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GESTÃO DO INVISÍVEL No filme “Maré Vermelha”, com Gene Hackman e Denzel Washington, o conflito entre os princi-pais personagens - o comandante e seu princi- pal oficial - é gerado por uma questão de percepção. O submarino nuclear está recebendo uma mensagem do alto comando. A transmissão é interrompida logo após a introdu- ção. Sabe-se que a mensagem diz respeito ao lançamento de mísseis. Mas seu conteúdo principal – a ordem – não chega a ser impresso pelo sistema e o submarino fica incomunicável. Para o comandante, o que foi recém- -impresso não tem significado algum. Trata-se apenas de um “fragmento de mensagem” e portanto deve-se cumprir a ordem anterior, que havia sido recebida por inteiro. No entanto, para o seu principal oficial, esse não é o curso de ação correto, pois há uma nova mensagem importante, ainda que não visível. • Um grande grupo financeiro, conhecido por seu pio- neirismo na área de tecnologia, realiza uma profunda reorganização. Num efeito colateral imprevisto, seus funcionários perdem a confiança no conjunto de va- lores que fazia da empresa um dos melhores lugares para se trabalhar. O grupo continua como um dos mais avançados do mercado em tecnologia e seus re- sultados ainda são bons, mas seus melhores talentos estão aos poucos deixando a empresa e os universi- tários, que antes faziam fila para juntarse ao grupo, agora parecem preferir outras opções. • Uma empresa de consultoria tem crescido exponen- cialmente seus investimentos em gestão do conhe- cimento. As soluções criadas pelos consultores são rapidamente incorporadas a um “banco de ideias”, tendo como objetivos evitar a reinvenção da roda, trazer maior velocidade ao processo de análise e so- lução de problemas e reduzir custos. Não obstante todo esse esforço, a empresa está perdendo posição no mercado. Parece que o “banco de ideias” não está conseguindo capturar o “x” dos projetos de sucesso. • Uma empresa na área de serviços tem conseguido re- sultados excepcionais investindo na criação de uma cultura em que o interesse pelo cliente não é algo apenas protocolar. Cada funcionário trabalha com interesse genuíno pelo bem-estar dos clientes. Sua principal concorrente tem copiado suas melhores práticas, mas não vem conseguindo bons resultados. • Por iniciativa de um grupo de cidadãos, a cidade de Franca, em São Paulo, realiza há meses uma intensa campanha batizada de “Viva Franca” com o objeti- vo de elevar a motivação de todos os seus quase 200 mil habitantes. A premissa do movimento é que um povo energizado consegue enfrentar todos os desa- fios conjunturais, por mais árduos que sejam. • A cidade de Santa Vitória do Palmar, no Rio Gran- de do Sul, vem conseguindo criar soluções bastante imaginativas, engenhosas e eficazes para seus desa- fios econômicos e sociais a partir da “descoberta” dos ativos que existem na região. Novos conhecimentos estão permitindo que seus moradores descubram usos inéditos de tudo que é abundante na região e não era sequer considerado útil. • Uma empresa líder em seu ramo está começando a perder terreno e declinar. As conversas de corredor revelam que a briga por poder está se acirrando. Há muitos “feudos” competindo entre si e os “subterrâ- neos” da empresa estão ficando cada vez mais pe- sados: muita fofoca, politicagem e jogos desleais. O mais surpreendente de tudo é que a diretoria parece ignorar tudo isso. “Lá em cima” ninguém fala sobre essas coisas. • A empresa “A” vem apresentando resultados modes- tos nos últimos cinco anos, mas vem se fortalecendo cada vez mais, realizando muitos investimentos em novos produtos, na busca de conhecimentos, em tec- nologia de ponta, na criação de embriões de novos negócios, na formação de novos talentos para o fu- turo. A empresa “B”, sua principal concorrente, tem sido a melhor em resultados (faturamento e lucros) nos últimos anos. Contudo, o seu investimento no futuro tem sido praticamente nulo. Por Oscar Motomura Todos esses casos ilustram a gestão do invisível con- traposta a uma gestão centrada em torno dos dados concretos, visíveis, quantificáveis e “reportáveis” nos demonstrativos e sistemas de informações tradicionais. Até que ponto a gestão de empresas e mesmo de pa- íses contempla o invisível? Até que ponto essa omissão explica muitos dos problemas concretos que vemos ao nosso redor na gestão privada e pública? Até que ponto estamos formando executivos que só conseguem lidar com o que está explícito – como o ca pi- tão do submarino – e que são insensíveis ao não-visível? Essa ênfase quase total no concreto não estaria le- vando empresas a ignorarem fatores-chave como a con- fiança das pessoas na empresa, em seu propósito e valo- res, em seus líderes? Ao trabalharmos qualidade, sabemos se cada cola- borador está genuinamente interessado pelos clientes? Sabemos como está a motivação de toda a equipe no dia-a-dia ou nos contentamos com pesquisas de clima feitas a cada ano? Temos consciência de todos os ativos que temos em nossa organização, em nossa cidade, em nosso país ou só gerenciamos o que é reportado em nossos balanços? E os “talentos ocultos” de nossos colaboradores, de nos- sos cidadãos? E nossos espaços ociosos, nossa tecnolo- gia nãoutilizada? E nossos ativos ecológicos, explorados como matéria e não como conhecimento? E os resíduos que não aproveitamos (que poderiam até ser insumos importantes para outras “indústrias”) por simples anal- fabetismo ecológico? E quanto ao processo criativo em andamento em nossa organização, em nosso país? Quantas ideias exce- lentes ficam pelos corredores? Quantas pessoas criativas estão bloqueadas pela rotina massacrante do curto pra- zo? Quanto da energia vital da organização, do país, está se esvaindo por falta de uma gestão mais envolvente, estimulante, participativa? O ponto-chave dessas reflexões é: o que, na verdade, estamos efetivamente gerenciando nas organizações e no país? Gestão do quê? Parece que o foco da gestão ainda está fortemente vinculado ao visível, ao concreto, ao quantificável. O grande desafio da gestão parece estar em descobrir como atuar sobre o todo, tanto o visível como o invisível. E o invisível no sentido mais amplo, que transcende em muito o tradicional intangível. Não estaria a essência das organizações e do país exatamente nos aspectos invisíveis do seu ser? O grande desafio para os líderes é trazer o invisível para a mesa de decisão e para o dia-a-dia das pessoas. Veja no quadro um exemplo de ferramenta que visa tor- nar o invisível mais gerenciável. O tópico escolhido para essa ilustração é o dos custos invisíveis. Em nossos cur- sos usamos esse material na forma de um baralho que pode ser levado à mesa de decisões na empresa. Aqui ele está expresso sob a forma de um checklist. Que tal usar esse material como fonte de inspiração para criar outras ferramentas que tragam o invisível para dentro de seu processo de gestão? ( ) Custo da falta de respeito nos relacionamentos humanos ( ) Custo da falta de autenticidade, defensividade nas relações ( ) Custo da lacuna entre discurso e prática genuína ( ) Custo do cinismo, da descrença, do pessimismo ( ) Custo do “fazer as coisas no piloto automático”, sem estar presente de corpo e alma ( ) Custo da apatia, da postura de não ligar, de não se im- portar ( ) Custo da cultura de queixas e reclamações ( ) Custo do clima pesado e da crítica destrutiva ( ) Custo da politicagem, das fofocas, das “ações subterrâneas” ( ) Custo da desarmonia e dos desgastes interpessoais no dia a dia ( ) Custo da desconfiança e dos controles excessivos ( ) Custo da “cultura do medo”, que paralisa as pessoas ( ) Custo das disputas por poder e espaço ( ) Custo da ostentação, do exibir status e poder ( ) Custo da competiçãopredatória ( ) Custo da arrogância, da postura de “donos da verdade” ( ) Custo do humor mordaz, que inibe a criatividade ( ) Custo dos boicotes e das resistências a tudo que é novo ( ) Custo da cultura de prometer e não cumprir ( ) Custo do excesso de conservadorismo, da falta de ousadia ( ) Custo da acomodação pelo excesso de “conforto”, que o próprio sucesso gera ( ) Custo da ausência de cooperação, da má vontade em ajudar ( ) Custo da falta de ética, da cultura do obter vantagens à custa de outros ( ) Custo da desmotivação, da falta de pique das pessoas ( ) Custo do stress, da ansiedade, da falta de centramento das pessoas ( ) Custo do desequilíbrio entre razão, emoção e intuição ( ) Custo da cultura de diagnósticos e explicações (após o fato) QUADRO - CHECKLIST DE CUSTOS INVISÍVEIS www.amana-key.com.br | motomura@amana-key.com.br * Oscar Motomura, diretor geral da Amana-Key, empresa especializada em inovações radicais em gestão. ( ) Custo da cultura de busca de culpados ( ) Custo do “hierarquismo” e do formalismo excessivo ( ) Custo da falta de atenção a sutilezas, da falta de refinamento ( ) Custo da falta de imaginação e criatividade ( ) Custo da falta de persistência e do desistir logo à primei- ra barreira ( ) Custo do repetir os mesmos erros ( ) Custo do não usar bem os talentos que tem ( ) Custo do “amadorismo”, da pessoa errada no lugar errado ( ) Custo da alta rotatividade de pessoal ( ) Custo da cultura de “pensar com a cabeça do chefe” ( ) Custo do importar-se demais “com o que os outros vão pensar” ( ) Custo da mediocridade, do contentar-se com o “mais ou menos” ( ) Custo do agir com base em receitas prontas e “modismos” ( ) Custo do não compartilhamento de conhecimentos e ideias ( ) Custo do excesso de reuniões ( ) Custo da falta de diálogo e da falta de sintonia na organi- zação como um todo ( ) Custo dos mal-entendidos e da comunicação deficiente ( ) Custo da falta de integração entre veteranos e novos ( ) Custo da obsolescência do conhecimento ( ) Custo da “liderança” ausente ( ) Custo da lentidão, da demora para decidir e agir ( ) Custo do “ficar sobre o muro”, do não assumir posições ( ) Custo da ação fragmentada, sem levar em conta o todo ( ) Custo da “poluição informacional” ( ) Custo do girar em falso, do “reinventar a roda” ( ) Custo do continuar fazendo o que não é mais necessário ( ) Custo da falta de austeridade, dos desperdícios e do mau uso dos recursos existentes ( ) Custo do que se deixa de fazer, da procrastinação, do “deixar pra depois” ( ) Custo do começar muita coisa e não terminar ( ) Custo da “taxa de urgência” e do fazer na última hora ( ) Custo da desordem, do clima de “bagunça generalizada” ( ) Custo do excesso de ordem, que leva à frieza e falta de emoção/vida ( ) Custo do excesso de planos (e falta de ação) ( ) Custo da gestão que ignora os aspectos intangíveis/ invi- síveis da vida organizacional ( ) Custo da perda de contato com a “realidade real” (admi- nistrar com base na “realidade reportada”) ( ) Custo do não se importar com o amanhã e focar só o curto prazo ( ) Custo da falta de clareza quanto à própria razão de ser da organização
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