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COMPETÊNCIA RATIONE MATERIAE EM RAZÃO DA MATÉRIA Este estudo vem mostrar o funcionamento do mecanismo da fixação de competência em virtude da natureza da infração. Primeiramente elucidaremos o conceito de competência, para melhor entendimento do nosso tema. O que é competência: A jurisdição de um Estado é una. É um atributo da soberania, pois jurisdição é possibilidade de coerção. Mas seu exercício pode ser fracionado na prática. Esta é uma consequência lógica da virtual impossibilidade de um único órgão jurisdicional concentrar todo o exercício da jurisdição. Desta divisão surge a noção de competência, já definida como "a medida da jurisdição atribuída a cada órgão jurisdicional.” Em termos de processo penal, a competência pode ser determinada a partir de uma série de enfoques. Pode ser determinada ratione materiae, ratione personae, e ratione loci. Nesse trabalho focaremos a Ratione Materiae. Vejamos o que dispõe o Art. 70 caput do CPP: Art. 70 – “A competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumou a infração, ou, no caso da tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.” Porém, uma vez fixada a competência pelo lugar da infração ou pelo domicílio ou residência do réu (art.69, I eII, do CPP), será necessário fixar a justiça competente em razão da natureza da infração (ratione materiae), melhor ainda, em razão da matéria. A competência material é um exemplo de competência absoluta, que tem como fundamento interesse de natureza pública, ou seja, é o interesse público que leva à fixação dessa competência. Quando fixada em razão de interesse público, a competência não pode ser modificada por interesse das partes, ou seja, a competência absoluta é improrrogável, é imodificável. Interessante dizer que: “A jurisdição (justiça) pode ser Especial, que se divide em Justiça Militar e Justiça Eleitoral ; e Comum, que se divide em Justiça Federal e Justiça Estadual. A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização judiciária (federal ou estadual), salvo a competência privativa do Tribunal do Júri, cuja competência é atribuída pela Constituição Federal.” (SANTOS, Vauledir Ribeiro; NETO, Arthur da Motta Trigueiros. Como se preparar para o exame de Ordem, 1ª fase: Processo Penal. 9. ed. São Paulo: Método, 2010.) JURISDIÇÃO COMUM Competência Federal A competência da Justiça Federal é expressamente descrita pela CF/88, em seu art. 109. Aquilo que não couber à mesma, e nem às outras Justiças Especializadas, caberá, por exclusão, à Justiça Estadual. Eis os incisos do art. 109 da CF, que tratam de matéria criminal afeta à Justiça Federal: Art. 109 – Aos juízes federais compete processar e julgar: (...) IV - os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral; V - os crimes previstos em tratado ou convenção internacional, quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente; (...) VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira; VII - os "habeas corpus", em matéria criminal de sua competência ou quando o constrangimento provier de autoridade cujos atos não estejam diretamente sujeitos a outra jurisdição; VIII - os mandados de segurança e os "habeas data" contra ato de autoridade federal, excetuados os casos de competência dos tribunais federais; IX - os crimes cometidos a bordo de navios ou aeronaves, ressalvada a competência da Justiça Militar; X - os crimes de ingresso ou permanência irregular de estrangeiro, a execução de carta rogatória, após o "exequatur", e de sentença estrangeira, após a homologação, as causas referentes à nacionalidade, inclusive a respectiva opção, e à naturalização; XI - a disputa sobre direitos indígenas. (...) Faz-se necessário destacar alguns pontos que trazem, muitas vezes, dúvidas ao operador do direito. No que concerne ao inciso IV do art. 109 da Constituição, é importante observar a expressa exclusão da competência federal de todas as contravenções penais, mesmo que praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União, autarquia ou empresas públicas. Outro ponto a ser observado é que apenas os delitos cometidos contra estas instituições serão de competência federal, não o sendo aqueles cometidos contra sociedades de economia mista. Vale frisar que a Súmula 38 do Superior Tribunal de Justiça repete o mandamento constitucional: “Compete à Justiça Estadual Comum, na vigência da Constituição de 1988, o processo por contravenção penal, ainda que praticada em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades.”. Neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 42: “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento.”. Competência Estadual A justiça comum estadual é residual, competindo-lhe o processamento e o julgamento de todas as causas que não forem da alçada das demais justiças. Trata-se, portanto, de competência por exclusão. Vale lembrar: em conflito entre a jurisdição estadual e a federal, esta prevalece. Este entendimento foi consagrado na Súmula 122 do Superior Tribunal de Justiça: “Compete à Justiça Federal o processo e julgamento unificado dos crimes conexos de competência federal e estadual, não e aplicando a regra do art. 78, II, a, do Código de Processo Penal.”. No que tange à Justiça Estadual, é necessário recordar que o Tribunal do Júri tem competência prevalente, em razão da matéria. Como é cediço, compete a este Tribunal o processamento e julgamento de crimes dolosos contra a vida, consoante previsto no art. 5°, XXXVIII, d. Interessante observar que o art. 74 do Código de Processo Penal define a competência do Tribunal e, ainda, no seu §1°, traz um rol taxativo dos delitos que lhe competem: arts. 121, §§ 1° e 2°, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados. O art. 99 do Projeto não consagrou este rol, referindo, apenas, que “o processo e julgamento dos crimes dolosos contra a vida, tentados ou consumados, bem como das infrações continentes, decorrentes de unidade da conduta”. É necessário, ainda, observar a competência do Juizado Especial Criminal para processamento e julgamento dos delitos de menor potencial ofensivo, constante dos arts. 60 e 61 da Lei 9.099/95. JURISDIÇÃO ESPECIAL Competência da Justiça Eleitoral O art. 121, caput, da Constituição Federal reza que caberá à lei complementar dispor sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de direito e das Juntas Eleitorais. A inexistência da referida lei tem sido fonte de divergência no trato dessa matéria, tanto na jurisprudência quanto na doutrina. De inicio, quanto à definição do que sejam crimes eleitorais, existem duas correntes a) há autores que enquadram os crimes eleitorais entre os comuns, que se distinguem dos crimes de responsabilidade; b) outros consideram os crimes eleitorais delitos de natureza especial (juntamente com os crimes militares). Por esse motivo, a competência da Justiça Eleitoral excluiria a possibilidade de que os crimes eleitorais fossem julgados pelas outras "justiças". A Lei n° 4.737/65 (Código Eleitoral), em seu art. 35, II, confere aosjuízes eleitorais a competência para processar e julgar os crimes eleitorais e, também, os crimes comuns que lhes forem conexos, ressalvada a competência do Tribunal Superior e dos Tribunais Regionais. Na hipótese de concurso de competências, portanto, prevalece a competência da Justiça Eleitoral em detrimento da competência dos demais órgãos judiciários (art. 78, IV, do Código de Processo Penal). Dúvida exsurge, entretanto, na hipótese em que ocorra concurso entre crime eleitoral e crime doloso contra a vida, já que a competência do Tribunal do Juri é fixada em sede constitucional. Parte da doutrina entende que, nesse caso, a competência da Justiça eleitoral se prorroga, tornando-se esse órgão, excepcionalmente, competente para o julgamento do crime doloso contra a vida conexo a um crime eleitoral. Segundo essa corrente, constituir-se-ia aí, portanto, uma exceção constitucional à competência do Tribunal do Júri. Em sentido contrário, há quem entenda que nessa hipótese à Justiça Eleitoral caberá processar e julgar tão somente o crime eleitoral, competindo ao Tribunal do Júri julgar o crime doloso contra a vida, em respeito ao art. 5°, XXXVIII, "d", da Constituição. Competência da Justiça Militar A Constituição da República, em seus artigos 122 a 124, estabelece, como um ramo especializado do Poder Judiciário na esfera federal, a Justiça Militar, atribuindo-lhe competência para processar e julgar os crimes militares definidos em lei. Prevê, por outro lado, nos parágrafos 3º a 5º de seu artigo 125, a possibilidade de os Estados criarem uma Justiça Militar estadual, com competência para processar e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando a vítima for civil. Um cotejo de referidos dispositivos evidencia, desde logo, uma diferença de tratamento na fixação de competências dos órgãos da jurisdição militar nas esferas federal e estadual. A Justiça Militar da União possui competência fixada em razão da matéria (crimes militares definidos em lei), ao passo que as Justiças Militares estaduais possuem competência fixada a partir da conjunção de dois fatores: a qualidade da pessoa (militares dos Estados) e as matérias (crimes militares definidos em lei e atos disciplinares militares) que a elas se submetem. Competência da Justiça do Trabalho (julga HC que envolva matéria da jurisdição do trabalho); - O STF, na ADIN 3.684, ajuizada pela PGR, concedeu liminar, com efeitos ex tunc (retroativo), para atribuir interpretação conforme a Constituição, aos incisos I, IV e IX de seu art.114, declarando que, no âmbito da jurisdição da Justiça do Trabalho, não está incluída competência para processar e julgar ações penais. - O Juiz que exerce a jurisdição não penal, onde se inclui o Juiz do Trabalho, só poderá decretar prisão de natureza civil (depositário infiel, débito alimentício). Portanto, não pode decretar prisão em flagrante por crime de desobediência, por exemplo. Mas quando houver estado de flagrância, deverá o Juiz dar voz de prisão (que é diferente de decretar) e encaminhar o preso à autoridade policial para que, se for o caso, lavre o flagrante. A Competência do Tribunal do Júri A Carta Magna, prevê no seu art.5°, inciso XXXVIII, uma regra inafastável, atribuindo a competência do Tribunal do Júri. Segundo este dispositivo, é do referido Tribunal a delimitação do Poder Jurisdicional para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, tentados ou consumados. Esta competência é considerada como "mínima", pois a Constituição Federal de 1988 assegurou a competência para julgamento de tais delitos, não havendo proibição da ampliação do rol dos crimes que serão apreciados pelo Tribunal do Júri por via de norma infraconstitucional. Como afirma Fernando da Costa Tourinho Filho, "nada impede sejam criados Tribunais do Júri para o julgamento de outras infrações, e muito menos se inclua na sua competência o julgamento destas. O que não é possível é a subtração do julgamento de um crime doloso contra a vida ao Tribunal do Júri". Por tratar-se de núcleo constitucional intangível, ou seja, cláusula pétrea (conforme o art. 60, parágrafo quarto, inciso IV, da Constituição Federal), não será permitido suprimir a jurisdição do Tribunal do Júri sequer por via de emenda constitucional, uma vez que cuida de garantia fundamental da pessoa humana a quem se imputa a prática de crime doloso contra a vida. É importante ressaltar que, apesar de não poder ser emendado constitucionalmente, o art. 5°, inciso XXXVIII, da Constituição de 1988, não deverá ser entendido de forma absoluta, vez que há hipóteses, excepcionais, em que os crimes dolosos contra a vida não serão julgados pelo Tribunal do Júri. Estas hipóteses referem-se, basicamente, às competências por prerrogativa de função. A excepcionalidade ora descrita, ocorrerá quando a competência em razão da pessoa estiver em conflito com a competência em razão da matéria. Diante do todo o exposto, verificamos que, apesar da competência prevista constitucionalmente de julgar crimes dolosos contra a vida, tentados ou consumados, pertencer ao Tribunal do Júri, haverá situações excepcionadas pela própria Constituição, conferindo foro privilegiado às pessoas que exercem cargos de especial relevância no Estado, e que cometam tais crimes. Isto demonstra, portanto, que a norma contida no art. 5o, XXXVIII, "d"/CF não pode ser considerada de forma absoluta. A Competência dos Juizados Especiais Criminais A competência dos Juizados Especiais Criminais é ditada pela natureza da infração penal, estabelecida em razão da matéria e, portanto, de caráter absoluto, ainda mais porque tem base constitucional (artigo 98, I da Constituição Federal); neste sentido, Mirabete: "A competência do Juizado Especial Criminal restringe-se às infrações penais de menor potencial ofensivo, conforme a Carta Constitucional e a lei. Como tal competência é conferida em razão da matéria, é ela absoluta, de modo que não é possível sejam julgadas no Juizado Especial Criminal outras infrações, sob pena de declaração de nulidade absoluta." Crimes de menor potencial ofensivo, segundo a Lei 9099 /95, são aqueles cuja pena máxima cominada em abstrato não é superior a 02 anos. Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. Cumpre ressaltar que as regras da conexão e continência, previstas no Código de Processo Penal, se aplicam aos Juizados Especiais Criminais. Por fim verificamos que nosso ordenamento jurídico está dividido de forma à trazer ao cidadão e ao Estado a segurança jurídica para processar e julgar, logo, trazendo a paz social e justiça, objetivos de uma sociedade democrática. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 13. Ed. Lumen Juris. São Paulo. 2007 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2009. MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. 18. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2006.
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