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1. Fundamentos da Ecologia 2.1 Introdução à ecologia – conceituação e caracterização No século XIX, o biólogo naturalista alemão Ernst Haeckel (Figura 2) deu um novo rumo à história da ciência, a partir da observação de que: “o conhecimento biológico nunca será completo se o organismo é estudado isoladamente”. Assim, em sua obra Morfologia Geral dos Organismos (1866), o naturalista utilizou pela primeira vez o termo “ecologia” para designar o estudo das relações entre os seres vivos e o ambiente, criando um novo ramo da Biologia. A ecologia (do grego oikos, “casa” e logos, “estudo”), em seu contexto literal, significa o “estudo da casa”. Em outras palavras, podemos dizer que é a ciência que estuda como os seres vivos interagem entre si (fatores bióticos) e com o ambiente onde vivem (fatores abióticos). O estudo da ecologia trabalha em diferentes níveis de hierarquia biológica (Figura 3), desde indivíduos até o planeta como um todo. A ecologia moderna inclui os níveis de organização descritos a seguir: 1. Ecologia global – a biosfera é a soma de todas as paisagens e ecossistemas da Terra. A ecologia global aborda a influência das diversas regiões terrestres, dos corpos d’água e da atmosfera no funcionamento e na distribuição dos seres vivos no planeta. 2. Ecologia de ecossistemas – refere-se ao estudo dos Ecossistemas, ou seja, o conjunto composto pelas comunidades de seres vivos de uma área e os fatores que os influenciam, como solo, água, gases atmosféricos, temperatura. 3. Ecologia de comunidades – examina como as interações entre as espécies, como por exemplo, a predação e a competição, afetam a estrutura e a organização das comunidades. Comunidade é um grupo de populações de diferentes espécies que habitam uma determinada área em um mesmo intervalo de tempo. 4. Ecologia de populações – analisa os fatores que afetam o tamanho populacional e como e por que essas mudanças ocorrem ao longo do tempo. População é um Figura 2. Ernst Haeckel grupo de indivíduos de uma mesma espécie que vive em uma determinada área em um mesmo intervalo de tempo. 5. Ecologia do organismo – aborda a ecologia comportamental, ou seja, como o ser vivo reage diante dos estímulos e condições, sejam elas adversas ou não, impostas pelo ambiente ou pelo homem. O estudo da ecologia, em seus diferentes níveis de organização, é essencial para entendermos os padrões regionais e globais da distribuição dos seres vivos. Os cangurus, por exemplo, são encontrados somente na Austrália. A espécie Macropus rufus, popularmente conhecida como canguru-vermelho, é mais abundante em poucas áreas do interior do país, onde a precipitação é relativamente baixa (Figura 4). Eles não são encontrados nas regiões onde o clima varia de úmido a muito úmido. Desse modo, a ecologia não pergunta apenas onde as espécies ocorrem, mas por que elas ocorrem em locais específicos: quais fatores determinam essa distribuição? Na busca pela resposta a essas questões, se faz necessário enfocar dois tipos de fatores: os fatores bióticos (ou Figura 3. Níveis de hierarquização biológica. Fonte: Cientic, 2011. vivos) – todos os seres que compõe o ambiente – e fatores abióticos (ou não vivos) – todos os fatores físicos e químicos, como a água, temperatura, a luminosidade e os nutrientes, que influenciam a distribuição e a abundância dos seres vivos nos mais diversos ecossistemas do planeta. À primeira vista, a distribuição dos cangurus- vermelhos na Austrália sugeriria que apenas um fator abiótico – a quantidade de precipitação (chuvas) – determina diretamente onde vive essa espécie. Entretanto, é também possível que o clima influencie indiretamente as populações de canguru-vermelho por meio de fatores bióticos, como patógenos, os predadores, os competidores, além da disponibilidade de alimento. Os estudos científicos que tentam explicar a distribuição das espécies geralmente precisam considerar múltiplos fatores e hipóteses alternativas, dentre os quais podemos citar: a dispersão, a introdução de espécies, o comportamento e seleção de hábitat, bem como os fatores bióticos e abióticos que caracterizam o ambiente. Dispersão – movimento de indivíduos para longe da sua área de origem ou centros de alta densidade populacional. A dispersão contribui para a distribuição global dos seres vivos. Um biogeógrafo poderia considerar a dispersão ao questionar por que não existem cangurus na América do Norte: os cangurus não conseguiram chegar lá porque existiu uma barreira para a sua dispersão. Enquanto os cangurus dependentes da terra não atingiram o continente americano, outros seres vivos que se dispersam mais facilmente, como as aves, atingiram. Por exemplo, há 200 anos, a garça- vaqueira (Bubulcus íbis) era encontrada apenas na África e sudoeste da Europa. Mas, no final dos anos 1800, algumas dessas fortes aves voadoras Figura 4. Distribuição (em vermelho) e abundância (em cinza-escuro) do canguru- vermelho (Macropus rufus), na Austrália. Figura 5. Dispersão da garça-vaqueira (Bubulcus íbis), na América do Sul (em vermelho). cruzaram o oceano Atlântico e colonizaram a costa leste da América do Sul (Figura 5) e de lá foram se dispersando para América Central até a América do Norte. Introdução de espécies – entrada acidental ou intencional de espécies pelo homem em áreas onde elas anteriormente não existiam. Para a introdução ser considerada bem-sucedida, alguns indivíduos precisam não apenas sobreviver na nova área, mas também reproduzir-se. Se uma introdução é bem-sucedida, então podemos concluir que a distribuição potencial da espécie é maior do que a sua distribuição atual; em outras palavras, a espécie poderia viver em determinadas áreas onde atualmente não ocorre. Observação: Espécies introduzidas em novos locais frequentemente desequilibram as comunidades e os ecossistemas nas quais foram introduzidas e se espalham muito além da área de introdução desejada, causando um impacto ambiental negativo ao ambiente e as outras espécies. Comportamento e seleção de hábitat – embora a seleção de hábitat seja um dos processos menos estudados, vejamos o caso do inseto broca-do-milho- europeia (Ostrinia nubilalis). As larvas desse inseto (Figura 6) podem se alimentar de uma grande variedade de plantas, mas são encontradas quase exclusivamente no milho, pois as fêmeas são atraídas pelos odores produzidos pelos pés de milho. O comportamento de seleção de hábitat claramente restringe as espécies de plantas em que o inseto pode ser encontrado. Fatores bióticos – em muitos casos, uma espécie não pode completar seu ciclo de vida se for transferida para uma nova área. Essa incapacidade de reprodução e de sobrevivência pode ocorrer devido a interações negativas com outras espécies sob a forma de predação, parasitismo ou competição. Alternativamente, a reprodução e a sobrevivência podem ser limitadas pela ausência de outros organismos dos quais a espécie introduzida depende. Os predadores (seres vivos que se alimentam de outros) e os herbívoros (seres vivos que comem plantas ou algas) são exemplos comuns de fatores bióticos que limitam a distribuição das Figura 6. Larva de broca-do-milho- europeia (Ostrinia nubilalis) se alimentando. espécies. É possível dizer de forma simples que as espécies consumidoras ou predadoras podem limitar a distribuição das espécies predadas ou consumidas. Observação: Além da predação e da herbivoria, a presença ou ausência de recursos alimentares, de parasitas, de patógenos e de competidores podem atuar como limitações bióticasna distribuição das espécies. Alguns casos mais impressionantes de limitação ocorrem quando os humanos introduzem, acidental ou intencionalmente, espécies não nativas, exóticos ou alóctones em novas áreas e eliminam espécies nativas ou originárias da região. Fatores abióticos – tais fatores como a água, temperatura, luminosidade ou o solo, podem limitar a distribuição de uma espécie. Se as condições físicas de um local não permitem que um organismo sobreviva e se reproduza, então tal espécie não será encontrada nesse local. Vale salientar que o ambiente é caracterizado tanto por heterogeneidade espacial quanto por heterogeneidade temporal; isto é, a maioria dos fatores abióticos varia no espaço e no tempo. Embora as regiões da Terra possuam diferentes condições, as mudanças diárias e anuais dos fatores abióticos podem disfarçar ou ressaltar as diferenças regionais. Alguns seres vivos podem evitar temporariamente situações de estresse por meio de comportamentos como a hibernação e a dormência. Vejamos alguns exemplos de fatores abióticos: - Água A enorme variação na disponibilidade de água entre os habitats é um dos fatores essenciais na distribuição das espécies. Por exemplo, os seres vivos que habitam as margens de pântanos podem desidratar quando o volume d’água está baixo. Os organismos terrestres lidam, quase constantemente, com o perigo da desidratação e a sua distribuição reflete a habilidade para obter e armazenar água. As espécies de deserto possuem uma variedade de adaptações para a aquisição e a conservação de água, devido à escassez desse recurso nos ambientes secos. - Temperatura A temperatura ambiente é um fator importante na distribuição das espécies devido ao seu efeito sobre os processos biológicos. As células de alguns organismos podem se romper se a água que elas contêm congelar (em temperaturas inferiores a 0°C), e as proteínas da maioria dos seres vivos desnaturam em temperaturas superiores a 45ºC. Além disso, poucas espécies podem manter o metabolismo ativo sob temperaturas muito altas ou muito baixas, embora adaptações extraordinárias permitam que algumas espécies, como os procariontes termofílicos, vivam fora do intervalo de temperatura ambiente ideal para a grande maioria dos seres vivos. A temperatura fora desse intervalo pode forçar alguns animais a gastarem mais energia na regulação da temperatura interna, como fazem as aves e os mamíferos. - Luminosidade A luz do sol absorvida pelas espécies fotossintetizantes fornece a energia que governa a maioria dos ecossistemas, e a escassez de luz pode limitar a distribuição desses seres vivos. Nas florestas, a sombra ocasionada pelas folhas das copas das árvores torna a competição pela luz muito mais intensa, particularmente para as plantas menores que crescem no estrato inferior da floresta. Nos ambientes aquáticos, a cada metro de profundidade a água absorve menos luminosidade. Como resultado, a maioria da fotossíntese ocorre relativamente próxima da superfície dos ambientes aquáticos. O excesso de luz também pode limitar a sobrevivência dos seres vivos. A atmosfera é mais fina e absorve mais radiação ultravioleta em locais mais elevados. Assim, há uma maior probabilidade de os raios solares danificarem o DNA das proteínas em ambientes alpinos. Em outros ecossistemas, como os desertos, altos níveis de luz podem aumentar o estresse térmico se os animais não forem capazes de evitar a luz ou se auto esfriar através da evaporação corporal. - Solo O pH (potencial hidrogeniônico), a composição mineral e a estrutura física do solo limitam a distribuição de plantas e, consequentemente, dos animais que se alimentam delas, contribuindo para o mosaico de espécies (vegetais e animais) encontrado nos ecossistemas terrestres. O pH do solo e da água podem limitar diretamente a distribuição das espécies por meio de condições extremamente alcalinas (básicas) ou ácidas. Em riachos e rios, a composição do substrato (o fundo do corpo d’água) pode afetar a química da água, que por sua vez influencia os seres vivos residentes. Em ambientes marinhos e de água doce, a estrutura do substrato determina as espécies que irão se fixar ou se enterrar. - Clima Quatro fatores abióticos – temperatura, luminosidade, precipitação e vento – são os principais componentes do clima, ou seja, das condições meteorológicas de longa duração que prevalecem em determinada área. Os fatores climáticos, principalmente a temperatura e a disponibilidade de água, têm grande influência na distribuição dos seres vivos terrestres. Podemos descrever os padrões climáticos em duas escalas: o macroclima, que corresponde aos padrões em nível global, regional e local, e o microclima, que são padrões muito delicados, considerados pontuais, como aqueles encontrados pela comunidade de organismos que vivem, por exemplo, sob um troco caído em uma floresta.
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