inconsciente, pré-consciente e 
consciente, cada um com sua função, tipo de processo, tipo de funcionamento e 
energia de investimento, e conteúdos representativos específicos. Esses sistemas estão 
em conflito entre si de modo que entre eles situam-se censuras que inibem e 
controlam a passagem da representação de um sistema para outro. Existe, portanto, 
uma sucessão de sistemas mnêmicos constituídos por grupos de representações 
caracterizadas por leis de associações distintas. 
A passagem de energia de um sistema para outro deveria seguir uma ordem de 
sucessão determinada. Os sistemas podem ser percorridos pelos processos de 
investimento psíquico numa direção normal, progressiva (do inconsciente ao 
consciente), ou num sentido regressivo (do consciente ao inconsciente), como ocorre 
nos sonhos - a chamada ‘regressão tópica’. Freud assinala que todo processo psíquico 
se situa entre a extremidade perceptiva e a extremidade motora do aparelho. Ele 
 
 8
apresenta como função primária do aparelho a descarga completa da excitação, o que 
chama de princípio de inércia. 
Freud apresenta a idéia de que o funcionamento mental seria regido por dois 
processos psíquicos inconscientes: processo primário e processo secundário. O 
processo primário obedece ao princípio de prazer, que compreende a evitação do 
desprazer e a busca de atos que levem ao prazer. A repressão, como parceira nesta 
busca, age sobre as atividades psíquicas que geram desprazer. 
Os dois princípios surgiriam antagônicos, na medida que a realização de um 
desejo inconsciente não estaria ligada à satisfação das necessidades vitais 
correspondentes às pulsões de autoconservação, mas corresponderia a exigências e 
funcionaria segundo as leis do princípio de prazer ligado à pulsão sexual - objeto 
privilegiado do recalcamento inconsciente O princípio de realidade se estabeleceria 
porque o princípio de prazer não pode manter a vida do indivíduo; ele é regido pelo 
que é real, ainda que seja desagradável. A derrota do princípio do prazer se dá por 
meio do abandono de um prazer fantasístico e momentâneo, em favor da busca de um 
prazer futuro, porém real e duradouro. 1. 
Antes da introdução do termo narcisismo, o conflito psíquico se reduzia à 
oposição, de um lado, entre as pulsões de autoconservação, as forças recalcantes, o 
princípio da realidade e o sistema Pcc/Cc; e de outro, entre as pulsões sexuais, as 
representações recalcadas, o princípio do prazer e o sistema Icc. As pulsões sexuais 
seriam inconciliáveis com o ego e, portanto, geradoras de desprazer, enquanto as 
pulsões de autoconservação estariam a serviço do ego, a instância que representaria as 
exigências da realidade. 
 A tentativa de estabelecer uma divisão rígida entre, por um lado, o ego 
consciente como agente repressor, e, de outro, o reprimido inconsciente, não se 
mantém. A qualidade de consciente mostrou-se insuficiente para abranger os 
domínios ego. 
 
1 Freud.Formulações sobre os dois princípios do funcionamento psíquico (1911), v. 12, pp. 224-31. 
 
 9
Com a introdução do conceito de narcisismo as pulsões de autoconservação 
permaneceriam opostas às pulsões sexuais, embora estas se encontrassem divididas, 
agora, em libido de objeto e libido do ego. O próprio ego aparece investido de libido, 
ou seja, a pulsão sexual investe o ego. Como conciliar o ego, representante da 
realidade com um investimento sexual no próprio ego? As pulsões egóicas e os 
desejos libidinais poderiam manter-se separados? E a libido? Seria ela uma energia 
geral e não apenas sexual? Nesse ponto as coisas se complicam e se misturam, pois ao 
ego se atribui o investimento sexual. 
Até esse momento, o modelo de estruturação do psiquismo de Freud faz 
coincidir o recalcado com o sistema Icc e o ego com os sistemas Pcc/Cc. De um lado as 
pulsões sexuais e do outro as egóicas. Mas agora o ego tem uma parte icc e também é 
investido de libido, o que torna confusa a distinção entre pulsões sexuais e pulsões 
egóicas. 
Apesar de reconhecer as falhas do antigo dualismo pulsional, Freud só o 
abandona quando dispõe de um novo, já presente em Além do princípio de prazer, mas 
só realmente explicitado em O ego e o Id. 
Com a Segunda tópica, Freud propõe novas instâncias psíquicas para o aparelho, 
a saber, o Id (Isso), o Ego (Eu) e o Superego (Supereu). As duas últimas seriam 
formadas a partir das primeiras identificações e dos investimentos objetais 
correspondentes. Dentro das instâncias são identificadas formações específicas – 
ideais e instâncias críticas - como é o caso do ideal do ego. 
O autor dá importância às relações entre estas instâncias e entre estas e os 
sistemas, bem como para as relações de dependência existentes entre os sistemas. Mas 
não estabelece uma correspondência entre sistemas e instâncias, da mesma forma que, 
na primeira tópica, não pôde estabelecer uma correspondência entre ego e sistema 
Pcc/Cc. 
Neste novo modelo de aparelho psíquico, o prazer e o desprazer possuem um 
papel essencial. O princípio da constância, formulado por Freud desde o Projeto de 
Psicologia (1895), retoma o lugar fundamental para a explicação da dinâmica do 
 
 10
aparelho. Freud descreve uma tendência constante do aparelho para redução de 
tensão, sendo que dada as exigências de vida a quantidade de energia deve-se manter 
constante ou o mais baixa possível. 
Uma outra razão para a mudança da primeira para a segunda tópica se dá 
devido à consideração, cada vez maior, das defesas inconscientes, o que não permite 
coincidir os pólos do conflito com os sistemas definidos, ou seja, não permite que o 
recalcado coincida com o Icc e o ego com o Pcc/Cc. Além disso, a descoberta do papel 
desempenhado pela escolha objetal e pela identificação na constituição da pessoa e a 
consideração das formações permanentes, tornaram necessárias as reformulações e 
mudanças introduzidas. A escolha objetal e a identificação, fundamentais para a 
formulação do conceito de narcisismo, tornam-se essenciais para explicar a origem do 
ego, elevando-o, na segunda tópica, à categoria de instância, e dando origem a uma 
terceira instância, o superego, também formada a partir de identificações. 
A importância da noção de narcisismo na passagem para um segundo 
momento do pensamento freudiano verifica-se pelas lacunas e demandas explicativas 
que se apresentam e exigem a retomada de alguns conceitos, como o de ego, e a 
introdução de outros, como o de ideal do ego. 
A evolução do conceito de narcisismo ocorre paralelamente ao de 
autoerotismo. Em um primeiro momento Freud trabalha para distinguir estes dois 
conceitos, mas diversas mudanças introduzidas levam ao abandono da distinção entre 
narcisismo e autoerotismo na segunda tópica. 
As considerações realizadas neste estudo seguem o caminho percorrido por 
Freud para conceituar o narcisismo, considerando a vida amorosa das pessoas 
normais e sua relação com os estados patológicos, de forma a explicitar a importância 
deste conceito para a metapsicologia freudiana. Percorreremos os textos mais 
importantes para a formulação do conceito de narcisismo, acompanhando o seu 
desenvolvimento inicial, sua introdução nos Artigos metapsicológicos, chegando à 
virada, com os textos entre 1920 e 1923 e, por último,abordando o Esboço de psicanálise, 
de 1938. 
 
 11
1. A PRIMEIRA TÓPICA E O NARCISISMO 
 
 
1.1. Considerações iniciais do conceito 
 
Freud faz pela primeira vez referência ao termo narcisismo em uma reunião na 
Sociedade Psicanalítica de Viena em 10 de novembro de 1909, segundo James Strachey 
em nota introdutória à Introdução ao narcisismo. A primeira publicação do termo se dá 
em uma nota na segunda edição dos Três ensaios da teoria sexual em 1910, onde Freud 
desenvolve as opiniões de Sadger quanto à escolha de objeto nos homossexuais. Para 
explicar a relação entre narcisismo e homossexualismo, Freud publica, no mesmo ano, 
um estudo sobre Leonardo da Vinci e realiza paralelamente a Análise do caso Schreber, 
publicado no ano seguinte. É certo dizer que nesse primeiro momento o conceito de 
narcisismo é explicado basicamente a partir do estudo de casos de homossexualidade, 
mais especificamente a masculina. 
Na nota dos Três ensaios da teoria sexual, Freud cita o conceito de narcisismo 
relacionando-o aos termos identificação e homossexualismo. São apresentados dois 
caminhos para a escolha de objeto: um por apoio em modelos infantis primitivos e 
outro, segundo o modelo narcísico, quando o sujeito busca seu próprio ego e por 
identificação encontra-o em outro. É o modelo narcísico de escolha objetal que está 
relacionado à homossexualidade. A escolha homossexual do objeto se daria no 
homem pela fixação e subseqüente identificação com a mãe na infância. A partir da 
identificação com a mãe, o homem tomaria a si mesmo como objeto sexual e 
posteriormente investiria outros homens parecidos com ele como objeto, segundo o 
modelo narcísico de escolha. 
 
...as pessoas invertidas atravessaram nos primeiros anos da infância uma fase muito 
intensa, mas também muito breve, de fixação à mulher (quase sempre à mãe), após cuja 
superação se identificaram com a mulher e tomaram a si mesmos como objeto sexual, vale 
 
 12
dizer, a partir de um narcisismo buscaram homens jovens, e parecidos com sua própria 
pessoa, que pudessem amá-los como a mãe os amou.2 
 
Freud propõe, em seu estudo sobre Leonardo da Vinci (1910), depois na Análise 
do caso Schreber (1911), definir o narcisismo a partir de suas observações a respeito de 
casos de homossexualidade masculina. 
No estudo sobre Leonardo da Vinci (1910), Freud tenta demonstrar a significação 
homossexual de uma recordação infantil de Leonardo. Trata-se da recordação de um 
abutre introduzindo a calda em sua boca após ter pousado em seu berço. Tal 
recordação estaria ligada à excitação da cavidade bucal, num momento do 
desenvolvimento em que o prazer sexual apóia-se na necessidade de nutrição. O 
abutre é identificado como sendo símbolo da mãe e sua calda com o pênis da mesma. 
Essa suposição é fundamentada na teoria sexual infantil de que mulheres também 
possuem pênis – fantasia da “mãe fálica”3. 
Até seus cinco anos Leonardo viveu com a mãe, o que estimulou uma forte 
ligação entre ambos. Sua pulsão sexual toma a mãe como objeto de amor e suas 
condutas sexuais se ligam a esse amor. Freud assinala que a relação erótica com a mãe 
e a ausência ou desprezo paterno no desenvolvimento infantil fornecem a Leonardo 
apenas o modelo feminino a seguir de modo que a percebe como igual, toma-a como 
objeto e posteriormente substitui esta escolha por identificação. Quando, aos cinco 
anos de idade, vai morar com o pai sua madrasta torna-se um substituto da mãe. Ao 
identificar-se com a madrasta toma o pai como rival. O amor pela figura materna e as 
condutas sexuais ligadas a esse amor são esquecidas frente à ação da repressão, que 
age para evitar o desprazer frente à ameaça de castração. 
Para Freud, a especificidade da repressão no homossexual é explicada pelo 
horror desse frente à descoberta da castração da mãe. Ele não aceita a castração, diante 
 
2 Freud. Três ensaios da teoria sexual (1910), v. 7, p. 132. (grifo nosso) 
 
 13
da qual regride e substitui o amor objetal pela identificação com a mãe. Regride 
libidinalmente para o estágio do desenvolvimento em que o ego não se distingue do 
objeto e, dessa forma, a mãe é preservada em seu aspecto fálico. Um estágio do 
desenvolvimento sem castração, sem dor, em que o prazer governa. Seus objetos de 
amor seriam escolhidos de acordo com a própria imagem pela via do narcisismo, 
constituindo-se substitutos da mãe e de si mesmo. 
 
O menino reprime seu amor pela mãe pondo-se ele mesmo no lugar dela, identificando-se 
com ela e tomando a sua própria pessoa como modelo a semelhança do qual escolhe seus 
novos objetos de amor. Assim se tornou homossexual; na realidade, tem deslizado para 
trás, até o autoerotismo, pois os homens a quem ama agora, já crescido, não são senão 
pessoas substitutas e novas versões de sua própria pessoa infantil, e os ama como a mãe o 
amou quando era criança. Dizemos que escolhe seus objetos de amor pela via do 
narcisismo, pois Narciso, segundo a lenda grega menciona, era um jovem a quem nada 
agradava mais do que sua imagem refletida no espelho, e assim foi transformado na bela 
flor de mesmo nome.4 
 
A definição do caráter homossexual de Leonardo se deu, segundo Freud, 
somente na puberdade em função da fixação inconsciente na mãe, num momento em 
que a identificação com o pai perde toda sua significação erótica. A maior parte da 
libido foi sublimada, apenas uma parcela é mantida para fins sexuais. A sublimação 
da libido resultou em sua sede de saber e de criar5. 
 
 
3 Freud. Sobre as teorias sexuais infantis (1906-08), v. 09, pp. 183-201. Neste texto Freud apresenta o 
conjunto das teorias sexuais infantis. Uma delas consiste no fato da criança, inicialmente, atribuir a 
todos os seres humanos, ainda às mulheres, um pênis. 
4 Freud. Uma recordação infantil de Leonardo da Vinci (1910), v. 11, p. 93. 
5 Freud destaca que a capacidade especial para a sublimação, bem como a capacidade de criação de 
Leonardo são de cunho biológico. 
 
 14
Se nos atrevermos a relacionar a hiperpotente pulsão de saber de Leonardo com a 
mutilação de sua vida sexual, dizemos que se limita a homossexualidade chamada ideal 
(sublimada).6 
 
O narcisismo aparece como o modo de escolha de objeto da fase autoerótica. O 
indivíduo deslizaria para o autoerotismo pela via narcísica de escolha. Freud faz 
referência, embora não explicitamente, à distinção entre narcisismo e autoerotismo ao 
assinalar que o que distingue a satisfação autoerótica da objetal é a constituição do ego 
como imagem de si. Tal constituição, como aparece na próxima aparição do termo, no 
Caso Schreber, se daria no estádio do narcisismo. 
Portanto, no Caso Schreber Freud começa a separar o narcisismo enquanto fase 
de desenvolvimento e recorre a ele para explicar o papel do desejo homossexual na 
aquisição da paranóia, porque, até então, as explicações sobre o narcisismo estavam 
ligadas à escolha de objeto do homossexual. 
Na secção III Freud começa separar o narcisismo enquanto fase do 
desenvolvimento entre o autoerotismo e o amor objetal, ao falar de uma fixação em 
uma fase narcísica. O narcisismo passa a ser entendido como uma fase do 
desenvolvimento humano normal. 
 
Indagações recentes nos tem chamado a atenção sobre um estádio na história evolutiva da 
libido, estádio pelo qual se atravessa o caminho que vai do autoerotismo ao mor de objeto. 
Tem-se designado Narzissismus; prefiro a designação Narzissmus, não tão correta 
talvez,mas mais breve e que soa menos mal. Consiste no indivíduo empenhado no 
desenvolvimento e que sintetiza em uma unidade suas pulsões sexuais de atividade 
autoerótica, para ganhar um objeto de amor toma primeiro a si mesmo, a seu próprio 
corpo, antes de passar deste à eleição em uma pessoa alheia. Uma fase assim, mediadora 
entre autoerotismo e eleição de objeto, é talvez de rigor no caso normal; parece que 
 
6 Freud. Uma recordação infantil de Leonardo da Vinci (1910), v. 11, p. 75. 
 
 15
algumas pessoas demoram nela um tempo insolitamente longo, e que desse estado é muito 
do que fica pendente para fases posteriores do desenvolvimento.7 
 
Schreber, como Leonardo da Vinci, teria se fixado em sua infância numa 
mulher – a mãe – e posteriormente se identificado com ela. A identificação com a mãe 
leva Schreber a tomar a si mesmo como objeto sexual, com base em seu narcisismo e, 
posteriormente, toma como objetos homens parecidos com ele mesmo. Assim, os 
sintomas paranóicos (os delírios persecutórios, a crença na onipotência dos 
pensamentos etc), a exemplo de Schreber, surgem como uma negação ou defesa 
contra desejos homossexuais. O mecanismo de projeção também mostra sua 
importância na gênese dos sintomas paranóicos, colaborando na mudança do amor 
em ódio: 
 
Na formação do sintoma do paranóia é chamativo, sobretudo, aquele traço que merece o 
título de projeção. Uma percepção interna é sufocada, e como substituto dela advém à 
consciência seu conteúdo, logo que experimenta certa desfiguração, como uma percepção 
de fora. No delírio de persecução, a desfiguração consiste numa mudança de afeto; o que 
estava destinado a ser sentido dentro como amor é percebido como ódio do que está fora.8 
 
Freud conclui que os sintomas são de um lado o desejo disfarçado e de outro, a 
resistência do ego. A introversão da libido leva a um investimento do ego, e por esta 
via se produz o efeito de perda da realidade. Ocorre uma supervalorização do ego 
como objeto sexual, na medida em que a libido liberada liga-se ao ego e o engrandece, 
o que compreende um retorno ao estádio do narcisismo. Para Freud, ocorreria no 
paranóico uma sublimação do homossexualismo e retrocesso do mesmo ao 
narcisismo. 
 
7 Freud. Observações psicanalíticas sobre um caso de paranóia autobiograficamente descrito (1911 [1910]), v. 12, 
p. 56. 
8 Idem ibid, p. 61. 
 
 16
 
...inferimos que na paranóia a libido liberada se volta ao ego, se aplica ao 
engrandecimento do ego. Assim volta a alcançar o estádio do narcisismo, conhecido pelo 
desenvolvimento da libdo, estádio no qual o ego próprio era o único objeto sexual. Em 
virtude desse enunciado clínico supomos que os paranóicos levam a uma fixação no 
narcisismo, e declaramos que o retrocesso da homossexualidade sublimada até o 
narcisismo indica o montante de regressão característica da paranóia.9 
 
O homossexualismo se daria pela fixação do sujeito numa fase em que não 
havia tomado conhecimento da diferenciação anatômica entre os sexos. A fixação na 
fase narcísica explica a paranóia de Schreber resultante da luta do ego – visto até esse 
momento como agente da censura, do recalque, do princípio da realidade, dos 
processos secundários sob o domínio da consciência – contra os desejos de natureza 
homossexual. 
Portanto, agora o narcisismo explica o papel do desejo homossexual na 
aquisição da paranóia e distingue-se do autoerotismo enquanto fase do 
desenvolvimento psicossocial normal, deixando de ser utilizado apenas no campo das 
psicopatologias. O narcisismo caracteriza a síntese das pulsões parciais em uma 
unidade e o momento em que o ego torna-se o primeiro objeto de amor. 
 
Em Totem e tabu (1912-14) Freud oferece o mesmo ponto de vista expresso no 
Caso Schreber ao colocar o narcisismo como uma fase intermediária entre o 
autoerotismo e o amor de objeto. Considera que os neuróticos assumem em nível 
individual as mesmas atitudes primitivas que os povos primitivos. 
 
É sugestivo relacionar agora com o narcisismo, e conceber como uma peça essencial deste 
ultimo, a elevada estima – a chamamos ‘sobrestimação’ a partir de nosso ponto de vista – 
 
9 Idem ibid, p. 67. 
 
 17
em que os primitivos e os neuróticos tem às ações psíquicas. ...Os neuróticos tem recebido 
em sua constituição própria um considerável fragmento dessa atitude primitiva.10 
 
Freud apresenta ainda o sentimento de onipotência dos povos primitivos como 
correspondente à crença das crianças na onipotência de seus pensamentos e 
sentimentos, ou seja, como correspondente ao narcisismo infantil. Assinala que o 
narcisismo originário na criança tem influência sobre seu desenvolvimento e permite 
que ela não tenha sentimentos de inferioridade, ou seja, funciona como forma da 
criança garantir-se contra danos. Similarmente, quando investe objetos externos o 
indivíduo permanece até certo ponto narcisista para não adoecer. 
 
 
1.2. Introdução ao narcisismo (1914) 
 
Com a introdução do conceito de narcisismo uma série de mudanças se 
processa na teoria psicanalítica. Alguns conceitos, como o de ego, são retomados, 
outros surgem, como os conceitos de libido egóica ou narcísica e libido objetal. Freud 
assinala que muitas formas de doenças (ex: paranóia, megalomania etc.) estão ligadas 
a inibições e fixações muito primitivas e assim, a disposição deve ser procurada num 
estágio de desenvolvimento libidinal anterior à escolha de objetos externos, isto é, na 
fase do auto-erotismo e do narcisismo. Sua introdução começa a abalar a teoria 
formulada nos Três ensaios da teoria sexual, que aponta o conflito psíquico como 
resultado da luta entre as pulsões sexuais e as pulsões de autoconservação. 
É em 1914, com o texto Introdução ao narcisismo, que Freud introduz 
formalmente o conceito narcisismo e examina o lugar ocupado por ele no 
desenvolvimento sexual normal. As diferenças entre narcisismo e autoerotismo, são 
estudadas e explicadas fazendo-se referência aos conceitos, agora introduzidos, de 
narcisismo primário e narcisismo secundário. Nas explicações sobre narcisismo, Freud 
passa a considerar os investimentos libidinais, com a introdução dos termos libido 
 
10 Freud. Totem e tabu (1912-14), p.92. 
 
 18
egóica ou narcísica e libido de objeto. Freud introduz também os conceitos de ideal de 
ego e da instância de observação de si, os quais serviriam de base para o que depois 
veio a designar-se como superego – uma das novas instâncias da personalidade da 
segunda tópica. 
A distinção entre narcisismo e autoerotismo se encontra no fato de, no 
narcisismo, a libido investir o ego como objeto, enquanto que o autoerotismo 
caracteriza um estádio anobjetal. 
 
1.2.1. As relações do narcisismo com as pulsões e a libido 
Freud descreve a forma alucinatória pela qual as primeiras experiências de 
satisfação se dão, num momento em que as pulsões sexuais se apóiam nas de pulsões 
de autoconservação ou egóicas11. Por conta desse apoio, o seio materno, que tem a 
priori a função de nutrição, torna-se o primeiro objeto de amor da criança. O apoio das 
pulsões sexuais nas pulsões de autoconservação implica que as pessoas ligadas à 
alimentação, aos cuidados, à proteção da criança fornecem o protótipo do objeto de 
amor procurado - escolha de objeto por apoio.12 
O autoerotismo se inicia enquanto fase no momento em que a pulsão sexual se 
separa da pulsão de autoconservação, a qual oferece sua meta e seu objeto, ou seja, sesepara de seu objeto natural - o seio materno - e se entrega à fantasia. O auto-erotismo 
caracterizaria o comportamento sexual em que o sujeito obtém prazer através da 
estimulação de seu próprio corpo, num momento que precede a convergência das 
pulsões parciais13 para um objeto comum. Esta fragmentação pulsional implica a 
ausência do ego ou pessoa como objeto total, sem referência a uma imagem unificada 
 
11 As sucessivas reformulações na teoria das pulsões obrigam Freud a situar as pulsões de 
autoconservação de maneira diferente, não mais em correspondência ao conceito de pulsões do ego, o 
qual desaparece na segunda tópica. 
12 A descrição do tipo de escolha de objeto por apoio foi apresentada nos Três ensaios da teoria sexual 
(1905). Em Introdução ao narcisismo (1914) Freud apresenta o tipo de escolha narcísica de objeto, opondo-
a a escolha por apoio. 
13 A pulsão é chamada parcial porque, segundo Freud, cada uma delas encontra satisfação pela 
excitação de um órgão – o chamado prazer de órgão. 
 
 19
do corpo, a um primeiro esboço de ego, mas não a ausência de um objeto parcial na 
fantasia da criança14. Caracterizaria, portanto, um estádio anobjetal. 
O narcisismo é compreendido como o estágio no qual as pulsões parciais, até 
então isoladas reuniram-se numa unidade e simultaneamente acharam o ego como 
objeto. Segundo Freud: 
 
A este estado da libido deveria aplicar-se com exclusividade a expressão que Jung usa 
indiscriminadamente: introversão da libido.15 
 
A constituição do ego permite à libido tomar essa imagem como objeto total, ou 
seja, o ego seria o primeiro objeto da libido narcísica16. Posteriormente, a pulsão sexual 
busca uma pessoa para se satisfazer. Desta forma, as atividades sexuais infantis 
caminhariam para a escolha de objeto. Seguindo este caminho a libido desinveste o 
ego e investe objetos externos. 
 
Nos formamos a imagem de um originário investimento libidinal originário do ego, 
cedido depois aos objetos; mas considerado em seu fundo, ele persiste, e é para os 
investimentos como o corpo de uma ameba é para os pseudópodes que emite. (...) As 
emanações desta libido, aos investimentos de objeto, que podem ser emitidas e retiradas de 
novo, foram as únicas que nos saltaram à vista. Vemos também grandes expressões da 
oposição entre a libido do ego e a libido de objeto.17 
 
Freud introduz os conceitos de libido egóica e libido objetal, supondo uma 
relação de complementaridade entre elas; uma relação inversamente proporcional, 
 
14 Desde o Projeto (1895) Freud trata do surgimento da pulsão sexual apoiada nas pulsões de 
autoconservação. 
15 Freud. Introdução ao narcisismo (1914), v. 14, p. 72. 
 
17 Idem ibid, p. 73. (grifo nosso) 
 
 20
pois na medida em que aumenta os investimentos do ego pela libido, ou seja, na 
medida que aumentam as condutas narcísicas, diminui-se a libido de objeto. Esta se 
transpõe em libido egóica e fica impedida de fazer o caminho regresso até os objetos. 
A oposição entre libido do ego e libido de objeto entra no lugar do conflito entre 
pulsões sexuais e pulsões egóicas, dado as dificuldades explicativas levantadas pelo 
investimento do ego pela libido. A dualidade pulsional era correspondente a uma 
oposição entre as exigências da sexualidade e as do ego, mas se o ego também é 
investido de libido, se também há sexualidade no ego, as coisas se complicam. 
O ego, que era visto como agente que recalcava, defendia o interesse da 
autoconservação e do equilíbrio psíquico, passa por uma divisão: uma parte icc e 
outra pcc/cc. Uma parte do ego é inconsciente, o que significa que, por um lado 
recalca e, por outro, tem as mesmas propriedades do recalcado. Ele deixa de ser visto 
como aquele que coloca o psiquismo frente ao princípio da realidade, tornando-se 
cúmplice do princípio do prazer, da realização alucinatória do desejo. Com o 
narcisismo o ego, agora narcísico, passa a objeto da sexualidade - confunde-se a 
finalidade do ego e da libido. Como manter a hipótese de uma pulsão egóica não 
sexual se o ego também é investido pela libido? Esta não poderia ser entendida como 
a energia psíquica geral e não apenas sexual? 
Nesse momento a primeira teoria das pulsões começa a demonstrar suas falhas, 
mas Freud tenta mantê-la, pois o conflito psíquico é explicado por ela. O conflito não é 
mais definido pelas relações entre pulsões sexuais e pulsões de autoconservação, mas 
entre libido egóica e libido objetal, ambas da alçada das pulsões sexuais. Na verdade 
não se tem mais um conflito entre pulsões. 
Segundo Laplanche e Pontalis, entre 1915 e 1920 Freud realiza uma 
aproximação com os conceitos de Jung e é tentado a adotar um monoteísmo pulsional, 
de modo que “as pulsões de autoconservação tendem a ser consideradas como um caso 
particular de amor por si mesmo ou libido do ego”18. Ou seja, as pulsões de 
autoconservação aparecem como uma parte narcísica das pulsões sexuais. Mas apenas 
posteriormente, quando Freud apresenta o novo dualismo pulsional entre pulsão de 
 
 21
vida e pulsão de morte, é que ele vai colocar a libido egóica do mesmo lado que a 
pulsão de autoconservação, dentro das pulsões de vida. 
 
1.2.2.. As relações entre autoerotismo, narcisismo e escolha objetal 
Freud introduz o conceito narcisismo a partir de sua diferenciação do 
autoerotismo. O início do autoerotismo se daria no momento em que a pulsão sexual 
se separa das de autoconservação nas quais se apoiava, separando-se assim, do objeto 
natural – o seio materno – e entregando-se à fantasia. Caracteriza a fase em que ainda 
não houve a convergência das pulsões parciais para um objeto comum, quando a 
pulsão sexual se satisfaz no próprio corpo, sem referência a um objeto “total”, ou seja, 
sem referência a uma imagem de corpo unificada, a um primeiro esboço de ego. 
Entende-se aqui como “total” o objeto plenamente constituído, investido a partir da 
constituição do ego como imagem de si mesmo. 
 
... não está presente desde o começo no indivíduo uma unidade comparável ao ego; o ego 
tem que ser desenvolvido. Agora bem, as pulsões autoeróticas são iniciais, primordiais; 
portanto, algo tem que acrescentar-se ao autoerotismo, uma nova ação psíquica, para 
que o narcisismo se constitua.19 
 
Na visão de Freud, seria necessária uma nova ação psíquica para a composição 
do narcisismo. Tal ação consiste na constituição do ego, o que permite ao sujeito 
formar uma imagem dele próprio, a imagem de um objeto “total”. Na passagem do 
autoerotismo para o narcisismo as pulsões sexuais parciais se unificam e tomam o ego 
como primeiro objeto. 
Durante seu desenvolvimento o ego se distanciaria do narcisismo primário de 
modo a desinvestir a si mesmo e investir objetos exteriores, empobrecendo-se em 
 
18 Laplanche e Pontalis, 1982, p. 406. 
19 Freud. Introdução ao narcisismo (1914), v. 14, p. 74. (grifo nosso) 
 
 22
favor desses investimentos. Essa proposição ocasiona uma dúvida: porque a libido se 
vê compelida a desinvestir o ego e investir outros objetos? Freud assinala que um 
forte egoísmo20 preserva de ficar doente, mas o indivíduo tem que amar, pois 
adoeceria frente à frustração caso não viesse a amar. Além disso, uma parcela de 
narcisismo sempre estaria presente no indivíduo mesmo quando investe um objeto 
externo. 
Os objetos de amor seriam eleitos, segundo Freud, de duas maneiras que se 
contrapõem entre si: a escolhanarcísica de objeto e a escolha de objeto por apoio. 
Freud assinala que as primeiras satisfações sexuais da criança se dariam pelo apoio 
das pulsões sexuais nas pulsões de autoconservação, as quais indicam à sexualidade 
seu primeiro objeto. Este seria o tipo de escolha de objeto, que ocorre apoiando-se nas 
imagens parentais enquanto que na escolha narcísica o objeto de amor seria eleito a 
partir do modelo de si mesmo. Freud apresenta os caminhos para a eleição do objeto 
da escolha narcísica: 
 
Se ama segundo o tipo narcisista: a) o que se é (a si mesmo); b) o que se foi; c) o que se 
queria ser; d) a uma pessoa que foi uma parte de si próprio.21 
 
Para Freud, a escolha homossexual está mais próxima do narcisismo do que a 
heterossexual, porque elege um objeto a partir da própria imagem. 
 
Temos descoberto que certas pessoas, especificamente aqueles cujo desenvolvimento 
libidinal experimentou uma perturbação (como é o caso dos perversos e dos 
homossexuais), não elegem seu posterior objeto de amor segundo o modelo da mãe, mas 
 
20 Freud cita algumas vezes o termo egoísmo no texto Introdução ao narcisismo, mas não apresenta sua 
distinção com relação ao narcisismo. É no texto Complemento metapsicológico à teoria dos sonhos que esta 
distinção é apresentada. 
21 Freud. Introdução ao narcisismo (1914), v. 14, p. 87. (grifo nosso) 
 
 23
sim segundo o da sua própria pessoa. Manifestadamente buscam a si mesmos como objeto 
de amor, exibem o tipo de eleição que tem de se chamar narcisista.22 
 
Freud considera que esta é a hipótese mais forte para a concepção do 
narcisismo. Ele considera que para obter a satisfação o ego exige muito dos objetos, 
mas a censura vê uma parte desta satisfação como inconciliável, por isso a libido 
regressa ao ego - tomado como o agradável - em busca do ideal narcísico de 
onipotência da infância. 
Na análise das psicoses Freud percebe a possibilidade da libido desinvestir os 
objetos e investir o ego. Assinala que a conduta narcísica é comum a todas as pessoas, 
pois está ligada à pulsão de autoconservação, aparecendo nos sonhos bem como em 
muitas doenças mentais, sendo neste caso em grau patológico. A conduta narcísica da 
psicose se daria porque a libido após investir os objetos externos volta a investir o ego 
– introversão da libido. O vínculo com a realidade exterior (coisas e pessoas) é 
resignado. Os objetos reais são substituídos por imaginários, criados a partir dos 
protótipos infantis e do contato com os objetos investidos e abandonados. O indivíduo 
retém apenas o que é agradável nesses objetos e em si mesmo para formar um objeto 
idealizado em sua fantasia. 
Para Freud, o objetivo da idealização seria fazer com que o indivíduo voltasse 
ao estado de onipotência do narcisismo infantil. O ideal narcísico de onipotência - ego 
ideal - seria criado com o propósito de restaurar o contentamento consigo mesmo, 
próprio do narcisismo primário, o qual foi perturbado durante a infância.23 A 
identificação com o objeto idealizado contribuiria para a formação tanto do ego ideal 
quanto do ideal do ego. 
 
 
22 Idem ibid, p. 85. 
23 Freud. A teoria da libido e o narcisismo (26a Conferência) (1916-17), v.16, p. 379. 
 
 24
1.2.3. A questão do ideal do ego 
Esta questão é tratada na secção III de Introdução ao narcisismo, onde o termo 
“ideal do ego” aparece pela primeira vez, sendo designado como uma formação 
intrapsíquica que serve de referência ao ego atual, como um o modelo ao qual o 
indivíduo procura conformar-se. Para Freud, o ideal do ego tem origem narcísica, pois 
o sujeito projeta como seu ideal o substituto do narcisismo infantil. 
O desenvolvimento do ego consiste, segundo Freud, num distanciamento do 
narcisismo primário em razão da crítica que os pais exercem com relação à criança, 
seguido pelo deslocamento da libido a um ideal de ego. Freud, afirma, que não 
consideraria estranho se encontrasse uma instância distinta do ideal do ego, 
interiorizada como uma instância de censura e de auto-observação. 
 
Não nos assombraria que tivéssemos deparado achar uma instância psíquica particular 
cuja função fosse velar pela segurança da satisfação narcisista proveniente do ideal do 
ego, e com esse propósito observar de maneira contínua o ego atual medindo-o com o 
ideal.24 
Podemos dizer que o indivíduo tem erigido no seu interior um ideal pelo qual mede o ego 
atual, enquanto que no outro falta essa formação ideal. A formação do ideal seria, de 
parte do ego, a condição para a repressão.25 
 
O ideal do ego funcionaria como condição para a repressão, pois sua formação 
se daria sob a influência dos pais, educadores e outros.26 Sendo, portanto, resultante 
da convergência do narcisismo (idealização do ego) e das identificações com os pais, 
seus substitutos e os ideais coletivos27. A formação do ideal é vista como o mais forte 
favorecedor da repressão porque aumenta as exigências do ego. A sublimação surgiria 
 
24 Freud. Introdução ao narcisismo (1914), v. 14, p. 92. (grifo nosso) 
25 Idem ibid, p. 90. 
26 Esta colocação serve de alusão à criação de do superego na segunda tópica. 
 
 25
como forma de escapar dessa exigência e, ao mesmo tempo, da repressão. A 
sublimação compreende o processo pelo qual a pulsão se lança para outra meta, 
distante da satisfação sexual. 
Para Freud, a transformação de uma atividade sexual em atividade sublimada, 
também dirigida a objetos externos, necessitaria de um tempo intermediário para a 
retirada da libido ao ego, o que tornaria possível a dessexualização. 
 
A sublimação é um processo que pertence à libido de objeto e consiste em que a pulsão se 
lança para outra meta, distante da satisfação sexual... 
...a idealização envolve um processo que ocorre com o objeto; sem variar a natureza, este 
é engrandecido e realçado psiquicamente. A idealização é possível tanto no campo da 
libido egóica quanto no da libido do objeto. 
...a sublimação descreve algo que ocorre com a pulsão, e a idealização algo que ocorre com 
o objeto.28 
 
Freud faz considerações sobre os dois processos – sublimação e idealização – 
porque ambos são importantes quando se fala de ideal do ego. A idealização participa 
na formação do ideal do ego e a sublimação é reivindicada pelo ideal do ego, mas ela 
acontece por si mesma. 
 
O ideal do ego reivindica por certo essa sublimação, mas não pode força-la; a 
sublimação segue sendo um processo especial cuja iniciação pode ser incitada pelo ideal, 
mas cuja execução é certamente de tal incitação.29 
 
 
27 Laplanche e Pontalis, 1982, p. 222. 
28 Freud. Introdução ao narcisismo (1914), v. 14, p. 91. (grifo nosso) 
29 Idem ibid, p. 91. (grifo nosso) 
 
 26
A pulsão sexual é sublimada na medida em que é enviada para um novo 
objetivo não sexual pelo qual visa objetos socialmente valorizados. O ideal do ego, 
embora não possa forçar a sublimação, parece influenciá-la no que diz respeito ao 
objeto de sua busca. 
Freud assinala que o narcisismo da infância apresenta-se na vida adulta por 
devoção a um ideal de ego que se forma em seu interior. 
 
O desenvolvimento do ego consiste em um distanciamento a respeito do narcisismo 
primário e produz uma intensa aspiração de retomá-lo. Este distanciamento ocorre por 
meio do deslocamento da libido a um ideal do ego imposto desdefora; a satisfação se 
obtém mediante o cumprimento do ideal do ego.30 
 
Segundo Freud, o ego emite investimentos libidinais aos objetos e se empobrece 
em favor desses investimentos e do ideal do ego. A satisfação da libido do objeto. É 
obtida pelo cumprimento deste ideal. 
Contudo, muitas vezes, em função de suas exigências, o ideal do ego impõe 
difíceis condições para a satisfação libidinal dos objetos e não pode ser cumprido. Tal 
o nível de suas exigências, que a censura vê uma parte dessa satisfação como 
inconciliável. Exige-se muito desses objetos e por isso o indivíduo busca formar 
objetos imaginários agradáveis introjetando o que tem de bom nesses objetos e 
projetando o que é tido como ruim em si mesmo para os objetos, através do 
mecanismo de projeção. Forma um objeto idealizado, tomando seu próprio ego como 
o agradável e o externo, anteriormente indiferenciado, como desagradável. Assim, o 
ego realidade se transforma em ego prazer. O sujeito passa a coincidir com todo o 
agradável – “ego prazer purificado” – e todo o desagradável está fora, ou seja, 
coincide com o mundo exterior. Freud dá ênfase à oposição entre ego e objeto externo, 
 
30 Idem ibid, p. 96. (grifo nosso) 
 
 27
ou seja, prazer e desprazer.31 A libido retorna ao ego em busca do ideal narcísico de 
onipotência da infância e recai sobre o ego ideal – narcisismo secundário. 
O mecanismo de introjeção do que há de “bom” no objeto e de projeção do que 
há de “ruim” no ego para os objetos, com a transformação do ego-realidade em ego-
prazer, ocorre durante a fase puramente narcisista, que cede lugar à fase objetal. Se o 
objeto torna-se fonte de sensações agradáveis, o sujeito o incorpora e diz que o ama. 
Se o objeto causa desprazer, o ego afasta-o e diz que o odeia. O odiar estaria ligado à 
busca de preservação por parte do ego, segundo a necessidade de autoconservação.32 
 
1.2.4. Narcisismo primário e narcisismo secundário 
O narcisismo primário seria o momento em que as pulsões parciais autoeróticas 
se unificam sob o primado da zona genital. Contudo, poderia ocorrer o primado de 
outra zona, que não a genital, mas teria-se neste caso uma perversão. Isso permitiria 
ao sujeito formar uma imagem dele próprio, a imagem de um objeto em sua 
plenitude, não mais em suas partes. Seria, portanto, uma fase intermediária entre o 
autoerotismo e o amor de objeto, e coincidiria com os momentos formadores do ego 
quando o próprio ego é tomado como primeiro objeto da libido narcísica. Designaria o 
primeiro narcisismo em correspondência com a “onipotência dos pensamentos” - 
superestimação dos desejos e atos psíquicos - quando a criança toma a si mesma como 
objeto sexual, antes de escolher objetos exteriores. O narcisismo primário seria, 
portanto, um momento normal do desenvolvimento que serviria como ponto de 
fixação para onde regride libido no caso em que o indivíduo desenvolve, por exemplo, 
uma esquizofrenia. 
O narcisismo secundário designaria um retorno da libido ao ego após ter 
investido objetos externos. A conduta narcísica se daria porque os investimentos 
 
31 Freud, S. (1911). Formulações sobre os dois princípios do funcionamento psíquico. Obras Completas .Buenos 
Aires: Editora Amorrortu, 12, 229-31. Em Pulsões e seus destinos Freud reapresenta a questão do ego 
prazer e do ego realidade e os mecanismos de introjeção e projeção fazendo considerações aos 
sentimentos de amor e ódio. 
32 Freud, S. (1915). Pulsões e seus destinos. Obras Completas .Buenos Aires: Editora Amorrortu, 14, pp. 
154-60. 
 
 28
libidinais são retirados do mundo exterior e reconduzidos ao ego -introversão da 
libido.33 
 
Assim, nos vemos levado a conceber o narcisismo que nasce por retorno dos 
investimentos de objeto como um narcisismo secundário que se edifica sobre a base do 
outro, o primário, obscurecido por múltiplas influências.34 
 
Neste momento, as explicações fornecidas por Freud sobre narcisismo 
secundário fazem referência a certos estados extremos de regressão da libido, tal como 
ocorre na esquizofrenia: 
 
O delírio de grandeza... nasceu às custas da libido de objeto. A libido subtraída do mundo 
exterior foi conduzida ao ego, e assim surgiu uma conduta que podemos chamar 
narcisismo.35 
 
Contudo, ele assinala que o narcisismo designa também uma estrutura 
permanente do indivíduo normal. Permanente porque uma “dose” de narcisismo 
sempre estaria presente no sujeito, devido à ligação entre narcisismo e pulsão de 
autoconservação. A admissão desta ligação faz menção ao ponto de vista assumido 
por Freud na segunda tópica quando coloca a libido e a pulsão de autoconservação do 
mesmo lado como pulsões de vida. 
 
 
 
33 Esse termo, adotado por Freud, foi introduzido por Jung. 
34 Freud. Observações psicanalíticas sobre um caso de paranóia autobiograficamente descrito (1911 [1910])), v. 
12, p. 73. (grifo nosso) 
35 Freud. Introdução ao narcisismo (1914), v. 14, p. 72. 
 
 29
1.2.5. Comparação entre narcisismo e os estados “normais” e entre narcisismo e as 
afecções psíquicas 
 
 Mais especificamente na secção II de Introdução ao narcisismo Freud faz 
considerações sobre os caminhos pelos quais o narcisismo pode ser estudado: 1) as 
afecções orgânicas; 2) as afecções psíquicas (hipocondria e a psicose); 3) a vida 
amorosa das pessoas normais e 4) o estado de dormir. 
 
a) Narcisismo nas afecções orgânicas 
 Freud aponta para semelhanças entre os comportamentos dos que sofrem de 
afecções orgânicas e os que sofrem de afecções narcísicas36. 
 
É sabido – e nos parece um fato trivial – que a pessoa afligida por uma dor orgânica e por 
sensações dolorosas resigna seus interesses por todas as coisas do mundo que não se 
relacionam com seu sofrimento. Uma observação mais precisa nos ensina que, enquanto 
sofre, também retira de seus objetos de amor o interesse libidinal, para de amar. (...) 
Libido e interesse egóico têm aqui o mesmo destino e se mostram outra vez 
indiscerníveis...37 
 
Assim, as afecções orgânicas, da mesma forma que as psíquicas, têm influência 
sobre a distribuição da libido. A pessoa doente retira seu interesse do mundo exterior, 
pois se volta ao seu sofrimento. Retiram sua libido dos objetos de amor e deixamde 
amar. Sua libido e seu interesse egóico recaem sobre seu próprio sofrimento, sobre o 
próprio ego e mostram-se indiscerníveis. Quando a cura vem, o indivíduo volta “o 
investimento do ego com libido tem ultrapassado certa medida” se torna necessária 
 
36 Esta comparação é retomada, de um perspectiva ligeiramente diferente, em Além do princípio de prazer 
(1920). 
 
 30
esta volta até o objeto porque o sujeito pode adoecer se por conseqüência de “uma 
frustração não pode amar.”38 
 
b) Narcisismo nas afecções psíquicas 
 Freud reconhece a hipocondria como um dos caminhos para o estudo do 
narcisismo. A primeira aproximação entre hipocondria e neuroses narcísicas é 
apresentada no Caso Schreber, mas é em Introdução ao narcisismo que Freud explica 
melhor essa relação reconhecendo a hipocondria como um dos caminhos para o 
estudo do narcisismo. Esta doença leva a sensações corporais dolorosas, contudo se 
diferencia das doenças orgânicas, pois não há necessariamente alterações orgânicas. 
 
A hipocondria se exterioriza, como na enfermidade orgânica, em sensações corporais 
penosas e dolorosas, e coincide também com ela por seu efeito sobre a distribuição da 
libido.39 
 
O hipocondríaco comporta-seda mesma forma que um indivíduo com doença 
orgânica ao retirar seu interesse egóico e sua libido dos objetos e concentrá-los em seu 
sofrimento. 
 Condutas narcísicas, segundo Freud, estariam presentes em várias afecções 
mentais. Na esquizofrenia tem-se o delírio de grandeza e o afastamento do interesse 
pelo mundo exterior (pessoas ou coisas). O delírio de grandeza envolve uma 
sobrestimação do poder de seus desejos e atos psíquicos, a onipotência dos 
pensamentos. 
Freud nota que também o histérico e o neurótico obsessivo resignam até onde 
afeta sua doença o vínculo com a realidade. Com relação ao investimento dos objetos 
 
37 Freud. Introdução ao narcisismo (1914), v. 14, p. 79. 
38 Idem ibid, p. 83. 
 
 31
observa-se uma diferença fundamental entre o neurótico e o psicótico. O primeiro 
retira parcialmente a libido dos objetos, os mescla e substitui na fantasia, enquanto o 
segundo desinveste totalmente os objetos e não os substitui em sua fantasia. 
 
...a formação de sintoma nas neuroses de transferência (a passagem da introversão à 
regressão) tem de contentar-se com uma estase da libido de objeto, podemos nos 
aproximar também à idéia de uma estase da libido egóica, vinculando-a com os fenômenos 
da hipocondria e da parafrenia.40 
 
Freud apresenta as neuroses de transferência em oposição às neuroses 
narcísicas. Portanto, a psicose, inicialmente sob a categoria de neurose narcísica em 
oposição às neuroses de transferência, apresenta a possibilidade da libido se retirar 
dos objetos e voltar a investir o ego. 
 
c) Narcisismo na vida amorosa normal 
 Com sua introdução oficial o termo narcisismo passa a ser visto como etapa 
normal do desenvolvimento do ser humano. Na vida amorosa normal, o conceito é 
trabalhado a partir da distinção entre os dois modelos de escolha objetal – a escolha 
narcísica e a escolha por apoio. Segundo Freud, ser humano tem a sua disposição as 
duas possibilidades de escolha e pode decidir por uma ou outra, pois: 
 
...tem dois objetos sexuais originários: ele mesmo e a mulher que o criou, e propusemos 
então em todo ser humano o narcisismo primário que, eventualmente, pode expressar-se 
de maneira dominante em sua eleição de objeto.41 
 
39 Idem ibid, p. 80. (grifo nosso) 
40 Idem ibid, p. 81. (grifo nosso). 
41 Idem ibid, p. 85. 
 
 32
 
A escolha de objeto por apoio se daria a partir do modelo de objeto que supria 
as necessidades nutricionais da criança. As pessoas ligadas à satisfação das 
necessidades alimentares, aos cuidados e proteção da criança forneceriam o protótipo 
do objeto sexual satisfatório. Assim, a escolha por apoio só seria possível porque as 
pulsões sexuais surgem por apoio nas pulsões de autoconservação. 
Na escolha narcísica os objetos de amor são escolhidos com base no modelo de 
si mesmo, como ocorre para homossexuais e perversos. Mas este tipo de escolha se dá 
também nos indivíduos que sofrem de esquizofrenia e de paranóia, pois elas têm 
como ponto de fixação a fase do narcisismo primário. Pode-se dizer que os indivíduos 
com esse tipo de escolha são os mais dispostos a desenvolver estes tipos de doença. 
Freud considera que o amor dos pais por seus filhos é o reviver do seu 
narcisismo infantil, pois o amor dirigido a um objeto tem por fim a realização de seu 
narcisismo no filho. A busca da realização por meio dos filhos compreende a busca 
pela imortalidade de seu próprio ego.42 
 
d) Narcisismo no dormir 
 Freud compara as condutas narcísicas das doenças com o dormir. No sonho 
haveria uma retirada narcisista da libido sobre a própria pessoa, mais 
especificamente, sobre seu exclusivo desejo de dormir. O cumprimento dos próprios 
desejos e o desinvestimento do mundo exterior mostrariam o egoísmo dos sonhos. 
 
A semelhança da doença também ao restado de dormir implica uma retirada narcisista 
das posições libidinais sobre a própria pessoa; mais precisamente, sobre seu exclusivo 
desejo de dormir.43 
 
42 Idem ibid, p. 88. 
43 Idem ibid, p. 80. (grifo nosso) 
 
 33
 
Em ambos os casos, quer nos sonhos quer nas doenças, se têm exemplos de 
alterações na distribuição da libido em conseqüência de uma alteração do ego.44 
O narcisismo vem abalar a teoria formulada nos Três ensaios da teoria sexual 
(1905) que aponta o conflito psíquico como resultado da luta entre as pulsões sexuais e 
as pulsões de autoconservação. A oposição entre libido do ego e libido de objeto entra 
no lugar do conflito pulsional entre pulsões sexuais e pulsões egóicas, dadas as 
dificuldades explicativas levantadas pelo investimento do ego pela libido. Mas Freud 
não considera suficiente uma oposição que não seja pulsional, por isso só abandona o 
primeiro dualismo quando já dispõe de outro. 
Neste texto Freud introduz também o conceito de narcisismo primário, como 
correspondente ao momento de formação do ego quando o próprio ego é tomado 
como primeiro objeto pela libido narcísica. Segundo Freud, seguiriam 
respectivamente: autoerotismo, narcisismo primário e escolha objetal. O narcisismo 
secundário designaria um retorno da libido ao ego após ter investido objetos externos 
em casos extremos de regressão. Mas designaria também um estado permanente do 
sujeito, pois uma parcela de libido se manteria sempre no ego. 
Freud introduz também os conceitos de ideal de ego e da instância de 
observação de si, os quais serviriam de base para o que depois veio a designar-se 
como superego – uma das novas instâncias da personalidade da Segunda Tópica. 
A distinção entre narcisismo e autoerotismo se encontra no fato de, no 
narcisismo, a libido investir o ego como objeto, enquanto o autoerotismo caracteriza 
um estádio anobjetal.45 Mas fica difícil manter o narcisismo como um estádio sem 
relações com objetos esternos porque se o narcisismo primário corresponde aos 
momentos formadores do ego, que se define pela identificação com o outro, o 
 
44 Freud analisa a relação dos sonhos e as doenças em Complemento metapsicológico à teoria dos sonhos 
(1915). 
45 Se considerasse o investimento de partes do objeto como investimento objetal o autoerotismo 
primário não seria anobjetal, mas não é neste sentido que Freud toma o termo e, portanto, 
consideremos como anobjetal a ausência de investimento em um objeto “total”. 
 
 34
narcisismo primário seria um estádio que se forma a partir da interiorização de uma 
relação. 
 
 
1.3. O narcisismo nos Artigos metapsicológicos posteriores à introdução do conceito 
 
 Os Artigos metapsicológicos apresentam as tentativas de Freud em preencher as 
lacunas explicativas que se levantam e exigem reformulações. Trataremos, mais 
especificamente, das lacunas que apareceram com a introdução do conceito de 
narcisismo e das alternativas e tentativas de explicação relacionadas. 
 Ao longo destes artigos fica clara a insuficiência da primeira teoria das pulsões, 
mas Freud só abre mão deste primeiro dualismo posteriormente, quando introduz um 
novo. 
 
 
1.3.1. Pulsões e seus destinos (1915) 
Freud propõe esclarecimentos sobre o tema pulsão diferenciando-a de 
estímulo. Ele assinala que diferentemente de estímulo, a pulsão não surge do exterior, 
mas do próprio organismo e dela não se podefugir. Sua satisfação está ligada ao que 
Freud denominou prazer de órgão e o objeto para esta satisfação pode ser qualquer 
coisa. 
 
...o objeto apaga-se em benefício do órgão, eu é a fonte dela, e regra geral coincide com 
ele.46 
 
A busca desse prazer de órgão pela pulsão está ligada à idéia de apoio das 
pulsões sexuais nas de autoconservação e é o que caracteriza o autoerotismo. 
 
46 Freud, Pulsões e destinos de pulsão (1915), v. 14, p. 132. 
 
 35
Simanke assinala que com a introdução da pulsão Freud visava a introdução de 
um conceito limítrofe entre o orgânico e o psíquico: 
 
A satisfação da necessidade (por exemplo, de alimento) situa-se, assim, em um registro 
puramente orgânico. Com a sexualização dessa função, constitui-se a pulsão (no caso, 
oral), como o especifica a noção de apoio. O aparecimento do objeto (representado) como 
elemento significativo para a obtenção da satisfação assinala o surgimento do desejo, 
definido como o impulso propriamente psíquico em direção ao objeto. Esta última 
transição coincidiria com o surgimento do narcisismo, correlativo, por um lado, à 
constituição do esquema corporal.47 
 
 Desta perspectiva, o surgimento do desejo como impulso psíquico até o objeto 
coincidiria com o surgimento do narcisismo, quando o ego é tomado como objeto do 
desejo narcísico. Assim, fazer coincidir autoerotismo e narcisismo é também coincidir 
pulsão e desejo ou, pelo menos, perder a possibilidade de distingui-los. 
Freud assinala que, de início, as pulsões sexuais emanam de uma grande 
variedade de funções orgânicas, atuam independentemente umas das outras e só 
alcançam a síntese numa etapa posterior. Esta etapa corresponde ao narcisismo, no 
momento em que ocorre a unificação das pulsões sexuais em uma unidade e o ego é 
tomado como objeto da libido. 
Mas Freud coloca que no narcisismo o ego seria investido por pulsões que se 
satisfazem no próprio corpo. Assim o estágio do narcisismo envolveria a forma de 
satisfação autoerótica. Freud acaba por apresentar o autoerotismo também como 
modo de obtenção de satisfação da fase narcísica do desenvolvimento. Neste ponto 
pode-se inferir que enquanto fase o autoerotismo termina com a entrada no 
narcisismo, mas não enquanto forma de obtenção de satisfação. 
Freud faz considerações a respeito da relação amor e ódio. Considera o amor 
como originalmente narcisista, passando posteriormente para os objetos por sua 
 
 36
associação com a pulsão sexual, enquanto que a relação do ódio com o objeto é mais 
antiga. Considera o ódio expressão do desprazer causado pelo objeto e mantém 
relação com a pulsão de autoconservação. Com a organização genital amor e ódio 
entram numa relação de oposição.48 
 
 
1.3.2. Complemento metapsicológico à teoria dos sonhos (1915) 
Freud reapresenta o fenômeno onírico trabalhado em A Interpretação dos sonhos 
(1900), apresentando o sono e o sonho como equivalentes normais das afecções 
narcísicas, o que já havia sido assinalado brevemente no artigo que introduz o 
conceito. 
 
...modelos normais das afecções patológicas. Entre eles se contam estados afetivos como o 
luto e a paixão, mas também o estado de dormir e o fenômeno de sonhar.49 
 
O sonho é considerado um fenômeno alucinatório que envolve uma dupla 
regressão: uma seria a regressão no desenvolvimento do ego até a satisfação 
alucinatória do desejo e outra a regressão no desenvolvimento da libido ao narcisismo 
primitivo. A dupla regressão estaria presente também nas neuroses narcísicas. Com 
relação a esta dupla regressão, Freud coloca: 
 
Distinguimos duas destas regressões: no desenvolvimento do ego e da libido. No estado 
de dormir, este último chega até a reprodução do narcisismo primitivo, e o primeiro, até 
a etapa da satisfação alucinatória do desejo.50 
 
47 Simanke, 1994, pp. 128-9. 
48 Freud, Pulsões e destinos de pulsão (1915), v. 14, pp. 160-2. 
49 Freud.Complemento metapsicológico à teoria dos sonhos (1915), v.14, p. 221 
50 Idem ibid, pp. 221-2. 
 
 37
 
Pode-se dizer que, para Freud, a alucinação está para a neurose narcísica da 
mesma forma que o sonho está para o sono. O narcisismo do estado de dormir se 
expressa com a atividade do desejo que procura recolher todos os investimentos 
emitidos pelo ego e estabelecer o narcisismo absoluto. 
 
...o narcisismo do estado de dormir implica o cancelamento do investimento de todas 
representações-objeto, tanto em sua parte consciente quanto a pré-consciente.51 
 
Segundo o autor, o reprimido que parte do Icc não obedece este desejo de 
dormir que parte do ego, de modo que uma parte do contrainvestimento e da censura 
entre Icc e Pcc são conservados, ainda que com menor força.52 Os investimentos, 
provenientes dos sistemas Icc e Pcc, ao serem retirados dos objetos devido à perda do 
interesse por eles, convergem para o ego. 
 Freud assinala que o vínculo com o mundo exterior depende da capacidade em 
distinguir entre percepção e representação. O reconhecimento de uma percepção 
como tal se dá pelo exame da realidade, o que envolve o abandono da satisfação 
alucinatória do desejo. Tal exame seria da alçada do sistema Cc (P) e ocorreria sob a 
via progressiva. Freud coloca que o exame da realidade e as censuras são instituições 
do ego, ou seja, o ego como agente do recalque. 
 
A amentia é a reação frente a uma perda que a realidade apresenta, mas que deve ser 
desmentida pelo ego como algo insuportável. Com base nisso o ego rompe o vínculo com a 
realidade, retira o investimento do sistema Cc das percepções... Com este estranhamento 
da realidade acaba eliminado o exame da realidade, as fantasias de desejo – não 
 
51 Idem ibid, p. 223. 
52 Idem ibid, p. 224. 
 
 38
reprimidas, inteiramente conscientes – podem penetrar no sistema e ser admitidas desde 
aqui como uma realidade melhor.53 
 
Segundo Freud, nos sonhos bem como nas psicoses o exame da realidade é 
abandonado e a satisfação alucinatória do desejo restabelecida. Assim como peças 
mais importantes do sonho aparecem a formação da fantasia do desejo e o caminho 
regressivo percorrido até a alucinação. Ambos ocorrem e mostram-se também 
fundamentais nas afecções narcísicas como na confusão alucinatória aguda – amentia 
(de Meynert) - e na fase alucinatória da esquizofrenia. Assim, Freud apresenta o 
investimento do ego pela libido desde sua expressão na normalidade até na patologia. 
 
O delírio alucinatório da amentia é uma fantasia de desejo claramente reconhecível... 
...a psicose alucinatória do desejo... não só traz à consciência desejos ocultos ou 
reprimidos, mas sim que os representa, com crença plena, como cumpridos. 54 
 
No sonho o desejo aparece disfarçado devido à ação da censura, enquanto que 
na amentia pode ser claramente reconhecido, pois nesta o fracasso da censura se dá em 
maior grau. Da mesma forma, o fracasso da repressão é maior na psicose do que na 
neurose. Nesta, o retorno do reprimido se dá apenas de forma parcial e distorcida. 
Tomando-se as psicoses como exemplo pode-se dizer que, quanto maior o 
comprometimento do ego, maior o fracasso da repressão. 
Freud apresenta o sonho como uma retração narcisista dos investimentos até 
um estágio anterior do cumprimento do desejo e o dormir como uma “reativação da 
permanência no seio materno” em busca de um estado de apaziguamento de 
estímulos que deixa de lado o exameda realidade. Compreende uma volta ao 
narcisismo primário. Neste momento o narcisismo primário pode ser entendido como 
 
53 Idem ibid, p. 232. 
54 Freud.Complemento metapsicológico à teoria dos sonhos (1915), v.14, pp. 228 e 229. 
 
 39
um estado inicial do indivíduo anterior à formação do ego, diferentemente do 
proposto por Freud em textos anteriores. 
A retração narcisista dos investimentos levaria à admissão das fantasias de 
desejo como a realidade mais satisfatória, o que é permitido por uma regressão no 
desenvolvimento do ego até um estágio anterior do cumprimento do desejo. As 
moções pulsionais (desejo onírico) que se formam no Pcc substituem um material Icc; 
o processo tramado pelo Pcc e reforçado pelo Icc toma um caminho retrocedente que 
vai do Icc até a percepção e se impõe à consciência. Assim, restaria aberta apenas a via 
regressiva que incapacita a consciência de proceder com o exame da realidade, 
responsável pela distinção entre o que é de dentro e o que é de fora. 
 Freud descreve a mesma ocorrência na demência precoce. O ego, responsável 
pelo exame da realidade e pela censura, estaria fragmentado ao ponto em que o 
exame da realidade já não impede a alucinação. 
 
...o ego do doente se tem fragmentado até o ponto em que o exame da realidade já não 
impede a alucinação.55 
 
 Ou seja, a capacidade em distinguir entre o que é percepção e o que é 
representação, entre o que está dentro e o que está fora, não se acha presente. As 
fantasias de desejo penetram na consciência como uma realidade melhor no lugar da 
abandonada. Esta distinção entre o que é de dentro e o que é de fora se mostra 
essencial para a vida mental do sujeito. 
 Haveria, segundo a apresentação freudiana, dois momentos nos quais 
poderiam ocorrer rupturas no narcisismo do sonho. Uma primeira ruptura seria a 
renúncia ao dormir pelo fato do sujeito temer seus sonhos reveladores de suas moções 
pulsionais inconscientes. Uma segunda ruptura seria quando alguns pensamentos 
 
55 Freud.Complemento metapsicológico à teoria dos sonhos (1915), v.14, p. 233. 
 
 40
diurnos se mostrassem conscientes, mantendo uma parte de seu investimento entre 
Icc e Pcc. 56 
 Freud apresenta também o caráter egoísta dos sonhos, fazendo coincidir 
narcisismo e egoísmo. 
 
...sabemos que o sonho é absolutamente egoísta... Agora bem, isto se desprende de 
maneira facilmente compreensível do narcisismo do estado de dormir. É que 
narcisismo e egoísmo coincidem; a palavra narcisismo só quer destacar que o egoísmo é 
também um fenômeno libidinoso ou, expresso de outro modo, que o narcisismo pode 
definir-se como o complemento libidinoso do egoísmo.57 
 
 Narcisismo e egoísmo coincidem, ou seja, ocorrem ao mesmo tempo, mas não 
designam um fenômeno idêntico. O narcisismo é o investimento do ego pela libido e o 
egoísmo “define-se como investimento pelas pulsões do ego.” 58 
 
 
1.3.3. Luto e melancolia (1917 [1915]) 
 
Freud estuda a melancolia comparando-a ao afeto normal experimentado no 
luto. Ele coloca que, frente às mesmas condições, pode ocorrer o estado normal de luto 
ou a melancolia; supõe então que haja uma disposição para a ocorrência desta última. 
As considerações sobre a melancolia permitiram que Freud retomasse as colocações 
sobre o narcisismo e o ideal do ego. As considerações sobre o ideal do ego abriram 
espaço para posteriores desenvolvimentos em Psicologia das massas e análise do ego e 
conduziu para a hipótese do superego, apresentado em O ego e o id. O conceito de 
 
56 Idem ibid, p. 225. 
57 Idem ibid, p. 222. 
58 Laplanche e Pontalis, 1982, p. 140. 
 
 41
identificação é analisado em primeiro plano, como etapa anterior à escolha objetal; 
momento em que o ego está se formando por via identificatória. 
Freud assinala que a melancolia se caracteriza pelo profundo sofrimento, o 
cancelamento do interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de escolher um 
novo objeto, diminuição da produtividade e um rebaixamento da auto-estima, 
expresso como auto-recriminações. Isto ocorre porque o ego, por meio de uma 
identificação narcísica com o objeto perdido/abandonado, é criticado como antes fora 
o objeto. Freud conclui que as auto-recriminações do doente estão ligadas ao ódio 
dirigido ao objeto; são enviadas para o ego a partir de uma identificação narcísica com 
o objeto. 
 
O investimento de objeto mostrou-se pouco resistente, foi cancelado, mas a libido livre 
não deslocou para outro objeto e sim se retirou sobre o ego. Mas assim não encontrou u m 
uso qualquer, serviu para estabelecer uma identificação do ego com o objeto resignado. 
A sombra do o bjeto caiu sobre o ego, quem, sucessivamente, pode ser julgado por uma 
instancia particular como um objeto, como o objeto abandonado. Desta forma, a perda do 
objeto teve que se mudar em uma perda do ego; e o conflito entre o ego e a pessoa amada, 
em uma separação entre ego crítico e o ego alterado por identificação.59 
 
A identificação narcísica substitui o investimento erótico anteriormente 
dissipado ao objeto amado, ou seja, o investimento objetal é abandonado. A perda 
objetal se transforma na perda do ego e o conflito entre ego e objeto passa a ser entre 
ego e parte alterada do ego. 
O luto envolve a perda de um objeto real, sendo assim, de natureza consciente, 
enquanto a melancolia envolve a perda real ou fantasística do objeto, sendo que esse 
segundo tipo de perda é de natureza inconsciente. Contudo, a melancolia também 
pode ser decorrente de uma perda real de objeto. Freud observa que, no luto, não 
 
59 Freud. Luto e melancolia (1917 [1915]), v. 14, p. 246. 
 
 42
ocorre perturbação do sentimento de si, nele o mundo se tornaria pobre e vazio, 
enquanto na melancolia o próprio ego se empobrece. 
A ambivalência de sentimentos com relação ao objeto e a regressão da libido ao 
ego são características do luto, mas também da melancolia, cujas precondições são: 
uma forte fixação no objeto amado e uma escolha objetal narcísica. Freud coloca que 
esse tipo de escolha faz com que, frente à determinada perda, ocorra o retrocesso do 
sujeito ao narcisismo. Freud afirma: 
 
...a melancolia toma emprestados uma parte de seus caracteres do luto, e a outra parte da 
regressão da eleição narcisista do objeto até o narcisismo.60 
 
O autor parece conceber o narcisismo como uma “identificação narcísica” com 
o objeto, o que faz desaparecer a noção de narcisismo como um estado puramente 
anobjetal. Esse caminho levaria à admissão de um narcisismo primitivo anterior a 
etapa de formação do ego e o narcisismo secundário contemporâneo a essa. Esse 
ponto foi expresso também no artigo Complemento metapsicológico à teoria dos sonhos.61 
Para explicar a inclinação ao suicídio da melancolia, Freud faz considerações 
sobre o sadismo. Considera que todo o sadismo dirigido ao objeto volta-se para o ego 
próprio, concluindo que a vontade de se matar partiria do impulso de matar o outro. 
 
A análise da melancolia nos ensina que o ego só pode dar-se morte se em virtude do 
retrocesso de um investimento de objeto pode tratar a si mesmo como o objeto, é permitido 
dirigir contra si mesmo essa hostilidade que recai sobre um objeto e substitui a reação 
originária do ego até objetos do mundo exterior.62 
 
 
60 Idem ibid, p. 248. 
61 Segundo James Strachey, em nota introdutória ao mesmo artigo, esses dois artigos

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