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Revista Brasileira de Educação Física, Esporte, Lazer e Dança, v. 1, n. 2, p. 63-73, jun. 2006 63 444 A PRÁTICA PEDAGÓGICA DO PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA NO PARADIGMA DA COMPLEXIDADE THE PEDAGOGICAL PRACTICE OF PHYSICAL EDUCATION TEACHER IN COMPLEXITY PARADIGM Bárbara Raquel Agostini Marilda Aparecida Behrens Pontifícia Universidade Católica do Paraná bailarina23@yahoo.com.br (Brasil) Resumo A educação brasileira vem sendo desafiada a superar o paradigma dominante que caracterizou a ciência nestes últimos três séculos. Esse movimento de mudança busca um paradigma inovador que precisa ser incorporado, também, pelos processos educacionais. Os paradigmas acompanham o mundo, que está em constante mudança, pois tudo no universo se interliga e se relaciona. Esse processo de transição paradigmática demanda atualizações constantes por parte dos professores, que devem sempre estar situado em todos os contextos da sociedade e esferas da vida humana. Acredita-se que a proposição do paradigma da complexidade pode vir a atender as expectativas dessa profissão. O paradigma da complexidade envolve uma visão de totalidade, assim busca a superação da fragmentação em todas as áreas do conhecimento. Dentro dessa problemática questiona-se: qual a visão paradigmática dos professores de Educação Física que passaram pela formação pedagógica no mestrado em Educação sobre a prática pedagógica que deve ser desenvolvida na graduação e como essa visão reflete na prática docente junto aos acadêmicos? Para essa investigação optou-se por uma pesquisa tipo participante, utilizando como instrumentos entrevistas com os professores e questionários com os alunos da graduação. A análise dos questionários e entrevistas nos mostra que os professores estão atuando no paradigma da complexidade, e, nos mostra também que os alunos sabem que mudanças estão ocorrendo dentro desse processo. Nota-se também que os estudantes, como conseqüência, serão pessoas mais conscientes e que sabem que os aspectos que unem corpo e mente devem ser privilegiados numa visão de totalidade. Abstract The Brazilian education comes being blunt to surpass the dominant paradigm that characterized science in these last three centuries. This movement of change looks for one innovative paradigm that needs to be incorporated, also, for the educational processes. The paradigms follow the world, and the world is in constant change, it happens because everything in the universe is connected and related. This process of transition demand constant updates by the teachers, who must always be situated in all the contexts of the society and spheres of the life human being. Many researches believe that the proposal of the complexity paradigm can take care the expectations of this profession. The complexity paradigm involves a totality vision, and in this way look for overcoming of the separation in all areas of the knowledge. Inside of this problem we questioned: which vision, about paradigm, of teachers of Physical Education who had passed for the pedagogical formation in education masters about which pedagogical practical that he must be developed in the graduation and how this vision reflects in academics? For this inquiry research we opted to use a participant, using how instruments interviews with the teachers and questions for the students in graduation. The analysis of the questions and interviews show us that teachers are using a methodology inside of complexity paradigm. And, show us also that the students know that the changes in this process are happening. We note, too, that students are conscientious people who know that aspects that unite body and mind are privileged in a totality vision. Palavras Chaves: Educação, Educação Física, Paradigma da Complexidade. Keywords: Education, Physical Education, Complexity Recebido em: 28/04/2006 Revisado em 15/05/2006 Aceito em: 24/06/2006 Revista Brasileira de Educação Física, Esporte, Lazer e Dança, v. 1, n. 2, p. 63-73, jun. 2006 64 Introdução A sociedade vive um momento extraordinário de transição paradigmática. Os últimos cinqüenta anos do século XX foram palco de mudanças radicais, em todos os setores, especialmente na educação em conseqüência da velocidade em que se deu a evolução dos conhecimentos científicos. No entanto, e paradoxalmente, a humanidade no III Milênio, em plena revolução tecnológica, está com o intelecto projetado para a conquista das estrelas e o gozo de todos os confortos tecnológicos criados por sua poderosa mente. Porém, também está repleta de processos de injustiça social. Os meios de comunicação, diariamente, trazem notícias que demonstram o teorema da grotesca contradição em que as sociedades se encontram de modo geral, em particular, a brasileira. Impossível seria que, em meio a esse contexto, a Educação e por sua vez, as práticas pedagógicas permanecessem imutáveis, desconhecendo o fosso de injustiça social que alarga-se e aprofunda-se, especialmente, em razão da ignorância a que parcela significativa da sociedade vem sendo submetida. Assim é que, em decorrência dos processos de globalização e da evolução da sociedade do conhecimento, os estudos e a literatura referente às práticas pedagógicas vêm assumindo caráter mais amplo e democrático. É perceptível a urgência da utilização de metodologias globais, que abranjam aspectos diversos e estejam voltadas para as necessidades e premências do cotidiano. De acordo com Behrens (2006, p. 12) “a busca por um novo paradigma demanda uma revisão na visão de mundo, de sociedade e de homem”. Por essa razão, é preciso discutir, cada vez mais intensamente, a pedagogia utilizada nas salas de aula das instituições universitárias, pois, como se sabe, são elas as responsáveis pela formação dos profissionais que atuarão no mundo do trabalho. Contudo, ainda que a discussão sobre novas metodologias já tenha sido instalada nos meios universitários, pode-se notar que discursos inovadores não vêm acontecendo de maneira equilibrada, já que muitos professores ainda mantêm sua prática arraigada em antigos paradigmas. Partindo dessa perspectiva, questionou-se qual a visão paradigmática dos professores de Educação Física, que passaram pela formação pedagógica no Mestrado em Educação, sobre a prática pedagógica que deve ser desenvolvida na graduação e como essa visão reflete na prática docente junto aos acadêmicos? Acreditando que o paradigma mais adequado para responder a tal anseio é o da complexidade, o presente estudo tem, portanto, a finalidade de não somente descrever a prática pedagógica, como também o de procurar contribuir para a inclusão dessa metodologia atual e emergente no cotidiano dos professores desse curso, de relacionar a opinião de professores e alunos e de incluir possíveis sugestões para essa prática. No cenário educacional brasileiro, a Educação Física ao longo dos anos passou por inúmeras e constantes transformações. Tais transformações estiveram, sempre, ligadas a interesses políticos e econômicos que deixavam de lado o verdadeiro papel da cultura física. Abordagens diversas surgiram e foram utilizadas, em diferentes momentos históricos, e, com o tempo, foram substituídas por outras tendências. De acordo com Vargas (1999, p. 12), a “Educação Física brasileira sofria de duplicidade moral: sua Revista Brasileira de Educação Física, Esporte, Lazer e Dança, v. 1, n. 2, p. 63-73, jun. 2006 65 teoria negava sua prática e sua prática desmentia a sua teoria”. Modernamente, essa área já assume postura diferente frente à sociedade do conhecimento e à população em geral, mas, é preciso, para melhor entendê-la, conhecer as abordagens que caracterizaram a Educação Física até o momento atual. Todas as tendências da Educação Física,com perspectivas e características diferenciadas – diversas vezes cópias de tendências européias –, estiveram alicerçadas em pressupostos pedagógicos que, muitas vezes, apresentavam desconexão com a realidade social do país até meados dos anos oitenta. Conforme Pagni (apud NETTO, GOELLNER e BRACTH, 1995, p. 149), o “objetivo do ensino da Educação Física se reduzia, simplesmente, em instruir os professores para a realização de uma prática pedagógica fundamentada em bases técnicas, uma vez que, nesses períodos, a Educação Física era vista, unicamente, como ponto de partida para se realizar o culto ao corpo”. A máxima norteadora era ‘Mens sana in corpore sano’. Com a modernização da sociedade do conhecimento, nas últimas décadas do séc. XX, especialmente no que se refere às questões sociológicas, tais tendências e perspectivas ficaram obsoletas, assim como a prática pedagógica do professor de Educação Física que, por seguir aqueles conceitos, mostrava-se ultrapassada. Como conseqüência, a comunidade brasileira dessa área percebeu que se faziam necessárias novas reformulações, que conduzissem à prática pedagógica organizada em torno das novas visões de ensino e aprendizagem. Inicia-se, assim, um grande esforço para reerguer a Educação Física no país. A partir do final do século XIX e início do século XX segundo Pagni (apud NETTO, GOELLNER e BRACTH, 1995, p. 162) – “vista sob o ângulo de um plano educacional mais amplo – a Educação Física vem sendo incrementada e defendida como uma necessidade imperiosa para a comunidade, e como disciplina participante de um processo sujeito a constantes mudanças, em que não há verdades absolutas e definitivamente acabadas”. Concordando plenamente com a afirmação desse autor, ao proceder à investigação da prática pedagógica do professor de Educação Física sob a visão do paradigma da complexidade, assim acredita-se que esta pesquisa adquire relevância científica. Por outro lado, o fato de ter sido aluna do curso em questão, e estar atuando na área, instigou a percepção desta pesquisadora sobre a real necessidade de investigar, com profundidade, a maneira como o ensino no curso de Educação Física pode ser trabalhado num paradigma de complexidade com foco na visão holística, e, além disso, como a prática pedagógica holística pode transformar os educandos do curso. Esse trabalho pretende, por meio de uma metodologia qualitativa tipo participante, contribuir na proposição de uma prática pedagógica relevante. A educação em geral e a Educação Física, em particular, assumem no início do século XXI, um caráter mais amplo e global, e desafia os profissionais para a superação do paradigma dominante que focaliza ultrapassar uma visão mecanicista para uma visão mais integrada, holística e complexa. A pesquisa, em andamento, envolveu a investigação sobre o paradigma que caracteriza a prática pedagógica utilizada por dez professores do curso de Educação Física que participaram da formação pedagógica no Mestrado em Educação de uma universidade particular de grande porte, e como essa formação reflete na prática exercida atingindo trinta alunos do mesmo curso. Revista Brasileira de Educação Física, Esporte, Lazer e Dança, v. 1, n. 2, p. 63-73, jun. 2006 66 1. O paradigma da Complexidade e a influência na educação Física: Como este trabalho implica, antes de tudo, em mudança de paradigma, é mister apresentar-se, primeiramente, o conceito de paradigma. Segundo Kuhn (apud MORAES 1998, p. 30), “paradigma é uma constelação de crenças, valores e técnicas partilhadas pelos membros de uma comunidade científica”. Conforme Moraes (1998 p. 30), paradigma refere-se a “modelos e padrões compartilhados que permitem a explicação de certos aspectos da realidade”. Morin (2003, p. 26) acrescenta que “o paradigma desempenha papel subterrâneo e soberano, ao mesmo tempo, que controla o nosso pensamento consciente”. Acrescenta, ainda, que: “todos os paradigmas podem e devem estar impregnados de erros e ilusões e que devemos, sempre, nos dar o direito da incerteza para descobrir as falhas e poder reconstruir a partir delas”. A Educação brasileira, assim como a Educação Física, estava fundamentada em paradigmas e abordagens educacionais ultrapassadas. As abordagens conservadoras, segundo Behrens (2005) podem ser descritas como: tradicional, escolanovista e tecnicista. Essas abordagens vinham apoiadas por uma visão de ciência e de mundo newtoniano-cartesiano, que, conforme Behrens (2000), era caracterizada pela fragmentação, pela visão racional e reducionista de interpretar e conhecer o mundo. Dessa forma, guiada por físicos, matemáticos, filósofos, entre outros, a Educação passou por diversas abordagens. Após anos de evolução histórica da educação surgiram nas últimas décadas do século XX, as abordagens inovadoras e diferenciadas. Behrens (2006) aponta uma aliança entre a abordagem progressista, abordagem do ensino com pesquisa, e a abordagem holística, para compor o paradigma da complexidade. O paradigma da complexidade envolve a abordagem holística, e por isso segue- se uma breve elucidação ao seu respeito. De acordo com YUS (2002, p.13) “a visão holística é milenar e teve suas raízes em filósofos e pedagogos do séc. XVIII”. O autor ainda acrescenta que essa visão teve seu período forte há muitos séculos, vindo, entretanto, a se enfraquecer com o surgimento da modernidade e com as proposições de físicos e matemáticos, como Newton e Descartes. A partir de um certo momento, o paradigma dominante não atendia mais às necessidades reais, assim, instala-se uma crise paradigmática, pois a sociedade precisava de um novo paradigma. Houve, então, de acordo com Capra (1996, p. 23), “uma crise de percepção que requeria mudanças radicais nos pensamentos e valores estabelecidos, até então, para que se buscasse, em contrapartida, a construção de uma sociedade sustentável”. O paradigma holístico, ou visão holística, conforme se pôde perceber, consegue atender, adequadamente, às necessidades atuais do ensino-aprendizagem, não apenas por ter uma visão de educacional que remete à abrangência e inequívoca interligação dos conteúdos, mas, também, por permitir a visão planetária e ecológica. A visão holística é inovadora e emergente e, em virtude de sua característica de abrangência, confere poder de transformação da prática pedagógica, uma vez que o grande desafio da visão holística consiste em superar a fragmentação. De acordo com Behrens (apud MASSETO, 2000, p. 47), existe a afirmação de que “o paradigma da complexidade na prática pedagógica é inovador e vem atender Revista Brasileira de Educação Física, Esporte, Lazer e Dança, v. 1, n. 2, p. 63-73, jun. 2006 67 aos pressupostos necessários, às exigências da sociedade do conhecimento, à busca da integralidade, ao enfoque da aprendizagem e ao desafio de superar-se a reprodução do conhecimento em favor da produção do conhecimento”. A visão ou paradigma holístico, de acordo com Weil, (apud BRANDÃO e CREMA, 1991 p. 20), “é uma tentativa de definir-se a natureza da evolução, de suas fases principais e de um fator ou princípio subjacente a essa evolução e a todo o universo”. De acordo com os autores citados, aceitar essa evolução implica abandonar falsas idéias sobre a natureza da matéria. Significa, também, aceitar que há uma continuidade evolutiva entre matéria, vida e mente; aceitar que há uma unidade fundamental em todos os aspectos da vida; entender que todos os aspectos do mundo estão interligados no cosmo por redes, sistemas e conexões, simples ou complexos. Crema (apud CARDOSO, 1995, p. 28), ainda acrescenta que: “O cosmo, em última análise, é uma totalidade, um sistema complexo de relações em que o todo está em cada uma das partes e, ao mesmo tempo, o todo é qualitativamente diferente do que a soma das partes”. No paradigmada complexidade a busca da totalidade, de acordo com Yus (2002), proporciona interação entre os dois hemisférios do cérebro. Conforme Gordon (1996), os hemisférios cerebrais possuem características diferenciadas. O hemisfério cerebral direito é mais criativo, emotivo e intuitivo. Já o esquerdo é mais acadêmico, racional e lógico. Durante muitos anos, nas instituições escolares e universitárias, as abordagens de ensino que levavam à reprodução do conhecimento privilegiavam os aspectos cognitivos, que abrangiam o hemisfério cerebral esquerdo. Os aspectos cognitivos concernentes ao hemisfério direito eram menosprezados, fato que implicava em tentativa de padronização de alunos com inteligência lingüística e lógico- matemática. Essa prática deixava de lado os alunos que possuíam outras habilidades. De acordo com Gardner (apud GORDON, 1996, p.81), “os seres humanos possuem oito tipos de inteligência” e a educação holística quer atingir de maneira complexa todas essas dimensões, mas, a Educação Física, em acordo com sua característica fundamental, objetiva, em especial, mas não excludente a inteligência corporal-cinestésica que, conforme o autor, possui, como principal característica, capacidade de usar o próprio corpo, de maneira altamente diferenciada e hábil, para propósitos expressivos. O estímulo da inteligência corporal-cinestésica proporciona possibilidades que vão além das atividades motoras praticadas nas aulas de Educação Física e nas academias desportivas, pois abre caminho para o envolvimento de todos os sentidos. De acordo com Weil (1986), o corpo possui linguagem própria, ele, com sua expressão, fala. Para Yus (2002), o ponto de partida para uma educação holística consiste em superar a fragmentação, cujo poder de compartimentar o conhecimento afeta todas as esferas da vida humana. O principal foco da educação holística, portanto, é a superação das dicotomias que foram estabelecidas ao longo dos anos. Todos os tipos de relações constituem o centro dessa visão de educação e de mundo, ou seja, as relações entre pensamento linear e intuição, entre corpo e mente, entre o eu e a comunidade, entre outras dualidades. A necessidade de retomar as inter-relações são o centro do paradigma da complexidade na visão holística, e os estudantes devem ter consciência delas, bem como das habilidades necessárias para transformá-las, quando julgarem conveniente, dentro da realidade em que estão situadas. Revista Brasileira de Educação Física, Esporte, Lazer e Dança, v. 1, n. 2, p. 63-73, jun. 2006 68 Sobre a educação holística, Zabala (2002, p. 34) cita que a mesma possui enfoque globalizador, em que: “os conteúdos disciplinares e a maneira de ensiná-los são apenas um meio para se chegar à resolução dos problemas reais e complexos, que fazem parte da vida social do homem, e não um fim em si mesmos”. O autor ainda acrescente que nesse enfoque globalizador, procura-se desenvolver, plenamente, todas as capacidades da pessoa para que ela possa dar resposta aos problemas que a vida comunitária lhe apresenta. Esse enfoque, que é metadisciplinar, define a realidade como global ou holística. Por isso, é tão importante para este estudo e para a Educação Física. Ainda conforme o autor, o ensino tem uma função social, que é a de possibilitar ao homem compreender e intervir na realidade de maneira complexa e consciente. A função social do ensino, no enfoque globalizador, visa à formação de um modelo ideal de cidadão que seja capaz de responder aos problemas da modernidade. A educação holística deve proporcionar, como finalidade de ensino, conhecimentos que abranjam as dimensões: social, interpessoal, pessoal e profissional. Essas dimensões, de maneira um pouco diferenciada, também são citadas por Delors (2003), em um relatório, desenvolvido para a UNESCO, que versa sobre a Educação para o século XXI. Essas finalidades são apresentadas como os quatro pilares da educação do futuro: aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a conviver juntos e aprender a ser. Historicamente, a humanidade tem sido contemplada com o aprender a conhecer (ainda que não de maneira integral) e o aprender a fazer (com grande especialização e parcialidade). O grande desafio, então, está em oferecer processos que envolvam o aprender a conviver juntos e o aprender a ser. Mas existe, também o desafio na reformulação do aprender a conhecer e do aprender a fazer. O aprender a viver juntos, de acordo com Delors (2003), propõe trabalhar com a descoberta do outro a partir da participação em projetos comuns, em que se busque evitar conflitos. Coincide, assim, com Behrens (2000), em sua afirmação de que conviver implica buscar compreender o outro, respeitar a individualidade, pensar holisticamente e agir coletivamente, dependendo uns dos outros, das parcerias e dos trabalhos coletivos. Por sua vez, Yus (2002, p. 27) afirma que “a educação holística tem um grande princípio de conectividade, o que o conduz à noção de comunidade de aprendizagem”, e complementa dizendo que: “O estudante não é um ser isolado de um contexto social, assim como a escola, enquanto instituição, também não é. Ao contrário, existem múltiplas relações sociedade-estudante, em diferentes níveis e de maneira recíproca”. O aprender a ser está intrínseco na visão da educação holística. Esse pilar implica, de acordo com Delors (2003), uma contribuição para o desenvolvimento total da pessoa em todas as suas dimensões: espírito e corpo, inteligência e sensibilidade, sentido estético e responsabilidade pessoal, entre outros. De acordo com Yus (2002), uma educação integral deve favorecer todos os aspectos da vida humana, alimentando o crescimento intelectual, emocional, social, físico, artístico e espiritual. Percebe-se, então, que se deve e se pode educar o corpo, Revista Brasileira de Educação Física, Esporte, Lazer e Dança, v. 1, n. 2, p. 63-73, jun. 2006 69 pois, afinal, estar-se-á abraçando mais um dos aspectos da vida humana, ao se estabelecer uma conexão corpo-mente e saúde. Assim, a tarefa da Educação Física do futuro é, também, propiciar o estabelecimento dessas conexões, ao oferecer condições pedagógicas que conduzam ao desenvolvimento de todas as capacidades físicas do ser humano, e não somente aquelas que digam respeito às capacidades corporais. 2. Metodologia Nesse trabalho, optou-se por uma pesquisa qualitativa tipo participante, que de acordo com Bauer (2004), se caracteriza por estar centrada no levantamento de dados feito por meio de entrevistas e de questionários. Seguindo a definição de pesquisa qualitativa, que será realizada neste trabalho, Turato (2003, p. 145) afirma que: “Um trabalho investigativo qualitativo que permite ao pesquisador colocar-se desarmado, em atitude de permitir-se escutar o suficiente sobre a fala do entrevistado acerca dos sentimentos, idéias e comportamentos humanos e então procurar compreender quais sentidos e significações aqueles fenômenos referidos ganham em especial para os sujeitos eleitos para o estudo”. Esse autor coloca também que a pesquisa qualitativa permite o acesso a certos dados, os quais não seriam atingidos pelos métodos quantitativos. De acordo com Bauer (2004), é necessária uma visão mais holística do processo de pesquisa, para que esse possa incluir a definição e a revisão de um problema, sua teorização, a coleta de dados, a análise dos dados e a apresentação dos resultados. 2.1 Instrumentos de pesquisa Nesse trabalho foram utilizados dois instrumentos de pesquisa: Foram elaboradas entrevistas para dez professores do curso de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Foram elaborados 30 questionários para os alunos de sexto e sétimo período do Curso de Educação Física da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Composto por perguntas fechadas e abertas.• Entrevistas para dez professores da graduação; • Questionários para trinta alunos da graduação. As entrevistas eram compostas de sete perguntas abertas e os questionários eram compostos por três perguntas fechadas e duas abertas. 2.2.2 Fases da pesquisa: Nessa dissertação alguns passos metodológicos foram seguidos, e serão descritos a seguir: • Inicialmente, foi realizada uma revisão bibliográfica histórica sobre as abordagens da Educação e as abordagens da Educação Física. Essa Revista Brasileira de Educação Física, Esporte, Lazer e Dança, v. 1, n. 2, p. 63-73, jun. 2006 70 revisão tinha como principal finalidade traçar um perfil histórico dessas abordagens e das relações que se estabeleciam entre si; • Após essa revisão iniciou-se a pesquisa de campo, com a colaboração de alunos e professores do curso de graduação; • As entrevistas forma realizadas pelo pesquisador, com a utilização de gravador, lápis e papel, estavam na sala no momento da entrevista somente o pesquisador e o professor e os questionários foram realizados na sala de aula, durante o período letivo dos alunos com a presença do pesquisador e sem a presença do professor; • Após esse levantamento de dados, os mesmos foram analisados. Todas as entrevistas foram analisadas individualmente. Toda a análise estava embasada teoricamente nos autores propostos pelo trabalho. As entrevistas foram avaliadas de maneira discursiva e qualitativa; • Os dados dos questionários realizados com os alunos do curso de Educação Física da Pontifícia Universidade Católica do Paraná foram analisados através de embasamento teórico; • E, finalmente, com todo referencial bibliográfico e levantamento de dados prontos foi possível chegar á algumas conclusões elucidativas sobre a visão paradigmática dos professores de educação física a respeito de sua prática pedagógica, foi possível, também, verificar a influência dessa formação nos alunos bem como foi possível incluir sugestões a respeito da prática pedagógica do professor de Educação Física, quando o educador se encaixava no paradigma da complexidade. 2.2.1 Critérios de Inclusão - Professores do Curso de Educação Física da Pontifícia Universidade Católica do Paraná que já venham utilizando a prática pedagógica holística, através de suas disciplinas; - Professores que ministrem aulas no curso de Licenciatura; - Alunos do Curso de Educação Física da Pontifícia Universidade Católica do Paraná que estejam cursando o sétimo período; - Alunos que estejam cursando Licenciatura e não bacharelado. 3. Avaliação dos dados Por meio das contribuições dos professores percebemos que o paradigma utilizado é, principalmente, o paradigma da complexidade. Os professores estão se desprendendo de fatores estritamente técnicos, que buscam apenas performance e perfeição. O reflexo tecnicista e militarista vem, aos poucos, sendo deixado de lado. E, dessa forma, surgem processos educacionais modernos e abrangentes, que trabalham a corporeidade, a qualidade de vida, as atividades físicas holísticas, a inclusão de portadores de necessidades especiais. Os Revista Brasileira de Educação Física, Esporte, Lazer e Dança, v. 1, n. 2, p. 63-73, jun. 2006 71 professores demonstraram muita preocupação em formar um aluno especialista, mas consciente da sua real condição no mundo e no mercado de trabalho. A análise das perguntas fechadas dos questionários nos revela, através de seus alunos, que os professores do Curso de Educação Física da PUCPR não estão presos há apenas uma metodologia. Não existe um caráter único quando se trata das aulas, pois 65% dos educandos afirmam que essas vêm ocorrendo de forma mista, e apenas 3% dos alunos afirmam que as aulas são necessariamente práticas. Isso demonstra que os professores abandonaram a falsa idéia de que era preciso trabalhar apenas de uma maneira. Percebemos, que assim, os educadores propiciam o desenvolvimento das diversas inteligências múltiplas, possibilitando isso através de suas diversas formas de atuação. Possibilitam, também, através das aulas dialogadas o processo de “aprender a aprender”, desenvolvendo uma educação social e democrática, e através das aulas práticas o educar do corpo, buscando uma não fragmentação do ensino da Educação Física. A análise também mostra que os processos de educação que levavam a reprodução do conhecimento estão sendo, cada vez mais, deixados de lado. Dessa forma, o educador permite que todos os alunos demonstrem e exercitem suas diferentes capacidades. Isso mostra, antes de qualquer coisa, que a avaliação, dentro de um processo holístico tem que ser um processo de inclusão e afeto. Pois 80% dos alunos responderam que as avaliações são realizadas de forma mista, e apenas 20% responderam que as avaliações são somente teóricas ou práticas. Notamos então que quando um professor permite que seus alunos sejam avaliados de diferentes formas, fica claro que, além do processo de inclusão e afeto existe uma grande consciência do educador de que não podemos rotular os alunos. E, fica visível que de uma forma ou de outra todos são diferentes e únicos e não meros números. Notamos que, como parte significativa dos alunos respondeu que existem avaliações feitas ao longo do período letivo, a avaliação é global e contínua. Essa forma de avaliação permite ao professor “lançar um olhar” de diferentes ângulos ao seu aluno. Possibilitando, caso haja necessidade, uma recuperação através de outras avaliações. Esse processo, da maior autonomia ao aluno, pois ele sabe que o aprender depende somente dele através de diferentes formas, ou seja, o aluno tem a capacidade de gerenciar seu conhecimento sem medo da reprovação através de uma única avaliação. Por meio das perguntas abertas realizadas com os alunos percebe-se que, mesmo que esses não saibam a denominação, a nomenclatura, do paradigma da complexidade, sabem que os professores atuam numa visão de totalidade. 4. Considerações finais Sendo o professor um dos principais responsáveis por esta transição e transformação de paradigmas, pretende-se conhecer, a visão paradigmática dos professores que participaram da formação pedagógica no Mestrado em Educação e como essa visão se reflete na prática pedagógica dos professores do curso de Educação Física da universidade particular de grande porte. O Professor de Educação Física, dentro de um paradigma da complexidade com foco na visão holística, deve primeiramente entender que o principal objetivo de uma educação fundamentada nesse paradigma é a não-fragmentação do homem em todas Revista Brasileira de Educação Física, Esporte, Lazer e Dança, v. 1, n. 2, p. 63-73, jun. 2006 72 as suas potencialidades. O professor deve se preocupar com a técnica, com a pessoa e com o processo. Atuando a partir da totalidade e desenvolvendo: espaço interior, flexibilidade, atenção, humor, vocação, paciência e humildade. O professor de Educação Física que trabalhe nesse paradigma deve sempre buscar contextualizar os conhecimentos ensinados aos seus alunos, mostrando que os conhecimentos adquiridos podem ser utilizados nas suas funções práticas do dia-a- dia. Os conteúdos de ensino devem ser transportados para a realidade de cada aluno, para o seu cotidiano. Outra característica desse professor se refere ao deixar de lado o perfil extremamente tecnicista de gerenciador comportamental, de controlador da ordem dentro das instituições de ensino e de instrutor da mecanização dos exercícios. Isso para que, se tratando de um curso de formação de professores, não se repita mais tarde. O professor nessa metodologia deve estabelecer com o aluno uma relação de carinho e amizade, que possibilita buscar entender os seus alunos não somente como “aprendizes” dos conteúdos, mas também como pessoas. O professor de Educação Física do paradigma da complexidadedeve buscar entender a individualidade de cada aluno. Deve entender que cada educando tem uma maneira única de vivenciar sua corporeidade e de aceitá-la na sociedade. Dessa forma, o professor não deve rotular alunos e nem estabelecer alunos modelos, evitando comparações, principalmente dentro de aulas práticas desportivas. E, dessa maneira estarão formando alunos autônomos, conscientes, que trabalhem através da integralidade e democracia. Referências Bibliografias BAUER, M. W; GASKELL, G. Pesquisa qualitativa com texto, som e imagem. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002. BEHERNS, M. A. Paradigma da complexidade: metodologia de projetos, contratos didáticos e portifólios. Petrópolis/ RJ, Vozes: 2006. ________________ Paradigma emergente e a prática pedagógica. Curitiba; Champagnat, 2000. _______________ A prática pedagógica dos professores universitários: perspectivas. Curitiba: Champagnat, 2000. _______________ Formação continuada de professores e a prática pedagógica. Curitiba: Champagnat, 1996. BRANDÃO D; CREMA, R. O novo paradigma holístico. São Paulo: Summus, 1991. CAPRA, F. A teia da vida: uma nova compreensão dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 1996. CARDOSO, C. A canção da inteireza: uma visão holística da educação. São Paulo: Summus, 1995. DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. 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Marilda Aparecida Behrens Graduação em Pedagogia Supervisão Escolar pela Universidade Federal do Paraná (1977), graduação em Pedagogia Orientação Educacional pela Universidade Federal do Paraná (1973), Especialização em Metodologia do Ensino Superior pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1978), Especialização em Treinamento e Desenvolvimento de Recursos Humanos pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (1985), Mestrado em Educação (Currículo) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1991) e Doutorado em Educação (Currículo) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1996). Endereço: Pontifícia Universidade Católica do Paraná Rua Imaculada Conceição 1155, Prado Velho, CEP 80215-901 Brasil, Paraná, Curitiba. Email: bailarina23@yahoo.com.br
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