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ATENÇÃO AO ADULTO 275Manual de Condutas Médicas www.ids-saude.org.br/medicina 276 Atenção à Criança e ao Adolescente Manual de Condutas Médicas www.ids-saude.org.br/medicina Hipertensão Arterial Epidemiologia e definição A hipertensão arterial é uma doença altamente prevalente, atingindo cerca de 15 a 20% da população adulta, podendo chegar a 50% nos idosos. No Brasil, embora não exista um estudo nacional, os estudos regionais realizados com diferentes critérios de definição da doença e de medida da pressão arterial, mostram que, na região Nordeste, as prevalências vão de 7 a 40%, no Sudeste, de 5 a 38%, no Sul, de 1 a 27% e, no Centro Oeste, de 6 a 17%. A hipertensão arterial é um fator de risco para doença cerebrovascular e coronária, insuficiência cardíaca e renal. Ela se associa e interage com outros fatores de risco, como dislipidemia, resistência à insulina, intolerância à glicose, obesidade central, microalbuminúria, aumento da atividade de fatores da coagulação, alterações tróficas dos vasos, hipertrofia e alteração da função diastólica de ventrículo esquerdo. Décio Mion Jr.1 Ângela MG Pierin2 1Professor livre docente Disciplina de Nefrologia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina da USP 2Professora livre docente Escola de Enfermagem da USP Diagnóstico Definir valores normais para a pressão arterial não é fácil porque, quanto maior a pressão, maior o risco cardiovascular e menor a sobrevida, não havendo uma linha divisória entre normotensão e hipertensão. O limite arbitrário adotado operacionalmente é que um indivíduo adulto é considerado hipertenso quando os níveis de pressão arterial são iguais ou maiores do que 140/90 mmHg. A Tabela 1 apresenta a classificação dos níveis da pressão arterial para pessoas adultas. Em crianças e adolescentes, classifica-se a pressão arterial em função do percentil de estatura, idade e sexo de acordo com tabelas específicas. Tabela 1. Classificação diagnóstica da hipertensão arterial em maiores de 18 anos. III Consenso Brasileiro de Hipertensão Arterial, 1998. (III CBHA) Pressão (mmHg) Diastólica Sistólica Classificação <85 85-89 90-99 100-109 > 110 < 90 < 130 130-139 140-159 160-179 > 180 > 140 Normal Normal limítrofe Hipertensão leve (estágio 1) Hipertensão moderada (estágio 2) Hipertensão grave (estágio 3) Hipertensão sistólica isolada Atenção à Criança e ao Adolescente 277Manual de Condutas Médicas www.ids-saude.org.br/medicina Para o diagnóstico de hipertensão, é quando o valor de 140 mm Hg ou de 90 mm Hg for obtido em pelo menos duas medidas realizadas em momentos diferentes. A medida deve ser feita com esfigmomanômetro de coluna de mercúrio ou aneróide devidamente calibrados, de acordo com o procedimento para a posição sentada descrito a seguir. 1- Explicar o procedimento ao paciente; 2- Certificar-se que o paciente não está com bexiga cheia, não praticou exercícios físicos, não ingeriu bebidas alcoólicas, alimentos ou café e nem fumou 30 minutos antes da medida; 3- Deixar o paciente descansar 5 - 10 minutos em ambiente calmo, com temperatura agradável; 4- Localizar artéria braquial por palpação; 5- Colocar manguito adequado ao tamanho do braço, firmemente, 2-3 cm acima da fossa antecubital, centralizando a bolsa de borracha sobre a artéria braquial. A largura da bolsa de borracha do manguito deve corresponder a 40% da circunferência do braço e seu comprimento, envolver pelo menos 80% do braço; 6- Manter o braço do paciente na altura do coração; 7- Posicionar os olhos no mesmo nível da coluna de mercúrio ou do mostrador do manômetro aneróide; 8- Palpar o pulso radial, inflar o manguito até seu desaparecimento, para estimar o nível da pressão sistólica, desinflar rapidamente e aguardar 15-30 segundos antes de inflar novamente; 9- Colocar o estetoscópio nos ouvidos com curvatura voltada para frente; 10- Posicionar campânula do estetoscópio sobre artéria braquial, na fossa antecubital, evitando compressão excessiva; 11- Solicitar ao paciente para não falar durante a medida; 12- Inflar rapidamente, 10-10 mmHg por segundo, até o nível estimado da pressão sistólica; 13- Desinflar lentamente, 2-4 mmHg por segundo; 14- Determinar pressão sistólica no aparecimento do primeiro som (Fase I de Korotkoff), que se intensifica com aumento da deflação; 15- Determinar pressão diastólica no desaparecimento do som (Fase V de Korotkoff). Auscultar 20-30 mmHg abaixo do último som para confirmar seu desaparecimento e proceder à deflação rápida e completa. Quando os sons persistirem até o zero, determinar a diastólica no abafamento dos sons (Fase IV de Korotkoff); 16- Registrar os valores da pressão realmente obtidos na escala do manômetro, que varia de 2 em 2 mmHg, evitando arredondar para valores terminados em zero ou cinco; 17- Esperar um a dois minutos antes de realizar nova medida; 18- O paciente deve ser informado sobre os valores da pressão e possível necessidade de acompanhamento. Tratamento Tem como finalidade o controle da pressão arterial, valores inferiores a 140 para sistólica e 90 mmHg para diastólica, visando a redução da morbidade e mortalidade cardiovasculares decorrentes da hipertensão e inclui medidas farmacológicas e não- farmacológicas. O tratamento não-farmacológico está indicado para todos hipertensos e para normotensos com risco cardiovascular elevado. A adoção do tratamento não- farmacológico requer mudanças de hábitos de vida. A tabela 1 relaciona as medidas não-farmacológicas e sua eficácia no controle da hipertensão. Os hipertensos com excesso de peso devem ser orientados para redução até atingir índice de massa corporal inferior a 25 Kg/m2 e relação cintura/quadril inferior a 0,8 para mulheres e 0,9 para homens. A redução de peso pode ser obtida com dieta hipocalórica balanceada e atividade física programada. 278 Atenção à Criança e ao Adolescente Manual de Condutas Médicas www.ids-saude.org.br/medicina A redução de sal na alimentação deve ser enfatizada para consumo de 100 mEq/dia = 6 g de sal (1 colher de chá). Evitar alimentos industrializados, enlatados, embutidos, carnes/ peixes secos, defumados, charque, conservas, aditivos à base de glutamato de sódio, queijos, adição de sal aos alimentos prontos e abolir saleiro da mesa. O uso de substitutos do sal com cloreto de potássio deve ser evitado em pacientes com comprometimento renal. O aumento da ingestão de potássio pode ser obtido com uso de grãos (feijão, ervilha), vegetais verde-escuros, banana, melão, cenoura, beterraba, frutas secas, tomate, batata inglesa, laranja. O consumo de bebida alcoólica não deve exceder a 30 ml de etanol/dia, o que equivale a 60 ml de destilados (pinga, uísque, vodca), 240 ml de vinho ou 720 ml de cerveja. A prática de exercícios físicos regulares, além de reduzir a pressão arterial, auxilia na redução de peso, tratamento das dislipidemias, resistência à insulina, controle do estresse e abandono do tabagismo. Atividades como caminhada, natação, ciclismo, 30 a 45 min/semana são indicadas para hipertensos. Exercícios isométricos são contra-indicados. O tratamento medicamentoso a base de drogas anti-hipertensivas objetiva a redução não só da pressão arterial, mas também dos eventos cardiovasculares fatais e não-fatais. O III Consenso Brasileiro de Hipertensão Arterial estabelece que o esquema terapêutico deve se iniciar com monoterapia com diurético, betabloqueador, antagonista dos canais de cálcio, inibidor da enzima conversora da angiotensina ou antagonista do receptor da agiotensina II. Não se obtendo a redução tensional, pode-se aumentar a dose e, na vigência de efeitos indesejáveis ou falta de efeito com dose máxima, pode- se substituir a droga por outra de classe diferente com outro mecanismo de ação. Caso ainda não se obtenha controle desejado,associam-se duas ou mais drogas (Figura 1). A Tabela 2 apresenta as classes de drogas anti-hipertensivas. Apesar da eficiência dos esquemas terapêuticos propostos para a hipertensão, o controle da pressão arterial nem sempre é obtido de maneira satisfatória. Verifica-se que, de modo geral, apenas 30% dos hipertensos estão controlados, caracterizando baixa adesão ao tratamento. Os fatores intervenientes neste processo estão relacionados na tabela 3 e as medidas visando maior adesão ao tratamento, na tabela 4. Este manual enfatiza que foram padronizados pelo Ministério da Saúde por razões de custo-eficácia os seguintes medicamentos: hidroclorotiazida (diurético), propranolol (beta-bloqueador), seguidos de captopril (inibidor da enzima de conversão) especialmente para diabéticos e a alfa-metildopa para gestantes com pressão elevada. Tabela 1. Medidas não-medicamentosas para o controle da hipertensão arterial e dos fatores de risco cardiovascular (III CBHA) Medidas com maior eficácia anti-hipertensiva Medidas sem avaliação definitiva Medidas associadas Redução do peso corporal Redução da ingestão de sódio Maior ingestão de alimentos ricos em potássio Redução do consumo de bebidas alcóolicas Exercícios físicos regulares Suplementação de cálcio e magnésio Dietas vegetarianas ricas em fibras Medidas antiestresse Abandono do tabagismo Controle das dislipidemias Controle do diabete melito Evitar drogas que potencialmente elevem a pressão Atenção à Criança e ao Adolescente 279Manual de Condutas Médicas www.ids-saude.org.br/medicina Figura 1. Fluxograma para tratamento da hipertensão arterial (III CBHA) Monoterapia Inicial Diuréticos Betabloqueadores Antagonistas de Canais de Cálcio Inibidores da Enzima Conversora da Angiotensina Antagonistas do receptor da angiotensina II Resposta Inadequada ou Efeitos Adversos Aumentar a Dose Adicionar a Segunda Droga Substituir a monoterapiaou ou Resposta Inadequada Adicionar a segunda dose ou a terceira droga 280 Atenção à Criança e ao Adolescente Manual de Condutas Médicas www.ids-saude.org.br/medicina Tabela 2. Classes de drogas anti-hipertensivas. Ação Grupos Efeitos indesejáveis • Ação central ** • Alfa-bloqueadores** • Betabloqueadores * (contra- indicados na asma, doença pulmonar obstrutiva crônica, bloqueio arteriovenoso (AV) 20 e 30 grau) • alfa metildopa, clonidina, guanabenzo, moxonidina • doxazosina, prazosina • atenolol, bisoprolol, metoprolol, nadolol, propranolol, pindolol • sonolência, sedação, sialosquese, fadiga, hipotensão postural, impotência, hipertensão rebote (clonidina) • hipotensão postural, palpitação, astenia, • broncoespasmo, bradicardia, distúrbio de condução AV, vasoconstrição periférica, insônia, pesadelos, depressão, disfunção sexual, intolerância à glicose, aumento de triglicérides, diminuição HDL Inibidores adrenérgicos* • Depleção de volume • Redução da resistência vascular periférica • os tiazídicos são preferidos • diuréticos de alça indicados para hipertensão associada a insuficiências renal e cardíaca • hipopotassemia, hiperuricemia, intolerância à glicose, aumento do triglicérides, disfunção sexual Diuréticos* • Relaxamento da parede vascular • minoxidil, hidralazina • retenção hídrica, taquicardia reflexa Vasodilatadores diretos** • Bloqueio da conversão da angiotensina I em II • benazepril, captopril, cilazapril, enalapril, fosinopril, lisinipril, perindopril, ramipril, trandolapril • tosse, alteração paladar, reação de hipersensibilidade Inibidores da enzima conversora da angiotensina* • Bloqueio dos receptores AT 1 • Candesartan, eprosartan, irbesartan, losartan, valsartan • tontura, hipersensibilidade cutânea Antagonistas do receptor da angiotensina II* • diminuição da concentração de cálcio nas células da musculatura lisa vascular • verapamil, diltiazen, amlodipina, felodipina, isradipina, lacidipina, nifedipina, nisoldipina, nitrendipina • cefaléia, tontura, rubor facial, edema periférico, depressão miocádica, bradicardia e bloqueio AV (verapamil e diltiazem), obstipação Antagonistas dos canais de cálcio* * Drogas de primeira escolha; ** Drogas de uso associado; HDL = high density lipoprotein ou lipoproteína de alta densidade Atenção à Criança e ao Adolescente 281Manual de Condutas Médicas www.ids-saude.org.br/medicina Tabela 3. Fatores que interferem na adesão ao tratamento anti-hipertensivo. Paciente Sexo Idade Etnia Estado civil Escolaridade Nível sócio-econômico Doença Cronicidade Ausência de sintomas Conseqüências tardias Crenças, hábitos de vida e culturais Percepção da seriedade do problema Desconhecimento Experiência com a doença Contexto familiar Conceito saúde-doença Auto-estima Tratamento Custo Efeitos indesejáveis Esquemas complexos Qualidade de vida Instituição Política de saúde Acesso ao serviço de saúde Distância Tempo de espera/tempo de atendimento Relacionamento com equipe de saúde Envolvimento Relacionamento inadequado Tabela 4. Estratégias para facilitar a adesão Paciente Identificação de grupos de risco Educação Autocuidado Medida da pressão em casa Tratamento Drogas com menos efeitos indesejáveis Baixo custo Monoterapia Comodidade posológica Orientar sobre efeitos indesejáveis Prescrição e informações por escrito, de fácil entendimento Equipe multidisciplinar Convocação de faltosos, desistentes Visita domiciliar Reunião em grupo Estabelecer objetivos junto com paciente Estabelecer contrato com direitos e deveres do paciente e equipe Flexibilidade na adoção de estratégias Fixar equipe de atendimento Obedecer ao horário das consultas Estabelecer vínculo com paciente Considerar crenças, hábitos, cultura do paciente Atendimento no local de trabalho Estabelecer sistema de contato telefônico 282 Atenção à Criança e ao Adolescente Manual de Condutas Médicas www.ids-saude.org.br/medicina Encaminhamento A quase totalidade dos pacientes hipertensos deve e pode ser acompanhada em unidades básicas de saúde. Os poucos indivíduos que apresentem hipertensão refratária ou suspeita de causas secundárias devem ser encaminhados para ambulatório de hipertensão arterial. BIBLIOGRAFIA III Consenso Brasileiro de Hipertensão Arterial. III CBHA. São Paulo, B.G. Cultural, 1998. Lessa I. O adulto brasileiro e as doenças da modernidade. Epidemiologia das doenças crônicas não transmissíveis. São Paulo, Hucitec Abrasco, 1998. Amodeo C, Lima EG, Vazquez EC. Hipertensão Arterial. São Paulo, Sarvier, 1997. Ribeiro AB. Atualização em Hipertensão Arterial. São Paulo, Atheneu, 1996. Mion Jr. D, Nobre F. Medida da Pressão Arterial da teoria à prática. São Paulo, Lemos, 1997.
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