Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTO GUARULHOS – SP 2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................... 5 2 LINGUÍSTICA TEXTUAL NO ENSINO E APRENDIZAGEM DA LEITURA E DA ESCRITA ....................................................................................... 6 3 PERSPECTIVAS DE LEITURA E ESCRITA PARA A LINGUÍSTICA TEXTUAL.................................................................................................................. 7 3.1 Sobre a aprendizagem .................................................................. 8 4 TEXTUALIDADE E PROCESSOS DE ESCRITA E INTERPRETAÇÃO.................................................................................................10 4.1 Coesão ........................................................................................ 13 4.2 Coerência .................................................................................... 15 4.3 Intertextualidade .......................................................................... 15 4.4 Intencionalidade .......................................................................... 16 4.5 Situacionalidade .......................................................................... 16 4.6 Informatividade ............................................................................ 17 4.7 Aceitabilidade .............................................................................. 17 5 COESÃO E COERÊNCIA NO PROCESSO DE ESCRITA ................ 18 5.1 Coesão e coerência textual ......................................................... 20 5.2 Coerência textual ........................................................................ 20 5.3 Coesão textual ............................................................................ 21 6 CARACTERÍSTICAS DAS MODALIDADES ESCRITA E FALADA DA LÍNGUA CULTA E DA LÍNGUA POPULAR........................................................... 22 6.1 Variação linguística ..................................................................... 25 6.2 Variação regional, ou geográfica ................................................. 28 6.3 Variação social ............................................................................ 29 3 6.4 Variação estilística ...................................................................... 29 7 CONTEXTOS DE USO DA LÍNGUA CULTA E DA LÍNGUA POPULAR...............................................................................................................30 8 O USO DE CADA UMA DAS MODALIDADES DAS LÍNGUAS CULTA E POPULAR DE ACORDO COM OS SEUS CONTEXTOS .................................. 31 9 LEITURA E AUTORIA ....................................................................... 33 10 A MORTE DO AUTOR E O NASCIMENTO DO LEITOR ............... 34 10.1 O leitor e a interpretação ............................................................ 36 10.2 O sentido global do texto ............................................................ 38 11 O PAPEL DO PROFESSOR: LEITOR E MEDIADOR DA LEITURA.39 12 O QUE O AUTOR QUIS DIZER? ................................................... 41 13 CONCEPÇÃO DE INTERTEXTUALIDADE .................................... 43 13.1 Intertextualidade Explícita e Implícita .......................................... 46 14 INTERTEXTUALIDADE, LEITURA E PRODUÇÃO DE SENTIDO . 47 15 A LEITURA E A ESCRITA ACADÊMICAS COMO APORTES PARA O PENSAMENTO CIENTÍFICO ............................................................................ 51 16 ARGUMENTOS DE SENSO COMUM E ARGUMENTOS DE SENSO CRÍTICO.................................................................................................................53 16.1 Argumentos de senso comum .................................................... 54 16.2 Argumentos de senso crítico ...................................................... 56 17 A LEITURA E A ESCRITA NO COTIDIANO E NA UNIVERSIDADE.....................................................................................................58 17.1 A escrita cotidiana ....................................................................... 59 17.2 A escrita acadêmica .................................................................... 60 17.3 Postura em relação à escrita acadêmica .................................... 61 18 A LEITURA INSPECIONAL NOS TEXTOS CIENTÍFICOS ............ 64 4 18.1 Os textos acadêmicos ................................................................. 64 18.2 A leitura inspecional .................................................................... 66 19 ESTRATÉGIAS DE LEITURA AVERIGUATIVA ............................. 69 20 LEITURA AVERIGUATIVA NA PRÁTICA — ANÁLISE TEXTUAL . 75 21 BIBLIOGRAFIA .............................................................................. 81 5 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 6 2 LINGUÍSTICA TEXTUAL NO ENSINO E APRENDIZAGEM DA LEITURA E DA ESCRITA Fonte: pixabay.com A escola forma saberes e aponta caminhos para que os alunos se apropriem de conhecimentos e se posicionem, por meio da linguagem, criticamente em seu espaço social. Há muito tempo, observa-se uma tradição de práticas pedagógicas que pensam o ensino de língua sem situações de aprendizagem que favoreçam a efetivação do espaço crítico. A formação de leitura e escrita tende a ficar à mercê do ensino da gramática como um fim em si. No entanto, a gramática, sozinha, não pode resolver todas as questões do ensino. O conteúdo gramatical deve ser visto de forma pragmática para que a linguagem seja entendida em abrangência, de modo que o aluno utilize a língua em contextos reais, visto que, assim, ele será capaz de interagir com variedades distintas da língua, inclusive a norma culta (BALBUENO, 2017). 7 3 PERSPECTIVAS DE LEITURA E ESCRITA PARA A LINGUÍSTICA TEXTUAL A atividade da escrita, na maioria das escolas, ainda é priorizada em detrimento da leitura. Sendo a escola a instituição responsável pela sistematização do saber, precisa ter a leitura como atividade básica, visto que esta pode dar ao aluno o devido suporte para uma produção de texto bem-elaborada. Para Cagliari (2009, p. 148–149), “A leitura é a extensão da escola na vida das pessoas. A maioria do que se deve aprender na vida terá de ser conseguido através da leitura fora da escola [...]”. A escrita, como atividade interativa, implica uma relação entre duas ou mais pessoas. Para Rocha e Ferro (2016), o ato de escrever implica ter o que dizer. Quem escreve, escreve pensando no outro, que, por sua vez, se constitui enquanto leitor. A capacidade de saber, de poder, de liberdade é essencial à realização do interlocutor enquanto pessoa e, consequentemente,como ser social, que precisa do outro para interagir. A escrita, no entendimento de Antunes (2005, p. 45), é “[...] uma atividade interativa de expressão, de manifestação verbal das ideias, informações, intenções, crenças ou dos sentimentos que queremos partilhar com alguém, para, de algum modo interagir com ele. Ter o que dizer é, portanto, uma condição prévia para o êxito da atividade de escrever [...]”. A escrita serve justamente para estabelecer o processo de comunicar de forma coerente e coesa. Quem escreve, escreve para ser lido, e a escrita serve como um elo entre quem fala e quem ouve; entre quem escreve e quem lê. Ao escrever, é imprescindível levar em consideração o interlocutor como sujeito do processo da interação verbal, para que ele possa entender o que foi escrito. De acordo com Bakhtin (1995, p. 113): Na realidade toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém como pelo fato de que se dirige para alguém. [...] A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra se apoia sobre o meu interlocutor [...]. 8 3.1 Sobre a aprendizagem Segundo Marcuschi (2008, p. 50), “[...] o ensino, seja lá qual for, é sempre o ensino de uma visão do objeto e de uma relação com ele [...]” e, na escola, o trabalho com a língua deve se dar através de textos. O autor justifica a adoção do texto (falado ou escrito) como fonte de ensino porque o trabalho com o texto não tem limite, uma vez que é possível trabalhar os aspectos da língua por meio de textos como forma de acesso natural à língua, explorando a oralidade e a escrita. Uma das formas de se trabalhar com o texto é apresentar aos alunos situações escritas e orais que acontecem no dia a dia, questões de argumentação e raciocínio crítico. Segundo Marcuschi (2008, p. 57–58), “[...] os aspectos textuais e discursivos, bem como as questões pragmáticas, sociais e cognitivas são muito relevantes e daí não se pode evitar considerar o funcionamento da língua em textos realizados em gêneros [...]”. Para tanto, é fundamental definir os conceitos de língua e de texto com o qual se trabalha. Marcuschi (2008) defende que a língua pode ser apresentada de quatro formas diferentes: Forma ou estrutura: a língua como um sistema de regras e trabalhada no nível da frase ou de palavras isoladas. Posição assumida pela visão formalista. Como instrumento: desvincula a língua do seu aspecto cognitivo e social. Em geral, essa perspectiva é adotada em livros didáticos quando se referem aos problemas da compreensão textual. Posição assumida pela teoria da comunicação. Como atividade cognitiva: a língua somente como uma atividade cognitiva, descartando seu lado social. Posição dos estudos sobre a semântica e os significados. Como atividade sociointerativa situada: a língua como sócio- histórica, cognitiva e sociointerativa. Posição dos estudos da língua dialógica e interacional. 9 Marcuschi (2008) adota a perspectiva de língua sociointerativa, que tem a língua como um sistema de práticas cognitivas abertas, flexíveis, criativas e indeterminadas quanto à formação ou estrutura. Pode-se entender, então, a língua como um sistema de práticas sociais, com o qual os usuários agem e expressam suas intenções, adequadas a cada circunstância. A função mais importante da língua não é a informação, mas sim inserir os indivíduos em contextos sócio- históricos e permitir que eles se entendam. Portanto, a língua é uma forma de ação que se desenvolve colaborativamente entre os indivíduos da sociedade. Segundo o autor (2008), o texto é o resultado de uma ação linguística, e suas fronteiras são determinadas pelo mundo em que ele está inserido. Ressalta, ainda, que o texto pode ser tido como um tecido estruturado, uma entidade significativa, de comunicação e um artefato sócio histórico. O texto se ancora no contexto situacional. Portanto, um texto tem relações situacionais e contextuais. As relações contextuais se dão entre os próprios elementos internos, como: concordância, anáforas, relações sintáticas. Sem língua, não há texto. Contudo, sem a situacionalidade e a inserção cultural, não há como interpretar um texto. Não se pode produzir ou entender um texto considerando-se apenas a linguagem, uma vez que o nicho significativo do texto e, da própria língua, é a cultura, a história e a sociedade. Por isso, um texto pode ter várias interpretações (BALBUENO, 2017). 10 4 TEXTUALIDADE E PROCESSOS DE ESCRITA E INTERPRETAÇÃO A produção textual é uma atividade que resulta da interação sujeito/interlocutor. Atualmente, muito se reflete sobre as práticas de letramento que têm lugar na escola e fora dela, em diferentes esferas de circulação da escrita e da linguagem. A sala de aula deve ser um espaço para a produção de textos variados, um lugar em que o professor crie diferentes situações para instigar o aluno a interagir com o mundo, visto que é no espaço de interlocução que se constituem os sujeitos e a linguagem (BALBUENO, 2017). Fonte:pixabay.com No entanto, diferentemente do que se pensa, o texto escrito não é uma atividade solitária. Koch (2014) diz que: A produção textual é uma atividade verbal, a serviço de fins sociais e, portanto, inserida em contextos mais complexos de atividades; Trata-se de uma atividade consciente, criativa, que compreende o desenvolvimento de estratégias concretas de ação e a escolha de meios adequados à realização dos objetivos; isto é, trata-se de uma atividade intencional que o falante, de conformidade com as condições sob as quais o texto é produzido, empreende, tentando dar a entender seus propósitos ao destinatário por meio da manifestação verbal; É uma atividade interacional, visto que os interactantes, de maneiras diversas, encontram-se envolvidos na atividade de produção textual. 11 A produção escrita deve ser organizada em quatro níveis de operação: planejamento; textualidade; revisão; e reescrita ou refacção. O planejamento é pré- requisito de todo o trabalho, o qual depende do emprego de capacidades cognitivas gerais e variadas entre os polos da seleção e organização das ideias. Já a textualidade reúne as operações de determinação e estruturação linguísticas da etapa de planejamento. A revisão, por sua vez, faz o reexame crítico do texto, considerando as modificações. Por fim, é na fase da reescrita ou refacção do texto que se dá a legibilidade necessária para que o destinatário construa sentidos para o que foi escrito (BALBUENO, 2017). Ao construir um texto, o escritor usa diferentes conhecimentos para interagir em determinados contextos sociais, e, ao vivenciar o processo de escrita, ele entende que escrever não é resultado apenas da inspiração, mas depende de propósitos definidos, da construção de sentidos para o que se quer enunciar. Para isso, ele relê o que escreve, organiza as ideias, identifica os problemas gramaticais e compõe o texto. Na sala de aula, a noção de escrita geralmente é vista como algo a ser avaliado, levando-se em consideração aspectos formais linguísticos. O professor, muitas vezes, não considera a intenção de quem escreveu e a relação com seu destinatário. No entanto, na escrita como processo, o foco não é o texto como produto, mas sim seu processo. Portanto, deve-se levar em consideração a situação da enunciação e as condições discursivas determinantes na função da linguagem, bem como seu significado e sua interpretação, pois quem escreve pensa em seus objetivos, seus leitores e a interação com seu destinatário para que ele construa significados. Assim, o texto é produzido dentro de uma situação social de produção definida. Por isso a importância da revisão, que permite um redirecionamento de ideias. A escrita se processa na interação, e a revisão demonstraum processo construtivo. O ato de escrever deve, então, ser concebido como uma produção textual que exige trabalho, e não apenas inspiração. A aprendizagem, no trabalho da reescrita, traz a dimensão das possibilidades de realização da linguagem, do resultado do texto original e dos textos decorrentes. 12 Ao revisar um texto, substitui-se, deleta-se, desloca-se e acrescenta-se termos para ampliar as ideias, dando maior consistência ao que se deseja enunciar. A criação e a articulação de espaços de interlocução são fundamentais como condição para o processo de produção textual, uma vez que o aluno precisa vivenciar situações de linguagem e escolher os recursos linguístico- -discursivos necessários à composição do texto (BALBUENO, 2017). Assim, a escola tem como função primeira ensinar o aluno a ler e a escrever. Hoje, sabe-se que a prática de produção textual é um processo com etapas de planejamento, textualidade, revisão e reescrita. Nesse processo, é preciso vivenciar ou supor situações significativas de linguagem e, em função dessas situações, escolher os recursos linguístico-discursivos necessários à composição do texto. Para Bentes (2006), o texto não pode ser analisado em partes isoladas, e sim em seu todo significativo, uma vez que o falante consegue produzir textos, reformulá-los e qualificá-los graças à sua competência textual na língua materna. A escrita e a fala são bases lineares da comunicação, da produção de texto, e não são poucos os textos que apresentam reflexos da oralidade na escrita, pois “[...] um texto não se esclarece em seu pleno funcionamento apenas no âmbito da língua, mas exige aspectos sociais e cognitivos [...]” (MARCUSCHI, 2008, p. 65), os quais também incluem a oralidade. A produção textual na sala de aula deve levar em consideração alguns fatores imprescindíveis, como: a leitura, que deve estar sempre em primeiro lugar; e a escrita e a fala, que precisam ter os mesmos valores no ensino-aprendizagem, uma vez que ambas direcionam as ideias. Todavia, ao trabalhar com textos no espaço escolar, deve-se lembrar que o aluno já vem com uma grande bagagem de conhecimento e já possui um modo concreto de se expressar. Assim, cabe ao professor aproveitar da melhor maneira possível esse conhecimento e acrescentar as novas tendências linguísticas. Os fatores de textualidade dão ancoragem ao texto em uma situação comunicativa determinada. Esses critérios ajudam a estabelecer o texto e, dessa maneira, garantir a coerência. Eles funcionam como contextualizadores do evento comunicativo (BALBUENO, 2017). 13 4.1 Coesão De acordo com Balbueno (2017), a coesão é a ligação coerente entre as partes de um texto, produzida por uma escolha correta de operadores textuais; funciona como um conector entre frases e parágrafos e tem como função agir, juntamente à coerência, para dar um sentido amplo ao texto. Pode ser dividida nas seguintes subáreas: coesão lexical, referenciação, substituição, conjunção e elisão. São mecanismos linguístico-gramaticais que proporcionam uma produção textual coerente e coesa e evitam vãs repetições. Coesão lexical Conforme Koch (2004, p. 18), “[...] pode-se afirmar que o conceito de coesão textual diz respeito a todos os processos de sequencialização que asseguram (ou tornam recuperável) uma ligação linguística significativa entre os elementos que ocorrem na superfície textual [...]”. Portanto, tem como objetivo reduzir as repetições no texto e explorar as inúmeras possibilidades do vocabulário. Referenciação A coesão referencial é utilizada para não se perder a linearidade do texto. Para Koch (2004, p. 31), a coesão referencial é “[...] aquela em que um componente da superfície do texto faz remissão a outro(s) elemento(s) nela presentes ou inferíveis a partir do universo textual [...]”. Ou seja, é uma condição para que, em um texto, não se utilize sempre o mesmo termo para se referir a algo ou alguém. A coesão referencial pode ser anafórica ou catafórica. A anafórica faz referência a um signo já expresso, ao passo que a referencial catafórica se refere a um signo ainda não expresso. Pode ser, ainda, dividida em três tipos: pessoal (pronomes pessoais e possessivos); demonstrativa (pronomes demonstrativos e advérbios de lugar); e comparativa (por via indireta, através de similares). (BALBUENO, 2017) 14 Substituição É a colocação de um item no lugar de outro: nominal, por meio de pronomes pessoais, numerais, etc.; verbal, pelo qual o verbo “fazer” substitui o causativo “ser”, substituto existencial; elipse, por omissão de um item identificável pelo contexto e pelas conjunções, que não são, por si só, coesivas, mas, indiretamente, estabelecem relações entre as orações. Na substituição, são empregadas palavras e expressões que retomam termos já anunciados (BALBUENO, 2017). Conjunção A conjunção está ligada à sequencialização textual, como a causalidade, a temporalidade, a consequência, entre outras orações subordinadas e/ou coordenadas, e sua função é tornar o texto linear e sequencial. Para Fávero (2003, p. 14): [...] tem natureza diferente das outras relações coesivas por não se tratar simplesmente de uma relação anafórica. Os elementos conjuntivos são coesivos não por si mesmos, mas indiretamente, em virtude das relações específicas que se estabelecem entre as orações, períodos e parágrafos. Essas diferentes relações conjuntivas possuem uma série de equivalentes estruturais. A conjunção é um mecanismo imprescindível para as normas da produção textual, uma vez que viabiliza uma construção concatenada e dotada de sentido por meio dos conectores. Elisão Ocupa, no texto, a função de omissão, representando uma ideia de sujeito oculto no enunciado. Segundo Fávero (2003, p. 14), a elisão é a “[...] omissão de um item lexical recuperável pelo contexto, ou seja, a substituição por zero (0). Pode ocorrer elipse de elementos nominais, verbais e oracionais [...]”. Corroborando com essa ideia, Koch (2004, p. 21) ressalta que “A elipse seria, então, uma substituição por zero: omite-se um item lexical, um sintagma, uma oração ou todo um enunciado, facilmente recuperáveis pelo contexto [...]”. Portanto, ao escrever um texto, pode- 15 se suprimir letras em uma palavra ou expressão, como em “pingo d’água”, em vez de “pingo de água”. 4.2 Coerência A coerência trata da estrutura profunda do texto. “Diz-se que um texto é coerente quando há unidade de sentido entre as partes que o constituem. A base da coerência está centrada na continuidade de sentidos entre os conhecimentos ativados pelas expressões do texto [...]” (SANTOS, 2013, p. 93–94). Esse critério é imprescindível na produção textual, pois está atrelado à ordem das ideias e dos argumentos. Sem coerência, o texto torna-se impossível de ser entendido e não comunica. “Portanto, para haver coerência é preciso que haja a possibilidade de estabelecer no texto alguma forma de unidade ou relação entre seus elementos [...]” (KOCH, 2014, p. 22). Para a produção ou leitura de um texto coerente, são indispensáveis três tipos de conhecimento: conhecimento enciclopédico (memória semântica), que é a organização dos conhecimentos e das situações do mundo real nas quais são estabelecidas relações lógicas; conhecimento linguístico, que compreende os conhecimentos lexical e gramatical, que dão total suporte linguístico à estrutura superficial do texto, isto é, à linearidade sequencial e referencial da produção textual; e o conhecimento sociointeracional, que consiste na organização de interação e de ações verbais da linguagem, seguindo modelos globais. (KOCH, 2014). 4.3 Intertextualidade Esse fator permite que os textos se comuniquem entre si. A intertextualidade mostra a interdependência de um texto para com outro, uma vez que um texto só tem sentido em relação e se comparado a outro.Não existem textos que não mantenham algum aspecto intertextual, pois nenhum texto encontra-se 16 isolado. Todos os textos têm uma relação com outros textos já escritos, dos quais absorvem algumas referências. Desse modo, todo texto é um objeto heterogêneo, que revela uma relação radical de seu interior com seu exterior; e, desse exterior, evidentemente, fazem parte outros textos que lhe dão origem, que o predeterminam, com os quais dialoga, que retoma, alude ou a que opõe. Para Marcuschi (2008, p. 130), “[...] pode-se dizer que a intertextualidade é uma propriedade constitutiva de qualquer texto e o conjunto das relações explícitas ou implícitas que um texto ou um grupo de textos determinados mantém com outros textos [...]”. Assim, pode-se destacar que “[...] a intertextualidade colabora com a coerência textual uma vez que ajuda a entender o sentido veiculado no texto [...]” (SANTOS, 2013, p. 98). 4.4 Intencionalidade Esse critério passa uma ideia sobre o que o texto e o autor pretendem tratar durante o desenrolar do enunciado. Koch e Travaglia (2015, p. 97) ressaltam que: O produtor de um texto tem, necessariamente, determinados objetivos ou propósitos, que vão desde a simples intenção de estabelecer ou manter o contato com o receptor até a de levá-lo a partilhar de suas opiniões ou a agir ou comportar-se de determinada maneira. Assim, a intencionalidade refere-se ao modo como os emissores usam textos para perseguir e realizar suas intenções, produzindo, para tanto, textos adequados à obtenção dos efeitos desejados. 4.5 Situacionalidade É a adequação da manifestação linguística a uma situação comunicativa do texto, a qual está relacionada com o contexto. Essa situação comunicativa interfere diretamente na produção do texto. Koch e Travaglia (2015, p. 85) indicam que: 17 É preciso, ao construir um texto, verificar o que é adequado àquela situação específica: grau de formalidade, variedade dialetal, tratamento a ser dado ao tema, etc. O lugar e o momento da comunicação, bem como as imagens recíprocas que os interlocutores fazem uns dos outros, os papéis que desempenham, seus pontos de vista, o objetivo da comunicação, enfim, todos os dados situacionais vão influir tanto na produção do texto, como na sua compreensão. 4.6 Informatividade Todo texto é produzido com a intenção de ser lido e compreendido. A informatividade faz o texto se tornar coerente no desenvolvimento dos tópicos referentes ao conteúdo. Na visão de Koch (2014), o tema é a informação nova a partir de um tópico já estudado. No entanto, deve-se observar que o excesso de informações pode desmotivar o leitor, por não poder armazená-las na totalidade. “A rigor, a informatividade diz respeito ao grau de expectativa ou falta de expectativa, de conhecimento ou desconhecimento e mesmo incerteza do texto oferecido [...]” (MARCUSCHI, 2008, p. 132). A informação é, essencialmente, necessária nesse contexto, pois ela é responsável por mostrar o que o texto quer transmitir. De acordo com Koch e Travaglia (2015, p. 88): É a informatividade, portanto, que vai determinar a seleção e o arranjo das alternativas de distribuição da informação no texto, de modo que o receptor possa calcular-lhe o sentido com maior ou menor facilidade, dependendo da intenção do produtor de construir um texto mais ou menos hermético, mais ou menos polissêmico, o que está, evidentemente, na dependência da situação comunicativa e do tipo de texto a ser produzido. 4.7 Aceitabilidade Está totalmente relacionada com a intencionalidade e diz respeito à atitude do receptor do texto. De acordo com Marcuschi (2008, p. 128), “A aceitabilidade, enquanto critério de textualidade, parece ligar-se às noções pragmáticas e ter uma estreita interação com a intencionalidade [...]”. Como a aceitabilidade diz respeito à expectativa do receptor, há dificuldade para estabelecer os seus limites. Com isso, a aceitabilidade constitui a contraparte da intencionalidade, já disse que, segundo o princípio cooperativo de Grice, o postulado básico que rege a comunicação humana 18 é o da cooperação, isto é, quando duas pessoas interagem por meio da linguagem, elas se esforçam por fazer-se compreender e procuram calcular o sentido do texto do(s) interlocutor(es), partindo das pistas que ele contém e ativando seu conhecimento de mundo, da situação, etc. (KOCH; TRAVAGLIA, 2015, p. 98). Um texto é composto por fatores de textualidade, os quais precisam ser observados para que o todo significativo progrida e comunique de uma forma coerente e coesa. Os aspectos textuais sustentam uma produção de texto, dando forma e, sobretudo, função a um determinado texto. Já os fatores tornam o texto um conjunto de orações concatenadas por uma estrutura concreta. Os sete critérios de textualidade apresentados possibilitam que qualquer texto passe uma mensagem significativa, dotada de sentido, criando uma ponte entre o leitor e o autor da manifestação linguística. Assim, esses critérios precisam ser conhecidos e trabalhados nas mais diversas comunidades discursivas, de modo que os produtores de texto possam se familiarizar com esses mecanismos textuais e, dessa forma, consigam produzir textos coerentes e coesos (BALBUENO, 2017). Portanto o ensino-aprendizagem, principalmente da escrita, pode trazer resultados satisfatórios se os fatores de textualidade forem estudados e didatizados para serem utilizados na produção textual. 5 COESÃO E COERÊNCIA NO PROCESSO DE ESCRITA Fonte: pixabay.com 19 Desde o seu surgimento, por meio de um longo processo, a escrita vem sendo utilizada como uma forma de comunicação. Para Stampa (2009, p. 51), a escrita é “[...] um método de comunicação criado pelo homem que faz parte de um processo que levou milhares de anos até o aparecimento do alfabeto de 23 letras usados pelos romanos durante os séculos a. C. [...]”. Com o alfabeto, a escrita estabeleceu relações entre os sons e as letras. Durante o processo de aquisição da escrita, a criança tende a incorporar algumas marcas da oralidade em seus textos. Segundo Stampa (2009, p. 52): [...] existe uma relação entre oralidade e a escrita, isto é, a escrita representa a oralidade. Porém, esta representação não se dá da forma de uma transição fonética. Algumas palavras podem ser escritas de uma forma muito próxima do modo como são faladas, mas isto não é uma regra geral. É essa uma das questões da linguagem que confunde o aprendiz. No processo de apropriação da escrita, a criança apresenta deficiências nos aspectos formais relacionados com a grafia e com a estruturação do texto, pois a escrita exigirá relações complexas entre os sons e as letras, além da adequação na expressão da mensagem que se pretende passar com o que se escreve. Morais (1997 apud STAMPA, 2009, p. 54) afirma que “[...] o ato de escrever desenvolve-se à medida que a criança é capaz de compreender a relação que a fala mantém com a escrita e a forma como a primeira pode ser representada pela segunda [...]”. Esse processo de aprendizagem é difícil, pois exige acesso a informações relacionadas com aspectos sociais, em que a escrita seria para fins específicos. À medida que a consciência fonológica aumenta, amparada pela educação adequada, a criança passa a escrever corretamente, em um processo que dura para a vida toda. Crianças que convivem com livros, revistas e outros meios de comunicação adquirem com mais facilidade os requisitos necessários para uma leitura e escrita eficaz. Para escrever bem, não basta apenas compreender a relação entre fala e escrita, é preciso organizar as ideias considerando o leitor. Assim, escrever não é o mesmo que produzir um texto, já que, na produção, tem-se questões específicas de estruturação do discurso, de coesão, de argumentação de ideias e escolhas de palavras, do objetivo, do destinatário do texto,entre outras (BALBUENO, 2017). 20 5.1 Coesão e coerência textual A coesão e a coerência são fundamentais para se estabelecer uma comunicação bem-sucedida por meio da linguagem escrita, visto que esses dois elementos dão sentido aos textos. O processo de desenvolvimento da coesão e da coerência é longo. Na criança, depende muito de como se dá a educação, uma vez que o processo de leitura e reescrita de textos contribui para aperfeiçoar os mecanismos da coesão e da coerência. Por meio da reescrita, a criança tem condições de reelaborar o texto, refletindo sobre a verdadeira função das palavras no contexto em que estão inseridas e percebendo o verdadeiro sentido da organização textual, para que possa articular o plano da expressão e o plano do conteúdo (BALBUENO, 2017). 5.2 Coerência textual A coerência permite que o texto seja contextualizado e compreendido, garantindo que ele não apresente ideias que se contraponham. Conforme Antunes (2005, p. 35–36): A coerência concerne a um [...] encadeamento de sentido, a convergência conceitual, aquela que confere ao texto interpretabilidade – local de global – e lhe dá a unidade de sentido que está subjacente à combinação linear e superficial dos elementos presentes ou pressupostos. A coerência vai além do componente propriamente linguístico da comunicação verbal, [...] decorre não só dos traços linguísticos do texto, mas também de outros elementos constituintes da situação comunicativa. Assim, na escrita, a coerência trata da relação lógica entre as ideias, por meio do bom uso de elementos gramaticais, lexicais e do conhecimento que é comum aos usuários da língua. Todavia, não existe uma regra para determinar a coerência. Um texto será coerente quando o leitor tiver os conhecimentos para a compreensão da mensagem. Entretanto, o texto deve ter continuidade, uma ideia central e não deve se contradizer. Sintetizando, a unidade de sentido de um texto se estabelece na interlocução entre os usuários, de acordo com a situação comunicativa e com os recursos linguísticos empregados. 21 5.3 Coesão textual A coesão é um elemento que tem como função articular as partes do texto, sendo fundamental para o estabelecimento da unidade de sentido e da unidade temática. Um texto é coeso se suas partes estão interligadas, se há continuidade e unidade de sentido. Esse elemento é responsável pelo encadeamento das ideias do texto, promovendo a conexão de partes do texto e garantindo seu sentindo. (BALBUENO, 2017) Antunes (2005, p. 35) destaca que: A coesão concerne aos modos e recursos – gramaticais e lexicais – de inter-relação, de ligação, de encadeamento entre vários outros segmentos [...] do texto. Embora seus recursos transpareçam na superfície, a coesão se fundamenta nas relações de natureza semântica que ela cria e, ao mesmo tempo, sinaliza. Ou seja, pela coesão se promove a continuidade do texto que, por sua vez, é uma das condições de sua unidade. A continuidade instaurada pela coesão é responsável pela continuidade semântica, sendo estabelecida pelas relações de reiteração, associação e conexão. Contudo, para que essas relações se concretizem, são necessários vários procedimentos e recursos que unem os enunciados e constituem o texto, formando o que se chama de coesão sequenciadora. Além disso, outros elementos têm a função de retomada do texto, constituindo a coesão por remissão. Esses são os elementos catafóricos e anafóricos. A catáfora refere-se ao uso de elementos responsáveis pela antecipação de referentes em um texto. Já a anáfora está relacionada com o uso de expressões que se reportam a outras expressões, enunciados ou conteúdos já referidos no texto, relacionando, assim, dois elementos, sendo um deles o antecedente e o outro o elemento anafórico. Pode-se concluir, então, que a coesão e a coerência andam juntas para dar sentido a um texto, mesmo que sejam fenômenos diferentes, sendo muito importantes no processo de aquisição da escrita. A maioria dos alunos, no processo de aquisição da escrita, tem problemas de ordem sintática que podem prejudicar a unidade semântica e coerente do texto, como: dificuldades na pontuação, desconhecimento do uso das regras das letras maiúsculas, não utilização de 22 sinônimos, falta de domínio ou compreensão dos elementos da coesão. Por isso, apresentam, em seus textos, repetições de palavras de um mesmo campo lexical (BALBUENO, 2017). 6 CARACTERÍSTICAS DAS MODALIDADES ESCRITA E FALADA DA LÍNGUA CULTA E DA LÍNGUA POPULAR Tanto a língua culta quanto a língua popular, também identificada como coloquial, possuem variantes que diferenciam as suas modalidades escrita e falada. Assim, sempre que ouvimos uma conversa, ainda que não prestemos muita ou quase nenhuma atenção ao assunto, somos capazes de formar distintas opiniões para qualificar socialmente os sujeitos envolvidos de acordo com as escolhas linguísticas que fazem. Por outro lado, ainda que não dominemos as diferenças entre as modalidades da língua, já trazemos conosco certo conhecimento de mundo que nos permite identificar tais nuances da linguagem (BUCHWEITZ, 2019). Camacho (2004, documento on-line) destaca que: [...] é possível identificar as características sociais de um falante desconhecido com base em seu modo de falar. Podemos facilmente concluir que toda língua comporta variedades: (a) em função da identidade social do emissor; (b) em função da identidade social do receptor; (c) em função das condições sociais de produção discursiva. Isso quer dizer que as características principais das modalidades escrita e falada, sejam da língua portuguesa ou de outros idiomas, são intrínsecas ao contexto social dos sujeitos participantes do discurso — oral ou escrito. Portanto, o emissor está sujeito também a variedades geográficas, ou diatópicas, e socioculturais, ou diastráticas. Somado a isso, quanto ao receptor e às condições sociais, têm-se as variedades estilísticas, ou diafásicas, que se referem ao grau de formalidade da situação e ao ajustamento do emissor à identidade social do receptor. Nesse sentido, quanto mais o emissor e o receptor mantêm contato entre si, mais provável é a semelhança entre os seus modos de comunicar-se. 23 Por outro lado, outras características interferem a comunicação no que diz respeito aos sujeitos que a realizam. Para Camacho (2004, documento on-line): Fatores como idade, gênero e ocupação motivam o aparecimento de linguagens especiais que contrastam com a linguagem comum por consistirem em variedades dialetais próprias das diversas subcomunidades linguísticas, cujos membros compartilham uma forma especial de atividade, sobretudo na esfera profissional, mas também científica e lúdica. Podemos perceber o apontado pelo autor ao observarmos diferentes gerações de indivíduos, com especial interesse nas gírias por eles adotadas e nos seus jeitos de falar. Quanto às gírias, Camacho (2004, documento on-line) destaca que podem estar relacionadas à criação “[...] de neologismos por força de necessidades expressivas”, mas também a uma “[...] demanda especial, em certos grupos, por forte coesão social, cuja consequência é a exclusão, via linguagem, dos que não fazem parte do grupo”. A adoção de gírias com vistas à exclusão de sujeitos que não pertencem a certos grupos é constatada com maior frequência em comunidades linguísticas integradas por adolescentes e jovens, o que podemos interpretar como uma maneira de proteger-se de críticas ou intromissões provindas de adultos ou idosos, dado o habitual conflito entre gerações. Vale ressaltarmos que a diversidade linguística não pode ser usada para separar os indivíduos em função do seu modo de falar ou de escrever. Um mesmo falante pode adotar diferentes variantes para expressar-se de acordo com o contexto no qual se encontra. Logo, você, como estudante de Letras e futuroprofessor, precisa ter consciência dessa diversidade e deve saber transitar entre os distintos modos de expressão para adequar-se da melhor maneira possível às situações interlocucionais que se apresentarem na sua trajetória profissional. Frente a isso, você jamais deve usar a língua para inferiorizar alguém por, supostamente, “falar errado”. A consciência linguística deve fundamentar a sua vida docente, já que, em cada contexto, você deve saber como interagir da melhor forma com os envolvidos. Por exemplo, na sala de aula da universidade, você deve utilizar a norma culta padrão, visto que, no meio acadêmico, ela se constrói e serve como mediadora da comunicação; porém, se você estiver no bar com os seus amigos, 24 pode usar variações como “cê” em vez de “você”, “tá” em vez de “está”, “massa” em vez de “legal” ou “ótimo”, dentre tantas outras, possíveis e socialmente aceitáveis em uma conversa informal (BUCHWEITZ, 2019). Em suma, uma situação de comunicação e interação qualquer caracteriza: O contexto social; O assunto; A identidade do interlocutor/receptor. Até este ponto dos nossos estudos, você leu, principalmente, sobre as características da linguagem falada. No que concerne à escrita, você deve conscientizar-se de que “[...] a pedagogia da língua materna deve valorizar o princípio de que todos os falantes são capazes de adaptar seu estilo de fala à diversidade das circunstâncias sociais da interação verbal e de discernir que formas alternativas são as mais apropriadas” (CAMACHO, 2004, documento on-line). Nesse sentido, a escrita deve ser sempre a mais próxima possível da norma culta da língua. Como professor, você deverá intermediar a construção do processo escrito do aluno, gradualmente, isto é, de forma evolutiva. Camacho (2004, documento on-line) também destaca que: Em geral, indivíduos de baixa escolarização e que exercem atividades produtivas que não exigem senão habilidades manuais tendem a ser menos estimulados quanto à capacidade de operar com regras variáveis (ao menos no âmbito de seu trabalho). Nesse caso, como lhe foram vedadas as possibilidades de adaptar seu estilo às circunstâncias de interação, a variedade que usam acaba representando uma poderosa barreira para toda possibilidade de ascensão social que depender de capacidade verbal. Cabe ao sistema escolar cuidar para que as formas da variedade-padrão sejam desde cedo ensinadas à criança, para que, quando adulto, ela incorpore em seu acervo o máximo possível de formas padrão, tornando-se, assim, capaz de adequar a expressão verbal às circunstâncias de interação. A pedagogia da língua materna deve valorizar o princípio de que todos os falantes são capazes de adaptar seu estilo de fala à diversidade das circunstâncias sociais da interação verbal e de discernir quais formas alternativas são as mais apropriadas. Portanto, ainda que, inicialmente, o sujeito em processo de construção do seu conhecimento não escreva de acordo com a norma padrão da língua e a sua escrita esteja mais próxima da fala, a mediação deverá ser realizada pelo professor, com os devidos cuidados em relação a equívocos do aluno. Os desvios da norma 25 culta serão normais até que as regras gramaticais sejam dominadas, de modo que, conforme ele adquirir o conhecimento necessário, a sua escrita se modificará, em um processo natural e gradual (BUCHWEITZ, 2019). A seguir, discutiremos um pouco mais as variações linguísticas. 6.1 Variação linguística As variações linguísticas ocorrem de acordo com o meio no qual os sujeitos encontram-se. Cada classe social ou região geográfica conta com peculiaridades nos modos de falar dos seus membros. Segundo Camacho (2004, documento on- line): [...] toda língua varia, isto é, não existe comunidade linguística alguma em que todos falem do mesmo modo e [...], por outro lado, a variação é o reflexo de diferenças sociais, como origem geográfica e classe social, e de circunstâncias da comunicação. Com efeito, um dos princípios mais evidentes desenvolvidos pela linguística é que a organização estrutural de uma língua (os sons, a gramática, o léxico) não está rigorosamente associada com homogeneidade; pelo contrário, a variação é uma característica inerente das línguas naturais. Dessa forma, você pode perceber o quanto é importante para a sua trajetória profissional entender as peculiaridades das falas dos seus futuros educandos. Muitas vezes, os próprios indivíduos, inseridos nos seus contextos, creem falar erroneamente, tendo em vista que há uma cultura de “falar certo” ou “falar errado” sendo reforçada pelos que desfrutam da norma culta, mas possuem sensibilidade bastante para compreender as diferenças sociolinguísticas. Em sala de aula, você perceberá que cada educando traz singularidades sociais para o contexto escolar, cabendo aos professores o cuidado para evitar discriminações linguísticas na turma. Vejamos algumas situações de uso da linguagem coloquial nos casos a seguir. 26 Caso 1 O sujeito reclama à sua mãe: “Farta muito pra essa veia se mexê?” O que se tem: Na palavra falta, cuja letra “l” geralmente é representada na fala pelo fonema /u/, nesse caso assume o som de /ɾ/; Na palavra velha, cuja partícula “lh” costuma ser representada na fala pelo fonema /ʎ̝/, nesse caso assume o som de /i/; Na palavra mexer, ocorre o apagamento do último fonema, /ɾ/, representado na escrita pela letra “r”. Interpretação: provavelmente, o falante é de baixa escolaridade ou provém de área rural. Caso 2 Um vizinho diz ao outro: “Os vizinho não chega nunca pra proseá”. O que se observa: Diferença entre as concordâncias nominal e verbal, evidenciada pelo artigo definido no plural “os”, anunciando que se seguirá um sujeito pertencente também ao plural, sendo que o que se segue é um sujeito da 3ª p. sing. (“vizinho” = ele) e um verbo que concorda com essa pessoa (“chega”); A variação lexical “proseá” como sinônimo de “conversar” Interpretação: provavelmente, o falante é de baixa escolaridade ou provém de área rural de uma região específica do País. Ademais, cabe destacarmos algumas particularidades da linguagem coloquial: 27 A palavra falta possui ‘l’ ao final da primeira sílaba; Se comparada a uma palavra com ‘l’ no início da sílaba, como lápis ou ladeira, as mesmas substituições do fonema /l/ por /u/ ou /ɾ/ não sucederão, uma vez que nenhum falante nativo da Língua Portuguesa pronunciará “rápis”, embora fale “farta”, conforme o caso 1; É comum ouvirmos “Os vizinho não chega”, mas jamais “O vizinhos não chegam” de um falante nativo, motivo pelo qual podemos afirmar que o primeiro enunciado é gramatical e o segundo, agramatical. Tais observações indicam que há uma regra para a variedade popular, “[...] motivada pela organização sintática do Português, que permite a ausência de pluralidade nos últimos constituintes de uma locução, mas não no primeiro da série, que, via de regra, deve vir marcado com o plural” (CAMACHO, 2004, documento on-line). Posto isso, Camacho (2004, documento on-line) afirma que: [...] esses fatos linguísticos nos levam a concluir também que a variação não é um processo sujeito ao livre arbítrio de cada falante, que se expressaria, assim, do jeito que bem entender; muito pelo contrário, a variação é um fenômeno regular, sistemático, motivado pelas próprias regras do sistema linguístico. Portanto, enquanto professor de linguagens, você deve estar ciente de que mesmo os falantes da variante popular seguem alguma regra para a formulação das suas orações. Em contraposição, eles não seguem as regras da língua culta. Nesse sentido, pensar que a língua, seja ela qual for, é única, invariável e que há um único modo “correto” de usá-la configura um mito. 28 6.2 Variação regional, ou geográfica Conhecida como variação regional,ou diatópica (do grego dia = através e topos = lugar), relaciona-se às diferenças linguísticas observadas entre falantes oriundos de regiões distintas de um mesmo país ou de diferentes países (GÖRSKI; COELHO, 2009). Exemplos: A língua portuguesa do Brasil, de Portugal e de certos países africanos: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe e, mais recentemente, Guiné Equatorial. A língua portuguesa do Nordeste, do Sul e das demais regiões ou estados brasileiros. 29 6.3 Variação social Também conhecida como variação diastrática, refere-se a fatores que dizem respeito “[...] à organização socioeconômica e cultural da comunidade” (GÖRSKI; COELHO, 2009, documento on-line). Nesse caso, são importantes quesitos de variação a classe social, o sexo, a idade, o grau de escolaridade e a profissão dos indivíduos. Exemplos: Vocalização do /-lh-/ > /-i-/, como em mulher/muié Rotacização do /-l-/ > /-r-/ em encontros consonantais, como em blusa/brusa. Assimilação do /-nd-/ > /-n-/, como em cantando/cantano. Concordância verbo-nominal, como em as meninas chegaram cedo/as menina chegou cedo. 6.4 Variação estilística Também denominada variação contextual, ou de registro, manifesta-se em diferentes situações comunicativas do dia a dia. Quando o contexto sociocultural exige maior formalidade: [...] usamos uma linguagem mais cuidada e elaborada – o registro formal; em situações familiares e informais, usamos uma linguagem coloquial – o registro informal [...]. A variação estilística é regulada pelos domínios em que se dão as práticas sociais (escola, igreja, lar, trabalho, clube, etc.), pelos papéis sociais envolvidos (professor-aluno, pai-filho, patrão- empregado, etc.), pelo tópico (religião, esporte, brincadeiras, etc.) (GÖRSKI; COELHO, 2009, documento on-line). 30 7 CONTEXTOS DE USO DA LÍNGUA CULTA E DA LÍNGUA POPULAR Ainda que a escrita tenha sido criada tardiamente em relação à oralidade, Marcuschi (1997) destaca que, hoje, a escrita permeia quase todas as práticas sociais das mais variadas sociedades. Desse modo, ela é usada nos contextos sociais básicos, paralelamente à oralidade, os quais são: Escola; Família; Trabalho; Atividade intelectual; Cotidiano; Vida burocrática. Assim, podemos destacar que, no Brasil, a língua culta possui um padrão nacional, mas também padrões regionais, além de uma série de padrões ideais locais, conforme apontam os pesquisadores no livro organizado por Bagno (2004). Isso implica destacar que os contextos de uso das línguas culta popular estão relacionados às variedades geográficas e socioculturais, conforme estudamos anteriormente neste capítulo. Os principais ambientes de uso da norma culta são a escola e a academia, ou seja, as instituições de ensino. Nesses contextos, os sujeitos podem aprimorar os seus conhecimentos da língua, com o intuito de expressarem-se com base nas regras que o código escrito exige. Conforme destacado previamente, você precisa ter o devido cuidado ao corrigir os desvios da norma, o que sempre deve ser feito de forma didática e conscientizando os educandos dos motivos pelos quais tal variedade não é adequada à ocasião ao invés de, simplesmente, acusá-la de inaceitável, “errada”. Ademais, você deve respeitar o tempo de cada educando, posto que o processo de aquisição da língua é distinto para cada um. Em uma mesma sala de aula, você poderá se deparar com diferentes níveis de 31 aprendizagem da norma culta da língua, a depender dos sujeitos que se apresentarem (BUCHWEITZ, 2019). Todavia, atentemos ao fato de que a língua culta não se limita aos espaços escolar ou universitário. O que podemos analisar é que, nos meios escolar e acadêmico, existe a possibilidade de reflexão e de aprendizado sobre a língua no âmbito das suas mais diversas variantes. Frente a isso, é importante perceber que a norma culta é uma forma universal, ou seja, uma modalidade da linguagem à qual todos os sujeitos do País devem têm acesso — ou deveriam ter — por meio do ensino. Desse modo, quando o objetivo de um texto — escrito ou falado — é ser lido por todos os sujeitos de um país, é necessário adotar a norma culta. Por outro lado, quando se está em um contexto local ou regional qualquer, é possível usar variantes específicas daquele lugar para ser compreendido. 8 O USO DE CADA UMA DAS MODALIDADES DAS LÍNGUAS CULTA E POPULAR DE ACORDO COM OS SEUS CONTEXTOS Guy (2000) define o que é uma comunidade de fala, atribuindo-lhe algumas características: Características linguísticas compartilhadas: palavras, sons e construções gramaticais utilizadas dentro da comunidade, mas que não são usadas fora dela Densidade de comunicação interna relativamente alta: diz respeito à frequência com que as pessoas se comunicam dentro do grupo, sendo maior do que em relação a pessoas de fora dele. Normas compartilhadas: ações em comum frente ao uso da língua, normas em comum frente à direção da variação estilística, avaliações sociais em comum frente às variáveis linguísticas. 32 São essas especialidades do modo de comunicação dentro de um grupo de indivíduos que permitem os usos de cada uma das modalidades da língua culta e da língua popular. Os sujeitos utilizam as diferentes modalidades da língua sem precisarem ser advertidos a respeito. A construção da comunicação se estabelece segundo essas características de modo natural. Quando um sujeito inicia sua jornada escolar, pressupõe-se que ele aprenderá a ler e a escrever conforme as normas da língua culta. Por outro lado, quando um candidato à eleição de algum cargo público faz campanha em um bairro periférico de classe social mais baixa, ele busca adequar o modo de expressar-se àquele grupo, pois, em geral, pressupõe que o grau de escolaridade da comunidade não é muito elevado devido às condições de acesso à educação daqueles sujeitos (BUCHWEITZ, 2019). O uso das modalidades da língua culta e da língua popular, portanto, são sempre adequados ao contexto em que o falante se encontra. A partir do momento em que um sujeito deixa a sua comunidade de fala e insere-se em outra, ou ele adéqua o seu modo de falar, ou causa um estranhamento quanto à compreensão da mensagem que deseja transmitir. Tal adequação é possível, em nível mais elevado, aos sujeitos que compreendem o funcionamento da língua. Por isso, cabe a esses indivíduos o papel de mediadores de uma comunicação próxima dos seus receptores. 33 9 LEITURA E AUTORIA Fonte:pixabay.com Pode-se dizer que a compreensão da importância da relação entre o texto e o leitor é relativamente nova. Para compreender essa relação e chegar ao estatuto do leitor nos dias atuais é preciso, primeiramente, que você conheça diferentes perspectivas da leitura, da interpretação e do papel que o autor ocupou em relação à obra ao longo do tempo (NOBLE, 2019). Até certo ponto da história, a obra literária era entendida como um objeto próprio, cuja existência era apartada tanto do autor como do leitor. Segundo Compagnon (2006), algumas correntes teóricas pensavam a interpretação do texto remetendo a obra ao seu contexto ou buscavam somente na materialidade do texto sua significação. Essa busca pelo “centro do sentido” dos textos é de diferentes ordens ao longo da história. Na Idade Média e na Grécia Antiga, por exemplo, procurava-se “[...] compreender a intenção oculta de um texto pelo deciframento de suas figuras [...]” (COMPAGNON, 2006, p. 56). No século XVIII, pela filologia, buscava-se “[...] fazer prevalecer a razão contra a autoridade e a tradição [...]” (COMPAGNON, 2006, p. 56), abrindo caminho à interpretação histórica dos textos. Com a hermenêutica, as obras são interpretadas a partir de uma “verdadeira significação”, sendo 34 necessário retomar a intençãodo autor para interpretá-la. Chega-se, então, à ideia de que a autoria seria uma resposta para desvendar os sentidos do texto. Segundo Santos (2007, documento on-line), essa ideia imperou por muito tempo na crítica literária, sendo um texto literário considerado “[...] a expressão das ideias de seu autor [...]”. Até determinado momento da história, autoria significava todo um conjunto de atividades, envolvendo diferentes sujeitos, desde aquele que escrevia, aquele que editorava, que fazia a compilação até o que vendia os escritos. Pensando no surgimento da figura do autor, Barthes (1973) aponta a transformação da escrita em uma expressão de identidade que se dá com o surgimento da assinatura, marcando a escrita como uma propriedade, a partir de uma ordem do rei da França, Henrique II. A partir desse ato, há a atribuição de responsabilidade àquele que escreveu, ou seja, surge a figura do autor. Para Barthes (1973), é a partir desse momento que há o início de um “império do Autor”, já que o sentido de um texto ou de uma obra começa a ser centralizado naquele que escreveu. Para Santos (2007, documento on-line), esta concepção de um autor fechado e fonte da interpretação está ligada ao desenvolvimento do capitalismo, já que, a partir daí se configura “[...] a ideia de um indivíduo que possui direitos, o qual passa a ser [...] o centro de seu próprio ego e de suas próprias decisões [...]”. 10 A MORTE DO AUTOR E O NASCIMENTO DO LEITOR A concepção de autor como aquele no qual o sentido está centrado é assumida por muitos anos. Em 1968, Roland Barthes publica a tese A morte do autor, na qual apresenta a mudança do centro do sentido de um texto do autor para o leitor (NOBLE, 2019). 35 Fonte: pixabay.com A tese de Barthes (1988) afirma que não está no autor, enquanto indivíduo, enquanto personalidade, o centro dos sentidos de um texto. O autor propõe a figura do escritor, o qual desfaz a necessidade da origem do dizer, pois se inscreve na língua, desfazendo as paixões, os sentimentos, as impressões que estavam em torno da figura do autor. Assim, ele afirma que, exatamente ao contrário do autor, [...] o escritor moderno nasce ao mesmo tempo que o seu texto; não está de modo algum provido de um ser que precederia ou excederia a sua escrita, não é de modo algum o sujeito de que o seu livro seria o predicado; não existe outro tempo para além do da enunciação, e, todo o texto é escrito eternamente aqui e agora [...] (BARTHES, 1988, p. 67–68). 36 Se não há mais autor, o sentido não pode mais ser decifrável, definível a partir deste. Dessa forma, Barthes (1988) restitui o papel do leitor como aquele que entende as ambiguidades, o lugar onde a multiplicidade de sentidos se reúne. Não pensa este como um leitor empírico, biológico, de carne e osso, mas como um lugar de destino, onde os sentidos de um texto significam. Outro ponto importante a destacar da teoria de Barthes (1988) é a contribuição dos estudos linguísticos para sua tese da destruição do autor, já que a enunciação é tomada como um processo vazio, o qual funciona sem a presença física e imediata de interlocutores. Isto é, a escritura é um ato de enunciação realizado em um espaço/tempo do aqui e do agora, que não tem correspondência necessária no mundo empírico. Assim também ocorre com os interlocutores, que não são tomados como pessoas, mas como sujeitos da enunciação. Para Barthes (1968), um texto não é composto de um sentido único, pelo contrário, é exatamente onde há espaço para a multiplicidade de sentidos. É isso que você verá a seguir, ao entender a perspectiva discursiva sobre o leitor (NOBLE, 2019). 10.1 O leitor e a interpretação O processo de leitura, como você já percebeu, não é um ato de decodificação de um sistema de escrita. Apesar de o ato de decodificar ser parte essencial da leitura, sabe-se que ler é, especialmente, atribuir sentidos ao código lido. Dessa forma, atribuir sentidos é um gesto de interpretação do qual o protagonista é o leitor (NOBLE, 2019). Para Orlandi (2012a, p. 19), “[...] a incompletude é característica de todo processo de significação [...]”. Considerando que a leitura é um processo de significação, isso quer dizer que um texto escrito não contém, em si próprio, todos os sentidos, e que, ao ler, o leitor não deverá procurar o que o texto quer dizer, ou o que o autor quis dizer, perguntas que muitas vezes aparecem em práticas pedagógicas escolares, mas, sim, deve atribuir sentidos de acordo com o seu lugar de interpretação. 37 Sendo assim, considera-se que a interpretação é um gesto, portanto, que não se fecha na escrita do texto, cabendo ao leitor o papel de realizar o seu próprio gesto de leitura e de interpretação. Na concepção discursiva adotada por Orlandi (2012b, p. 11), a leitura é “[...] o momento crítico da produção da unidade textual, da sua realidade significante [...]”. É nesse momento, segundo a autora, que os interlocutores assim se identificam, desencadeando um processo de significação do texto. Nesse processo, há o envolvimento de um “leitor virtual”, aquele que está sempre inscrito no texto. Este é o leitor constituído no ato de escrita, quando aquele que escreve imagina para quem está escrevendo e a quem seu texto se destina. Portanto, a questão do leitor na leitura é intrínseca à constituição de sentidos: se o escritor considera um leitor imaginário para quem escreve, a constituição de sua escrita já é condicionada a um leitor virtual. Orlandi (2012a, 2012b) acrescenta a este leitor virtual aquele que ela denomina leitor real, ou seja, aquele que efetivamente lê o texto. Para a autora, ambos os tipos de leitores estão em uma relação necessária, ou seja, quando o leitor real lê o texto, está inevitavelmente se relacionando com um texto escrito para um suposto leitor imaginado pelo autor. 38 10.2 O sentido global do texto Diante de tudo que você viu até aqui, é possível perceber que, quando se lê, não se considera apenas o que está escrito. O ato de leitura vai além do texto e até mesmo das possíveis relações feitas do contexto externo com ele. Assim, é preciso considerar também o que não está dito na escrita, ou seja, o que está implícito e que também está produzindo significados para o que se lê (NOBLE, 2019). Segundo Orlandi (2012a), o que não está dito pode ser de várias naturezas, passando por: 1) aquilo que está suposto para que se entenda o que está dito; 2) aquilo que se opõe ao dito; 3) as diversas maneiras que se poderia dizer o que está dito. Ou seja, o sentido não está contido na materialidade linguística do texto, nem está “por trás” do texto, como um sentido oculto deste. O sentido de um texto é global, pois é preciso considerar diversos aspectos para interpretá-lo. Nesse sentido, a leitura é uma questão linguística, pedagógica e social, ao mesmo tempo, conforme propõe Orlandi (2012b). Linguística porque é por meio da materialidade da língua que temos acesso à leitura de textos escritos; pedagógica porque possui, na escola, um dos pilares de formação do leitor, possuindo a leitura também uma importante função no trabalho intelectual praticado por esta instituição; e social porque a leitura não pode estar desvinculada da sociedade, de seu papel de tornar o cidadão crítico em relação ao mundo. Nessa perspectiva, o texto é tomado em seu sentido global porque a leitura é entendida como processo de significação. Assim, os fatores externos ao texto tornam-se intrínsecos a eles. Dessa forma, o leitor não apenas apreenderá um sentido que está no texto, mas atribuirá sentidos a ele (ORLANDI, 2012b). Isso não quer dizer, no entanto, que qualquer sentido pode ser atribuído apenas porque o leitor assim o desejou. Conforme Orlandi (2012b), há diferentes leituras previstas para um texto, mas não há somente uma leitura. Para identificar as possíveisleituras, é preciso considerar que os sentidos têm história, ou seja, para se atribuir determinado sentido à determinado texto, há que se ancorar a interpretação realizada nas condições de produção do texto, bem como nas relações possíveis deste com 39 outros textos e com outros dizeres que circulam/circularam em condições de produção semelhantes. É o conjunto de relações que o leitor consegue estabelecer que determinam o modo como o texto pode ser lido. Essas relações precisam ter o aval, a legitimação de diferentes instituições — como a mídia, a família, a igreja, o jurídico, a escola —, que, muitas vezes, regem o modo como atribuímos sentido (NOBLE, 2019). Por tudo isso, é possível afirmar que não é nem o autor, nem o próprio texto, como um objeto fechado em si mesmo, que possibilitam uma leitura, mas sim diversos fatores que levam a tomar o texto como um objeto global, que envolve uma multiplicidade de fatores para que seja compreendido. Considerando a importância pedagógica da leitura e, ao mesmo tempo, da leitura na esfera pedagógica, veja, a seguir, os diferentes papéis do professor em relação à leitura. 11 O PAPEL DO PROFESSOR: LEITOR E MEDIADOR DA LEITURA O papel do professor como leitor e mediador da leitura pode ser percebido como um posicionamento diante de um texto. Isso porque a mediação de leitura depende dos diferentes modos de leitura, que, segundo Orlandi (2012b), são muito variáveis e indicam as formas de o leitor se relacionar com os textos que têm diante de si. 40 Fonte: pixabay.com O professor deve não somente estar preocupado com seu papel de mediador, inevitável em sala de aula, mas, primeiramente, deve se colocar no lugar de leitor das obras que lê. Estar no lugar de leitor é não perder o prazer da leitura, colocando nela um foco utilitarista, mas sim se colocar diante de uma obra buscando desfrutá-la antes de tudo. Assim, será mais fácil despertar nos alunos, em sala de aula, a vontade de desfrutar das leituras indicadas pelo professor — agora investido do papel de mediador (NOBLE, 2019). 41 Diante disso, observe os modos de leitura a seguir, que elementos cada modo coloca como organizador da leitura e perceba que o professor pode assumir alguns destes em seu papel de leitor-mediador, levando o aluno a, possivelmente, reproduzi-los: O que o autor quis dizer? — A relação do texto com o autor organiza esse modo de leitura. Em que este texto difere de tal texto? — Relação do texto com outros textos. O que o texto diz de X? — Relação do texto com seu referente, ou seja, com o tema sobre o qual fala. O que você entendeu do texto? — Relação do texto com seu leitor. O que é mais significativo neste texto para o meu professor? — Relação do texto com aquele “para quem se lê” (quando o aluno lê conforme o que o professor desejaria que ele lesse). Nesses modos de leitura que o professor, muitas vezes, retoma em seu trabalho, há sempre um viés assumido do que seria uma leitura ideal. Por vezes, ainda, esse modo de leitura ideal, como aponta Orlandi (2012b), está relacionado diretamente ao que é fornecido pelo livro didático. 12 O QUE O AUTOR QUIS DIZER? Quando essa pergunta é feita, muitas vezes desde os anos iniciais da escolarização, o aluno é levado a crer em um autor onipotente, cujas intenções podem controlar todo o percurso de significação de um texto (ORLANDI, 2012b). Além disso, tal pergunta fecha as portas para a multiplicidade de interpretações a serem realizadas pelo leitor, uma vez que o aluno se sente incumbido de buscar um tal “verdadeiro sentido” para o que lê. Dos modos de leitura apresentados por 42 Orlandi (2012b), vistos anteriormente, este é o mais frequentemente assumido pelo professor que baseia no livro didático suas leituras e sua aula de leitura. Diante de situações como esta, um leitor em formação passa a perceber o texto como um objeto a decifrar, não no sentido convidativo, mas sim um lugar onde ele deve procurar o sentido certo, assumindo como necessária a relação da leitura com o par erro/acerto. Dessa forma, o leitor estabelece uma leitura parafrástica, na qual há o reconhecimento e a reprodução “[...] de um sentido que se supõe ser o do texto (dado pelo autor) [...]” (ORLANDI, 2012b, p. 14). Como ensinar leitura, então? É o que questiona Orlandi (2012a), refletindo que a leitura é um gesto de constituição de sentidos que não se aprende. No entanto, ao se tomar a leitura também como uma relação incessante do leitor com a memória, em que estão envolvidos outros textos, histórias e experiências, a escola pode ter um papel fundamental em retirar o aluno da leitura parafrástica. Essa outra forma de ler é denominada leitura polissêmica, ou seja, aquela em que uma multiplicidade de sentidos é considerada. Essa leitura é proporcionada quando o professor modifica as condições de leitura do aluno, proporcionando que este construa sua própria história de leituras, e, ao mesmo tempo, trazendo à tona outras relações possíveis, quando necessário, para as quais o texto aponta, “[...] resgatando a história dos sentidos do texto [...]” (ORLANDI, 2012b, p. 59). Para que isso ocorra de forma natural, um dos caminhos é a oferta de diversos textos, obras literárias e não literárias, que dialoguem entre si e com um tema específico, sem, no entanto, cobrar que essa leitura seja para dar conta de uma atividade posterior obrigatória, pois está se torna uma forma mecânica e utilitarista de leitura pelos alunos. Segundo Riter (2009, p. 73), para que isso ocorra, é preciso que o professor seja “[...] um ser apaixonado pela leitura, alguém que tenha consciência de que ler faz a diferença [...]”, pois somente dessa forma ele será um incentivador da leitura. 43 Além disso, a escolha dos inúmeros textos a ofertar aos alunos deve passar pela história de leitura destes, ou seja, devem se relacionar, na medida do possível, com elementos do mundo do aluno e que lhe causem interesse e prazer. Assim, o professor atuará como um leitor e mediador eficaz entre a leitura e o leitor (NOBLE, 2019). 13 CONCEPÇÃO DE INTERTEXTUALIDADE A intertextualidade é um dos grandes temas a que a linguística textual tem se dedicado. Por isso, há várias pesquisas e estudos voltados ao assunto. No conjunto dos conhecimentos constitutivos do contexto, se destaca aquele referente a outros textos. Este consiste na intertextualidade (SANGALETTI, 2018). Para Roland Barthes (1988, p. 69), “[...] o texto é um tecido de citações, saídas dos mil focos da cultura [...]”. Quem pode decifrar as múltiplas vozes é o leitor, que deve ter a capacidade de perceber os “mil focos da cultura” no período da enunciação: “O leitor é o espaço mesmo onde se inscrevem, sem que nenhuma se perca, todas as citações de que é feita uma escritura. ” (BARTHES, 1988, p. 70). Nessa perspectiva, a intertextualidade é possível no processo do texto, e no ato de leitura, quando se pode notar o intertexto. Outro renomado teórico da intertextualidade, Gérard Genétte (1992), diz que a intertextualidade é um dos 44 fenômenos da transtextualidade. Marcuschi (2008, p. 130) explica que fazem parte dessa transtextualidade: A intertextualidade, que supõe a presença de um texto em outro (por citação, alusão, etc.); A paratextualidade, que diz respeito ao entorno do texto propriamente dito, sua periferia (títulos, prefácios, ilustrações, encartes, etc.); A metatextualidade, que se refere à relação de comentário de um texto por outro; A arquitextualidade, bastante mais abstrata, que põe um texto em relação com as diversas classes às quais ele pertence (por exemplo, um poema de Baudelaire se encontra em relação de arquitextualidade com a classe dos sonetos, com a das obras simbolistas, com a dos poemas, com a das obraslíricas, etc.); A hipertextualidade, que recobre fenômenos como a paródia, o pastiche, etc. Ao tratar os mecanismos da textualidade como critérios, Marcuschi (2008) ressalta que a intertextualidade é também um princípio constitutivo. Nesse sentido, ela compreende o texto como uma comunhão de discursos, e não como algo isolado ou apenas um simples critério de textualidade. Mas, afinal, você sabe o que é intertextualidade? Koch e Elias (2006) dizem que, para responder a essa pergunta, é necessário levar em conta outras duas perguntas: “Quantas vezes, no processo de escrita, constituímos um texto recorrendo a outro(s) texto(s)?” E “Quantas vezes, no processo de leitura de um texto, necessário se faz, para a produção de sentido, o (re)conhecimento de outro(s) texto(s) – ou do modo de constituí-los? ”. Para Koch e Elias (2006, p. 59), “[...] todo texto é um objeto heterogêneo, que revela uma relação radical de seu interior com seu exterior; e desse exterior, 45 evidentemente, fazem parte outros textos que lhe dão origem, que o predeterminam, com os quais dialoga, que retoma, a que alude, ou a que se opõe.”. Já os estudiosos Beaugrande e Dressler (apud KOCH; TRAVAGLIA, 1997, p. 45) dizem que “[...] a intertextualidade se refere aos fatores que vão depender da utilização adequada de um texto e do conhecimento que se tenha de outros textos anteriores.”. Observe exemplos nas figuras abaixo. 46 Você pode constatar, nos exemplos, que há o intertexto, ou seja, um texto inserido em outro, ambos constituídos a partir da memória social. No primeiro, há visualmente a imagem da personagem Pinóquio, que, quanto mais mente, mais aumenta o nariz. Já no segundo, há uma intertextualidade com o filme Kill Bill. (SANGALETTI, 2018) Nesse caso, mesmo que não exista a explicação do texto-fonte, o leitor consegue constatar a intertextualidade, pois o texto-fonte faz parte da memória social, o que possibilita que seja facilmente recuperado (KOCH; ELIAS, 2006). Se o leitor não tiver lido ou visto a história do Pinóquio e visto o filme de Tarantino, não vai compreender a intertextualidade. Conforme Koch e Elias (2006), a intertextualidade pode ser implícita ou explícita, como você vai ver a seguir. 13.1 Intertextualidade Explícita e Implícita A intertextualidade explícita ocorre quando se faz a citação da fonte do intertexto. Acontece, por exemplo, em discursos relatados, nas citações e referências, nos resumos, resenhas e traduções; e também nas retomadas de texto de parceiro para encadear sobre ele ou questioná-lo na conversação (KOCH; ELIAS, 2006). As teóricas explicam que a intertextualidade com explicitação da fonte aparece em diversos gêneros textuais. Porém, para que ocorra a produção de 47 sentido, além da verificação do fenômeno, o leitor deve considerar a importância e a função da escolha realizada pelo autor. Isso quer dizer que o leitor deve se perguntar: por que e para que o autor citou a fonte, se ele poderia não citar? (SANGALETTI, 2018) A intertextualidade se constitui também de modo implícito. Pode ocorrer com alusões, na paródia, em certos tipos de paráfrases e ironias. Essa intertextualidade se dá sem a citação da fonte. Assim, é responsabilidade do interlocutor recuperar na memória a informação e construir o sentido do texto. Quando isso não ocorre, grande parte ou mesmo toda a construção do sentido fica prejudicada (KOCH; ELIAS, 2006). Nas produções marcadas por esse tipo de intertextualidade, a fonte não é apresentada pelo autor, conforme as teóricas. Isso pois ele pressupõe que a informação já faça parte do conhecimento do leitor, que deve estabelecer “diálogo” entre os textos e a razão da recorrência implícita a outros textos, para que haja a produção de sentido. 14 INTERTEXTUALIDADE, LEITURA E PRODUÇÃO DE SENTIDO Para o processo de compreensão do texto, além de conhecer o texto-fonte, Koch e Elias (2006, p. 85-86) afirmam que “[...] necessário se faz também considerar que a retomada de texto(s) em outro(s) propicia a construção de novos sentidos, uma vez que são inseridos em outra situação de comunicação, com outras configurações e objetivos.”. 48 Samoyault (2008) reúne em seu livro comandos a partir de orientações de teóricos como Genette e Champagnon. Conforme a pesquisadora, a partir do texto Palimpsestes, de Gérard Genette, se adquiriu o hábito de distinguir as práticas intertextuais em dois tipos: relação de copresença e relação de derivação. Na de copresença, há, por exemplo, o A presente no texto B. No caso da derivação, há A retomado e transformado em B, o que Genette chama também de prática hipertextual. A partir dessa distinção, se organizou uma tipologia, conforme descreve Samoyault (2008). A citação, a alusão, o plágio e a referência são práticas de intertextualidade nas quais se inscreve a presença de um texto anterior no texto atual. Nas palavras da teórica, “essas práticas da intertextualidade dependem pois da copresença entre dois ou vários textos, que absorvem mais ou menos o texto anterior em benefício de uma instalação da biblioteca no texto atual ou, eventualmente, de sua dissimulação” (SAMOYAULT, 2008, p. 48). A seguir, você pode compreender melhor algumas das categorias de intertextualidade. Citação: é identificável de modo imediato, tendo em vista o uso de marcas tipográficas específicas, como aspas, itálicos, separação do texto citado. Para Samoyault (2008, p. 49), “Basta uma dessas marcas para assinalar a citação, a ausência total de tipografia própria transforma a citação em plágio, cuja definição mínima poderia ser a citação sem aspas, a citação não marcada.”. Alusão: remete a um texto anterior sem marcar a diferença da citação. De acordo com Samoyault (2008), às vezes não é intertextual propriamente dita, sendo exclusivamente semântica, como o enunciado “ele só pensa naquilo”, uma alusão erótica. Mas pode ser também uma alusão intertextual, como a realizada por James Joyce (apud SAMOYAULT, 2008, p. 50) em Ulysses, quando se refere à “Helena de Argos, a jumenta de Troia que não era de madeira e que alojou tantos heróis nos seus flancos.”. Aqui, há uma 49 alusão mitológica e alegórica que não é plenamente visível. Esse tipo de intertextualidade depende muito do efeito de leitura. Ela é frequentemente subjetiva e raramente é necessário desvendá-la para compreender o texto. Plágio: trata-se de uma retomada literal, porém sem marcas, o que torna a designação do heterogêneo nula. Quando ocorre a apropriação total, questões jurídicas devem ser levantadas a seu respeito, considerando que coloca em causa a propriedade literária, mais ou menos legitimada. Para a teórica, os termos de roubo e fraude são associados ao plágio e deslocam com mais frequência a questão do literário para o jurídico: “Introduzindo problemáticas ligadas à autoridade, à assinatura e à originalidade que ele anula, [...] o plágio merece assim ser mantido na tipologia, quando mesmo outras noções parecem poeticamente mais exatas ou mais eficazes para descrever certas operações de empréstimo” (SAMOYAULT, 2008, p. 63). Referência: constitui-se também de intertextos ambíguos, assim como a alusão e o plágio. Para identificá-la, é necessário que o leitor possua determinada cultura e sagacidade, tornando a relação intertextual aleatória (SANGALETTI, 2018). Paródia: transforma uma obra precedente de modo a fazer uma caricatura ou reutilização de qualquer forma, transpondo-a. Sua construção visa à ludicidade, à subversão, de modo a desviar o hipotexto para zombar dele, e ainda à admiração. Possui caráter 50 comum ao do patrimônio parodiado, o que possibilita aos leitores reconhecerem o hipotexto facilmente (SANGALETTI, 2018). Pastiche: imita o hipotexto, remetendo “[...] menos
Compartilhar