Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Modelo versão 31 1 Anhanguera Educacional Ltda. Correspondência/Contato Alameda Maria Tereza, 4266 Valinhos, São Paulo CEP 13.278-181 rc.ipade@anhanguera.com Sistema Anhanguera de Revistas Eletrônicas sare.anhanguera.com Coordenação Instituto de Pesquisas Aplicadas e Desenvolvimento Educacional - IPADE Artigo Original Recebido em: xx/xx/xxxx Avaliado em: xx/xx/xxxx Publicação: xx de xxx de xxxx LITERATURA ENGAJADA Vol. 01, Nº. 01, Ano 2016 Roseli Pioli Zanetin Doutora em Comunicação Social ECA/USP Coordenadora de Curso de Letras e de Extensão da Faculdade Anhanguera de São Bernardo e-mail: roseli.zanetin@anhanguera.com Maria Eugênia Macedo Especialista do Curso de Letras da Faculdade Anhanguera - São Bernardo. e- mail:mc.eugenia@gmail.com Jenilson Lima Góes Graduando em Letras Português e InglêsFaculdade Anhanguera de São Bernardo . e-mail: jenilson.goes@hotmail.com Kátia Aparecida Souza Graduando em Letras Português e InglêsFaculdade Anhanguera de São Bernardo e-mail:katiasouzalt@gmail.com Miriane Silva Rocha Graduando em Letras Português e InglêsFaculdade Anhanguera de São Bernardo e-mail:miriane_rocha@hotmail.com CHICO BUARQUE E CANÇÕES QUE DENUNCIARAM A DITADURA MILITAR RESUMO A MPB (Música Popular Brasileira), durante o período da ditadura, foi rotulada como marginal por apresentar em suas letras críticas contra o governo militar. Neste período, vários nomes consagrados da música brasileira surgiriam. Escolhemos Chico Buarque por ser um artista completo dentro de uma temática literária. Constam em suas obras peças de teatro, livros propagação de um discurso de denúncias e in- dignação contra um sistema ditatorial através de suas canções. De for- ma brilhante, Chico escreveu aproximadamente dez músicas, que vira- riam hinos na luta em favor da democracia - ainda lembradas por quem viveu em “tempos de chumbo”. Nossas ferramentas de pesquisa foram os livros, (biografias, história do Brasil e Literatura Brasileira etc), que nos permitiram permear por um vasto caminho de informações e apon- tamentos sobre o autor Chico Buarque. Suas obras foram além de notas músicas e dialogaram entre a Língua Portuguesa, Literatura e Política social. Palavras Chaves: ditadura, literatura engajada, Chico Buarque. ABSTRACT MPB (Brazilian Popular Music), during the period of the dictatorship, was labeled as marginal to present in his lyrics criticism against the military government. In this period several famous names of Brazilian music would arise, we chose Chico Buarque to be a complete artist in a literary theme, appearing in his works plays, books propagating a discourse of complaints and indignation against a dictatorial system through some songs. Brilliantly, Chico wrote about ten songs that would become anthems in the fight for democracy these still remembered by those who lived in "lead times". Our research tools were the books (biographies, history of Brazil and Brazilian Literature etc) that allowed us to permeate through a broad path, information and points-ments about the author Chico Buarque, his works were beyond notes music and dialogued between the Portuguese Language, Literature and social Policy. Keywords: Key words: dictatorship, engaged literature, Chico Buarque. 2 Chico Buarque e canções que denunciaram a ditadura militar Literatura engajada. Vol.01, N°. 01, Ano 2016. P. 1-12 1-INTRODUÇÃO A proposta deste trabalho é de estabelecer um diálogo entre as obras musicais de Chico Buarque e um marco recente em nossa história política brasileira, que foi a Ditadura Militar, iniciada por um Golpe de Estado deflagrado no período 1964 – 1984. Nos tristes e repressivos anos da ditadura, a poesia rompe o compromisso, com a realidade, com o intelectualismo, com o hermetismo modernista, onde propositadamente transforma-se em marginal, diluidora, anticultural, pós-modernista e intensamente voltada a denunciar mesmo que de maneira oculta, as barbáries de um momento triste da nossa história política e social. Assim nascia o Pós-Modernismo, onde fez surgir poetas que desafiaram com suas palavras um regime autoritário.(YOUSSEF, 2009). Francisco Buarque de Holanda, nascido em 1944, no Estado do Rio de Janeiro, é músico, drama- turgo e escritor, seu pai era historiador e sua mãe pianista, estudou em uma escola de padres progressistas, o que provavelmente influenciou o cidadão Chico Buarque a ser interessado pela causa política. Engajado na luta e envolvido em movimentos sociais, principalmente os estudan- tis e, em contrapartida, também gostava de música. E é assim neste contexto que começa a es- crever músicas com tom de subjetividade, mas com intencionalidade, era necessário conhecer o contexto para entender suas músicas que, por sua vez, atendia ao apelo do sodalício (CÂNDIDO, 2011). Francisco Buarque de Holanda, fiel e inteligentíssimo servo das palavras, convida o leitor a explorar suas obras elencadas neste artigo. 2 – CONSIDERAÇÕES INICIAIS Como ponto de partida para este artigo, se faz necessário entender em que ambiente sócio cul- tural Chico Buarque encontrou inspiração e motivação para tornar-se um literário engajado em favor da democracia e contra a ditadura militar no Brasil. Durante os anos que compreenderam o governo de Getúlio Vargas (1945 – 1964), o Brasil vive uma política baseada no “liberalismo” e a justa distribuição de rendas, mas não deixou de ser um período ditatorial. Outro momento semelhante foi o período do militarismo, que diferenciava- se em alguns pon- tos; na política social, pois não houve distribuição igualitária de renda, como no período Getu- lista; não havia traços de democracia; visava o desenvolvimento econômico, mas contando com a participação de capital estrangeiro, que procurava dominar a economia do Brasil. Com a ruptura de comprometimento em relação às classes menos favorecidas, crescem os pro- blemas socioeconômicos; a corrupção; miséria; falta de emprego; violência; recessão; dívida ex- terna e a diminuição salarial (LINHARES, 2000). Os militares elaboravam seus planos e decisões entre quatro paredes, por grupos pequenos de tecnocratas, sem qualquer discussão com entidades representativas da sociedade. Foram ao todo 17 atos Institucionais – decretos autoritários que davam plenos poderes ao Presidente da República e mais de 70 atos complementares, que reforçavam o poder presidencial. Góes, Rocha, Souza 8 Literatura engajada Vol. 01, Nº. 01, Ano 2016 p. 1-23 Foi neste clima que nasceu e cresceu Chico Buarque de Holanda, enveredado por movimentos estudantis, ele inicia sua vida no engajamento político e sua arma era a Literatura. Filho de um historiador e uma pianista, Chico apresentava em seu DNA sensibilidade, para entender o que estava em sua volta e transformar em palavras que serviriam de desabafo e bandeira de luta para uma sociedade indignada com tanta repressão. Outro fato que influenciou relativamente sua visão filosófica política e literária foi a de Chico estudar em colégio de padres progressistas (HOMEM, 2009). As artes em geral começam a mostrar resistência contra a censura, no teatro, cinema, mas foi a MPB (Música Popular Brasileira), que se torna porta voz da população (MACHADO, 2006). No cenário musical, artistas considerados inimigos do regime militar, entre eles: Gilberto Gil, Cae- tano Veloso e Geraldo Vandré, mas o campeão de censuras foi Chico Buarque. Para monitorar as produções artísticas o Estado cria órgãos como de ferramentas de censura ou todo o conteúdo que consideravam subversivas. Segue lista destes órgãos e significados: DOI – CODI (Destacamento de Operações de Informação– Centro de Operações de Defesa In- terna); DCDP (Divisão de Censura de Diversões Públicas); CSC (Conselho Superior de Censura); CONTEL (Conselho Nacional de Telecomunicações); SNI (Serviço Nacional de Informações); DOPS (Departamento de Ordem Política e Social); Esses departamentos agiam de maneira peculiar ao suspeitarem de movimentos subversivos, ocupavam Universidades, queimavam livros, aposentavam professores compulsoriamente. “O AI-5(Ato Inconstitucional n° 5) foi um golpe dentro do golpe, um golpe de misericórdia na caricatura de democracia. Caímos, aí sim, na clandestinidade” (GABEIRA, 1984, p. 119). 3-BIOGRAFIA DE FRANCISCO BUARQUE DE HOLANDA Francisco Buarque de Holanda Ferreira nasceu no Rio de Janeiro em 19 de junho de 1944, filho do historiador Sérgio Buarque de Holanda e da pianista Amélia Cesário Alvim. Em 1946, seu pai foi nomeado diretor do museu Ipiranga e assim a família mudou-se para São Paulo e, em 1953, Chico mudou-se para a Itália por dois anos, enquanto Sérgio Buarque leciona na Univer- sidade de Roma (HOMEM, 2009). O próprio Chico Buarque revelou ao seu amigo Wagner Homem (escritor de Histórias e Can- ções), sua atração pela literatura, antes mesmo de gostar de música, talvez seja por esse motivo que escreveu vários livros e peças teatrais. Uma curiosidade sobre o autor é de quando menino ainda que cruel, mas de forma ingênua, antes de ir para Roma, deixou um bilhete para sua avó. “Vovó Heloísa. Olhe, vózinha não se esqueça de mim. Se quando eu chegar aqui você já estiver no céu, lá mesmo veja eu ser [sic] um cantor de rádio”. Foi na Itália, enquanto a família Buarque acompanhava o Sr. Sérgio Buarque, o menino Chico ensaiava seus primeiros versos, compondo marchinhas de carnaval, como na casa da família não era permitida a televisão, a referência provável foi o radinho de pilha da babá, a jovem Ín- 4 Chico Buarque e canções que denunciaram a ditadura militar Literatura engajada. Vol.01, N°. 01, Ano 2016. P. 1-12 dia. Já na idade do colégio seu ídolo era João Gilberto da Bossa Nova, no colégio também des- cobriu o tino para ser escritor, ao experimentar escrever crônicas para o jornal do colégio Santa Cruz, de padres canadenses progressistas, havia tomado gosto em redigir suas próprias crôni- cas (HOMEM, 2011). Em 1963, Chico entra na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo), não por escolha própria, para fazer o curso de Arquitetura e Urbanismo. Não havia boas escolas de música e o curso de Letras era na época restrito às mulheres. O jeito foi escolher a Arquitetura. Quando em 1964, ocorreu o golpe militar, Chico sentiu-se triste e decepcionado com a política, pois na universidade sua participação em movimentos sociais principalmente os estudantis, já havia tomado acento aguerrido (HOMEM, 2009). “Roda viva”foi sua primeira canção de protesto e em 1967, participou da marcha dos cem mil, que foi severamente repreendida por policiais armados e à cavalos, orientados a bater em quem estivesse participando do ato em favor da democracia, e depois desse dia, os amigos de Chico o aconselharam a sair do país. E assim, partiu com a esposa a atriz Marieta Severo (mãe de suas três filhas Silvia, Helena e Luísa) para a Itália. Mesmo longe, seguiu escrevendo suas músicas com o mesmo objetivo: denunciar a repressão do militarismo. Suas músicas atendiam o apelo da sociedade brasileira naquele momento de medo, desigualda- de social, desemprego (Homem, 2009), a vida na Ditadura só foi boa para a classe rica, ele cor- respondia a este apelo como nos versos destas canções: “Milagre brasileiro”, “Jorge Maravilha”, e “Acorda amor”. Quando voltou para o Brasil em 1970, enganado pela produtora, que afirmava que não existia mais a repressão de outrora, o poeta encontra uma situação muito pior, mas segue com sua luta e segue escrevendo suas canções, dessa vez com termos mais subjetivos e com sua obra, Chico Buarque consegue aquilo que só os grandes poetas conseguem: seu poder de lidar com as pala- vras fazem dela um instrumento de desvendar a realidade, de romper o silêncio. (BOLLE, 1980. Pág. 102). Além das canções havia as peças de teatro foram elas: “Rodaviva”, “Calabar: o Elogio da Trai- ção”, “Gota d’água”, e “Opera do malandro”, além de suas várias participações em canções e textos de peças teatrais (Homem, 2009), oferecendo uma reflexão sobre o momento histórico. A revolução era subjetiva e marginalizada, assim como era no Pós-Modernismo, não restavam dúvidas que seu engajamento literário era voltado ao social. Textos retratam as ideias do tempo e da sociedade em que o autor está inserido, aquela é a sua verdade, sua experiência, testemu- nho real reportada para o papel com o propósito de contribuir com a sociedade em busca de saídas para a autonomia e cidadania (CANDIDO, 2006). Góes, Rocha, Souza 8 Literatura engajada Vol. 01, Nº. 01, Ano 2016 p. 1-23 Figura 1. Imagem de Chico Buarque de Holanda em passeata dos Cem Mil 1968. 4- BREVE: HISTÓRICOS E ANÁLISES DAS MÚSICAS: RODA VIVA (1967); APESAR DE VOCÊ (1969/1971); CÁLICE (1973); VAI PASSAR (1984). 4.1 – RODA VIVA (CHICO BUARQUE) Para a peça Roda-viva Tem dias que a gente se sente Como quem partiu ou morreu A gente estancou de repente Ou foi o mundo então que cresceu A gente quer ter voz ativa No nosso destino mandar Mas eis que chega a roda-viva E carrega o destino pra lá Roda mundo, roda gigante Rodamoinho, roda pião O tempo rodou num instante Nas voltas do meu coração A gente vai contra a corrente Até não pode resistir Na volta do barco que sente O quanto deixou de cumprir Faz tempo que a gente cultiva A mais linda roseira que há Mas eis que chega a roda-viva E carrega a roseira pra lá Roda mundo (etc.) A roda da saia, a mulata Não quer mais a saia rodar, não senhor Não posso fazer serenata A roda de samba acabou A gente toma a iniciativa Viola na rua, a cantar 6 Chico Buarque e canções que denunciaram a ditadura militar Literatura engajada. Vol.01, N°. 01, Ano 2016. P. 1-12 Mas eis que chega a roda-viva E carrega a vida pra lá Roda mundo (etc.) O samba, a viola, a roseira Um dia a fogueira queimou Foi tudo ilusão passageira Que a brisa primeira levou No peito a saudade cativa Faz força pro tempo parar Mas eis que chegou a roda-viva E carrega a saudade pra lá Roda mundo (etc.) 4.2 História da Música “Roda Viva” (HOMEM, 2009 - Histórias de Canções) Poderia ser usada para falar da enorme roda viva que insistia em atropelar quem não concor- dasse com o modelo de governo ditatorial, mas não havia nada de política na obra. Tratava-se apenas de uma montagem de O rei da Vela (Oswald de Andrade), “O Rei do Tropicalismo” (HOMEM, 2009). No dia 15 de janeiro de 1968, no teatro Princesa Isabel a peça estreia no Rio e no dia 17 de julho em São Paulo, porém a organização paramilitar CCC (Comando de Caça aos Comunistas), invade e depreda o teatro, os cenários e espanca violentamente os atores. A cena se repetiu em Porto Alegre. Mais tarde, Chico descobriu que o CCC (Comando de Caça aos Comunistas), procurava o espetáculo Feira Paulista de Opinião, mas para não perderem a via- gem resolveram atacar a sala mais próxima, onde estavam os integrantes da peça “Roda Viva”. Em outro momento, Chico descobriu a razão de tal ação e que na Feira Paulista de Opinião, um ator havia defecado em um capacete da polícia militar (HOMEM, 2009). 4.3 Breve análise da música “Roda Viva” Uma das características do pós-modernismo é a subjetividade e é exatamente o que predomina nesta música que foi muito bem estruturada e nos leva a ter a impressão de que a “roda” de fato tem vida, sua intencionalidade é de algo negativo, a “Roda Viva”, tem vida e não tem boas in- tenções. Chico começa a música comparando coletivamente o sentimento de pessoas que impossibilita- das de dizer o que pensam, parece que estão mortas ou que partiram nos versos adiante “Tem dias que a gente se sente / Como quem partiu ou morreu”, e termina esta estrofe confirmando seu sentimento de estagnação, estancado e continua com a angustiante dúvida de se sentir tão pequeno diante da roda viva, que ganha a impressão de estar menor, diminuído, quase invisível aos olhos e a tirania de um regime como se vê a seguir “A gente estancou de repente / Ou foi o mundo então que cresceu”. Góes, Rocha, Souza 8 Literatura engajada Vol. 01, Nº. 01, Ano 2016 p. 1-23 A gana de tomar as rédeas de seu próprio destino aparece nesta frase “A gente quer ter voz ati- va / No nosso destino mandar”, porém para a vontade própria não existe lugar em uma dita- dura e a “Roda viva” passa por cima de tudo, não se importando em reescrever as histórias de seres humanos em nome do poder e do dinheiro como vemos a frente, “Mas eis que chega a roda-viva /E carrega o destino pra lá”. Ainda na construção de sentido de desfeita do governo militar em relação à necessidade de humanismo em determinadas situações, Chico consegue transmitir em um jogo perfeito entre a letra e o arranjo musical no trecho “Roda mundo, roda gigante, Rodamoinho, roda pião / O tempo rodou num instante / Nas voltas do meu coração”, nos dando a impressão de movimen- to, transformações bruscas, e continuas como acontecia em cada Ato Inconstitucional instaurado pelo militarismo e suas consequências. No trecho “a gente vai contra a corrente / até não poder resistir / na volta do barco é que sente / o quanto deixou de cumprir” expressa a opinião de que por mais que se lute contra, não é possível chegar ao fim, chegar a terra firme, encontramos a vontade e força que a sociedade apresentava ao tentar resistir ao golpe A rosa que o compositor Chico Buarque cita no trecho a seguir “faz tempo que a gente cultiva a mais linda roseira que há”, implicitamente fala sobre liberdade, roseira que se cultiva é a liber- dade que foi destruída. “A roda da saia, a mulata não quer mais a saia rodar não senhor”, ao ler ou ouvir esta frase au- tomaticamente nos perguntamos por que a mulata não quer mais rodar a saia? E ainda quem é a mulata? Subjetivamente ele revela o sentimento de quem sofria com a falta de liberdade de ex- pressão. O povo brasileiro é conhecido por gostar de samba então confirmamos a revelação da frase acima na seguinte expressão“ Não posso fazer serenata a roda de samba acabou”, pois sem samba, sem som não tem porque a mulata rodar sua saia em uma dança alegre e tão popu- lar como o samba. A canção exprime de forma triste, que toda a festa feita com o samba, a viola ou a roseira, foi queimada por uma fogueira chamada ilusão, que passou rápido, mas que alivia feito a uma brisa a saudade de que cativa o peito, que traz a dor de torturas e dúvidas sobre o futuro incerto. Considerando o ponto de vista da semiótica, embora não seja nosso objetivo de pesquisa, mas necessário para a construção de uma significação para a música juntamente com o contexto his- tórico, onde nos foi permitido criar fundamentos em harmonia baseado na letra da música. O 8 Chico Buarque e canções que denunciaram a ditadura militar Literatura engajada. Vol.01, N°. 01, Ano 2016. P. 1-12 uso de figuras de linguagem e figura de repetição, “roda mundo, roda peão”, recurso da lin- guagem textual mostra a intencionalidade e força intermitente da “roda” como objeto de força. Figura 2- Chico Buarque acompanhado do quarteto MPB4 5- APESAR DE VOCÊ (1969/1971) Hoje você é quem manda Falou, tá falado Não tem discussão A minha gente hoje anda Falando de lado E olhando pro chão, viu Você que inventou esse estado E inventou de inventar Toda a escuridão Você que inventou o pecado Esqueceu-se de inventar O perdão Apesar de você Amanhã há de ser Outro dia Eu pergunto a você Onde vai se esconder Da enorme euforia Como vai proibirQuando o galo insistir Em cantar Água nova brotando E a gente se amando Sem parar Quando chegar o momento Esse meu sofrimento Vou cobrar com juros, juro Todo esse amor reprimido Esse grito contido Este samba no escuro Você que inventou a tristeza Ora, tenha a fineza De desinventar Você vai pagar e é dobrado Cada lágrima rolada Nesse meu penar Apesar de você Amanhã há de ser Outro dia Inda pago pra ver O jardim florescer Qual você não queria Você vai se amargar Vendo o dia raiar Sem lhe pedir licença Góes, Rocha, Souza 8 Literatura engajada Vol. 01, Nº. 01, Ano 2016 p. 1-23 E eu vou morrer de rir Que esse dia há de vir Antes do que você pensa Apesar de você Amanhã há de ser Outro dia Você vai ter que ver A manhã renascer E esbanjar poesia Como vai se explicar Vendo o céu clarear De repente, impunemente Como vai abafar Nosso coro a cantar Na sua frente Apesar de você Amanhã há de ser Outro dia Você vai se dar mal Etc. e tal 5.1- História da Música “Apesar de Você” Ao voltar do exílio na Itália, em 1970, acreditando no diretor de sua gravadora, que havia afir- mado que as coisas no Brasil estavam melhores e que a repressão da ditadura estava perdendo força, Chico ficou surpreso ao perceber nos noticiários que só haviam ganhado mais força os fatos que o a fizeram ir embora do Brasil. O Presidente então era Médici e durante seu governo vivemos o período em que houve mais repressão, agressão policial, prisões e torturas, os direitos humanos foram violados, foi autori- zada a morte por fuzilamento e as prisões estavam sempre lotadas (Homem, 2009). Foi quando Chico escreve “Apesar de você”. A música vendeu 100 mil exemplares, até que um jornal resolve declarar o significado da palavra a “Você” referindo-se ao Presidente Médici, Chico tentou justificar dizendo que tudo não passava de um equívoco, que a música falava de uma mulher “muito mandona”, a desculpa não foi aceita e os discos foram recolhidos pela cen- sura. Algum tempo depois Chico revelou emocionado que em um show, ao cantar “Apesar de Você”, notou que muitas pessoas conhecidas que cantaram a música “Eu te amo meu Brasil”, música símbolo da famosa marcha para família, manifesto que culminou o golpe de 1964, can- tavam “Apesar de Você”, com tristeza e resignação. Todo texto traz o depoimento sobre a realidade vivida por uma sociedade em que o seu autor foi inserido nas obras de Chico Buarque, deparamos com todo o contexto cultural e político vi- vido por ele, que viu direitos humanos sendo violados, com cadeias lotadas de presos políticos, artistas de todas as vertentes, jornalistas, professores e escritores. Certa vez questionado sobre Chico Buarque, se gostava de Chico Buarque, o general afirmou que não, mas curioso foi a filha do general que em entrevista feita pelos mesmos repórteres, afirmou que gostava de Chico e de suas músicas, esse fato mereceu uma frase em um Rock “ Você não gosta de mim / mas a sua filha gosta”. 10 Chico Buarque e canções que denunciaram a ditadura militar Literatura engajada. Vol.01, N°. 01, Ano 2016. P. 1-12 . 5.2- Breve análise da canção “Apesar de você” As canções engajadas sempre se referiam ao governo de forma indireta, genérica, mas na letra de “Apesar de você”, não havia pressuposto, Chico foi direto e incisivo, durante o período de repressão fortíssima. Chico usa argumentos para escrever na intenção de despistar os censores e sintonizar a população com a situação do país, o autor elabora seu protesto, com elementos im- plícitos que se tornam explícitos realizando o diálogo entre emissor e receptor e pronto, assim, realiza sua missão com a sociedade. “Hoje você é quem manda / Falou, tá falado / Não tem discussão” O que era dito pelos militares não merecia contestação, não poderia haver críticas, era a lei e pronto e ai daquele que ousasse interpelar o governo com suas reflexões e críticas. “A minha gente hoje anda / Falando de lado / E olhando pro chão, viu” A repressão era tão atormentadora que chegava a confundir com depressão, o jeito era ensinar o corpo a não se expressar, não era bom se impor e muito menos mostrar fortaleza, o medo toma- va conta de todos, ninguém sabia ao certo o que acontecia nos porões da censura, mas imagina- vam o terror que ali se passava. “Você que inventou esse estado / E inventou de inventar / Toda a escuridão / Você que inven- tou o pecado / Esqueceu-se de inventar / O perdão” O sujeito desta música insiste em denunciar o responsável na intenção de repreender e de acon- selhar o governo a perdoar para ser também perdoado. “Apesar de você / Amanhã há de ser / Outro dia” Neste trecho a esperança aparecer, mas subjetivamente o eu lírico também demonstra ânsia por vingança. O tempo em amanhã ou dia, não é concreto, porém nos remete ao futuro quase como uma profecia. “Eu pergunto a você / Onde vai se esconder / Da enorme euforia” Ao imaginar a revolta popular contra a ditadura, o eu lírico relata agora ao governo que suas possibilidades de se livrar de toda a maldade e buscar o esquecimento do povo e o perdão, não será possível. Denuncia a censura: “Como vai proibir / Quando o galo insistir / Em cantar". E anuncia a boa nova: "Água nova brotando / E a gente se amando / Sem parar”. O trecho a seguir, mostra a cartase dominando o eu lírico com força e em tom de vingança e ameaça: “ Quando chegar o momento / Esse meu sofrimento / Vou cobrar com juros, juro” em êxtase aqui medem as consequências de toda a emoção represada por tantos anos: " Todo esse amor reprimido / Esse grito contido / Este samba no escuro e ameaçam Quando chegar o mo- mento / Esse meu sofrimento / Vou cobrar com juros, juro". "Você vai pagar e é dobrado / Cada lágrima rolada / Nesse meu penar". Constatação "Você vai se dar mal". Góes, Rocha, Souza 8 Literatura engajada Vol. 01, Nº. 01, Ano 2016 p. 1-23 Os versos a seguir são confirmação da consequência, ao entender que a população em catarse, seguirá sem medo e forte a fim de derrubar o governo e faze-lo sangrar, essa liberação de sen- timentos, virá da força de todos em união. "Inda pago pra ver / O jardim florescer / Qual você não queria / Você vai se amargar / Vendo o dia raiar / Sem lhe pedir licença / E eu vou morrer de rir Que esse dia há de vir / Antes do que você pensa". Aqui ele cumpre sua vingança "Você vai ter que ver / A manhã renascer / E esbanjar poesia / Como vai se explicar / Vendo o céu clarear / De repente, impunemente / Como vai abafar / Nosso coro a cantar / Na sua fren- te" "Você vai se dar mal / Etc. e tal / Lá lá lá lá laia". É uma música de mobilização que convoca a todos a extravasar sua fúria, seus sentimentos re- primidos, que convida a todos de maneira politizada a retirar o nó da garganta clamando por redemocratização. 6 – CÁLICE (1973) (Gilberto Gil – Chico Buarque) Pai, afasta de mim este cálice Pai, afasta de mim este cálice Pai, afasta de mim este cálice De vinho tinto de sangue Como bebe dessa bebida amarga Tragar a dor, engolir a labuta Mesmo calada a boca, resta o peito Silêncio na cidade não se escuta De que me vale ser filho da santa Melhor seria ser filho da outra Outra realidade menos morta Tanta mentira, tanta força bruta Como é difícil acordar calado Se na calada da noite eu me dano Quero lançar um grito desumano Que é uma maneira de ser escutado Esse silêncio todo me atordoa 12 Chico Buarque e canções que denunciaram a ditadura militar Literatura engajada. Vol.01, N°. 01, Ano 2016. P. 1-12 Atordoado eu permaneço atento Na arquibancadapra a qualquer momento Ver emergir o monstro da lagoa De muito gorda, a porca já não anda De muito usada, a faca já não corta Como é difícil, pai, abrir a porta Essa palavra presa na garganta Esse pileque homérico no mundo De que adianta ter boa vontade Mesmo calado o peito, resta a cuca Dos bêbados do centro da cidade Talvez o mundo não seja pequeno Nem seja a vida um fato consumado Quero inventar o meu próprio pecado Quero morrer do meu próprio veneno Quero perder de vez a tua cabeça Minha cabeça perder o juízo Quero cheirar fumaça de óleo diesel Me embriagar até que alguém me esqueça. Góes, Rocha, Souza 8 Literatura engajada Vol. 01, Nº. 01, Ano 2016 p. 1-23 6.1 - História da Música CÁLICE (HOMEM, 2009- Histórias de Canções) Cálice x cale-se? Esta música foi feita em uma sexta-feira santa, remetendo à referência bíblica com o vinho e o cálice e, com certeza, foi a música mais polêmica. Em um dia de apresentação, a música foi proibida e, desta vez, com o aval da própria gravadora. Na hora do show, o microfone foi desligado (HOMEM, 2009), Chico trocou de microfone, na terceira tentativa, muito irritado, dizendo: “vamos ao que pode”, e cantou “Baioque”. Depois em 1978, a música foi liberada, ele inclui em seu LP (Disco de vinil), e aí a censura chega de lugares inimagináveis, como da igreja, por exemplo, que criticava o regime militar que castrava as liberdades individuais, a CNBB (Confe- rência Nacional dos Bispos do Brasil), proíbe a execução da música nas missas em um ato contraditório (HOMEM, 2009). Ele mesmo, em entrevista ao “Correio Braziliense” em 1993, falou um pouco sobre as metáforas de “Cálice”: Às vezes, eu mesmo não sei o que eu quis dizer com algumas (...) naquela época havia uma forçada de barra muito grande, tanto a favor quanto contra. Ambos os lados liam politicamente o que não era. (...) Já disseram que o verso ‘de muito gorda a porca já não anda’ (...) era uma crítica do Delfim Netto, que era ministro. E gordo (risos). ”mas o que era, afinal? “Não faço a mínima ideia. (Risos) esse verso é do Gil”. Algumas imagens de “Cálice”, partículas de uma atmosfera sombria, têm origens bem mais mundanas do que parecem (HOMEM, 2009). O “monstro da lagoa”, por exemplo, surgiu da vista da varanda da casa de Chico para a Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio. Já a “bebida amarga” foi inspirada no Fernet que Chico ofereceu a Gil durante a composi- ção da música. (Homem, 2009). 14 Chico Buarque e canções que denunciaram a ditadura militar Literatura engajada. Vol.01, N°. 01, Ano 2016. P. 1-12 6.2- Breve análise da canção ”Cálice” A inteligência musical de Chico Buarque agregada à educação política nos seios da família resulta em um criativo, fascinante e completo artista à serviço das letras e da sociedade. O literato engajado Chico Buarque em parceria com o genial Gilberto Gil resultou em uma música rica em metáforas. Cálice foi a música mais censurada de to- das, conforme visto no histórico da música contada por Wagner Homem. Ao ler o trecho “Pai, afasta de mim este cálice... De vinho tinto de sangue”, lembramos da passagem da Bíblia, onde Jesus que estava para ser entregue ao sacrifício em prol da salvação da humanidade, se via em angustia e orava pedindo “Pai, se for possível, afasta de mim este cálice, contudo, não seja como eu quero, mas como tu queres”. Não conseguimos dimensionar o quanto Jesus sofreria com a tortura brutal que o esperava, mas a analogia feita na música é perfeita em todos os sentidos. Parafraseando Jesus Cristo, estaria talvez na imaginação de Chico Buarque e Gilberto Gil, o eu lírico é um preso político na antessala de tortura, dos porões da ditadura à espera do momento de seu suplicio, a metáfora “Cálice”, pode transforma-se em um verbo imperativo Cale-se e transmitir a mensagem de ordem, no caso o silêncio. O vi- nho tinto de sangue, não exige muita explicação, sangue que derramava quando vozes não se calavam, faz alusão ao sangue derramado dos que se mostravam e lutavam até as últimas consequências por dias melhores e por liberdade. “Como beber dessa bebida amarga”. Neste trecho o eu lírico, parece discutir com seu interior, em pensamentos, como faz para aceitar os desmandos da situação social em que vivia o país, e não se sentir indignado. Os dois trechos a seguir “Tragar a dor, engolir a labuta / Mesmo calada a boca, resta o peito” servem de constatação uma da outra, quando tragamos um cigarro, a fumaça vai parar nos pulmões, tragar a dor leva a mesma para o peito. “Como beber dessa bebida amarga, tragar a dor, engolir a labuta, mesmo calada a boca, resta o peito”, um olhar interessante sobre este trecho são as palavras: “Como; beber; tragar; engolir e calada”, conversam com: Góes, Rocha, Souza 8 Literatura engajada Vol. 01, Nº. 01, Ano 2016 p. 1-23 Embaralhar as palavras também é uma característica do pós-modernismo, o intuito de descontextualizar, tirar o foco do que era necessário dizer, para entender era necessário conhecer o contexto, por isso talvez Gil e Chico queriam mesmo ser diretos e simples- mente questionar “Como comer, beber, tragar e engolir com a boca calada? A resposta poderia ser: Amarga, a dor da labuta, que resta no peito”. “Silêncio na cidade não se escuta”, o silêncio está metaforicamente relacionado à cen- sura, que, desta forma, é entendida como uma bobeira, um exagero dos rebeldes, pois se a altura que não escutamos o silêncio significa que ele não existe. “De que me vale ser filho da santa / Melhor seria ser filho da outra”, ser brasileiro na- quele momento não era motivo de orgulho, a pátria mãe, no caso seria a mãe santa, porém de tão rígida, se fez autoritária e violenta, alguns filhos procuravam sair do país, ora de livre espontânea vontade para fugir das barbáries, como medida de prevenção assim como fez Chico, outros de maneira coerciva. O eu lírico entende que a “puta” termo subentendido na palavra “outra”, lhes seria muito mais afetiva e acolhedora. “Outra realidade menos morta”, o eu lírico, não aceita a realidade dos fatos e inconsci- entemente pede por outra realidade que não aquela, onde todos deveriam se fingir de mortos. “Tanta mentira, tanta força bruta” prática comum, no militarismo era impor inverda- des, todos deveriam aceitar mesmo sabendo que não era verdade. “Como é difícil acordar calado / Se na calada da noite eu me dano”, durante a noite aconteciam as torturas mais cruéis. A noite também nos remete a escuridão, onde é mais fácil esconder o que não era de interesse da população saber, confirmando o tre- cho anterior. “Quero lançar um grito desumano / Que é uma maneira de ser escutado“, em um ato de desespero, o eu lírico luta por uma maneira de achar uma válvula de escape, um meio de desabafar, algo ou alguém que lançasse mão e lhes prestasse socorro imedia- to. “Esse silêncio todo me atordoa / atordoado, eu permaneço atento“, confirma os dois trechos que demonstram toda a agonia do eu lírico, que ouve o silêncio que ele sabe não existir, se vê sem poder dormir, com medo de acordar e como quem vigia a muitas noites, se vê tonto de sono, mas o medo lhe faz seguir atento. “Na arquibancada, pra a qualquer momento ver emergir o monstro da lagoa”. não se vê esperança, o que se espera e algo muito pior, muito mais medonho do que já aconte- cia. 16 Chico Buarque e canções que denunciaram a ditadura militar Literatura engajada. Vol.01, N°. 01, Ano 2016. P. 1-12 “De muito gorda a porca já não anda / De muito usada a faca já não corta” o sistema militar era corrupto e incompetente,comparado aqui com a porca que de tanto roubar ficou gorda, simbolicamente parece que não vai longe, devido ao desgaste e como con- sequência dos abusos. Dando ênfase a frase anterior, demonstra o excessivo abuso promovido por uma ferramenta política sem limites. “Como é difícil, pai, abrir a porta / essa palavra presa na garganta” expressa o se sentir pequeno demais para alcançar uma saída, achar a liberdade, por mais esforço que se faça, biblicamente abrir a porta pode ser um sinal de novo tempo e a palavra pode ser o verbo assim como era no princípio, antes de tudo. “Esse pileque homérico no mundo” o eu lírico compara a situação com um pileque inenarrável, e que tão bêbado está solto no mundo, perdido e tonto. “De que adianta ter boa vontade” novamente aqui existe a referência, bíblica. A fra- se “paz na terra aos homens de boa vontade”, dita por Jesus, demonstra o anseio de ver todos em harmonia. Embora fora deixado tal ensinamento, não parece ser eficaz ser pacífico, quando não havia piedade. “Mesmo calado o peito resta a cuca dos bêbados do centro da cidade” Talvez a melhor forma de sentir alheio fosse ficar bêbado, afinal existe a ideia de que bêbado, não tem juízo e assim fala o que quer, lembrando alguns trechos acima onde o silêncio não existe na cidade. “Talvez o mundo não seja pequeno nem seja a vida um fato consumado” Aqui começa a idealização de possibilidades e esperanças “Quero inventar o meu próprio pecado / quero morrer do meu próprio vene- no” ninguém é totalmente livre, pois o pecado existe a partir de mandamentos da sa- grada escritura, porém em um governo ditatorial, outros pecados inventados por ho- mens de mãos sujas, foram criados para ser possível manter controle de tudo com mai- or facilidade. Se inventar seu próprio pecado, o eu lírico pode morrer por praticar seu livre arbítrio, e ser punido por isso, seria viver a liberdade em sua plenitude. “Quero perder de vez tua cabeça / minha cabeça perder teu juízo”, insinua que seu desejo é matar o sistema arrancando a cabeça, e assim retomar a sua própria cabeça, tomar conta dela e liberta-se da imposição para assim ser voltar a ser dono de si mes- mo. “Quero cheirar fumaça de óleo diesel / me embriagar até que alguém me esqueça”. Góes, Rocha, Souza 8 Literatura engajada Vol. 01, Nº. 01, Ano 2016 p. 1-23 Chico e Gil, aqui citam o uso do óleo diesel, usado por torturadores no intui- to de deixa- los fora de si e faze-los falar, mas os torturados muitas vezes para não se- rem molestados, se fingiam de desmaiados, para serem esquecidos mesmo que por instantes. 7-Vai Passar (1984) (Francis Hime - Chico Buarque) Vai passar Nessa avenida o samba popular Cada paralelepípedo Da velha cidade Essa noite vai Se arrepiar Ao lembrar Que aqui passaram sambas imortais Que aqui sangraram pelos nossos pés Que aqui sambaram nossos ancestrais Num tempo Página infeliz da nossa história Passagem desbotada na memória Das nossas novas gerações dormia A nossa pátria mãe tão distraída Sem perceber que era subtraída Em tenebrosas transações. Seus filhos Erravam cegos pelo continente Levavam pedras feito penitentes Erguendo estranhas catedrais E um dia, afinal Tinham direito a uma alegria fugaz Uma ofegante epidemia Que se chamava carnaval O carnaval, o carnaval (vai passar) Palmas pra ala dos barões famintos O bloco dos napoleões retintos E os pigmeus do bulevar Meu Deus, vem olhar Vem ver de perto uma cidade a cantar A evolução da líberdade Até o dia clarear Ai, que vida boa, olerê Ai, que vida boa, olará O estandarte do sanatório geral vai pas- sar Ai, que vida boa, olerê Ai, que vida boa, olará O estandarte do sanatório geral vai pas- sar. 7.1 História da Música ”Vai passar 18 Chico Buarque e canções que denunciaram a ditadura militar Literatura engajada. Vol.01, N°. 01, Ano 2016. P. 1-12 Na música ”Vai passar”, escrita em parceria com Francis Hime, feita dois anos antes do fim da ditadura, Chico não conseguia modular a canção, pediu a ajuda de Francis Hi- me que a consertou, porém, o músico terminou a canção em ritmo de Samba enredo. Havia nascido no brasileiro uma esperança, um clamor de diretas já se ouvia nas ruas, e assim aconteceu em 15 de janeiro de 1985. O Colégio Eleitoral escolhe Tancredo Ne- ves como o novo presidente da República, após 21 anos, o país seria governado por um civil. Em março, o presidente eleito precisou submeter-se a uma cirurgia e morre 38 dias depois, o general Figueiredo se nega passar a faixa presidencial para o sucessor de Tancredo José Sarney e, assim, faz com que a ditadura saia pela mesma porta que en- trou, pela porta dos fundos. No mesmo ano, o Congresso assina a legalização dos partidos comunistas e restabelece as eleições para prefeitos de capitais em 1985 e para presidente em 1988, em junho o Brasil volta a manter relações diplomáticas com Cuba, interrompida em 1964 (HOMEM, 2009). 7.2 Análise da canção “Vai passar” A música a seguir foi lançada em 1984, portanto no fim da ditadura. Em ritmo de sam- ba enredo, “Vai Passar”, narra em um tom irreverente um pouco do que foi a escravi- dão no Brasil, mais precisamente na era colonial. As duas épocas históricas, a escravidão e a ditadura, apresentam muitas peculiaridades e fatores em comum e acreditamos que o autor tenha encontrado essas semelhanças, além de a escrever pensando em fugir da censura, uma vez que escreveu a música dois anos antes do fim da ditadura em 1982, isso nos reforça a ideia de que ela foi escrita para atacar a ditadura fazendo essa analogia magnífica. “No tempo, página infeliz da nossa história / passagem desbotada da memória / das nossas novas gerações Ambientada no passado, conforme descrito no trecho acima, a página infeliz que suge- re o narrador é a escravidão, passagem triste devido ao sufrágio de africanos trazidos por força para o Brasil e que as novas gerações não conhece com detalhes, porém mui- tos ainda sofrem consequências por conta deste momento. Góes, Rocha, Souza 3 Literatura engajada Vol. 01, Nº. 01, Ano 2016 p. 1-23 “Dormia a nossa pátria mãe tão distraída / sem perceber que era subtraída / em tene- brosas transações”. Na era colonial, Portugal levava as riquezas do país para quitar dívidas com a Inglater- ra, as tenebrosas transações, e assim era dizimada em recursos naturais autonomia e riquezas encontradas em nosso solo, sem falar do extermínio dos índios para tomar as terras e aproveitar junto com os negros africanos para escravizá-los tal ação era tão tenebrosa, que a morte de qualquer escravo era indiferente, desde que houvesse retor- no financeiro para os dois países. “Seus filhos erravam cegos pelo continente, levavam pedras feito penitentes, erguendo estranhas catedrais”. Quando Portugal invadiu o Brasil, encontrou um vasto “campo” para explorar, primei- ro usaram os índios como mão de obra e não se adaptaram ao modo dos nativos, claro que a culpa foi dos índios, depois rumaram para a África e capturaram a força os ne- gros africanos constituem o terceiro povo de nossa formação, e eram eles que andando cegos no continente sul americano, foi obrigado a construir enormes catedrais, muito diferen- te das que haviam em suas tribos em terras além mar. Joaquim Nabuco analisou que em nossa sociedade “O negro construiu um país para outros; o negro construiu um país para brancos”. “um dia, afinal, tinham direito a uma alegria fugaz, uma ofegante epidemia que se chamava carnaval”. Ainda que serodiamente a escravidão termina,renasce a esperanç,a a liberdade e quem guia, mas devemos lembrar que a alegria é tão fugaz, que começa na senzala, e termina na favela, nos morros para onde os então ex escravos tiveram de ir, já que de seus se- nhores não ganharam nem o agradecimento por terem feito tão ricos e prósperos en- quanto eles saíram com uma mão na frente e outra atrás. O samba, o carnaval é heran- ça da cultura africana com respingos da cultura europeia, principalmente a portuguesa no caso do Brasil. O carnaval é uma válvula de escape, para aqueles que eram rotula- dos como desorganizados, baderneiros, atrasados, eram vistos de forma organizada, produzindo arte: música, fantasias, etc. O carnaval, simbolicamente, aparece como uma forma de transfiguração do poder das mãos dos brancos para os negros. 20 Chico Buarque e canções que denunciaram a ditadura militar Literatura engajada. Vol.01, N°. 01, Ano 2016. P. 1-12 Palmas pra ala dos barões famintos / O bloco dos napoleões retintos / E os pigmeus do bulevar A finalização da música é totalmente subjetiva e ruma para o absurdo; barões não de- vem ser famintos, pois são da alta nobreza devido ao título de Barão ser de prestígio social, muito menos o Napoleão retinto, pois Napoleão foi o imperador francês que levou os ideais da Revolução Francesa, portanto branco e europeu retinto seria uma contradição. E pigmeu do boulevard, foi um povo discriminado pela civilização oci- dental. Boulevard quer dizer exatamente ao contrário, representa um povo com uma cultura desenvolvida e civilizada. Tudo isso torna-se um paradoxo, mas porque Chico usaria isso tantos paradoxos? A resposta é: oxímoro. Sua função é harmonizar duas palavras contrastantes. É ela que possibilita a harmonia e o entendimento nas contradi- ções acima expostas. Assim sendo os Barões sentem fome de poder, são famintos no sentido de gananciosos. Os boulevards são tão cheios de si, que talvez não conheçam a verdade sobre a vida, sobre assim como os pigmeus, já o Napoleão negro, com certeza seria um comandante mais humano e menos sanguinário. Tudo isso parece ser fantasioso, e de fato é, porque afinal estamos no Carnaval, carna- val, o carnaval, o carnaval. E assim há neste próximo trecho um apelo social de igualdade, o narrador clama para Deus ver a evolução da liberdade, liberdade da escravidão, liberdade de expressão morta nos anos da ditadura, o carnaval transfigura as pessoas. Meu Deus vem olhar / Vem ver de perto uma cidade a cantar / A evolução da liberdade / Até o dia clarear Ai, que vida boa, olerê / Ai, que vida boa, olará / O estandarte do sanatório geral vai passar Viver assim é tão bom que o estandarte que é carregado por uma porta estandarte, traz a euforia louca de tantas pessoas diferentes, mas em algum ponto semelhantes que o nome deste bloco só poderia ser Sanatório Geral. Vai passar, 1984 bela obra de Chico Buarque! Góes, Rocha, Souza 3 Literatura engajada Vol. 01, Nº. 01, Ano 2016 p. 1-23 8. Considerações Finais Após o desenvolvimento desse trabalho, é importante reforçar que o assunto escolhido é algo muito presente na atualidade. O diálogo abordado entre sociedade, autor e obra no decorrer do artigo, está presente em poesias contemporâneas, músicas; teatro; etc. Breve análise realizada nesse trabalho mostram como surgiram as inspirações para que o autor Chico Buarque criasse suas canções. A sociedade também ouvia sua voz ecoar ao ouvir as músicas e suas letras, que contavam o sofrimento e as barbáries do período ditatorial. As composições criadas pelo autor Chico Buarque ainda são muito utilizadas para pes- quisas e estudos, possivelmente só compreenderá a sua produção artística quem tiver conhecimento do contexto em que se deu o engajamento literário de Francisco Buarque de Holanda: autor, compositor, dramaturgo e ilustre poeta da literatura pós modernis- ta. É de suma importância reconhecer a grandeza desse artista para a música e cultura brasileira, pois, assim como o período da triste escravidão; as lutas da classe mais po- bre como a de Canudos; Chacinas; a violência contra a mulher; a pedofilia; a ditadura militar também está em destaque por sua crueldade contra os presos políticos e toda a repressão que, sem dúvidas, foi capítulo de nossa história que muitos não sentem orgu- lho. As canções de Chico mobilizaram um povo que buscava vida mais digna, justa e livre, ao mesmo tempo, era visível a presença desse povo como motivação e inspiração às composições do artista. As ideias transmitidas pela literatura engajada são fortes elementos para compreensão de uma sociedade e sua história. Essa arte proporciona informação muito próxima à realidade, fazendo com que elementos sociais e históricos tenham poder e significados reais. 22 Chico Buarque e canções que denunciaram a ditadura militar Literatura engajada. Vol.01, N°. 01, Ano 2016. P. 1-12 O trabalho de Chico Buarque de Holanda é encontrado em diversos artigos, livros e mídias digitais. Sua produção literária é motivação constante, desperta questionamen- tos, inspirações e influencia novos artista em suas criações. Referências CANDIDO, Antônio. Literatura e Sociedade. Rio de Janeiro: 9ª edição /.ed. Ouro sobre Azul, 2006. HOMEM, Wagner. História de Canções – Chico Buarque. Rio de Janeiro: 1ª edição /Editora: Leya Brasil, 2009. HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo: 26ª edição /ed. Companhia das Letras, 1995. ALMEIDA, C. A. Cultura e sociedade no Brasil: 1990-1968. Col. Discutindo a História. São Paulo: Cultural, 1996. BOLLE, A. B. de M. Chico Buarque de Holanda – Seleção de textos, notas, estudo bio- gráfico, histórico e crítico. São Paulo: Abril Educação, 1980. CARVALHO, Gilberto de. Chico Buarque, Análise Poético-musical. Rio de Janeiro: Editora CODECRI, 1982. FERNANDES, Rinaldo. Chico Buarque do Brasil. Rio de Janeiro: Editora Garland, 2004. GASPARI, E. A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. GABEIRA, F. O que é isso, companheiro? São Paulo: Abril Cultural, 1984. KUCINSKI, B. O fim da ditadura militar. Col. Repensando a História. São Paulo: Con- texto, 2001. MACHADO, A. Os anos de chumbo - Mídia poética e ideologia no período de resistên- cia ao autoritarismo militar (1968-1985). Porto Alegre: Sulina, 2006. REZENDE, Maria José de. A ditadura militar no Brasil (1964-1984) – Repressão e pre- tensão de legitimidade. Londrina: Eduel, 2001. BOLLE, Adélia Bezerra de Meneses. Chico Buarque de Hollanda: literatura comenta- da. São Paulo: Abril Educação, 1980. ZAPPA, Regina. Chico Buarque: Seguir Minha Jornada. HARPER COLLINS BR, 2011. KOCH, Ingedore G. Villaça. A coesão textual. São Paulo: Contexto, 2003. Góes, Rocha, Souza 3 Literatura engajada Vol. 01, Nº. 01, Ano 2016 p. 1-23 _________________. Argumentação e linguagem. São Paulo: Cortez, 1987. _________________. A inter-ação pela linguagem. São Paulo: Contexto,1998. FÁVERO, Leonor Lopes e KOCH, Ingedore G. Villaça. Linguística Textual: introdu- ção. 6 ed. São Paulo: Cortez, 2002. KOCH, Ingedore G. Villaça e TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Texto e coerência. 9 ed. São Paulo: Cortez, 2003. MENEZES, Adélia Bezerra. Desenho mágico: poesia e política em Chico Buarque. São Paulo: Ateliê Editorial, 2002. MUSSALIM, Fernanda e BENTES, Anna Cristina. Introdução à lingüística1. 3 ed. São Paulo: Cortez, 2003. Encontrado em: Google imagens https://lyricalbrazil.com/2012/11/06/samba-de- orly/ acesso em: 06 de Junho de 2016. Encontrado em: http://www.50emais.com.br/chico-buarque-e-o-mpb-4-cantando- roda-viva-1967/ acesso em: 20 de junho de 2016.
Compartilhar