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dissertacao de MESTRADO

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Prévia do material em texto

1 
 
 
 
Universidade Federal do Rio de Janeiro 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
REFERENCIAÇÃO EM ATIVIDADES DE LEITURA COM CRÔNICAS: UMA ANÁLISE 
DOS LIVROS DIDÁTICOS DE PORTUGUÊS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Fabiana da Costa Gonçalo 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Faculdade de Letras/ UFRJ 
2013 
2 
 
 
 
 
REFERENCIAÇÃO EM ATIVIDADES DE LEITURA COM CRÔNICAS: UMA ANÁLISE 
DOS LIVROS DIDÁTICOS DE PORTUGUÊS 
 
 
 
 
 
 
Fabiana da Costa Gonçalo 
 
 
 
 
 
 
 
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de 
Pós-Graduação em Letras Vernáculas da Universidade 
Federal do Rio de Janeiro como quesito para a obtenção 
do Título de Mestre em Letras Vernáculas (Língua 
Portuguesa). 
Orientador: Profa. Doutora Leonor Werneck dos Santos 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
Fevereiro de 2013 
3 
 
 
 
Referenciação em atividades de leitura com crônicas: uma análise dos livros didáticos de 
português 
 
Fabiana da Costa Gonçalo 
 
Orientadora: Professora Doutora Leonor Werneck dos Santos 
 
 
 Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras 
Vernáculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, como parte dos requisitos 
necessários para a obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas. 
 
 
 
Examinada por: 
 
 
 
_________________________________________________ - Orientadora 
Presidente, Profa. Doutora Leonor Werneck dos Santos - UFRJ 
 
 
_________________________________________________ 
Profa. Dra. Cláudia de Souza Teixeira - IFRJ 
 
 
_________________________________________________ 
Profa. Dra. Eliete Figueira Batista da Silveira - UFRJ 
 
 
_________________________________________________ - Suplente 
Profa. Dra. Rosa Cuba Riche – CAp UERJ 
 
 
_________________________________________________ - Suplente 
Profa. Dra. Regina Souza Gomes - UFRJ 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
Fevereiro de 2013 
4 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Gonçalo, Fabiana da Costa. 
 Referenciação em Atividades de Leitura com Crônicas: Uma Análise dos Livros 
Didáticos de Português/ Fabiana da Costa Gonçalo. Rio de Janeiro: UFRJ/ Faculdade 
de Letras, 2013. 
 x, 127f.: il. 
 Orientadora: Professora Doutora Leonor Werneck dos Santos 
 Dissertação (Mestrado) – UFRJ/ Faculdade de Letras/ Programa de Pós- 
Graduação em Letras Vernáculas, 2013. 
 Referências Bibliográficas: f. 98-103. 
 1. Referenciação. 2. Linguística Textual. I. Santos, Leonor Werneck dos. II. 
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Faculdade de Letras, Programa de Pós- 
Graduação em Letras Vernáculas. III. Referenciação em Atividades de Leitura com 
Crônicas: Uma Análise dos Livros Didáticos de Português. 
 
5 
 
 
 
 
SINOPSE 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Análise da referenciação 
 em atividades de leitura 
 com crônicas nos livros 
 didáticos. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
6 
 
 
 
RESUMO 
 
REFERENCIAÇÃO EM ATIVIDADES DE LEITURA COM CRÔNICAS: UMA ANÁLISE 
DOS LIVROS DIDÁTICOS DE PORTUGUÊS 
 
Fabiana da Costa Gonçalo 
 
Orientadora: Professora Doutora Leonor Werneck dos Santos 
 
 
 Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-graduação em 
Letras Vernáculas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, 
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Vernáculas. 
 
 
 Este trabalho insere-se nos estudos atuais da Linguística do Texto, reunindo dois 
temas de suma importância nessa área: referenciação e leitura. Nosso objetivo principal é 
investigar a existência de atividades de leitura e interpretação que abordem o funcionamento 
de processos referenciais em crônicas presentes em 14 coleções de livros didáticos do 
segundo segmento do Ensino Fundamental aprovadas pelo Programa Nacional do Livro 
Didático de 2011. Para atingir esse objetivo, buscamos observar, principalmente, se são e 
como são tratadas as estratégias referenciais nessas atividades. Como hipóteses iniciais, 
acreditamos que os livros didáticos costumam priorizar a abordagem de recursos referenciais 
em exercícios de ordem gramatical, utilizando a crônica como pretexto, e que os exercícios 
sobre referenciação são de localização de referentes, sem possibilitar uma leitura mais 
amadurecida e crítica desses textos. Este trabalho mostra-se relevante ao pretender demonstrar 
que, com o auxílio da referenciação, os alunos possam ler e interpretar, refletindo sobre as 
possibilidades de escolha que a língua oferece para a construção de sentidos dos textos. 
Assim, a compreensão de um texto também depende do domínio da referenciação: por meio 
das estratégias referenciais empregadas, o aluno pode identificar as intenções comunicativas 
dos textos, indo além do que está na superfície textual, o que evidencia uma leitura mais 
aprofundada. 
 
 
 
Palavras-chave: referenciação; leitura; crônicas; livro didático; intencionalidade. 
7 
 
 
 
ABSTRACT 
 
REFERENCIATION IN READING ACTIVITIES WITH CHRONICLES: AN ANALYSIS 
OF PORTUGUESE LANGUAGE TEXTBOOKS 
 
Fabiana da Costa Gonçalo 
 
Guideline: Leonor Werneck dos Santos 
 
 
 Abstract of the Master’s dissertation submitted to Programa de Pós-Graduação em 
Letras Vernáculas, Faculdade de Letras, Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, as 
part of requirements for obtaining the title of Master in Vernacular Letters (Portuguese 
Language). 
 
 
 This work is part of the current studies of Textual Linguistics, bringing together two 
issues of paramount importance in this area: referenciation and reading. Our main objective is 
to investigate the existence of reading and interpretation activities that address the 
referenciation processes in chronicles present at 14 collections of textbooks in the second 
segment of Elementary Education approved by PNLD 2011. To achieve this goal, we seek to 
observe especially if and how referenciation strategies are treated in these activities. As initial 
hypotheses, we believe that textbooks tend to prioritize the use of referenciation resources in 
grammatical exercises, using the chronicles as a pretext, and on exercises about the location 
of referents without allowing a more mature and critique reading of these texts. This study is 
relevant to show that, with the help of referenciation, students can read and interpret, 
reflecting on the choice that the language provides for the construction of texts meaning. 
Thus, the understanding of a text also depends on the referenciation: through referenciation 
strategies employed, the student can identify the communicative intentions of the texts, going 
beyond what is on the textual surface, which shows a further depth reading. 
 
 
 
 
Keywords: referenciation; reading; chronicles; textbook; intentionality. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
8 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Aos meus avós, Euza e Joaquim. 
9 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
 Agradeço a Deus por ter me dado mais essa oportunidadee por ter me mantido forte 
durante toda a caminhada. 
 Agradeço aos meus avós e a minha mãe, que sempre estão ao meu lado e me apoiam 
incondicionalmente em tudo o que eu faço. São os meus amores, minha família. Devo tudo a 
eles. Obrigada por todos esses anos de amor e de dedicação infinitos. 
 Agradeço ao meu pai e ao meu irmão por torcerem tanto por mim e por estarem 
sempre presentes na minha vida, mesmo que não tenhamos um contato diário. 
 Agradeço ao Israel, pelo companheirismo, pela paciência e por sempre me animar 
quando o desespero inevitável aparecia. Obrigada por ser tão carinhoso e tão cuidadoso 
comigo desde sempre. Você nem imagina o quanto tem me ajudado. 
 Agradeço aos meus amigos, que me ouviram, me aconselharam e me deram momentos 
de descontração para aliviar as preocupações com a dissertação. 
 Agradeço a minha orientadora, professora Leonor Werneck dos Santos. Tenho 
aprendido muito com você e me sinto muito orgulhosa por ser uma das suas “meninas”. 
 Agradeço ao CNPq, por ter financiado esta pesquisa, o que foi indispensável. 
 Agradeço às editoras e, em especial, ao Welington, que forneceram os livros didáticos 
analisados nesta pesquisa. 
 Agradeço a todos os professores que tive ao longo da minha vida e que contribuíram 
para eu ser a professora que sou hoje. 
 Agradeço aos meus alunos, que dão sentido a isso tudo. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
10 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO..................................................................................................... 11 
1. A LINGUÍSTICA DO TEXTO..................................................................... 16 
 1.1 O texto como processo.............................................................................. 16 
 1.2 Estrutura argumentativa e estratégias textuais-
discursivas........................................................................................................... 
20 
2. REFERENCIAÇÃO E CONSTRUÇÃO DOS SENTIDOS....................... 25 
2.1 Uma atividade discursiva........................................................................... 25 
 2.2 Os processos referenciais atrelados à menção........................................... 31 
3. LEITURA E ENSINO.................................................................................... 41 
3.1 As concepções de leitura............................................................................ 41 
3.2 A leitura e a interpretação nas aulas de língua portuguesa........................ 43 
 3.3 A leitura e a interpretação nos LDP........................................................... 47 
 3.4 Aprofundando: a leitura e a interpretação associadas à Referenciação........ 50 
4. ANÁLISE DOS LIVROS DIDÁTICOS............................................................ 54 
 4.1 Metodologia................................................................................................... 54 
 4.2 Visão geral da referenciação nas atividades com crônicas dos LDP ............. 58 
 4.3 Análise dos exercícios..................................................................................... 59 
 4.3.1 Repetição............................................................................................... 59 
 4.3.1.1 A repetição como um problema para o texto............................ 59 
 4.3.1.2 A repetição e seus efeitos de sentido nos textos........................ 61 
 4.3.2 Identificação de referentes.................................................................... 65 
4.3.2.1 Sem interpretação...................................................................... 65 
 4.3.2.2 Com interpretação...................................................................... 69 
 4.4 Aprofundando a discussão............................................................................. 82 
5. SUGESTÕES DE ATIVIDADES...................................................................... 87 
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................. 95 
R EFERÊNCIAS..................................................................................................... 98 
ANEXOS................................................................................................................. 104 
 
 
 
 
11 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
 Seguindo uma concepção sociocognitiva e interacional de linguagem, esta pesquisa 
insere-se nos estudos atuais da Linguística do Texto sobre referenciação, pretendendo 
contribuir para o ensino de leitura e compreensão textual nas aulas de língua portuguesa. 
Nessa perspectiva, o presente trabalho tem por objetivo primordial investigar a existência de 
atividades de leitura e interpretação que abordem o funcionamento de processos referenciais 
com textos pertencentes ao gênero crônica, em 14 coleções de livros didáticos do segundo 
segmento do ensino fundamental (6º a 9º anos), aprovadas pelo Programa Nacional do Livro 
Didático (PNLD) de 2011. 
 A motivação para esse trabalho nasceu do interesse em estudar a referenciação, 
processo relevante para a construção textual. A compreensão de um texto depende, dentre 
outros fatores, do domínio das estratégias coesivas que permitem retomar informações já 
mencionadas ou inferíveis no contexto e que fazem perceber as transformações pelas quais 
passam os referentes ao longo do texto, de acordo com os propósitos comunicativos do 
produtor textual. Nesse sentido, a referenciação é um importante processo cognitivo de 
organização estrutural para a progressão temática do texto, com a construção, manutenção, 
recuperação e transformação de referentes, contribuindo, assim, para a compreensão. 
 Apesar de já haver um tratamento textual nos estudos de língua, decorrente, em parte, 
das diretrizes dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), a referenciação ainda é 
abordada superficialmente, por ser um conceito relativamente recente e, por conta disso, 
confundido com o conceito tradicional de coesão referencial. Devemos salientar, então, que a 
opção por usar o termo referenciação em vez de coesão referencial decorre de este dizer 
respeito apenas à recuperação de elementos linguísticos presentes na superfície textual, 
enquanto aquele indica um processo mais amplo e interativo de escolhas, envolvendo fatores 
extralinguísticos, tais como cultura, conhecimento de mundo, situação comunicativa entre os 
interlocutores, dentre outros. 
 Por isso, assim como Koch (2002, 2004) e Cavalcante (2011), adotamos a concepção 
não representacional de referência, entendendo-a dentro de uma perspectiva discursiva e 
colaborativa entre os parceiros da enunciação, tratando a linguagem de modo flexível e 
instável, e não como etiquetas prontas para serem distribuídas. 
 Conforme já mencionado em pesquisas anteriores (cf. TUPPER; GONÇALO; 
CORTES, 2009) em que se observou a importância da referenciação no ensino, apesar de a 
12 
 
 
 
Linguística do Texto conceber o texto como o “lugar de interação”, o ensino de língua 
portuguesa continua priorizando a correção gramatical, em detrimento do estudo do texto, em 
especial dos mecanismos de referenciação. As estratégias referenciais, que deveriam ser 
utilizadas como um meio essencial de depreender o sentido, não têm sido contempladas 
satisfatoriamente, principalmente no ensino fundamental, em que, salvo raras exceções, nem 
são abordadas, deixando o “problema” para ser resolvido no ensino médio. 
 Ainda em relação à abordagem textual realizada pela tradição escolar, percebemos que 
a leitura e a interpretação servem muitas vezes como pretexto para que o professor possa 
introduzir algum assunto ligado a questões gramaticais, como ortografiae funções sintáticas 
(cf. SANTOS, 2005). Como consequência dessas atividades, os alunos não sentem interesse 
nem prazer pela leitura, não vendo função em uma prática que serve a fins puramente 
didáticos. Dentro desse painel, conforme afirma Marcuschi (2008, p. 52), o problema do 
ensino não é a ausência do trabalho através de textos, mas a inadequação com que esse 
trabalho é realizado, com uma potencialidade restrita de exploração do tratamento linguístico. 
Diante disso, verificamos que o texto deve ser tomado como unidade de ensino de língua 
portuguesa. É preciso, principalmente, que se assuma uma concepção interacional (dialógica) 
da língua, considerando a relação que há entre autor, texto e leitor. 
 Lembrando a noção de texto de Marcuschi (2008) – “evento comunicativo para o qual 
convergem ações linguísticas, cognitivas e sociais” -, podemos associar os recursos 
linguísticos aos sentidos que se pretende construir, o que torna mais dinâmico e produtivo o 
estudo da gramática no texto, principalmente no âmbito referencial, e a intencionalidade tem 
relação estreita com a argumentatividade. Partindo do princípio de que a argumentatividade 
faz parte da língua, é essencial que consideremos a orientação argumentativa existente nas 
estratégias referenciais. A seleção de um recurso referencial revela uma rede de implícitos, já 
que não existe escolha neutra. É importante destacarmos, porém, que consideramos a 
argumentação como atividade inerente às práticas sociais e discursivas, e não como um modo 
de organização do discurso, assim como o são a narração, a descrição, a exposição e a 
injunção. 
 Assim, unindo o estudo da referenciação ao ensino de leitura, escolhemos como 
corpus para esta pesquisa as propostas de atividades relacionadas ao gênero textual crônica 
nos livros didáticos de português (LDP). As crônicas são textos curtos, normalmente 
considerados fáceis de ler, bastante contemplados e recorrentes nos LDP, que possibilitam a 
abordagem de diversos aspectos relevantes para o ensino de língua portuguesa, como, por 
13 
 
 
 
exemplo, pontos de vista, humor, conhecimento de mundo dos alunos, dentre outros (cf. 
FERREIRA, 2008). 
 É um gênero que se origina no jornalismo, mas que, com o tempo, vai deixando de se 
preocupar com a informação propriamente dita para dar espaço ao literário e, muitas vezes, 
acaba trazendo uma reflexão crítica ao leitor. Por ser um gênero que se relaciona aos fatos do 
cotidiano, mostra o funcionamento da língua em situações próximas da vida diária dos alunos, 
provocando-lhes uma avaliação crítica do discurso dos cronistas e de como estes podem 
intervir na formulação de opiniões, na transmissão ou ruptura de ideologias etc (ibidem). 
 Com relação à quantidade de crônicas que compõem nossa análise, temos um total de 
39, sendo que sete delas também foram usadas para ilustrar os processos referenciais no 
Capítulo 2. Devemos ressaltar que não é nossa preocupação, neste momento, fazer um estudo 
sobre a crônica como gênero textual, mesmo que tenhamos que fazer algumas considerações a 
respeito do gênero ao longo do trabalho. 
 Optamos por analisar as atividades com referenciação baseadas em crônicas que estão 
inseridas nos LDP, pelo fato de que esses livros são um material importante no trabalho 
docente, servindo como um guia e suporte teórico para os professores, bem como fonte de 
estudo para os alunos. Contudo, nem sempre tais compêndios mostram-se eficazes no 
tratamento linguístico, principalmente por legitimar um ensino de língua portuguesa preso a 
regras do “falar e escrever corretamente” (cf. SANTOS, 2005, 2009). 
 Sabemos que há muitas pesquisas sobre o fenômeno da referenciação, porém ainda são 
poucos os estudos que o associem às atividades de leitura e interpretação. Além disso, com 
relação à argumentatividade das estratégias referenciais, é comum esse estudo em textos 
predominantemente argumentativos, como os artigos de opinião, editoriais, textos 
publicitários etc. 
 Assim, para a presente pesquisa com atividades de LDP, inicialmente, fizemos os 
seguintes questionamentos: (1) Os recursos coesivos referenciais são explorados 
especificamente nas atividades de leitura e interpretação com as crônicas?; (2) Como os 
exercícios abordam os recursos referenciais nesses textos? 
 No intuito de responder a essas indagações, levantamos as seguintes hipóteses: 
• Os LDP não costumam priorizar a abordagem de recursos referenciais nas atividades 
com leitura e interpretação de textos, mas nos exercícios de ordem gramatical, 
utilizando a crônica como pretexto; 
14 
 
 
 
• Em geral, os exercícios sobre referenciação, nos LDP, são de localização de referentes, 
sem provocar uma leitura mais aprofundada e crítica das crônicas. 
 
 Então, buscaremos observar, principalmente, se são e como são tratadas as estratégias 
referenciais em atividades de leitura e interpretação de crônicas presentes nos LDP. Também 
pretendemos sugerir algumas atividades, de elaboração própria, visando a contribuir para que 
os professores tenham um suporte para tornar suas aulas de leitura e interpretação mais 
produtivas, conseguindo despertar um maior interesse dos alunos. Assim, pretendemos, ainda, 
contribuir para os estudos no campo da referenciação, incentivando novas pesquisas nessa 
área, e também contribuir para um trabalho com mais qualidade em sala de aula, visto que, 
atualmente, o ensino de língua materna tende a ter por foco os processos de leitura e produção 
textual, seguindo os PCN. 
 Tendo em vista nossos objetivos, adotamos como alicerce teórico: a) estudos sobre a 
referenciação, citando os trabalhos de Mondada, Apothéloz, Koch, Marcuschi, Marquesi e 
Cavalcante; b) discussões em torno da argumentatividade, representados por Ducrot, 
Charaudeau, Cortez, Pires e Giacomelli e Bakhtin; e c) estudos sobre a leitura, nas pesquisas 
de Kleiman, Geraldi, Marcuschi, Travaglia e Koch. 
 De modo a organizar melhor esse arcabouço teórico, em termos de uma ordem 
coerente, estruturamos esta dissertação em seis capítulos. No primeiro, faremos um panorama 
geral da Linguística do Texto, mostrando como o conceito de texto foi se modificando ao 
longo das décadas até chegar à visão sociocognitiva e interacional que temos hoje. Nesse 
capítulo, também nos dedicaremos a refletir sobre o fato de que a linguagem é caracterizada 
pela argumentatividade, pois todos nós somos sujeitos com determinadas intenções para 
atingir nossos interlocutores. 
 O segundo capítulo dedica-se à abordagem da referenciação, partindo, brevemente, 
dos seus estudos iniciais, que defendiam uma estabilidade entre o nome e seu referente no 
mundo, até chegar à atual concepção, de uma atividade que se constrói no discurso e que é 
construída pelo discurso. Além disso, nesse capítulo, ainda destacaremos que o uso de 
expressões nominais é uma estratégia referencial com alto teor argumentativo. 
 Já o terceiro capítulo focará as questões ligadas ao ensino de leitura, tanto em relação 
às aulas de língua portuguesa, quanto em relação aos livros didáticos dessa disciplina. 
Adicionalmente, associaremos a leitura ao fenômeno da referenciação, considerando a 
15 
 
 
 
importância da produção dos sentidos por meio da construção de referentes numa interação 
constante com o texto. 
 O quarto capítulo será iniciado com a apresentação da metodologia e, posteriormente, 
começaremos a análise dos cinquenta e seis livros didáticos, correspondentes a quatorze 
coleções, com o intuito de verificar se e como o processo referencial é abordado nas 
atividades de leitura e interpretação com crônicas. O modo como encaminhamos nossa análise 
é qualitativo, mas também quantificaremos as ocorrências para verificar o número de 
exercícios encontrados e as categorias de exercícios que são mais empregadas nas coleções. 
 No quinto capítulo,apresentaremos algumas propostas de atividades de leitura com o 
uso de estratégias referenciais, buscando servir de subsídio para o trabalho docente em sala de 
aula. Por fim, o sexto capítulo trará as últimas considerações a serem feitas sobre nossa 
pesquisa, verificando a pertinência das hipóteses e objetivos postulados. 
 Sendo assim, este trabalho mostra-se relevante ao pretender que, com o auxílio da 
referenciação, os alunos possam ler e interpretar, refletindo sobre as possibilidades de escolha 
que a língua oferece para que determinados sentidos sejam atendidos. 
 
16 
 
 
 
1. A LINGUÍSTICA DO TEXTO 
 
1.1 - O texto como processo 
 
 Na década de 60, na Europa, surgiu a Linguística do Texto (LT), estabelecendo o texto 
como a principal fonte de investigação dos fatos linguísticos, no lugar do então estudo da 
palavra isolada e da frase descontextualizada. Até a primeira metade da década de 70, a 
preocupação básica era em relação aos mecanismos interfrásticos, ou seja, componentes do 
sistema gramatical, como correferência, pronominalização, artigo, ordem das palavras, dentre 
outros usos que garantiam o estatuto de texto, visto como um produto. O objeto de estudo 
principal era, então, a coesão, o que fez com que surgissem diversas gramáticas do texto. 
 A partir da segunda metade da década de 70, predominou, na LT, a perspectiva 
pragmática (“virada pragmática”), defendendo o texto como a unidade básica de interação 
humana, considerado no processo mesmo de sua constituição, e não mais um produto 
acabado; por isso, os elementos que revelam as intenções dos falantes deveriam ser levados 
em conta. Nesse momento, a língua deixa de ser encarada como um sistema autônomo e passa 
a funcionar dentro das situações reais de comunicação de uma sociedade. São dessa época as 
teorias dos Atos de Fala e da Atividade Verbal (cf. KOCH, 2004). 
 Na década de 80, o texto passa a ser visto como o resultado de processos cognitivos 
(“virada cognitivista”), e a LT foi buscar explicações para as inferências por meio das 
representações mentais. Nessa época, postula-se que se devem levar em conta os saberes 
armazenados na memória dos parceiros da comunicação para explicar as operações 
responsáveis pela forma como os textos são criados e utilizados. Esses saberes são de três 
tipos: (i) linguísticos – noções gramaticais e lexicais; (ii) enciclopédicos – conhecimentos 
gerais sobre o mundo e conhecimentos retirados de vivências pessoais e de eventos marcados 
no espaço e no tempo; e (iii) sociointeracionais – conhecimentos que permitem reconhecer os 
propósitos ou objetivos pretendidos pelo produtor de um texto, bem como tipos de atos de 
fala, normas comunicativas gerais, tipos de ações linguísticas, gêneros e tipos textuais (cf. 
KOCH e ELIAS, 2006). 
 A partir de 1980, discute-se, também, a dicotomia entre texto e discurso. Muitos 
linguistas assumem uma perspectiva textual-discursiva, por considerarem que o texto não 
deve ser visto simplesmente como uma superfície material que conduz ao discurso, mas como 
17 
 
 
 
indissociável dele e definido pelo uso (cf. KOCH, 2002, 2004; MARCUSCHI, 2008; 
CIULLA E SILVA, 2008). 
 A concepção atual da LT foi estabelecida a partir da década de 90 (“virada 
discursiva”), baseando-se na perspectiva de Bakhtin (GOMES-SANTOS et al., 2010). O texto 
começou a receber um tratamento de ordem sociocognitiva-interacional, pois não podia ser 
entendido apenas como resultado de processos cognitivos. Segundo Koch (2004, p. 29-30), 
fundamenta-se, nessa época, a ideia de que as operações não ocorrem apenas na mente do 
indivíduo, mas são o resultado da interação de várias ações conjuntas praticadas por ele, 
sendo, portanto, resultado de processos cognitivos e interacionais. Dessa forma, a partir da 
concepção de base sociocognitiva-interacional, o texto passa a ser entendido como “lugar de 
interação entre atores sociais e de construção interacional de sentidos” (KOCH, 2004, p. XII). 
 Dentro dessa perspectiva, a LT trouxe uma mudança para o estudo do texto, 
considerando a interação humana pela linguagem (autor-texto-leitor), em que há uma co-
construção de sentidos. O processamento do texto acontece on-line e há um abandono da 
concepção do texto como um resultado pronto e acabado, em uma relação de hierarquia autor-
leitor (cf. GOMES-SANTOS et al., 2010). Além disso, o contexto –, considerado por Van 
Dijk (1997) como o conjunto de todas as propriedades da situação social que são 
sistematicamente relevantes para a produção, compreensão ou funcionamento do discurso e 
de suas estruturas –, passa a ser associado ao texto. 
 De acordo com essa nova abordagem, não devemos colecionar informações isoladas, 
mas relacioná-las e tirar conclusões a respeito delas (PAULIUKONIS, 2007, p.242), isto é, no 
lugar de somente entender qual o assunto de um texto, analisar as operações que a língua 
oferece para estabelecer como e por qual motivo aquilo que se diz é dito. De acordo com 
Koch (2002, p.19): 
 
O processamento textual, quer em termos de produção, quer de compreensão, 
depende, essencialmente, de uma interação (“inter-ação”) – ainda que latente – entre 
produtor e interpretador. Esta atividade compreende, da parte do produtor do texto, 
um projeto de dizer; e da parte do interpretador (leitor/ouvinte), uma participação 
ativa na construção do sentido, por meio da mobilização do contexto, a partir das 
pistas e sinalizações que o texto lhe oferece. Produtor e interpretador do texto são, 
portanto, estrategistas, na medida em que, ao jogarem o jogo da linguagem, 
mobilizam uma série de estratégias – de ordem sociocognitiva, interacional e textual 
– com vistas à produção do sentido. 
 
 Nesse tratamento sociointeracional, o texto é um tecido formado de fios que, juntos, 
formam uma unidade de sentido que transmite alguma informação num dado contexto, e não 
18 
 
 
 
uma série de frases fragmentadas. Conforme Costa Val (2006, p. 3), o texto é uma “unidade 
linguística comunicativa básica, já que o que as pessoas têm para dizer umas às outras não são 
palavras nem frases isoladas”. 
 Assim, a interação faz parte de toda atividade linguística, verbal e não verbal, e 
funciona sob uma série de regras entre os interlocutores: na interação verbal, os participantes 
envolvidos buscam atingir determinados objetivos de acordo com um jogo de negociações. 
Para Fávero, Andrade e Aquino (2011, p.16), toda comunicação interpessoal é uma relação 
dialógica em que os parceiros adaptam, a todo o momento, seus diálogos às necessidades do 
outro. 
 Sabendo que o texto é a linguagem colocada em uso, produzimos diversos textos no 
nosso dia a dia para expressar as intenções e finalidades de nossos atos comunicativos. Tudo 
dependerá de nossa escolha para um momento específico, do propósito comunicativo, para 
suprir uma determinada necessidade nossa: pode ser um bilhete, uma carta, um e-mail, um 
requerimento, uma lista de compras etc. Além de produzi-los, consumimos, porque somos 
expostos a uma série de textos com formatos diferentes, com os quais temos que lidar durante 
nossa vida: bula de remédio, notícia de jornal, manual de instrução, piada, charge, história em 
quadrinhos, receita, dentre muitos outros que também existem para atender aos nossos 
propósitos. Cada um desses textos cumpre uma finalidade social determinada e exige do leitor 
várias habilidades para ser compreendido. 
 Desse modo, a leitura e a interpretação textuais são processos para reconstruir 
sentidos, o que faz lembrar o Princípio de Interpretabilidade, de Charolles (1983, p. 189), que 
postula que, quando apelamos para analisar os elementos contextuais, principalmente os de 
natureza sociocognitiva e interacional, já estamos entrando no campo da coerência. Isso quer 
dizer que a coerência está presente no próprio leitor, que interage com o autor ecom o texto, 
seguindo as pistas dadas e baseando-se nos conhecimentos de sua “bagagem cultural”, o que 
significa que as incoerências são apenas aparentes, pois podem se desfazer na interação. 
 Desse modo, a coerência é “a unidade semântica do texto num contexto determinado 
que toma corpo em sequências de enunciados” (GUIMARÃES, 2009, p.16), tendo uma 
função de natureza cognitiva, comunicativa e de interação, e não só semântica e lógica. 
Ressaltamos, porém, que há casos em que é justamente a ausência de coerência que dá o 
sentido ao texto, atendendo a efeitos humorísticos, como é comum em piadas, charges e 
tirinhas. Essa exceção é possível, pois trabalhamos com a concepção pragmática da coerência, 
em que o comportamento automático e inconsciente do leitor é regido por princípios, fazendo 
19 
 
 
 
com que a coerência não se limite mais a marcas textuais, mas a processos mentais existentes 
entre enunciador e enunciatário. 
 O mesmo ocorre com as inferências, interpretações que misturam o que é dito 
explicitamente com algo além desse dito. Diante disso, percebemos que os sentidos emergem 
e são criados exclusivamente no discurso, fazendo com que a coerência também dependa da 
interação com o leitor. 
 O produtor do discurso sabe da existência do interlocutor e conta com ele para se fazer 
entender, podendo inclusive omitir certas informações que ele sabe que serão recuperadas, 
seguindo a um Princípio de Economia. Por outro lado, o receptor supõe que o discurso seja 
coerente e se esforça ao máximo para compreendê-lo. Dessa forma, há um acordo tácito de 
cooperação entre os participantes da interação que permite que a comunicação se efetue com 
sucesso. Para Costa Val (2006, p. 12), “essa cumplicidade do receptor para com o texto é que 
possibilita que a produção não seja tarefa excessivamente difícil e tensa e, assim, viabiliza o 
jogo comunicativo” [grifo da autora]. 
 Como sinalizam Santos, Cuba Riche e Teixeira (2012, p. 16), um texto pode ser 
coerente para um leitor e incoerente para outro, a depender das experiências de cada um. 
Algumas pessoas têm mais facilidade em compreender determinados textos do que outras. É 
mais fácil ler e interpretar quando se tem um contato mais frequente, quando aquilo faz parte 
da experiência de mundo do indivíduo, pois ele já possui os conhecimentos prévios 
necessários. Como por exemplo, uma dona de casa pode compreender uma receita mais 
facilmente do que uma ata de reunião. 
 Portanto, atualmente, para a LT, o texto é uma unidade de análise considerada um 
processo, uma “realidade incompleta, inacabada, sendo concretamente atualizada não só no 
momento de sua produção, mas, principalmente, no momento de sua recepção” (BENTES; 
RAMOS; ALVES FILHO, 2010, p.392). Para Marcuschi (2008), os três grandes pilares da 
textualidade são o produtor/autor, o leitor/receptor e o próprio texto, que é visto como um 
evento. 
 O texto é uma unidade sintático-semântico-pragmática e é preciso estudá-lo em 
conjunto com as outras áreas, pois ele não tem sentido por si mesmo, só na interação. Em 
especial, percebemos que a LT está intimamente relacionada à pragmática, pois aborda o 
funcionamento do texto como atuação informacional e comunicativa, ressaltando o uso que o 
indivíduo faz da língua. 
20 
 
 
 
 De acordo com Cavalcante et al. (2010), a LT tem assumido abertamente a 
necessidade de dialogar com diversas outras ciências, tais como a Filosofia da Linguagem, a 
Neuropsicologia e a Literatura, sendo uma “ciência integrativa” (KOCH, 2002, p.157). 
Conforme apontado por Koch e Marcuschi (1998), esse intercâmbio ocorre pelo fato de a LT 
não conceber a língua como autônoma sob nenhum aspecto, fazendo com que adquira um 
caráter multidisciplinar, dinâmico, funcional e processual. Sendo assim, segundo o autor, se o 
texto é considerado uma entidade complexa, torna-se necessário um olhar multidisciplinar 
para o entendimento dos fenômenos textuais. 
 
1.2 - Estrutura argumentativa e estratégias textuais-discursivas 
 
 Diante dos nossos interesses nesta pesquisa, é importante ressaltar algumas noções 
principais sobre a argumentação. Começamos, então, por duas importantes correntes teóricas: 
a Teoria Semiolinguística do Discurso, de Charaudeau, e a Teoria da Argumentação na 
Língua, de Ducrot. Essas duas teorias apresentam pontos de divergência, mas também trazem 
aspectos comuns, como o fato de ambas privilegiarem a argumentação como objeto de estudo 
e de terem se originado nas teorias da enunciação, partindo do princípio de que não é possível 
estudar a língua em uso sem levar em conta o sentido, apreendendo-o pela perspectiva 
enunciativa (BARBISAN et al., 2010). 
 De acordo com a Teoria Semiolinguística do Discurso, o discurso é visto como um 
“jogo comunicativo” entre a sociedade e suas produções linguageiras. Essa teoria preocupa-se 
em analisar o significado textual em função do projeto de influência e da ação persuasiva do 
sujeito enunciador sobre o sujeito receptor/ destinatário em determinado contexto e em uma 
situação de interação. Charaudeau (1983) afirma que argumentar é uma das funções da língua, 
assim como narrar e descrever também o são. 
 Para a Teoria da Argumentação na Língua, há a concepção de que a própria língua é 
argumentativa, ou seja, a argumentação é a função primordial da linguagem, e não a 
informação, pois sempre se fala com a intenção de causar algum efeito no interlocutor, como 
também assinala Koch (2011 [1983]). Ducrot (1983) desconsidera a objetividade na 
constituição do sentido, mantendo a subjetividade e a intersubjetividade. Assim, o autor 
importa-se com a argumentação apenas na microestrutura (enunciados, construções sintáticas, 
articuladores argumentativos e léxico), com uma teoria que propõe a construção do sentido 
pela interdependência entre dois segmentos que se encadeiam (teoria dos blocos semânticos). 
21 
 
 
 
 Ao diferenciar essas duas teorias, Barbisan et al. (2010, p. 219) explicam: 
 
 
Para Charaudeau, a argumentação é uma atividade complexa que parte de um sujeito 
argumentante cuja experiência permite expressar uma convicção e uma explicação e 
transmiti-la ao interlocutor, dirigindo-se à sua faculdade de raciocínio, com a 
finalidade de persuadi-lo a mudar seu comportamento. Já para Ducrot, a língua 
mesma é argumentativa, é da sua essência a argumentação. Considerando-se que o 
sentido do enunciado é a representação de sua enunciação e que, pela enunciação, o 
locutor, por intermédio da relação que estabelece com outros discursos, manifesta 
seu ponto de vista sobre a realidade, recriando-a, não há possibilidade de 
neutralidade e, em vista disso, todo uso da língua é argumentativo, 
independentemente de seu modo de organização. 
 
 Conforme os postulados de Charaudeau (2010, p. 58-59), a argumentação é uma busca 
por racionalidade – ideal de verdade – e uma busca de influência do eu sobre o tu, que tende a 
um ideal de persuasão para que o outro compartilhe as suas ideias. Dentro desse aspecto, há o 
estudo de conceitos de identidade e de alteridade, tendo em vista que não há um eu sem um tu 
e vice-versa e que qualquer relação social é marcada por relações de influência, na qual todos 
os indivíduos são atores. 
 Além da microestrutura, Charaudeau também considera, no estudo da argumentação, a 
macroestrutura, composta por proposta, tese e argumentos, sendo que a tese é o espaço em 
que se deve atribuir se algo é verdadeiro ou falso. Isso significa que o dispositivo 
argumentativo não se limita a uma sequência de frases ou proposições ligadas por conectores 
lógicos, pois o aspecto argumentativo de um discurso encontra-se frequentemente no que está 
implícito. Para ele, o estudo da argumentação deve partir da macroestrutura para depois 
atingir a microestrutura. 
 A partir da tese e dos argumentos que asustentam, encontramos o ponto de vista, que 
pode ocorrer por meio de estruturas linguísticas e textuais: estas dizem respeito à própria 
organização do texto argumentativo na defesa dos argumentos; já aquelas se caracterizam 
pelas escolhas sintático-semânticas – dentre as quais, está a referenciação, assunto desta 
Dissertação. 
 Charaudeau e Ducrot concordam que a linguagem é caracterizada pela 
argumentatividade, como forma de ação, que leva o outro a fazer X. Por trás de qualquer 
discurso, há a intenção de transmitir ideologia(s), na acepção mais ampla do termo, uma vez 
que tudo o que diz respeito à linguagem tem uma subjetividade inerente, pois todos nós somos 
sujeitos com intenções e objetivos delimitados, que buscamos convencer o outro das nossas 
ideias e fazer com que ele chegue às mesmas conclusões que nós. 
22 
 
 
 
 Com relação a essas intenções dos sujeitos, Beaugrande e Dressler (1981), nos seus 
princípios de textualidade, destacam a intencionalidade, em que todo produtor de um texto 
atribui um propósito ao que escreve/fala. Porém, isso só terá efeito se for bem recebido por 
parte do leitor/ouvinte, ou seja, se houver uma aceitabilidade, existindo uma interdependência 
entre esses dois princípios. Seguindo esse raciocínio, se o sujeito sempre age para ser aceito 
de modo que suas opiniões sejam mais bem recebidas do que as dos outros, não existe 
neutralidade, haja vista que até o discurso que se declara “neutro” tem a intenção de ser o 
mais objetivo possível, conforme evidencia Koch (2011, p.17): 
 
O ato de argumentar, isto é, de orientar o discurso no sentido de determinadas 
conclusões, constitui o ato linguístico fundamental, pois a todo e qualquer discurso 
subjaz uma ideologia. A neutralidade é apenas um mito: o discurso que se pretende 
“neutro”, ingênuo, contém também uma ideologia – a da sua própria objetividade. 
 
 Isso significa que admitimos as relações argumentativas dentro da própria língua, pois 
“basta falar para argumentar” (PLANTIN, 1996). Cortez (2005) afirma que a argumentação 
não deve ser encarada de forma homogênea, uma vez que há inúmeros recursos linguísticos 
para o seu processamento e também porque a própria situação de uso da língua vai interferir 
nesse processamento. 
 Para Guimarães (2009, p.98), o discurso é “um ato guiado por sujeitos que se 
constituem em variados papéis sociais a partir de também variadas situações comunicativas”. 
Como resultado disso, o texto é o espaço de interação usado pelo sujeito para expressar suas 
ideologias e, à medida que o faz, ele se constrói e é construído. 
 Nesse âmbito, dentro do discurso, não existe um sujeito único, mas um sujeito 
constituído socialmente, fruto de uma série de convenções sociais que guiarão o seu dizer. 
Quando ele constrói o seu discurso, ele pode assumir vários papéis, de acordo com fatores 
como contexto, emissor e destinatário. 
 Para Bakhtin (2000), em sua teoria dialógica da enunciação, a concepção dialógica da 
linguagem evita um modo fechado de tratar as questões da língua, pois pressupõe a interação 
sujeito-linguagem-história-sociedade, isto é, para ele, a fala não é individual, e sim social, por 
sempre depender das condições de comunicação influenciadas pelas estruturas sociais. 
Segundo essa teoria, há “um processo de intersubjetividade no qual a identidade torna-se o 
reconhecimento do sujeito histórico através da alteridade, de outros seres sociais” (PIRES E 
GIACOMELLI, 2008, p. 200). O autor ainda ressalta que todos os discursos apresentam uma 
23 
 
 
 
ideologia em maior ou menor escala. Esse enfoque dialógico pode ser observado no seguinte 
fragmento: 
 
 
[A palavra] nunca basta a uma consciência, a uma voz. Sua vida está na passagem de 
boca em boca, de um contexto para outro, de um grupo social para outro, de uma 
geração para outra [...]. Um membro de um grupo falante nunca encontra uma 
palavra neutra na língua, isenta das aspirações e avaliações de outros ou despovoada 
de vozes de outros. Absolutamente. A palavra ele a recebe da voz de outro e repleta 
da voz de outro (BAKHTIN, 1929, p.203). 
 
 Com a língua, a ideologia surge numa sociedade, podendo se apresentar em qualquer 
tipo de mensagem. Como efeito do uso da língua, o sujeito reconhece-se como tal e 
compreende o seu papel dentro de um grupo de semelhantes, conseguindo tomar partido, 
espelhar uma visão de mundo, levar à reflexão, emitir um juízo de valor positivo ou negativo 
sobre determinado assunto ou situação e mobilizar pessoas. Logo, o indivíduo demonstra a 
sua identidade social e ideológica pela linguagem, e não há um sujeito único produtor do 
discurso, mas uma polifonia, um jogo de vozes diferenciadas na única voz do produtor do 
texto, fazendo com que o discurso seja sempre construído em conjunto, à luz do contexto 
social, da história, da época, da cultura, de discursos anteriores retidos na memória etc. É o 
que se verifica no seguinte trecho: 
 
A língua, bem como os indivíduos que a usam, está situada em um contexto sócio-
histórico. Ao veicular concepções de mundo, a linguagem torna-se um lugar de 
confrontos ideológicos, uma vez que carrega uma carga semântica de valores 
culturais que exprimem as cizânias e as contradições da sociedade. Esta 
característica de plurivalência social do signo linguístico deve-se ao seu valor 
contextual, visto que a situação social imediata é responsável pelos sentidos 
manifestos (PIRES E GIACOMELLI, 2008, p. 203) [grifos das autoras]. 
 
 Nesse ponto, a leitura cumpre um papel fundamental, pois os leitores demarcam e 
constroem suas representações sociais a partir do que leem, principalmente em jornais e 
revistas, que usam seus discursos, muitas vezes, para enraizar, na sociedade, valores, crenças, 
estereótipos e até preconceitos. Segundo Cortez (2005, p. 47), uma teoria da argumentação 
como atividade construtiva deve levar em conta uma “teoria da leitura”, por não se preocupar 
apenas com a produção textual, mas com seu reconhecimento por parte de quem a lê. 
 Podemos, então, afirmar que cada texto busca, de algum modo, levar o leitor à 
aceitação ou ao repúdio em relação às representações sociais. Pela linguagem, um discurso do 
24 
 
 
 
senso comum pode ser mantido ou alterado, a depender, especialmente, do seu 
condicionamento ideológico por relações de poder. 
 Além disso, nossa experiência cotidiana também tem um papel fundamental na 
construção de nossos discursos, porque, com ela, podemos reconhecer que um sentido novo 
sempre se apoia em sentidos já existentes. Por esse motivo, ocorre um confronto discursivo 
cujo jogo linguístico pode ser surpreendente ou não, percebendo em que medida o uso da 
linguagem pode contribuir para manter os problemas da sociedade, por exemplo, ou em que 
medida ele pode retificá-los (cf. PIRES E GIACOMELLI, 2008). 
 Logo, entendemos que a argumentação é uma atividade interativa, presente na língua 
como um todo e, portanto, não se restringe apenas a alguns textos, mas faz parte de todos eles. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
25 
 
 
 
2. REFERENCIAÇÃO E CONSTRUÇÃO DOS SENTIDOS 
 
2.1 - Uma atividade discursiva 
 
 Dentro das abordagens da LT, o processo de referenciação é um dos temas mais 
recorrentes e analisados, estando longe de ter uma discussão esgotada e sendo, 
frequentemente, associado a diversos campos do conhecimento, como a filosofia, a 
psicologia, a sociologia, a análise do discurso, dentre outros. Trata-se de uma das formas de 
estabelecimento da coesão textual, destacando-se como importante estratégia para introduzir 
novas entidades ou referentes no texto. Diante disso, é importante entender como se formou a 
noção atual que temos desse fenômeno. 
 A referenciação existe porque sempre fazemos referênciaa algo quando nos 
reportamos a pessoas, animais, objetos, sentimentos, ideias, emoções, qualquer coisa, enfim, 
que se torne essência, que se substantive quando falamos ou quando escrevemos (cf. 
CAVALCANTE, 2011). Para a autora, existe referência em qualquer enunciação: uma troca 
conversacional, a leitura de um texto verbal ou multimodal, um filme ou programa de TV etc 
(apud ELIAS, 2011). Segundo Marcuschi (2007a, p.105), a referência é aquilo que se 
constrói, na atividade discursiva e no enquadre das relações interpessoais, em comum acordo 
entre os atores sociais envolvidos numa determinada situação comunicativa. 
 Os referentes são entidades abstratas que construímos mentalmente, cada um de seu 
modo, quando enunciamos um texto. No momento de interação, há uma instabilidade, porque 
esses referentes não serão iguais para todos os participantes - cada um concebe e percebe as 
coisas de um jeito - mas apresentarão muitos pontos em comum, permitindo a recuperação e 
produção dos sentidos. Tudo dependerá da bagagem cultural dos enunciadores e da atenção 
dada ao discurso (cf. CAVALCANTE, 2011). Sendo assim, os referentes não existem 
sozinhos, e as escolhas feitas pelos falantes não são aleatórias. 
 Antes mesmo de esse assunto preocupar os linguistas, na Antiguidade Clássica, os 
filósofos da linguagem e os lógicos já mostravam seu interesse pelo modo como as expressões 
nomeavam as entidades, fazendo uma associação direta entre significado, significante e 
referente. Platão e Aristóteles entendiam o referente como algo que subsistia exteriormente ao 
texto materializado, enquanto que a referência era a relação entre um dizer e um não dizer. 
 Platão, que era de uma orientação realista e essencialista da significação, considerava 
que a linguagem exigia que se pensasse o real como tendo existência própria. Nessa visão, a 
26 
 
 
 
função da linguagem seria descrever e representar o real. Por outro lado, havia os sofistas, de 
uma orientação relativista, que incluíam a subjetividade na linguagem, considerando o que era 
extralinguístico. Embora a visão atual de referência se aproxime mais da perspectiva dos 
sofistas, devemos fazer a ressalva de que o que eles entendiam por extralinguístico não é 
integralmente o mesmo que se entende hoje, pois, antigamente, apenas o entorno 
sociocomunicativo era considerado extralinguístico. 
 Posteriormente, no entendimento de Santo Agostinho, a noção de referente confundia-
se com a de objeto denotado, uma vez que não haveria significado se não houvesse referente, 
o que fez com que referência e denotação se tornassem sinônimos. Esse conflito conceitual, 
nos dias de hoje, não faz sentido, tendo em vista que o significado denotativo do signo não é 
suficiente para a interpretação e, por isso, a referência vai além do sentido concreto das 
palavras. Somente a denotação pode tratar das palavras em sentido literal ou estado de 
dicionário, pois a referência necessita obrigatoriamente de um contexto. Nas palavras de 
Cavalcante (2011, p. 22): “a denotação pertence ao âmbito do sistema, ao passo que a 
referência só se efetiva no uso”. 
 Então, percebemos que, durante muito tempo, a questão da referência foi entendida e 
estudada como uma forma de representação do “mundo real” no cotexto, ou seja, as formas 
linguísticas utilizadas para retomar ou antecipar algo, na superfície textual, deveriam ser 
selecionadas de acordo com critérios de correspondência e veracidade em relação ao mundo 
exterior que, por sua vez, estava pronto para ser espelhado (cf. CAVALCANTE et al., 2010). 
É nessa perspectiva de reflexo da realidade que está a noção tradicional de coesão referencial, 
que concebe a linguagem como transparente e considera os referentes como objetos do 
mundo, excluindo o contexto e a construção de efeitos de sentido. Em outras palavras, a 
noção de “fazer referência a algo” dizia respeito a algo estritamente linguístico: a relação 
entre palavras isoladas e referentes do mundo real prontos para serem etiquetados e 
manipulados de modo rígido. 
 Posteriormente, alguns estudiosos, como Mondada, Apothéloz & Reicher-Béguelin e 
Koch, voltaram-se para a necessidade de considerar uma perspectiva sociocognitiva e 
interacionista no que diz respeito à referência, entendendo que referentes são construtos 
culturais que se dão na cena de enunciação e podem ser transformados dentro da situação 
comunicativa. De acordo com essa concepção, as formas linguísticas selecionadas devem ser 
avaliadas segundo a adequação aos propósitos e às ações em curso dos enunciadores, que 
compartilham a mesma sociedade, isto é, trata-se a língua como uma negociação entre 
27 
 
 
 
indivíduos e exclui-se uma possibilidade de mundo excessivamente estabelecido e delimitado, 
“pronto para receber uma etiqueta lexical incontestável e válida para todos os sujeitos” 
(CORTEZ, 2005, p. 24). 
 Quando lemos, ouvimos ou produzimos textos, não estamos diante de referentes do 
mundo real, pois não há uma relação natural entre palavras e coisas, mas estamos diante de 
uma representação por um sistema simbólico, que é a língua. Dessa forma, o discurso 
representa o referente segundo a subjetividade do sujeito, o que significa dizer que um 
referente sempre será construído por um ponto de vista. 
 O nome que damos a um referente não serve para designá-lo por completo, mas 
mostra como nós o concebemos e interagimos com ele. Mondada e Dubois (1995) declaram 
que os referentes dependem muito mais dos múltiplos pontos de vista dos indivíduos em 
relação ao mundo do que de um contrato imposto pela materialidade do mundo. Isso implica 
dizer que podemos associar a referenciação à argumentação ao lidar com as escolhas lexicais 
dos falantes para construir os sentidos pretendidos. 
 A presença do enunciador no discurso ocorre por meio dessas escolhas referenciais 
que ele faz, isto é, ele se revela no texto pela referenciação, marcando o seu ponto de vista. 
Mesmo quando se esforçam para ser isentos de posicionamento, tomam um determinado 
partido. Conforme menciona Rabatel (2005a, p.121), “o modo de apresentação dos referentes 
comporta saberes e marcas de um modo de falar, perceber e/ou pensar que aponta para 
determinado enunciador”. 
 Desse modo, a língua deixa de ser observada como somente uma capacidade mental de 
corresponder à realidade e passa a ser analisada em relação às práticas sociais e às situações 
comunicativas, tendo em vista que os falantes estão a todo o momento fazendo negociações 
para alcançar os sentidos pretendidos. Quando falamos e escrevemos fazendo referência a 
pessoas, animais, objetos, sentimentos, ideias etc, levamos em conta a interação com o outro, 
baseada nas nossas vivências socioculturais (cf. CAVALCANTE, 2011, p.15). 
 Essa concepção construtivista da referência, em oposição à concepção 
representacional da tradição filosófica e epistemológica, demonstra a relação intersubjetiva 
que re (cria) e ressignifica a realidade, bem como as avaliações em termos de adequação à 
situação comunicativa vigente. Nas palavras de Cortez (2011, p.111), não interessa a 
“apreensão exata do real e sua verificação, mas a forma como o real é problematizado, 
conceituado, discursivizado ou textualizado na e para a defesa de posições”. Por isso, segundo 
Marcuschi (2005) e Marquesi (2007), o mundo comunicado é fruto de um agir comunicativo 
28 
 
 
 
ou de uma ação discursiva, e não de uma identificação de realidades discretas, objetivas e 
estáveis. A língua não pré-existe, visto que ela somente ocorre nas situações concretas de uso. 
 Nesse sentido, Mondada e Dubois (1995) e Mondada (2001) propõem a redefinição da 
noção de referência, com a substituição dos termos referência e coesão referencial por 
referenciação e, consequentemente, de referente por objeto-de-discurso, tendo em vista que o 
foco passa a ser atribuído às atividadesinterativas entre sujeitos históricos e sociais, que 
constroem objetos que não espelham fielmente a realidade extralinguística, mas são 
construídos no e pelo próprio discurso. Entendemos que, ao falar de referenciação, não 
estamos falando simplesmente de mais uma dentre as várias operações linguísticas existentes 
e de um sujeito único, mas de um processo colaborativo entre os parceiros da interação. 
 Logo, a referenciação, dentro dos estudos atuais da Linguística do Texto, é um 
processo muito mais complexo e amplo, não importando como nomeamos o mundo, mas 
como interagimos com ele, fazendo com que o mesmo possa ser não só construído, como 
também mantido e alterado. A respeito disso, Koch (2004, p. 57) afirma que a referenciação 
constitui uma atividade essencialmente discursiva, o que implica uma visão não referencial da 
língua e da linguagem, pois: 
 
(...) nosso cérebro não opera como um sistema fotográfico do mundo, nem como um 
sistema de espelhamento, ou seja, nossa maneira de ver e dizer o real não coincide 
com o real. Ele reelabora dados sensoriais para fins de apreensão e compreensão. E 
essa reelaboração se dá essencialmente no discurso [grifo da autora]. 
 
 
 Considerando que os objetos-de-discurso não são elementos homogêneos, fixos, 
estáveis e preexistentes à atividade cognitiva e interativa, mas produtos dela (APOTHÉLOZ; 
REICHER-BÉGUELIN, 1995), devemos ressaltar que os sujeitos realizam uma série de 
escolhas significativas, operando sobre o material linguístico de que dispõem, a fim de atingir 
uma determinada intenção, fazendo com que o processamento do discurso seja estratégico 
(KOCH, 2002, 2008). Desse modo, entendemos que interpretar uma expressão referencial é 
muito mais do que localizar um antecedente explícito na superfície textual – como faz o 
ensino tradicional nas escolas: é alcançar uma proposta de sentido do enunciador, captando a 
informação veiculada no uso que ele faz das estratégias referenciais. 
 Os objetos-de-discurso não são entidades “estáticas, congeladas e registráveis em 
dicionário” (CAVALCANTE, 2011), mas representações semióticas instáveis e 
constantemente reformuláveis, podendo ser retomadas e servir de base para a introdução de 
outros objetos. A manutenção, a desfocalização e a recategorização dos referentes ao longo do 
29 
 
 
 
texto ocorrem de acordo com diversos fatores externos, como crenças, cultura, conhecimento 
de mundo etc. 
 Entendemos por manutenção o momento em que um objeto-de-discurso já introduzido 
permanece em foco no texto, por meio de alguma estratégia referencial. Por outro lado, 
quando um objeto até então em foco fica em stand by, abrindo espaço para a introdução de 
um novo objeto-de-discurso, temos a desfocalização. O objeto também pode ser 
transformado, recategorizado, se houver uma mudança de ponto de vista (cf. KOCH e ELIAS, 
2006). Para Mondada e Dubois (1995), a instabilidade dos objetos está intimamente ligada à 
multiplicidade de pontos de vista que os sujeitos exercem sobre o mundo. 
 Koch (2004) afirma que a compreensão dos sentidos de um texto requer a mobilização 
de um conjunto de conhecimentos linguísticos, enciclopédicos e interacionais, cabendo ao 
leitor construir a imagem retratada pelo produtor do texto e aderir ou não a ela. 
 
Nota-se, pois, que o perfil do que hoje se entende como referente, em LT, sofreu 
radical transformação: saiu da relação entre expressões referenciais e marcas 
cotextuais explícitas para uma entidade construída da forma conjunta, negociada e, 
ao mesmo tempo, representada na mente dos participantes da enunciação. A 
dinamicidade dos fatores envolvidos nessa ação contínua, mesmo que gere uma 
ilusão ou um efeito de estabilidade, torna os processos referenciais recategorizáveis 
no transcurso da interação (CAVALCANTE et al., 2003, p. 235) [grifo das autoras]. 
 
 Ao fazer uso de diversos processos referenciais para (re) construir um objeto-de-
discurso, tem-se a progressão referencial do texto, com a introdução, a identificação, a 
preservação, a continuidade e a retomada dos referentes. Essa progressão faz do texto um todo 
significativo, ou seja, colabora não só para a construção de sentido pretendido pelo produtor – 
coerência discursiva –, como também para a própria organização textual, dando continuidade 
e estabilidade e, portanto, contribui para o desenvolvimento do tópico discursivo. 
 A nomeação de um referente envolve uma reflexão sobre o próprio dizer, o que faz 
com que a seleção referencial mais apropriada ocorra com base no receptor, nos propósitos 
comunicativos, no contexto, no gênero textual em questão etc. O produtor textual pode ter a 
intenção de criticar algo, de ressignificar um termo em evidência, de causar humor, dentre 
outras opções, fazendo com que haja uma grande instabilidade na nomeação dos referentes. 
Como dissemos antes, a recategorização – transformação de um referente – nunca é isenta de 
ideologia, no sentido de apresentar um ponto de vista. Com base nisso, verificamos que o 
conceito de referenciação engloba o conceito de coerência. 
 Para que haja um controle entre o que já foi dito (informação velha), o que será dito 
(informação nova) e o que é sugerido, é necessário fazer retomadas constantes, garantindo, 
30 
 
 
 
assim, que o texto progrida. Dessa forma, o texto tem um movimento projetivo e um 
retrospectivo1, e a manutenção dos objetos-de-discurso pode realizar-se através de recursos de 
ordem gramatical (pronomes, elipses, numerais, advérbios locativos etc.) e de ordem lexical 
(reiteração de itens lexicais, sinônimos, hiperônimos, nomes genéricos, expressões nominais 
etc.), que constituem as estratégias de referenciação, mostrando as escolhas do sujeito-
enunciador no seu querer-dizer. 
 Concordamos com Koch (2006) quando ela diz que, dentre todas as estratégias 
referenciais, o uso de expressões nominais é o mais produtivo para imprimir uma orientação 
argumentativa nos enunciados em que se inserem, fazendo com que o leitor tenha um 
“roteiro” de leitura condizente com a proposta enunciativa do seu produtor. Para Koch (2004, 
p.139), tais expressões funcionam como uma “espinha dorsal do texto”, que fazem com que o 
leitor construa um planejamento que irá orientar o seu entendimento. 
 De acordo com Koch (2005, 2006), as expressões nominais definidas e indefinidas, 
além de apresentarem um alto teor argumentativo, contribuem para a progressão temática do 
texto. As definidas são constituídas por, no mínimo, um determinante definido ou 
demonstrativo, antecedendo um nome, enquanto as indefinidas são aquelas formadas por 
artigos indefinidos precedendo um nome. Esses nomes também podem ser acompanhados de 
modificadores, tais como adjetivos, locuções adjetivas e orações adjetivas. 
 Contudo, já que compartilhamos da visão de Koch (2004), Cavalcante (2011), dentre 
outros, de que o objeto-de-discurso é uma construção discursiva, assumimos que ele não 
precisa, obrigatoriamente, estar ligado a marcadores linguísticos específicos. Por exemplo, os 
referentes são manifestados de modo mais próprio por certas formas disponíveis na língua, 
mas isso não significa que eles tenham necessariamente que ser representados por uma 
expressão referencial, embora a manifestação das expressões referenciais no cotexto seja 
decisiva para a separação entre processos de introdução referencial e de anáfora 
(CAVALCANTE, 2011, p. 53). 
 
 
 
 
 
1
 As abordagens mais tradicionais classificam a projeção como catáfora e a retrospecção como anáfora. Porém, 
neste trabalho, com base em Cavalcante (2011), usaremos apenas o termo anáfora, mesmo que haja uma 
antecipação. Para a autora, tudo é anáfora, porque não interessa a posição, mas o papel desempenhado no texto. 
31 
 
 
 
2.2 - Os processos referenciais atreladosà menção 
 
 Cavalcante (ibidem) considera a existência de dois grandes processos referenciais 
atrelados à menção: a introdução referencial, que diz respeito à primeira vez em que as 
entidades são introduzidas formalmente no texto; e a anáfora, que se estabelece quando os 
referentes são retomados, dando continuidade referencial ao texto. Quando essa retomada é 
realizada com a manutenção do mesmo referente em proporções variadas, gerando uma 
correferencialidade, temos uma anáfora direta. Para exemplificar, segue um trecho do nosso 
corpus, extraído da crônica “O nascimento da crônica” 2, de Machado de Assis: 
 
 
 Nesse fragmento, o termo em negrito “o lugar onde havia verificar-se o enterramento” 
corresponde à introdução referencial, haja vista que ainda não havia aparecido esse referente 
no cotexto. Trata-se de uma especificação do lugar do enterro propriamente dito, onde há as 
covas, dentro do espaço do cemitério, e esse mesmo objeto-de-discurso é retomado e mantido 
a seguir, pela expressão nominal “naquele lugar” e pelo advérbio “lá”, que são, portanto, 
anáforas diretas. 
 Ainda nesse trecho, podemos observar outra introdução referencial, com o termo “seis 
ou oito homens ocupados em abrir covas”; posteriormente, esse objeto-de-discurso é 
recuperado, marcado correferencialmente pelo pronome pessoal do caso reto “eles”, pelo 
pronome pessoal do caso oblíquo “os” e pela expressão nominal “aqueles pobres-diabos” – 
outros casos de anáforas diretas. Com o uso da expressão nominal “aqueles pobres-diabos”, 
podemos observar, de modo mais saliente, a intencionalidade do texto ao chamar a atenção 
para o trabalho pesado dos coveiros debaixo do sol. 
 Entretanto, não são só as anáforas correferenciais que conferem progressão ao texto, 
uma vez que expressões que não representam exatamente o mesmo referente em foco também 
 
2
 O texto integral e a referência desta e das demais crônicas utilizadas encontram-se no Anexo, na ordem em que 
aparecem neste trabalho. 
 Íamos em carros! Apeamo-nos à porta do cemitério e caminhamos um longo pedaço. O sol das onze 
horas batia de chapa em todos nós; mas sem tirarmos os chapéus, abríamos os de sol e seguíamos a suar até o 
lugar onde havia verificar-se o enterramento. Naquele lugar, esbarramos com seis ou oito homens 
ocupados em abrir covas: estavam de cabeça descoberta, a erguer e fazer cair a enxada. Nós enterramos o 
morto, voltamos nos carros, às nossas casas ou repartições. E eles? Lá os achamos, lá os deixamos, ao sol, de 
cabeça descoberta, a trabalhar com a enxada. Se o sol nos fazia mal, que não faria àqueles pobres-diabos, 
durante todas as horas quentes do dia? 
32 
 
 
 
podem estar ligadas semanticamente a ele. Logo, esse tipo de anáfora, conhecida como 
anáfora indireta, não se apresenta como retomada de um antecedente explícito na superfície 
textual, mas como alguma relação decisiva para a interpretação, como a associação de 
palavras pertencentes a um mesmo campo semântico, por exemplo. 
 Nas anáforas indiretas, não temos a recuperação do mesmo referente, e isso não causa 
estranheza ao interlocutor, porque ele realiza um processo cognitivo inferencial, mobilizando 
os conhecimentos armazenados na sua memória discursiva. Podemos relacionar itens do 
vocabulário pertencentes a um mesmo esquema cognitivo. Por exemplo, se falamos de 
viagem, podemos em seguida mencionar mala, passaporte, mapa, passagem de avião etc, e 
esses termos serão facilmente interpretados como alusivos ao evento viagem. 
 Como afirma Marcuschi (2005), nesse caso, devemos abandonar a “clonagem 
referencial”, com a identificação integral de referentes e atentar para a presença de uma 
âncora em que o anafórico indireto se apoia. O autor salienta que a anáfora indireta relaciona-
se a um processo de referenciação implícita, através de uma estratégia endofórica de ativação 
de referentes novos, e não de uma reativação de referentes já conhecidos. A anáfora indireta 
pode ser formada por expressões nominais definidas, indefinidas e pronomes, interpretados 
referencialmente sem que lhes corresponda um antecedente ou subsequente explícito no texto, 
o que implica uma atenção cognitiva conjunta dos interlocutores. 
 Em relação às atividades de leitura e interpretação na escola com a referenciação, é 
bastante produtivo fazer com que o aluno observe as âncoras que podem servir de apoio às 
anáforas indiretas. O estudante acostumado com exercícios mecânicos de “puxar uma seta” 
para localizar geograficamente os referentes é surpreendido, pois não consegue encontrar 
nada ao fazê-lo. Por isso, o professor deve alertar para o fato de que nem sempre há um 
antecedente explícito no cotexto e que algumas palavras podem ser relacionadas por existir 
uma dependência semântica entre elas. Porém, apesar de não ser o mesmo referente, não há 
fuga ao tema do texto e, para o aluno perceber isso, ele precisa ativar seus conhecimentos 
cognitivos. 
 Vejamos alguns exemplos, no fragmento da crônica abaixo, retirada do corpus: 
33 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Os elementos “banco da frente”, “lá na frente” e “pela janela” não retomam 
exatamente o referente “ônibus”, mas se relacionam semanticamente a ele, pois marcam 
localizações específicas que fazem parte do interior desse meio de transporte. O leitor, com 
sua experiência de mundo, consegue interpretar facilmente esses novos referentes, reiterando 
a imagem de que todo o diálogo entre os personagens se passa dentro de um ônibus. Então, 
como a relação com “ônibus” é mais sutil, percebida por pistas cognitivas do cotexto, 
classificamos os elementos destacados como anáforas indiretas. 
 Com base nesses exemplos, em consonância com Cavalcante (2011), entendemos que, 
dentro do grupo das anáforas, há dois subgrupos – as anáforas diretas ou correferenciais e as 
anáforas indiretas ou não correferenciais – e que progressão referencial não significa 
necessariamente manutenção de um mesmo referente. Todavia, não podemos pensar que 
apenas as anáforas indiretas são inferenciais, visto que, antes de concebermos exclusivamente 
as informações pertencentes ao léxico, precisamos atentar para o fato de que tudo depende de 
Diálogo de festas (Stanislaw Ponte Preta) 
 
 Iam os dois sentados no banco da frente. O ônibus era desses que levam oitocentos em pé 
e duzentos sentados. Pelo tempo que eu fiquei parado, junto ao poste, esperando-o, aquele devia ser 
o último ônibus do ano. Mas isto não importa. O que me interessava – pelo menos naquele 
momento – era a conversa dos dois, no banco da frente. Um era magrelinha, desses curvadinhos 
para frente, vergado ao peso da vida. O outro parecia mais velho, mas era espigadinho. O cabelo 
ralo, mais grisalho do que o do companheiro. 
 No momento, quem falava era o espigadinho: - Eu não cheguei a ver castanha, a não ser 
em vitrina, é lógico. 
 - Eu vi! – disse o vergado: - Eu tenho um vizinho... o Alcides, você conhece. Aquele que a 
filha fugiu com um sargento da Aeronáutica! 
 - Ainda está com ele? 
 - As castanhas? 
 - Não. O sargento da Aeronáutica, inda tá com a filha dele? 
 - Não. Com ela está é o filho que ele fez. Mas eu dizia: o Alcides comprou castanhas com 
13º. Ele trabalha numa firma que paga certo. 
 - Estrangeira? 
 - Deve ser. O Alcides me mandou seis castanhas. 
 - Você que é feliz. 
 - Feliz nada. Tive que dar pra outro. Tenho sete filhos, seis castanhas ia causar 
“probrema”. 
 O ônibus recebeu mais uns três ou quatro, que foram sentar lá na frente. A conversa entre 
os dois continuou. Ainda desta vez, quem falou primeiro foi o espigadinho: 
 - A mulher do patrão me deu uma camisa. 
 - Tava boa? 
 - Tava larga. 
 - Eu ganhei um sapato, por causa do serviço que eu fizpra Dona Flora. 
 - Tava bão? 
 - Tava apertado. 
 O curvado jogou o toco de cigarro pela janela e deu um suspiro. O companheiro sorriu: 
(...) 
34 
 
 
 
aspectos pragmáticos. Nas palavras de Cavalcante (2011, p. 137), “distinguir anáfora direta de 
anáfora indireta, pela simples alegação de que a direta exige menos capacidade inferencial, 
seria uma atitude reducionista”. 
 Em sua maioria, mesmo as recategorizações feitas com as anáforas correferenciais 
exigem que o interlocutor mobilize um conjunto de conhecimentos prévios. Ciulla e Silva 
(2008) acrescenta que, muitas vezes, há várias informações concorrentes para a construção da 
referência, tal como ocorre com as anáforas indiretas. Assim, há uma tênue fronteira entre os 
níveis de inferência: todas as anáforas são inferenciais, porém algumas inferências são mais 
salientes por conta da relação entre campos semânticos. 
 No trecho abaixo, do nosso corpus, retirado da crônica “História de um nome”, de 
Sergio Porto, podemos observar como as anáforas diretas também podem ser inferenciais: 
 
 O termo “a biblioteca” é uma anáfora direta, pois retoma de modo correferencial o 
objeto de discurso “a família”. O referente é o mesmo, mas para que o leitor consiga fazer 
essa relação inferencial, é preciso atentar para o contexto em que reside o próprio humor da 
crônica: um homem (Seu Veiga) obcecado por livros que, ao batizar seus filhos, deu-lhes 
nomes como “Prefácio”, “Prólogo”, “Índice”, “Tomo”, “Capítulo” e “Epílogo”. 
 Pelo mesmo raciocínio, o elemento “a estante” é uma anáfora direta, que recupera o 
objeto-de-discurso “Dona Odete”: se Seu Veiga é viciado em livros e batizou os filhos 
daquela forma, não há nenhuma surpresa para o leitor que sua esposa seja designada por 
“estante”. Como vemos, essas relações exigem maior esforço semântico, pois só fazem 
sentido dentro do texto em questão. Fora dele, os termos “biblioteca” e “família” e “estante” e 
“Dona Odete” não podem ser imaginados numa cadeia referencial. 
 Temos, nesse caso, ainda, uma operação de recategorização, pois esses termos não são 
sinônimos e, num primeiro momento, parecem impossíveis de serem relacionados. A 
“biblioteca” não é uma biblioteca qualquer, no sentido denotativo, de um local próprio para o 
empréstimo e a consulta de livros, mas uma família, composta por vários filhos. Nesse mesmo 
raciocínio, a “Estante” também não é um móvel que se destina ao armazenamento de objetos, 
principalmente de livros, mas uma mulher, uma dona de casa. Como podemos observar, tudo 
 (...) “Seu” Veiga ia passando pela nossa porta, levando a família para o banho de mar. Iam todos 
armados de barracas de praia, toalhas etc. Papai estava na janela e, ao saudá-lo, fez a graça: 
 - Vai levar a biblioteca para o banho? “Seu” Veiga ficou queimado durante muito tempo. 
 Dona Odete – por alcunha “A Estante” – mãe dos meninos, sofria o desgosto de ter tantos filhos 
homens e não ter uma menina “para me fazer companhia” – como costumava dizer. (...) 
35 
 
 
 
depende das circunstâncias, ou seja, o contexto pode fazer com que palavras e expressões 
socialmente situadas e reconhecidas passem por um processo de reformulação, à medida que 
compartilhem um significado. No caso dessa crônica, a associação metafórica só é possível 
neste contexto. 
 Outro ponto discutido por Cavalcante (2011) é a ausência de limites bem definidos 
entre as introduções referenciais e as anáforas indiretas. Prototipicamente, a introdução do 
referente é marcada por um artigo indefinido, enquanto a retomada é marcada por um artigo 
definido. Porém, isso não é uma regra, tendo em vista que algumas introduções referenciais 
são feitas com artigo definido, indicando que o produtor textual espera que o receptor conheça 
o objeto de discurso. Há, então, um conhecimento a ser buscado pelo interlocutor na sua 
bagagem, o que faz com que haja uma semelhança com as anáforas indiretas, como podemos 
ver com o trecho a seguir, retirado do nosso corpus, da crônica “O triste sono sem mãe”, de 
Fritz Utzeri: 
 
 
 A expressão “o menino”, apesar de ser marcada com o artigo definido, funciona como 
uma introdução referencial, uma vez que esse referente é novo na crônica. Com a leitura desse 
texto, o leitor precisa ativar seu conhecimento de mundo de que há muitas crianças no Brasil 
na mesma situação em que se encontra esse menino: abandonadas, sem saberem nem quem 
são suas mães. A semelhança do menino do texto com tantas crianças iguais nas ruas é o que 
justifica o uso do artigo definido, como se o leitor já estivesse familiarizado com esse 
referente. 
 No que diz respeito à remissão textual, além das anáforas diretas e das anáforas 
indiretas, os estudos atuais de referenciação também têm abordado os encapsulamentos. 
Todos esses três processos orientam o leitor na sua compreensão e estão intimamente ligados 
à intencionalidade do produtor textual, especialmente se envolverem o uso de expressões 
nominais que, conforme mencionamos, é o recurso linguístico que mais se destaca para emitir 
 Na manhã fria de Ipanema, o menino dorme um sono profundo. Estaria sonhando? Enrolado numa 
manta, encolhido para proteger-se do frio, falta algo àquele menino sem nome no dia de festa. O Dia das 
Mães. Quem será a mãe do menino? Por que não estão juntos nesse dia, como tantos filhos e tantas mães, de 
todas as idades, que brincam na praia e fazem grandes filas em churrascarias, exibindo presentes? Como ele, 
centenas de meninos, milhares de meninos, em todo o Brasil, não tiveram a alegria de ver as mães em seu 
dia. 
36 
 
 
 
juízos de valor. No entanto, no caso dos encapsuladores, essas formas nominais 
desempenham um papel peculiar. 
 As expressões nominais também podem categorizar ou recategorizar segmentos 
precedentes do cotexto, sumarizando-os e encapsulando-os, e atribuindo-lhes um rótulo, que é 
um tipo específico de encapsulamento (KOCH, 2006). São, segundo Schwarz (2000, apud 
KOCH, 2006), “anáforas complexas”, sendo, na sua maioria, anáforas definidas introduzidas 
por um demonstrativo e representadas por substantivos genéricos e inespecíficos (estado, fato, 
fenômeno, circunstância, condição, evento, cena, atividade, hipótese etc). Além de rotular 
uma parte da superfície textual que as precede (x é um acontecimento, um fato, uma hipótese 
etc), essas expressões criam um novo objeto-de-discurso que, por sua vez, passará a ser o 
tema dos próximos enunciados. Assim, elas ativam a memória do interlocutor e, ao mesmo 
tempo, efetuam a progressão textual, sendo formas híbridas: não só referenciadoras, como 
também predicativas, pois transmitem informação dada e informação nova. Em outras 
palavras, elas são instrumento de retomada referencial e fator de dimensão semântica do texto. 
 Essa também é a posição de Francis (1994), que analisa as expressões nominais 
encapsuladoras como um recurso coesivo extremamente comum nos discursos de natureza 
argumentativa, visto que elas rotulam, avaliam, predicam e orientam a interpretação de uma 
porção antecedente ou de uma quantidade de informações anteriores. A autora sinaliza que os 
grupos nominais realizam um papel de negociação entre autor e leitor, pois quando aquele 
rotula uma parte do discurso, o faz de modo que a integrem e relacionem ao argumento que 
desenvolve no seu projeto de dizer (writer’s plan). Dessa forma, tais expressões podem ser 
usadas para destacar seus valores, suas crenças e suas opiniões. Conforme Conte (1996), essas 
expressões são denominadas de paráfrases resumidoras de uma porção precedente do texto, e 
o encapsulamento é visto como um poderoso meio de manipular o leitor. 
 Para Cavalcante (2011), as formas nominais definidas e indefinidas encapsuladoras 
constituem um tipo peculiar de anáfora indireta, porque não retomam exatamente um objeto-
de-discurso pontual na superfície

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