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Região Nordeste: Análise da sustentabilidade da pecuária de leite diante da ocorrência de ciclos de seca

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Região Nordeste: Análise da sustentabilidade da pecuária de leite diante da ocorrência de ciclos de seca 
 
Raimundo José Couto dos Reis Filho[1: Zootecnista, mestre em produção de gado leiteiro e diretor da Leite & Negócios Consultoria. E-mail: rdoreis@leiteenegocios.com.br.2 Engenheiro Agrônomo, mestre em fruticultura e sócio da FZO Consultoria. E-mail: zuza.ce@gmail.com.]
Francisco Zuza de Oliveira2
O aumento na produção de leite na região Nordeste nos últimos 15 anos evidencia o bom dinamismo vivido pela atividade leiteira neste período. Entre 2000 e 2014, a produção saltou de 2,15 bilhões de litros de leite para 3,88 bilhões em 2014 (tabela 01), crescimento de 80,1%. Dentre as regiões brasileiras, a Nordeste apresentou o terceiro maior crescimento porcentual, ficando atrás apenas da região Sul, onde a produção de leite cresceu 148,8 %, e da região Norte, que apresentou aumento de 85,4 %. 
Tabela 01. Produção de leite no Brasil, Regiões Geográficas e Estados do Nordeste.
	PRODUÇÃO BRASILEIRA DE LEITE (em mil litros) 
	Brasil, Região Geográfica e Unidade da Federação
	Ano
	Var % 2014/2000
	Var Volume 2014/2000
	
	2000
	2014
	
	
	REGIÃO SUL
	4.904.356
	12.200.824
	148,8
	5.325.445
	REGIÃO NORTE
	1.049.769
	1.946.149
	85,4
	896.380
	REGIÃO NORDESTE
	2.159.230
	3.888.286
	80,1
	1.729.056
	REGIÃO CENTRO-OESTE
	3.080.121
	4.969.238
	61,3
	1.696.943
	REGIÃO SUDESTE
	8.573.731
	12.169.774
	41,9
	3.596.043
	BRASIL
	19.767.206
	35.174.271
	77,9
	15.407.065
Fonte: IBGE – Pesquisa Pecuária Municipal (2015). Elaboração: Leite & Negócios Consultoria.
Pode-se atribuir esta evolução na produção de leite a diversos fatores, como a implantação de novas indústrias na região ou mesmo ações de fomento executadas em alguns estados, porém o mais determinante foi a sequência de boas precipitações (quadro chuvosa), ocorridos no período de 2000 a 2011. Este fato, de certa forma anormal para a realidade da região, já que as secas acontecem em ciclos de tempo mais curtos, a cada 3 a 5 anos (ver quadro com histórico de seca na região Nordeste), resultou em um período de “ouro” para o desenvolvimento da atividade leiteira nordestina. As boas precipitações proporcionaram condições favoráveis à produção de leite, reduzindo seus desafios, especialmente quanto a produção de forragem. 
Porém, após 12 anos de chuvas regulares (2000 a 2011), a região, desde 2012, vem sofrendo sucessivas secas. Para 2016, o prognóstico dos institutos de meteorologia apontam para mais um ano de precipitações abaixo da média histórica. Se confirmada esta previsão, serão cinco anos consecutivos de seca. 
Os produtores de leite nordestinos são acostumados com a ocorrência de secas, porém cinco anos consecutivas deste fenômeno torna o desafio grandioso, não só para os produtores, mas para a própria ciência e para os profissionais que atuam na atividade, pois, mesmo com um bom estoque de tecnologias existentes para se produzir leite em condições do semiárido, cinco anos sucessivos de precipitações abaixo da média histórica, que diga-se de passagem, é, em média, de apenas 500 a 600 mm/ano, torna qualquer sistema de produção de leite vulnerável. 
Historicamente na região Nordeste, em anos de seca o volume de leite produzido apresenta queda, como ocorreu nos anos de 1993, 1998 e 2012 (gráfico 01). Havendo boa precipitação no ano seguinte, a produção de leite apresenta um ciclo de recuperação. Como fato novo e que chama atenção é que após a seca que ocorreu em 2012, mesmo com a prevalência de chuvas abaixo da média histórica em 2013 e 2014, ou seja, mais dois anos de secas, ouve aumento na produção de leite nesses anos (gráfico 01). Isso sinaliza que o setor produtivo, conseguiu, de alguma forma, se preparar e conviver melhor com os desafios impostos pelas intempéries climáticas. 
Gráfico 01. Evolução na produção de leite na região Nordeste – 1990 a 2014.
Fonte: IBGE – Pesquisa Pecuária Municipal (2015). Elaboração: Leite & Negócios Consultoria.
É provável que este resultado esteja atrelado ao maior grau de utilização nas fazendas de técnicas voltadas para produção e conservação de forragem, que é, e sempre será, o maior desafio nas propriedades produtoras de leite na região Nordeste. 
O nordeste brasileiro é uma região de grande extensão territorial e que apresenta condições edafoclimáticas bastante heterogêneas. Diante desta realidade, a atividade leiteira em cada estado apresenta modelos próprios de produção de leite. Nos estados de Alagoas, Pernambuco e parte da Paraíba, predomina o sistema em “sequeiro”, ou seja, que depende exclusivamente das chuvas, tendo como base alimentar a palma forrageira. No Ceará, mais da metade do leite produzido atualmente advém de propriedades que utilizam irrigação para a produção de volumoso. Piauí e Rio Grande Norte, apesar de já utilizarem a irrigação em uma escala razoável, ainda predomina o sistema de sequeiro, que exige a formação de reserva estratégica alimentar para fornecimento aos animais no período seco do ano. Maranhão e Sergipe, de forma peculiar, apresentam em boa parte do seu território precipitações mais regulares, com maior volume e melhor distribuição das chuvas, o que possibilita a produção de leite a base de pasto em boa parte do ano. A Bahia, pela sua extensão territorial e diferentes condições climáticas existentes, apresenta grande variação de sistema de alimentação dos bovinos.
Mesmo diante dos sucessivos anos de secas, o setor produtivo nordestino conseguiu driblar as adversidades e manteve a atividade viva e ainda ampliou a produção de leite (pelo menos até o ano de 2014, pois 2015, ano também de seca, os dados oficiais ainda não foram divulgados). Porém, a pergunta é: caso se confirme em 2016 mais uma ano de seca, qual será o comportamento da produção de leite e o impacto na cadeia produtiva do leite na região Nordeste? De fato, é difícil prevê o que vai acontecer precisamente, mas é possível construir alguns cenários.
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dito da foto: Jardel Castro
Figura 01. Em função das sucessivas secas, a maioria dos açudes da região estão secos.
Sem dúvida alguma, 2016 será o ano de maior desafio para a atividade leiteira nordestina das últimas décadas, pois a conjuntura atual reúne uma combinação de fatores que desafiam à mais eficiente das fazendas produtoras de leite na região, a saber: crise hídrica; os altos custos dos insumos (grãos, adubos, etc.); o baixo preço do leite pago ao produtor e; a recessão econômica em que vive o País. 
Quanto a situação hídrica, desde 2015, prevalece em grande parte da região Nordeste um baixo nível dos reservatórios e do volume de água que correm nos leitos dos rios perenes ou perenizados. Como resultado, muitas propriedades deixaram de irrigar as áreas de produção de forragem, limitando a oferta de volumoso aos rebanhos, enquanto outras, em situação mais crítica, estão tendo que comprar água para fornecer aos animais. Neste último caso, é uma conta difícil de fechar. Considerando que um caminhão pipa custa R$ 80,00 (com capacidade de 8 mil litros de água), e o consumo de uma vaca seja de 80 litros/cab/dia, o gasto por animal é de R$ 1,00/dia, despesa esta nunca antes contabilizada. Para uma vaca que produz 10 litros por dia, o custo por cada unidade de leite produzido será de R$ 0,10. A conta piora quando ainda há a necessidade em fornecer água para animais das demais categorias existentes na fazenda. Com este custo adicional, é difícil fechar a conta no azul.
Dentre os estados da região Nordeste, Pernambuco e Paraíba foram os que mais sofreram até o momento com a falta de água. Em função da condição de relevo, esses estados não apresentam grande capacidade de acumulação de água através de açudes (figura 02), nem aquíferos no subsolo com grandes volumes de água. Neste dois estados, com a limitação em armazenar água, existe uma maior dependência de água das chuvas, o que exige precipitações mais regulares para manter a disponibilidade de água nas propriedades. Vale ressaltarque além da falta de água, Pernambuco e Paraíba tiveram ainda o problema com a alta infestação da praga Cochonilha do Carmim, levando a dizimar grande parte dos palmais existentes, já que estes, eram praticamente formados por variedades susceptíveis ao ataque do inseto.
Em Pernambuco, vale destacar a existência do rio São Francisco, o maior e mais importante rio do Nordeste, que banha sete cidades pernambucanas (Petrolina, Lagoa Grande, Santa Maria, Cabrobó, Orocó, Belém de São Francisco e Petrolândia), apresentando aproximadamente 350 km de margem de rio neste Estado, porém, a pecuária de leite é pouco presente nestas áreas, havendo predominância de uma pujante agricultura irrigada, mas voltada especialmente para fruticultura.
Figura 02. Em Alagoas, predomina o sistema de sequeiro, onde a palma é a base da alimentação.
Foto: Samuel Costa
O estado de Alagoas, apesar da baixa capacidade de acumulação de água em açudes (figura 03) e da limitada disponibilidade hídrica no subsolo, é o Estado onde a seca menos impactou a atividade leiteira. Dos noves estados do Nordeste, foi o único onde não houve queda na produção de leite entre os anos de 2000 e 2014, aliás, apresentou crescimento constante no volume de leite neste período, mesmo com os sucessivos anos de seca a partir de 2011. O diferencial da pecuária de leite em Alagoas está no sistema de alimentação adotado pela maioria dos produtores, onde a palma forrageira é a base da alimentação dos rebanhos. A palma é uma planta adaptada ao clima semiárido e de baixa demanda hídrica, apresenta boa produção de matéria seca/ha/ano e alto valor energético, além de ser excelente fonte de água para os animais. Em sua composição, apresenta entre 85 a 90% de água na matéria original. Isso significa que, dependendo da quantidade de palma consumida e a exigência requerida pelo animal, a utilização desse alimento na dieta, pode garantir o fornecimento de até 70% da água requerida pelos bovinos. 
Figura 03. Capacidade de acumulação em açudes nos estados da região Nordeste.
Fonte: ANA- Conjuntura dos Recursos Hídricos - Dados extraídos da apresentação do Marcelo Cajás Asfora /Pesqueira - 12/2012.
No Ceará, a seca também impactou pouco na produção de leite. O Estado apresentou uma pequena queda no volume de leite produzido em 2012 quando comparado ao ano anterior, de apendas 1,3%, porém, nos anos subsequentes, 2013 e 2014, voltou a crescer. Diferente do estado de Alagoas, boa parte da produção de leite cearense advém de propriedades que utilizam irrigação para produção de volumoso, seja na forma de pastagem, capineiras (capim elefante ou cana de açúcar) ou para produção de milho e sorgo destinado ao processo de ensilagem. Vale salientar que, em número de produtores, ainda predomina o sistema de produção de leite em sequeiro, porém, em termos de volume de leite captado pelas indústrias, a maior parte deste advém de propriedades que trabalham com áreas irrigadas. 
O uso da irrigação em larga escala pelos produtores de leite no Ceará, só foi possível graças aos investimentos realizados em infra estrutura hídrica pelos governos estadual e federal nos últimos 25 anos. Atualmente, o projeto conta com 2.582 km de rios perenizados, apoiados por adutoras e canais, alimentados por 139 açudes gerenciados, com capacidade em armazenar 18,1 bilhões de metros cúbicos de água. 
Além de garantir maior estabilidade na produção de leite ao longo do ano, o uso da irrigação proporcionou ganhos na eficiência técnica e econômica na atividade leiteira cearense, refletindo assim em aumento de competitividade, porém com as secas que vem ocorrendo desde 2011, os reservatórios de água sofreram drásticas reduções no volume de água armazenada, não só no Ceará, como em toda região Nordeste, forçando os governos a racionalizarem o uso da água, colocando assim em risco a atividade leiteira desenvolvida em sistemas irrigados. A situação é crítica, e os número endossam a preocupação. Em 2012 os reservatórios da região Nordeste contavam com 65,7% com volume de água, porém este volume foi caindo ano a ano, chegando a apenas 21,4% em fevereiro de 2016 (gráfico 02). 
O estado do Ceará, que detém a maior capacidade de armazenamento de água, 18,1 bilhão de m3, é o mais crítico, já que tem apenas 12,8% do volume dos reservatórios . A luz vermelha acendeu desde o ano passado, levando o governo a reduzir o volume de água destinada às atividades agrícolas e pecuárias. Como a prioridade no uso da água é, em ordem de prioridade, para consumo humano, consumo animal, indústria e por fim, atividades agropecuárias, com prioridade para as culturas perenes, o setor produtivo foi o primeiro a sentir o impacto na restrição no uso da água. 
Não havendo recarga dos reservatórios na próxima quadra chuvosa, que ocorre entre fevereiro a maio, o risco de colapso hídrico é praticamente certo. Caso aconteça, a cadeia produtiva do leite será afetada diretamente, com a queda da produção de leite e na diminuição do rebanho, impactando negativamente na renda e emprego no meio rural.
Gráfico 02. Evolução do volume dos reservatórios equivalentes nos estados do Nordeste – 2012 a 2016.
Fonte: Ministério da Integração - Fev/2016. 
Se já não bastasse a crise hídrica, desde o ano de 2015 os preços dos grãos estão elevadíssimos. No Ceará, em janeiro de 2016, a saca de milho chegou a ser comercializada a R$ 58,00, enquanto que o farelo de soja atingiu o valor de R$ 2.000,00 a tonelada. Outros insumos importantes na atividade leiteira, como fertilizantes e energia elétrica, sofreram reajustes expressivos, sem falar no aumento do custo da mão de obra. Como resultado, os custos de produção aumentaram substancialmente. Por outro lado, o preço do leite pago aos produtores não acompanharam esses aumentos. Os laticínios por sua vez alegam que, em função da recessão econômica a qual passa o País, o consumo de lácteos reduziu, não havendo possibilidade neste momento em aumentar os preços dos produtos na ponta, ou seja, ao consumidor. Segundo o setor laticinista, essa realidade impede que haja aumentos expressivos no valor do leite pago ao produtor. 
Diante deste cenário, a palavra de ordem atual é SOBREVIVER. Sendo assim, o produtor precisará planejar ações e tomar atitudes que venham diminuir riscos e a vulnerabilidade da atividade leiteira diante dos desafios existentes. Abaixo, segue algumas das estratégias possíveis de serem adotadas pelos produtores a curto prazo: 
Reestruturar e enxugar os rebanhos. Através do descarte, é hora de ficar com um número mínimo de animais na propriedade;
Mesmo com a possibilidade de ocorrer mais um ano de seca, é preciso definir e executar ações para produzir forragem durante o período de chuva. Seja qual for a estratégia definida, a eficiência na produção de volumoso terá que ser máxima; 
Implantar ações que venham a reduzir os custos de produção. Um dessas pode ser a utilização da silagem de milho reidratado, que pode reduzir o gasto com este insumo em até 20%. 
Neste momento difícil, é importante que haja união de todos os atores da cadeia produtiva do leite, além da necessidade de atuação dos governos estaduais e federal através de ações que possam minimizar os efeitos da seca. Como exemplo, o governo, através da CONAB, pode e deve fazer chegar milho nas propriedades a preços subsidiados.
A região Nordeste espera com muita expectativa a conclusão do projeto de Integração do Rio São Francisco, uma obra grandiosa que, após sucessivos e angustiantes atrasos em sua execução, segundo o Ministério da Integração Nacional, tem previsão de conclusão para dezembro de 2016. O projeto contempla a construção de dois canais, eixo norte e eixo leste, apresentando, respectivamente, extensão de 260 e 217 quilômetros (figura 04). O projeto beneficiará os estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará, e, sem dúvida, irá proporcionar a segurança hídrica de que tanto a região precisa. 
Figura 04. Projeto de Integração do Rio São Francisco.
Foto: Ministério da Integração Nacional. Fev/2016.Em 2016, a pecuária de leite nordestina estará sendo colocada a prova. Se passar no teste, a cadeia produtiva demonstrará que é possível produzir leite no semiárido, mesmo diante do desafio em passar por cinco anos de secas sucessivas. Mas isso não basta, é necessário mostrar que é possível produzir leite de forma eficiente e sustentável. Neste aspecto, os produtores alagoanos, que utilizam a palma forrageira como base da alimentação dos seus rebanhos, encontraram uma das boas alternativas de exploração da atividade leiteira. Resta aos produtores dos demais estados acharem os modelos de produção adequados a sua realidade, seja ele irrigado, sequeiro ou misto. 
Ciclo de secas da região Nordeste – um fenômeno recorrente
A seca no Nordeste brasileiro é um fenômeno recorrente, historicamente conhecida e debatida pela sociedade, desde a seca de 1877, quando D. Pedro II prometeu vender as joias da coroa para implantar infraestruturas de convivência digna da população, notadamente com as carências biológicas - água e alimentos, mais evidenciadas nos grandes ciclos de estiagens. 
Os dados oficias registram no semiárido nordestino a ocorrência de estiagem, com suas variações climáticas, da ordem de 3 anos em cada 10, que ocorre em ano isolado ou num ciclo.
- Histórico de secas mais duradoras ocorridas no Nordeste brasileiro, com ciclos de 2, 3, 4 e 5 anos seguidos, e alguns fatos relevantes: 
1723 a 1727 – 3 anos; 1776 a 1778 – 3 anos; 1877 a 1879 – 3 anos; 1919 a 1921 – 3 anos (Criação das bases do DNOCS); 1934 a 1936 – 3 anos (Esta seca ocorreu também em MG e SP. Por isso a seca do Nordeste passou a ser visto como um problema nacional); 1963 a 1964 – 2 anos (Ocorreu também no RJ, SP, MG, PR,DF, e AM); 1979 a 1983 – 5 anos; 1997 a 1999 – 2 anos; 2012 a 2015 – 4 anos.

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