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Filósofos - Os bufões da sociedade - A história do Rei Nú

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
Curso de Pedagogia
Disciplina: Filosofia da educação I									2012/2
Prof. Dr. Wanderley J. Ferreira Jr.
	O Rei Nu
Fonte: ANDERSEN, H. C. Contos de Andersen. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978. p. 108-13.
	Hans Christian Andersen foi um dinamarquês que gostava de contar estórias para grandes e pequenos. Todos conhecem a estória do Patinho Feio. Imagino que ele a inventou para consolar um menino feio, sem amigos, motivo de zombaria. Contou também a estória de uma menininha que, numa véspera de Natal, a neve caindo, tentava vender fósforos numa esquina da cidade. Ninguém parava. Ninguém comprava. Todos caminhavam apressados para suas casas onde havia uma lareira acesa, o vinho, a ceia e os presentes os esperavam. Todos queriam celebrar o nascimento de Jesus. É uma estória triste. De manhã a menininha estava morta na calçada, gelada pelo frio. É uma estória bem brasileira: não temos menininhas vendendo fósforos sob a neve que cai mas temos muitas crianças, adolescentes e velhos vendendo balas de goma nos semáforos. Uma das histórias de Hans Christian Andersen conta o seguinte: 
Há muitos anos vivia um rei que gostava muitíssimo de rou¬pas novas e bonitas. Tinha um traje para cada hora do dia. A gran¬de cidade onde ele residia era alegre e movimentada; todos os dias ali apartavam muitos viajantes. Um belo dia, chegaram dois trapaceiros, que, fazendo-se passar por tecelões, anunciaram que sabiam tecer panos maravilhosos. Não só as cores e os padrões de seus tecidos eram algo fora do comum como também as rou¬pas com eles feitas tinham um extraordinário predicado: o de se tornarem invisíveis para as pessoas que fossem simplesmente néscias. 
- Que roupas formidáveis! - disse de si para si o rei. ¬Fazendo-as vestir, eu poderia saber que homens no meu reino não servem para o cargo que ocupam. Poderei, também, distinguir os sábios dos néscios. Pois quero que esses panos sejam imediata¬mente tecidos! 
E deu desde logo muito dinheiro aos dois trapaceiros, para que começassem sem perda de tempo a trabalhar. Os dois montaram dois teares, fingiram trabalhar, mas não tinham fio nenhum no aparelho. Pediram as sedas mais finas e o ouro mais puro, que meteram no próprio saco, e, pela noite aden¬tro, trabalharam nos teares vazios. 
"Bem gostaria eu de saber até que ponto adiantaram o teci¬do", pensou o rei. Teve, porém, uma sensação esquisita ao penar que os néscios e os que não estavam à altura dos seus cargos não podiam ver o pano. Imaginava, naturalmente, que por si pró¬prio nada dever-ia temer, mas, por via das dúvidas, preferiu man¬dar primeiro outra pessoa, para ver como iam as coisas. Todos os habitantes da cidade já sabiam da maravilhosa virtude que aque¬le tecido possuía, e ansiavam por ver quanto o vizinho era tolo ou incompetente. Vou mandar meu velho e honrado ministro ver os tece¬lões - pensou o rei. - É quem melhor poderá ver como está o tecido, pois é homem inteligente e ninguém serve melhor que ele para o seu cargo. O velho e honesto ministro entrou na sala onde os dois trapa¬ceiros trabalhavam nos teares vazios. 
- Meu Deus do céu! - murmurou o velho ministro, arrega¬lando os olhos. - Eu nada vejo! - Mas não o disse a ninguém. Os trapaceiros pediram mais dinheiro, mais seda e mais ou¬ro, a fim de prosseguirem com o trabalho. Meteram tudo nos bol¬sos, e para os teares vazios não foi um só fio. Nele os espertalhões continuaram a fingir que teciam. 
O rei não tardou a enviar outro alto e honrado funcionário, a ver como ia o serviço, se faltava muito para a conclusão do teci¬do. Aconteceu-lhe o mesmo que ao ministro: o homem olhou e tornou a olhar, mas como ali só havia teares vazios, ele nada mais pôde ver. Mas, pôs-se a elogiar o tecido que não via, manifestando sua satisfação ante tão belas cores e tão gracioso padrão. O rei quis, então, ver com os próprios olhos a fazenda, en¬quanto ela ainda estava no tear. Com um grande grupo de ho¬mens escolhidos, do qual faziam parte os dois velhos e honrados funcionários que antes lá haviam estado, foi ele à sala onde os dois trapaceiros teciam, incansavelmente, sem um só fio de linha. 
- Então, não é magnífico! - exclamaram ao mesmo tem¬po os dois altos funcionários. - Queira Vossa Majestade ver que padrões. Que lindas cores! E apontavam o tear vazio, pois acreditavam que os outros deviam estar vendo o tecido. Não é possível!", pensou o rei. "Eu nada vejo! Isso é horrível! Serei tão estúpido, ou simplesmente não servirei para ser rei? Essa seria a pior coisa que me poderia acontecer!" 
- É, de fato, muito belo - disse ele. - Tem minha inteira aprovação! 
E sacudiu satisfeito a cabeça, contemplando o tear vazio. Não queria dizer que nada via. Os numerosos componentes da comitiva, sem exceção, olhavam, mas, por mais que o fizessem, nada logravam ver. Secundaram, porém, o rei em seus elogios. - Como é bonito! - diziam, aconselhando o rei a mandar fazer um traje daquela magnífica fazenda e a usá-la, pela primei¬ra vez, na grande procissão que iria realizar-se dali a dias. 
- Magnífico! Esplêndido! Formidável! - eram as exclama¬ções que se ouviam de boca em boca. O rei condecorou os dois trapaceiros e deu-lhes o título de Cavaleiros do Tear. Os trapaceiros passaram em claro a noite que precedeu a ma¬nhã da procissão, com dezenas de luzes acesas. Todos podiam ver que trabalhavam febrilmente, empenhados em terminar as roupas do rei. Fizeram de conta que retiravam o pano do tear, e o corta¬vam no espaço com grandes tesouras, costurando-o com agulhas sem linha. 
- As roupas estão prontas! - anunciaram por fim. O rei compareceu ao local, acompanhado por seus mais no¬bres cavaleiros. Os dois trapaceiros ergueram o braço, fingindo segurar alguma coisa. 
- Aqui estão as calças. Cá está o casaco. E aqui, o manto - disseram. - O tecido é tão leve como teia de aranha. Parece que não se tem nada no corpo. Nisso está a grande virtude dele ... O rei tirou a roupa, e os trapaceiros fingiram dar-lhe, peça por peça, o traje novo. 
- Como ficam bem! São esplêndidos estes novos trajes! Que padrões! Que cores! - era o que se ouvia ao redor. E assim o rei desfilou na procissão, enquanto nas ruas e nas janelas todos comentavam: 
 Meu Deus, como são lindos os novos trajes do rei! Como lhe ficam bem! 
Todos dissimulavam, ocultavam que não estavam vendo coisa alguma, pois do contrário teriam passado por imprestáveis pa¬ra o cargo que ocupavam, ou se revelariam néscios. Nenhuma rou¬pa do rei havia despertado tanta admiração. 
- O rei está nu! - disse uma criança. - Meu Deus! Falou a voz da inocência! - disse o pai da criança. E cochichou para outro o que a criança dissera. - Ele está nu - correu de boca em boca. - Uma criança está dizendo que ele está nu. 
- Ele está nu! - clamava, por fim, todo o povo. 
O rei sentiu um abalo, pois lhe parecia que falavam a verdade. - Agora tenho que agüentar, até o fim, a procissão - murmurou ele. Aprumou ainda mais o corpo, e os camareiros, solenes, conti-nuaram a segurar o manto que não existia. (Extraído e adaptado de: ANDERSEN, H. C. Contos de Andersen. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978. p. 108-13.) 
Moral da estória: Em terra de cego quem tem um olho não é rei. É doido.
Algumas reflexões:
Além da trapaça financeira, observamos que a palavra ocupa o lugar da coisa, e é muito comum, percebemos que o discurso cria uma invenção verbal de coisas inexistentes e quiçá impossíveis.E nisso, os sofistas são mestres impressionantes. E, quando o próprio imperador decide verificar com seus próprios olhos a tal fabulosa vestimenta, defrontando-se com coisa nenhuma, pensou exatamente como o velho ministro e ao conselheiro que antes já haviam visitado os tecelões.Até mesmo o imperador apesar de nada ver não desejava passar por estúpido ou imbecil e, então, começou a exclamar frases fascinantes a exortar o traje tão almejado. E, aí, toda a corte passou a fingir a ver o referido traje, e até mesmo os auxiliares fingiam carregar o manto invisível do imperador.Consuma-se a alucinaçãoquando diante do espelho, o próprio imperador dotado de poder e cegueira proposital admirava-se com a roupa que simplesmente não via. Esse conto é muito interessante de ser analisado principalmente no carnaval sob o brilho intenso de lantejoulas, paetês e trajes tão soberbos que nos permite ver a nudez e a crueza da realidade brasileira. Então toda corte fingia ver a vestimenta inexistente e, na ocasião da apresentação oficial do traje ocorrera que uma criança que descompromissada, grita : - O rei está nu. Ele está sem roupa. É a visão pura da criança que desnuda a realidade e a denuncia aos berros. E, o povo começa a abrir os olhos, a desanuviar a visão e concordar com a visão do infante. A multidão urrava exasperada e acuado o imperador intimamente pensava que tinha que levar até o fim o desfile com toda pompa e circunstância. E, prosseguiu a caminhar garboso e orgulhoso cercado de seus cavaleiros e aios e ainda o camareiro real que seguiam e entravam numa carruagem que igualmente não existia. A lenda narrada por Andersen desfia o pacto de cegueira, onde todo o povo brinca de avestruz e alguém (os tecelões trapaceiros) lucram com tal cegueira estimulada. E, porque todos temem a opinião ou a visão do outro, todos deixam de ver ou de ter opinião que caracteriza bem a chamada cegueira social.È muito comum em partidos políticos, agremiações religiosas, cultrais onde ocorre a produção de discurso que ordena e coordena o que deve ser visto e ou não ser.O que segundo La Boétie seria a chamada servidão voluntária, quando arrendamos nossos sentidos aos desejos e ao poder do outro. Mas quando se liberta da servidão voluntária do fanatismo podem os humanos envidar esforços em revoluções, dissidências , resistências e articulações.
 Mas, afinal, se havia tantos detalhes descritos, tantos pormenores ,e havia tanto espanto ante o traja inexistente ou invisível, o rei afinal está ou não nu? Está nu aos olhos da corte. Está nu aos olhos da realidade. Mas, está vestido aos olhos de sua vaidade e egocentrismo.Está trajado com o imaginário. Apenas isso. Trajado apenas para si mesmo. Restam ainda algumas cruciais indagações: quem lucra verdadeiramente com a cegueira social brasileira? Quem será que dotado de visão pura e desvinculada poderá nos indicar a realidade? Sigamos a perseguir as respostas, a diligenciar nossos sentidos para apurá-los e fugir sempre que possível da alienação que cega, emburrece e desumaniza. 
Bufões e sacerdotes 
Em seu ensaio intitulado O sacerdote e o bufão, o filósofo polonês Leszek Kolakowski faz o seguinte comentário a respeito da história que acabamos de ler: "Todas as sociedades têm dois tipos de homens, sacerdotes e bufões. Sacerdotes são aqueles que sacralizam o existente e colocam o selo de verdade absoluta no conhecimento que circula como moeda corrente. Sua missão é preservar o passado e enrijecer o presente. Há, entretanto, os bufões, que não prestam a mínima atenção às maravilhosas vestes reais que todos afirmam ver, e gritam: 'O rei está nu!' A Filosofia", conclui Kolakowski, "é o bufão da sociedade: ela se ri daquilo que comumente se considera sagrado". (KOLAKOWSKI, L. Cf. ALVES,- R. Conversas com quem gosta de ensinar. São Paulo, Cortez, 1982. p. 78.). No campo da reflexão filosófica observa-se, às vezes, que alguns bufões deixam de ser filósofos e transformam-se em sacerdotes. Isso acontece quando se fixam em suas posições e absolutizam seus pontos de vista. Se, por um lado, como diz Kolakowski, "a j Filosofia do bufão é a Filosofia que, em cada época, denuncia como duvidoso aquilo que parece ser inabalável", não podemos esquecer, por outro lado, que o autêntico filósofo, além da "denúncia", precisa apresentar elementos de reflexão e análise para a "resposta". A autêntica atitude filosófica implica duas fases: a primeira crítica[negativa], a segunda, criativa [positiva]. Muitos pensadores, porém, permanecem na fase crítica e contestatória sem passar para a fase criativa. 
Os bufões frente à educação e à escola, hoje 
Hoje, frente à educação e à escola, os bufões afirmam: "O rei está nu". A escola, considerada importante pelos sacerdotes (um direito sagrado dos cidadãos e um dever do Estado), é contestada pelos bufões: "A escola é irrelevante" (Marshall McLuhan); "a escola educa para. o obsoleto" (Norbert Wiener); "a escola não desenvolve a inteligência" Jerome Bruner); "a escola castiga a imaginação criadora e a independência do espírito" (Edgar Friedenberg); "a escola está baseada no medo" (John Holt); "a desescolarização está, pois, na raiz de qualquer movimento que vise à libertação humana" (Ivan Illich). 
Bufões que se tornaram sacerdotes
 No campo da reflexão filosófica observa-se, às vezes, que alguns bufões deixam de ser filósofos e transformam-se em sacerdotes. Isso acontece quando se fixam em suas posições e absolutizam seus pontos de vista. Se, por um lado, como diz Kolakowski, "a Filosofia do bufão é a Filosofia que, em cada época, denuncia como duvidoso aquilo que parece ser inabalável", não podemos esquecer, por outro lado, que o autêntico filósofo, além da "denún¬cia", precisa apresentar elementos de reflexão e análise para a "resposta". A autêntica atitude filosófica implica duas fases: a primeira crítica[negativa], a segunda, criativa [positiva]. Muitos pensadores, porém, permanecem na fase crítica e contestatória sem passar para a fase criativa.
Filosofia e Filosofia da Educação 
De acordo com o que vimos, podemos conceituar a Filosofia como sendo uma reflexão (radical, rigorosa e de conjunto) sobre os problemas que a realidade apresenta. Podemos, assim, entender o significado da Filosofia 'da Educação. Esta consiste numa reflexão (radical, rigorosa e de conjunto) sobre os problemas que a realidade educacional apresenta. "A Filosofia da Educação não estabelece métodos ou técnicas de educação; não visa fornecer os meios de educação. Ela se ocupa ainda menos da análise do comportamento ou de relações entre , pais e filhos. Seu objetivo não é a Pedagogia nem a Sociologia ou a Psicologia da criança ou do adulto. Filosofia, como reflexão radical sobre todos os domínios da existência humana, coloca primeiro, no que concerne à educação, estas questões fundamentais: O homem necessita ser educado? Pode ser educado? O que é a educação? A educação pode ser instrumento de libertação do homem? Finalmente, a educação não é nociva e perigosa, ou é ela o meio arrancado aos deuses para permitir ao homem o ato de existir?" (Cf. GADOTTI, M. A educação contra a educação. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982. p. 31.).