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4. K. MARX: REPRODUÇÃO SIMPLES E LEI GERAL DA ACUMULAÇÃO CAPITALISTA * Υ Reprodução simples Qualquer que seja sempre a forma social do processo de produção, ele tem de ser contínuo ou periodicamente percorrer, novamente, as mesmas fases. Assim como uma sociedade não pode parar de consumir, também ela não pode parar de produzir. Todo processo social de pro- dução, considerado na sua continuidade e no constante fluxo de sua renovação, é, portanto, ao mesmo tempo, processo de reprodução. As condições de produção são, simultaneamente, as condições de reprodução. Nenhuma sociedade pode continuamente produzir, isto é, reproduzir, sem retransformar constantemente uma parte de seus pro- dutos em meios de produção. Permanecendo invariáveis as demais con- dições, ela só pode reproduzir ou manter sua riqueza no mesmo nível substituindo, durante o ano, por exemplo, os meios de produção con- sumidos, isto é, instrumentos de trabalho, matérias-primas e matérias acessórias, in natura, por meio de um quantum igual de artigos da mesma espécie, separados da massa anual de produtos e incorporados, de novo, ao processo de produção. Um determinado quantum do pro- duto anual pertence, portanto, à produção. Destinado desde o princípio Reproduzido de M a r x , K . D as Kapital. 21. ed. Berlim, Dietz Verlag, 1975: parte VII, cap. 21 Einfache Reproduktion, p. 591-6; cap. 23 Das allgemeine Gesetz der kapitalistischen Akkumulation, item 1, p. 645-9; item 2, p. 650-7; item 4, p. 673-5. Traduzido por Régis Barbosa. Revisão técnica da tradução por José Paulo Netto. 377 ao consumo produtivo, este quantum apresenta-se sob formas naturais que, por si mesmas, excluem o consumo individual. Se a produção tem a forma capitalista, também a terá a reprodução. Assim como no modo capitalista de produção o processo de trabalho só aparece como um meio para o processo de valorização, a reprodução é apenas um meio para reproduzir o valor adiantado como capital, isto é, como valor que se valoriza. A caracterização econômica do capi- talista apenas cabe a uma pessoa quando o seu dinheiro funciona conti- nuamente como capital. Se, por exemplo, a quantia adiantada de 100 libras esterlinas se transforma, neste ano, em capital e produz uma mais-valia de 20 libras, terá de repetir a mesma operação no próximo ano, etc. Como incremento periódico do valor do capital, ou fruto periódico do capital em ação, a mais-valia recebe a forma de' uma revenue [renda] que provém do cap ita l1. Se esta revenue [renda] apenas serve ao ôapitalista como fundo de consumo, gastando-o no mesmo período em que o ganha, então há, permanecendo iguais as demais circunstâncias, reprodução simples. Embora esta seja mera repetição do processo de produção no mesmo nível, essa mera repetição ou continuidade imprime ao processo certas características novas ou, antes, dissolve as características aparentes que possui como ato isolado. O processo de produção se inicia com a compra da força de trabalho por um tempo determinado, e este início se renova constantemente logo que vença o prazo estipulado, tendo decorrido assim um determinado período de produção, semana, mês, etc. Mas o trabalhador só é pago depois de a sua força de trabalho ter atuado e realizado tanto o seu próprio valor como a mais-valia sob a forma de mercadorias. Desta forma, ele produziu tanto a mais-valia, que consideramos, por enquanto, apenas o fundo de consumo do capitalista, como o fundo de seu próprio pagamento, o capital variável, antes que este retom e a ele sob a forma de salário, e só estará empregado enquanto continuár a reproduzi-lo. Daí provém a fórmula dos economistas, mencionada em II no capítulo XIV, III, que apresenta o salário como parte do próprio p rodu to2. 1 Os ricos que consomem os produtos do trabalho dos outros adquirem-nos apenas por atos de troca (compras de m ercadorias). Parecem, por isso, expostos a um esgotamento iminente de seus fundos de re se rv a .. . Mas, na ordem social, a riqueza ganhou a força de reproduzir-se através do trabalho alheio . . . A riqueza, como o trabalho e através do trabalho, fornece um fruto anual que pode ser destruído todo ano sem que o rico se torne mais pobre. Este fruto é a revenue [a renda] que provém do capital. (S ism o n d i. Nouv. prínc. d Êcon. Pol. t. I, p. 8 1 , 8 2 .) 2 Salários, como também lucros, devem ser considerados partes do produto a c a b a d o . (R a m s a y . An essay on the distribution of wealth. p. 142 .) A parte do produto que compete ao trabalhador sob a form a de salário. (M il l , J. E lem ents o f Political Econom y. Trad. de Parisot. Paris, 1823. p. 33 , 3 4 .) 378 Ê uma parte do produto continuamente reproduzido pelo próprio traba- lhador que volta constantemente para ele sob a forma de salário. O capitalista lhe paga, contudo, o valor das mercadorias em dinheiro. Mas este dinheiro não é mais do que a forma transformada do produto do trabalho ou, mais exatamente, uma parte dele. Enquanto o trabalhador transforma uma parte dos meios de produção em produto, retransforma uma parte de seu produto anterior em dinheiro. É com seu trabalho da semana passada ou do último meio ano que seu trabalho de hoje, ou do próximo meio ano, será pago. A ilusão gerada pela forma dinheiro desaparece imediatamente, logo que se considera a classe capitalista e a classe trabalhadora em vez do capitalista e do trabalhador individual. A classe capitalista dá constantemente à classe trabalhadora, sob a forma de dinheiro, letras que lhe facultam receber uma parte do produto feito por ela e apropriado pela primeira. Mas o trabalhador devolve conti- nuamente estas letras à classe capitalista, e retira-lhe, com isso, aquela parte de seu próprio produto que lhe é atribuída. A forma mercadoria do produto e a forma dinheiro da mercadoria disfarçam a transação. O capital variável, portanto, é apenas uma forma histórica parti- cular em que se manifesta o fundo de meios de subsistência ou o fundo de trabalho, do qual o trabalhador precisa para sustentar-se e repro- duzir-se e que ele mesmo sempre tem de produzir e reproduzir, em todos os sistemas de produção social. O fundo de trabalho apenas flui para ele continuamente sob a forma de meios de pagamento de seu trabalho, porque seu próprio produto afasta-se dele constantemente sob a forma de capital. Mas esta forma de manifestação do fundo de trabalho não altera em nada o fato de que o capitalista adianta ao trabalhador o próprio trabalho já materializado deste 3. Tomemos, por exemplo, um camponês, dependente de um senhor feudal. Trabalha com seus próprios meios de produção, no seu próprio campo, por exemplo, 3 dias por semana. Nos outros 3 dias úteis, é servo nas terras do senhor. Reproduz constantemente seu próprio fundo de trabalho, e este, em relação a ele, nunca assume a forma de meios de pagamentos adiantados por um terceiro, em troca de seu trabalho. Em compensação, seu trabalho for- çado e gratuito nunca assume a forma de trabalho voluntário e pago. Se amanhã o próprio senhor se apropriasse do campo, dos animais de tração, das sementes, numa palavra, dos meios de produção do camponês dependente, então, daí em diante, este teria de vender sua força de trabalho ao senhor. Não se alterando as demais circunstâncias, traba- lharia como antes, 6 dias por semana, 3 dias para si mesmo e 3 para o ex-senhor feudal transformado agora em senhor do salário. Continuaria 3 Quando se emprega capital para adiantar ao trabalhador seu salário, não se adiciona nada ao fundo para a manutenção do trabalho. (Cazenove, em nota à sua ed. de M a l t h u s . Definitions in Polit. Econ. Londres, 1853. p. 22.) 379 utilizando os meios de produção como meios de produção e transfe- rindo seu valor ao produto. Uma parte determinada do produto pros- seguiria sendo absorvidapela reprodução. Mas como o trabalho do servo assumirá a forma de trabalho assalariado, o fundo de trabalho, produzido depois como antes pelo mesmo camponês, tomará a forma de um capital adiantado a este pelo senhor feudal. O economista bur- guês, cujo cérebro limitado não sabe distinguir entre a forma de mani- festação e o seu conteúdo, fecha os olhos ao fato de que até hoje o fundo de trabalho aparece apenas excepcionalmente sob a forma de capital no mundo que conhecemos *. Na verdade, o capital variável só perde o significado de um valor adiantado a partir do próprio fundo capitalista5 se consideramos o processo de produção capitalista no fluxo contínuo de sua renovação. Mas ele tem de começar em qualquer ponto e em qualquer momento. A partir do ponto de vista que adotamos até agora, é provável, portanto, que o capitalista, alguma vez, se tom ou possuidor de dinheiro em virtude de uma acumulação primitiva, independente de trabalho alheio não-pago, e por isso teve acesso ao mercado como comprador de força de trabalho. A mera continuação do processo de produção capitalista, ou a reprodução simples, efetua, contudo, outras estranhas mudanças que não só atingem a parte variável do capital, mas também o capital total. Se a mais-valia produzida periodicamente, por exemplo, anualmente, por um capital de 1 000 libras esterlinas for de 200 libras esterlinas, e se esta mais-valia for consumida todos os anos, então é claro que, depois de repetir-se o mesmo processo durante cinco anos, a soma da mais-valia consumida será = 5 X 200, ou igual ao valor do capital originariamente adiantado, de 1 000 libras esterlinas. Se a mesma mais- -valia anual apenas fosse consumida parcialmente, por exemplo, só pela metade, teríamos o mesmo resultado após dez anos de repetir-se o processo de produção, pois 10 X 100 = 1 000. Regra geral: o valor do capital adiantado dividido pela mais-valia consumida anualmente dá o número de anos ou períodos de reprodução ao cabo dos quais o capi- tal adiantado originariamente foi consumido pelo capitalista e, portanto, desapareceu. A idéia do capitalista, de que consome o produto do 4 Nem sequer num quarto da Terra, os meios de subsistência dos trabalhadores são adiantados a eles pelos capitalistas. ( J o n e s , Richard. Textbook of lectures on the Polit. Economy of Nations. Hertford, 1852. p. 36.) 5 Embora o manufacturer (trabalhador da manufatura) tenha seu salário adian- tado pelo patrão, ele não causa a este, na realidade, nenhuma despesa, porque o valor do salário junto com um lucro reconstitui-se no valor aumentado do objeto a que foi aplicado seu trabalho. (S m i t h , A. Wealth of nations. livr. II, cap. III, p. 355.) 380 trabalho alheio não-pago, a mais-valia, e mantém o valor do capital originário, não altera absolutamente nada no fato. Ao cabo de um certo número de anos, o valor do capital que ele possui é igual à soma da mais-valia apropriada por ele durante o mesmo tempo, sem dar o equiva- lente em troca, e a soma do valor consumido por ele é igual ao valor do capita! originário. Certamente fica com capital nas mãos, cuja gran- deza não se alterou e do qual uma parte, edifícios, máquinas, etc., já existia quando pôs a andar seu negócio. Mas aqui trata-se do valor do capital e não de seus componentes materiais. Quando alguém consome sua propriedade inteira, assumindo dívidas que se igualam ao valor desta, então esta propriedade representa apenas a soma total de suas dívidas. Do mesmo modo, quando o capitalista consumiu o equivalente de seu capital adiantado, o valor deste capital representa apenas a soma total da mais-valia de que se apropriou gratuitamente. Não subsiste nenhum átómo de valor de seu antigo capital. Prescindindo de toda acumulação, a mera continuidade do procelso de produção, ou a reprodução simples, transforma necessariamente todo capital, após um período mais ou menos longo, em capital acumulado ou mais-valia capitalizada. Ainda que o capital, ao entrar no processo de produção, fosse propriedade adquirida através do trabalho do próprio aplicador, torna-se, mais dia menos dia, valor apropriado sem dar equi- valente em troca, ou materialização, sob a forma de dinheiro ou outra, de trabalho alheio não-pago. Vimos no capítulo IV: para transformar dinheiro em capital, não bastava a existência de produção e circulação de mercadorias. Antes, tinham de defrontar-se, de um lado, possuidor de valor ou dinheiro, do outro, possuidor da substância criadora de valor; de um lado, pos- suidor de meios de produção e meios de subsistência, do outro, possui- dor apenas de força de trabalho, nos papéis de comprador e vendedor, A separação entre o produto do trabalho e o próprio trabalho, entre as condições objetivas do trabalho e a força subjetiva do trabalho, era a base realmente dada, o ponto de partida do processo de produção capitalista. Mas o que era, a princípio, apenas ponto de partida, é produzido e eternizado sempre de novo, por meio da mera continuidade do pro- cesso, da reprodução simples, como próprio resultado da produção capitalista. De um lado, o processo de produção transforma continua- mente a riqueza material em capital, em meios de valorização e de consumo para o capitalista. Por outro lado, o trabalhador sai do pro- cesso sempre como entrou nele fonte pessoal de riqueza, mas des- pojado de todos os meios para realizá-la em seu proveito. Seu trabalho materializa-se durante o processo, constantemente, em produto alheio, 381 porque já é, antes, alienado dele, apropriado pelo capitalista e Incor- porado ao capital. Como o processo de produção é, ao mesmo tempo, o processo de consumo da força de trabalho pelo capitalista, o produto do trabalhador transforma-se coritinuamente não só em mercadoria, mas em capital, em valor que suga a força criadora de valor, em meios de subsistência que compram pessoas, em meios de produção que utilizam o p rodu to r6. O próprio trabalhador produz, por isso, constantemente a riqueza objetiva, mas como capital, como poder estranho a ele, que o domina e explora, e o capitalista produz também continuamente a força de trabalho, mas como fonte subjetiva de riqueza, separada de seus próprios meios de materialização e realização, abstrata, existente na mera corporalidade do trabalhador, numa só palavra: o trabalhador como trabalhador assalariado 7. Esta constante reprodução ou etemiza- ção do trabalhador é a condição sine qua non da produção capitalista. [ . . . ] A lei geral da acumulação capitalista 1. A demanda por força de trabalho aumenta com a acumulação, mantendo-se constante a composição do capital [ . . . ] Nas condições de acumulação até agora admitidas e mais favoráveis aos trabalhadores, sua relação de dependência para com o capital reves- te-se de formas suportáveis, ou como diz E d e n 8, cômodas e liberais . Em vez de tomar-se mais intensiva, com o crescimento do capital, tor- na-se apenas mais extensiva, isto é, amplia-se, com a sua própria dimen- são e com o número de seus súditos, a esfera de exploração e dominação do capital. Do seu próprio produto excedente que se amplia e, aumen- 8 Isto é uma propriedade particularmente notável do consumo produtivo: o que é consumido produtivamente é capital, e torna-se capital através do consumo. (M ill , J. Elements of Political Economy. p. 242.) J. Mill, contudo, não investiga esta propriedade particularmente notável. 7 É realmente um fato que a primeira instalação de uma manufatura dá emprego a muitos pobres, mas eles mantêm-se pobres e a continuação da manufatura pro- duz ainda muitos outros mais. (Reasons for a limited exportation of wool. Londres, 1677. p. 19.) O arrendatário afirma agora, contra toda razão, que mantém os pobres. Em verdade, eles são mantidos na miséria. (Reasons for the late increaseof poor rates: or a comparative view of the prices of labour and provisions. Londres, 1777. p. 31.) 8 E d e n , Sir F. M. The State of the poor. Londres, 1797. 382 tado, transforma-se em capital adicional, retorna aos trabalhadores uma grande parte sob a forma de meios de pagamento, de tal modo que podem alargar o circuito de seus usufrutos, equipar melhor seu fundo de consumo, de roupas, móveis, etc., e formar pequenos fundos de reserva de dinheiro. Mas nem melhores roupas, alimentos, tratamento e um pecúlio maior suprimem a relação de dependência e a exploração quer dos escravos, quer dos trabalhadores assalariados. Elevação do preço do trabalho em conseqüência da acumulação do capital significa, de fato, apenas que a extensão e o peso da corrente de ouro que o trabalhador forjou para si mesmo permitem um afrouxamento de sua tensão. Nas controvérsias sobre este assunto, deixou-se de ver, na maioria das vezes, o principal, a saber,* a differentia specifica [diferença específica] da produção capitalista. A força de trabalho é comprada aqui não para que, por meio dela ou de seu produto, sejam satisfeitas as necessidades pessoais do comprador. Seu objetivo é a valorização do seu capital, a produção de mercadorias que contêm mais trabalho do que ele paga, ou seja, que contêm uma parte do valor que não lhe pusta nada e que é todavia realizada através da venda. Produção de mais- -valia é a lei absoluta deste modo de produção. A força de trabalho só é vendável9 enquanto conserva os meios de produção como capital, reproduz seu próprio valor como capital e proporciona, com trabalho não-pago, uma fonte de capital adicional. As condições de sua venda, se mais favoráveis ou se menos favoráveis ao trabalhador, incluem, por- tanto, a necessidade de sua revenda contínua e a reprodução constante- mente ampliada da riqueza como capital. O salário do trabalhador, como se viu, condiciona sempre, por sua natureza, o fornecimento pelo trabalhador de um certo quantum de trabalho não-pago. Deixando de lado a elevação dos salários associada à baixa do preço do trabalho, etc., um aumento significa, no melhor dos casos, apenas uma diminuição quantitativa do trabalho não-pago que o trabalhador tem de realizar. Essa diminuição nunca pode chegar ao ponto em que ameaçaria o pró- prio sistema. Abstraindo-se os conflitos violentos em torno da taxa de salário, e Adam Smith já demonstrou que, de um modo geral, em tais conflitos, o patrão permanece sempre o patrão, uma elevação do preço do trabalho oriunda de uma acumulação de capital pressupõe a seguinte alternativa: ou o preço do trabalho continua a elevar-se, porque essa elevação não perturba o progresso da acumulação e não há nisto nada de surpreendente, pois, como diz A. Smith, H Nota à 2.a edição: O limite, porém, da ocupação de trabalhadores industriais como agrícolas, é o mesmo: a possibilidade para o empresário de extrair um lucro do produto do trabalho deles. Se a taxa do salário é tão alta que o lucro do patrão cai abaixo da média, ele cessa de empregá-los, ou só os emprega se concordarem com uma redução do salário. (W a d e , John. Op. cit., [History of the middle and working classes], p. 240.) 383 mesmo com lucro reduzido os capitais aumentam, podendo crescer com maior velocidade que antes . . . Um grande capital cresce mesmo com pequenos lucros, em geral, mais rapidamente que um pequeno capi- tal com grandes lucros. (Op. cit. [Wealth of nations, liv. II], p, 189.) Neste caso, é evidente que uma diminuição do trabalho não-pago de nenhum modo prejudica a expansão do domínio do capital. Ou, e este é o outro lado da alternativa, a acumulação retarda-se em virtude de elevar-se o preço do trabalho, ficando embotado o aguilhão do lucro. A acumulação diminui. Mas com sua diminuição desaparece a causa que a gera, a saber, a desproporção entre capital e força de trabalho explorável. O mecanismo do processo de produção capitalista remove, portanto, os obstáculos que ele mesmo provisoriamente cria. O preço do trabalho volta de novo a um nível que corresponda às necessidades de valorização do capital, seja ele superior, igual ou inferior ao que era considerado normal antes do começo da elevação dos salários. Vê-se: no primeiro caso, não é a diminuição no crescimento absoluto ou pro- porcional da força de trabalho ou da população trabalhadora que tom a o capital excedente, mas sim, ao contrário, o crescimento do capital que torna a força de trabalho explorável insuficiente. No segundo caso, não é o aumento no crescimento absoluto ou proporcional da força de tra- balho, ou da população trabalhadora, que torna o capital insuficiente, mas sim, ao contrário, a diminuição do capital que torna excedente a força de trabalho explorável ou, mais ainda, o preço dela. São estes movimentos absolutos da acumulação do capital que se refletem, como movimentos relativos, na massa da força de trabalho explorável, e pare- cem originar-se propriamente deles. Para utilizar uma expressão mate- mática: a grandeza da acumulação é a variável independente, a grandeza do salário é a dependente, e não ao contrário. Assim expressa-se a queda geral dos preços das mercadorias, na fase de crise do círculo industrial, como elevação do valor relativo do dinheiro, e a elevação geral dos preços das mercadorias, na fase de prosperidade, como queda do valor relativo do dinheiro. A chamada Escola de Currency 10 conclui daí que circula dinheiro demais, quando os preços são altos, e de menos, quando os preços são baixos. A ignorância e o total desconhecimento dos fatos, por parte dos defensores desta teo riau , encontram paralelos dignos nos economistas que interpretam esses fenômenos da acumulação afir- mando que ora existem trabalhadores demais, ora de menos. 10 Currency principies: escola econômica muito difundida na Inglaterra na pri- meira metade do século XIX. Ela partia do princípio da quantidade do dinheiro; afirmava que o preço das mercadorias era determinado pela quantidade de dinheiro que se encontrava em circulação. [ . . . ] (N. do ed. al.) 11 Ver M a r x , Karl. Zur Kritik der politischen Oekonomie [Contribuição à crítica da Economia Política], p. 165 et seqs. 384 A lei da produção capitalista que serve de base à pretensa lei natural da população reduz-se simplesmente ao seguinte: a relação entre capital, acumulação e taxa de salários não é nada mais que a relação entre o trabalho não-pago, transformado em capital, e o trabalho suplementar necessário para colocar em movimento o capital adicional. Não é, de nenhum modo, uma relação entre duas grandezas indepen- dentes uma da outra, de um lado a grandeza do capital, de outro o número da população trabalhadora. É antes, em última instância, apenas a relação entre o trabalho não-pago e o trabalho pâgo desta mesma população trabalhadora. Se cresce a quantidade dp trabalho não-pago fornecido pela classe trabalhadora e acumulado pela classe capitalista, de modo suficientemente rápido para que possa transformar-se em capi- tal apenas com um acréscimo extraordinário de trabalho pago, haverá então uma elevação de salário, e não se alterando as demais condições, decrescerá proporcionalmente o trabalho não-pago. Tão logo, p^rém, esse decréscimo atinge o ponto em que esse trabalho excedente, alímen- tador do capital, não é mais oferecido em quantidades normais, dá-se uma reação: uma parte mínima desta revenue [renda] é capitalizada, a acumulação enfraquece, e o movimento ascensional dos salários sofre um contragolpe. A elevação do preço do trabalho fica, portanto, confi- nada nos limites que mantêm intactos os fundamentos do sistema capi- talista e asseguram sua reprodução em escala crescente. A lei da acumulação capitalista, mistificada em lei natural, expressa, de fato, ape- nas que a sua natureza exclui todo decréscimodo grau de exploração do trabalho ou toda elevação do preço do trabalho que possam com- prometer seriamente a reprodução constante da relação capitalista e sua reprodução em escala sempre ampliada. Não pode ser de outra maneira, num sistema de produção em que o trabalhador existe para as necessidades de valorização de valores existentes, ao invés de a riqueza material existir para as necessidades de desenvolvimento do trabalhador. Como, na religião, o homem é dominado pela criação de sua própria cabeça, da mesma forma na produção capitalista é ele dominado pelo produto de sua própria mão 12. 12 Se voltamos, porém, à nossa primeira investigação, onde está demonstrado.. que o capital é apenas o produto do trabalho humano. . . então parece inteira- mente incompreensível que o homem pudesse cair sob o domínio de seu próprio produto, o capital, e se tomasse subordinado a ele; e como isto é na realidade um caso incontestável, impõe-se involuntariamente a pergunta: como pôde o trabalhador transformar-se, de senhor do capital, de criador dele, em escravo do capital? (V o n T h u e n e n , Der isolirte Staat. Parte segunda, seção segunda. Rostock, 1863. p. 5 e 6.) O mérito de Thuenen é ter formulado a pergunta. Sua resposta é simplesmente infantil. 385 2. Decréscimo relativo da parte variável do capital na continuação da acumulação e da concentração que a acompanha Segundo os próprios economistas, não é nem o volume existente da riqueza social nem a grandeza do capital já adquirido que levam a uma elevação dos salários, mas pura e simplesmente o crescimento pro- gressivo da acumulação e o grau de velocidade do seu crescimento (Sm it h , A. livro I, cap. 8 ). Até agora temos observado apenas uma fase especial deste processo, aquela em que se realiza o acréscimo do capital, permanecendo constante a composição técnica do capital. Mas o processo ultrapassa esta fase. Uma vez dados os fundamentos gerais do sistema capitalista, che- ga-se sempre, no curso da acumulação, a um ponto em que o desen- volvimento da produtividade do trabalho social se tom a a mais poderosa alavanca da acumulação. A mesma causa, diz A. Smith, que eleva os salários, a saber, o aumento do capital, impulsiona ao aumento das forças produtivas de trabalho e capacita uma quantidade menor de trabalho a produzir uma quantidade maior de produtos. Excetuando-se as condições naturais, como fertilidade dos solos, etc., e a habilidade de produtores, trabalhando independentes e isolados, a qual se comprova, porém, mais qualitativamente nos produtos do que quantitativamente na massa produzida, o grau de produtividade social do trabalho expressa-se nos volumes relativos dos meios de produção que um trabalhador, durante um dado tempo, com a mesma intensidade da força de trabalho, transforma em produto. A massa dos meios de produção, com a qual ele opera, cresce com a produtividade de seu trabalho. Esses meios de produção desempenham um duplo papel. O crescimento de uns é conseqüência; o de outros, condição da crescente produtividade do trabalho. Por exemplo: com a divisão mapufatureira do trabalho e a utilização das máquinas, transforma-se, no mesmo tempo, mais matéria-prima e, por isso, quantidade maior de matéria-prima e de materiais acessórios entra no processo de trabalho. Esta é a conse- qüência da crescente produtividade do trabalho. Por outro lado, a massa da maquinaria utilizada, dos animais de trabalho, dos adubos minerais, das tubulações de drenagens, etc., é condição da crescente produtividade do trabalho. E, igualmente, a massa dos meios de produção concentrados nas construções, altos-fomos, meios de transportes, etc. Porém, quer con- dição, quer conseqüência, o crescente volume dos meios de produção em comparação à força de trabalho neles incorporada expressa a produ- tividade crescente do trabalho. O acréscimo desta última aparece, por- tanto, no decréscimo da quantidade de trabalho em relação à massa dos meios de produção que põe em movimento, ou na diminuição do 386 fator subjetivo do processo de trabalho comparado com os seus fatores objetivos. Esta mudança na composição técnica do capital, o crescimento da massa dos meios de produção, comparado com a massa da força de trabalho nela vivificada, reflete-se na composição de seu valor, no acrés- cimo da parte constante do valor do capital às custas de sua parte variável. Se, por exemplo, de um capital, calculado percentualmente, 50% são originalmente aplicados em meios de produção, e outros 50% em força de trabalho, mais tarde, com o desenvolvimento do grau de produtividade do trabalho, serão aplicados 80% em meios de produção e 20% em força de trabalho, etc. Esta lei do aumento crescente da parte constante do capital em relação à variável é confirmada a cada passo (conforme já vimos antes) pela análise comparativa dos preços das mercadorias, não importando se comparamos diferentes épocas eco- nômicas para uma única nação ou diferentes nações na mesma época. A grandeza relativa do elemento do preço que representa apenas o valor dos meios de produção consumidos, ou a parte constante do fcapi- tal, está na razão direta, e a grandeza relativa do outro componente, que paga o trabalho ou representa a parte variável do capital, está na razão inversa ao progresso da acumulação. O decréscimo da parte variável do capital em contraposição à cons- tante, ou a composição mudada do valor do capital, mostra, entretanto, apenas, de maneira aproximada, a alteração ocorrida na sua composição técnica. Se, por exemplo, o valor do capital hoje aplicado numa fiação se compõe de 7 /8 de capital constante e de 1/8 de variável, enquanto no começo do século XVIII a proporção era de 1 /2 constante e 1/2 variável, a massa de matérias-primas, de meios de trabalho, etc., hoje produtivamente consumida por um determinado quantum de trabalho de fiação é centenas de vezes maior que no começo do século XVIII. A razão é simplesmente que, com a produtividade crescente do trabalho, não apenas aumenta o volume dos meios de produção consumidos por ele, mas cai o valor desses meios de produção comparado com seu volume. Seu valor cresce, portanto, em termos absolutos, mas não em proporção com seu volume. O crescimento da diferença entre o capital constante e o variável é, portanto, muito menor que o cresci- mento da diferença entre a massa dos meios de produção em que se converte o capital constante e a massa da força de trabalho em que se transforma o capital variável. A primeira diferença cresce com a segunda, porém em menor grau. i o i í i» * a*1** De resto, quando o progresso da acumulação reduz a grandeza relativa da parte variável do capital, não exclui de modo algum, com isto, o aumento de sua grandeza absoluta. Admitamos que um capital se divida, no começo, em 50% de capital constante e 50% de capital variável, mais tarde 80% constante e 20% variável. Se, nesse intervalo, 387 o capital original elevar-se de 6 000 libras esterlinas para 18 000, sua parte variável terá crescido também de 1/5. Era 3 000 libras esterlinas e aumentou agora para 3 600. Mas onde anteriormente bastava um acréscimo de capital de 20% para aumentar de 20% a procura de trabalho, é necessário agora triplicar o capital originário. Na quarta parte mostramos como o desenvolvimento da força pro- dutiva social do trabalho pressupõe a cooperação em grande escala; que apenas sob esse pressuposto se pode organizar a divisão e a combi- nação do trabalho, economizar os meios de produção através de sua concentração em massa, forjar meios de trabalho, como o sistema- de maquinaria, que só se presta materialmente para a utilização em comum,, colocar a serviço da produção imensas forças naturais e transformar o processo de produção numa aplicação tecnológica da ciência. À base da produção de mercadoriasem que os meios de produção são pro- priedades de pessoas privadas, onde o trabalhador manual produz mer- cadorias de maneira isolada e independente ou vende sua força de tra- balho como mercadoria por não ter meios para explorá-la, realiza-se aquele pressuposto da cooperação em grande escala apenas através do crescimento do capital individual, ou na medida em que os meios sociais de produção e de subsistência são transformados em propriedade par- ticular de capitalistas. Somente assumindo a forma capitalista pode a produção de mercadorias tornar-se produção em grande escala. Uma certa acumulação de capital nas mãos de produtores individuais de mercadorias constitui, portanto, a condição do modo de produção especi- ficamente capitalista. Por isso, tínhamos de admiti-la na transição do artesanato para a empresa capitalista. Pode ser chamada de acumulação primitiva, pois, em vez de resultado histórico, é fundamento histórico da produção especificamente capitalista. Como ela mesma surge, não necessitamos investigar ainda aqui. Basta saber que ela forma o ponto de partida. Mas todos os métodos para o aumento da força produtiva social do trabalho que crescem sobre esta base são, simultaneamente, métodos para elevar a produção da mais-valia ou do produto excedente, que, por seu lado, é o elemento formador da acumulação. São, portanto, ao mesmo tempo, métodos para a produção de capital por meio de capital ou métodos para acelerar sua acumulação. A contínua retrans- formação de mais-valia em capital apresenta-se como uma crescente grandeza do capital que entra no processo de produção. Esta, por seu lado, toma-se a base da produção em escala ampliada e dos métodos que a acompanham para elevar a força produtiva do trabalho e acelerar a produção de mais-valia. Quando aparece, portanto, um certo grau de acumulação do capital como condição do modo de produção especi- ficamente capitalista, este último, reagindo, provoca uma acumulação acelerada do capital. Com a acumulação do capital desenvolve-se, por- tanto, o modo de produção especificamente capitalista, e com este modo 388 de produção, desenvolve-se a acumulação do capital. Estes dois fatores econômicos produzem, segundo a proporção conjugada dos impulsos que se dão reciprocamente, a mudança na composição técnica do capi- tal, por meio do qual a parte variável se tom a cada vez menor com- parada com a constante. Cada capital individual é uma maior ou menor concentração de meios de produção com o correspondente comando sobre um maior ou menor exército de trabalhadores. Toda acumulação se tom a meio de nova acumulação. Ela amplia, com a expansão da massa de riqueza funcionando como capital, sua concentração nas mãos de capitalistas individuais, portanto, a base da produção em grande escala e dos méto- dos de produção especificamente capitalista. O crescimento do capital social realiza-se no crescimento de muitos capitais individuais. Pressu- pondo todas as outras circunstâncias como constantes, os capitais indi- viduais crescem, e com eles a concentração dos meios de produção numa relação na qual constituem partes alíquotas do capital social total. Ao mesmo tempo, destacam-se frações dos capitais originais e funcipnam como novos capitais autônomos. Entre outros fatores, desempenha nisto um grande papel a divisão da fortuna em famílias capitalistas. Com a acumulação cresce, portanto, mais ou menos, também o número dos capitalistas. Dois pontos caracterizam esta espécie de concentração, que se baseia diretamente na acumulação, ou antes, é idêntica a ela. Pri- meiro: a crescente concentração dos meios de produção sociais nas mãos de capitalistas individuais, não se alterando as demais circunstân- cias, é limitada pelo grau de crescimento da riqueza social. Segundo: a parte do capital social localizada em cada esfera particular da pro- dução reparte-se entre muitos capitalistas que se confrontam como pro- dutores de mercadorias, independentes uns dos outros e concorrendo entre si. A acumulação e a concentração que a acompanha estão não apenas em muitos pontos fragmentadas, mas também o crescimento dos capitais em funcionamento é coartado pela formação de novos e pela divisão de velhos capitais. Apresenta-se, por isso, a acumulação, por um lado, como a concentração crescente dos meios de produção e do comando sobre o trabalho, e, por outro lado, como repulsão recíproca de muitos capitais individuais. Essa fragmentação do capital social total em muitos capitais indi- viduais, ou a repulsão recíproca de suas frações,, é contrariada pela força de atração que atua sobre eles. E isto não é mais simples concen- tração dos meios de produção e do comando sobre o trabalho, idêntica à acumulação. Isto é a concentração de capitais já formados, a supressão de sua autonomia individual, a expropriação do capitalista pelo capi- talista, a transformação de muitos capitais pequenos em poucos capitais grandes. Este processo distingue-se do anterior porque pressupõe alte- ração na repartição dos capitais que já existem e estão em funciona- 389 mento; seu campo de ação não está, portanto, limitado pelo acréscimo absoluto da riqueza social ou pelos limites absolutos da acumulação. O capital cresce enormemente aqui, nas mãos de um só, porque escapou das mãos de muitos, noutra parte. Esta é a centralização propriamente dita, que não se confunde com a acumulação e a concentração. As leis desta centralização dos capitais, ou a atração do capital pelo capital, não podem ser desenvolvidas aqui. Bastam algumas expli- cações efetivas. A batalha da concorrência é travada através do bara- teamento das mercadorias. O barateamento das mercadorias depende, caeteris paribus [mantendo-se as mesmas condições], da produtividade do trabalho, e esta, por seu turno, da escala da produção. Os capitais maiores abatem, portanto, os menores. Demais, lembramos que, com o desenvolvimento do modo de produção capitalista, aumenta a dimensão mínima do capital individual exigido para levar avante um negócio em condições normais. Os capitais pequenos lançam-se assim naquelas esfe- ras de produção de que a grande indústria apoderou-se apenas esporá- dica ou parcialmente. A concorrência dá-se aqui na razão direta do número e na inversa da grandeza dos capitais que se defrontam. Ela acaba sempre com a derrota de muitos capitalistas pequenos, cujos capi- tais ou se transferem para as mãos dos vencedores, ou soçobram. Além disso, a produção capitalista faz surgir uma força inteiramente nova, o sistema de crédito, que, em seu início, insinua-se furtivamente, como auxiliar modesto da acumulação, e por meio de fios invisíveis leva para as mãos dos capitalistas individuais ou associados grandes ou pequenas massas de dinheiro, dispersas pela superfície da sociedade, para logo tornar-se uma nova e terrível arma na luta da concorrência, e transfor- mar-se, por fim, num imenso mecanismo social de centralização dos capitais. Na medida em que se desenvolvem a produção capitalista e a acumulação, na mesma proporção desenvolvem-se a concorrência e o crédito, as duas mais poderosas alavancas da centralização. Ademais, o progresso da acumulação aumenta a matéria que pode ser centra- lizada, isto é, os capitais individuais, enquanto a expansão da produção capitalista cria a necessidade social e os meios técnicos desses gigantes- cos empreendimentos industriais cuja viabilidade está hipotecada a uma prévia centralização do capital. Hoje em dia, portanto, é muito mais forte a atração recíproca dos capitais individuais e a tendência à centra- lização. Embora a expansão relativa e a energia do movimento centra- lizador sejam determinadas, até certo ponto, pela grandeza já atingida pela riqueza capitalista e pela superioridade do mecanismo econômico, o progresso da centralização não depende, de maneira menhuma, do incrementopositivo do capital social. É isto, especialmente, que dife- rencia a centralização da concentração, que é apenas uma outra expres- são para a reprodução em escala ampliada. A centralização pode ocorrer por meio de simples modificação na divisão dos capitais já existentes, 390 através de alterações apenas do agrupamento quantitativo dos elementos componentes do capital social, O capital pode acumular-se aqui em imensas proporções, em uma só mão, por ter em outro lugar escapado a muitas outras mãos. Num dado ramo de negócios, a centralização teria alcançado o seu limite extremo quando todos os capitais investidos nele tivessem fundido em um único cap ita l1S. Em determinada socie- dade, só seria alcançado esse limite no momento em que todo o capital social ficasse reunido em uma única mão, seja de um capitalista indivi- dual, seja de uma única sociedade de capitalistas. A centralização complementa a obra da acumulação ao capacitar os capitalistas industriais a ampliar a escala de suas operações. Seja este último resultado conseqüência da acumulação ou da centralização (quer se realize a centralização pelo caminho violento da anexação onde certos capitais se tornam centros de gravitação tão poderosos para outros que rompem a coesão individual deles, absorvendo seus frag- mentos , quer ocorra a fusão de capitais já formados ou em formação, por meio do processo mais suave da formação de sociedades por ações) o efeito econômico permanece o mesmo. O aumento do tamanho dos estabelecimentos industriais constitui, por toda parte, o ponto de partida para uma organização mais vasta do trabalho total de muitos, para um mais amplo desenvolvimento de suas forças materiais, isto é, para a transformação progressiva dos processos de produção isolados e roti- neiros em processos de produção socialmente combinados e cientifica- mente organizados. É evidente, porém, que a acumulação, o aumento progressivo do capital, pela reprodução que passa da forma circular para a de espiral, é um processo bastante lento, comparado com a centralização, que precisa apenas alterar o agrupamento quantitativo das partes integrantes do capital social. O mundo estaria ainda sem ferrovias se tivesse de esperar que a acumulação capacitasse alguns capitais isolados para a construção de uma ferrovia. A centralização, portanto, por meio da organização de sociedades por ações criou rapidamente as condições para isso. Aumentando e acelerando os efeitos da acumulação, a centra- lização amplia e acelera, ao mesmo tempo, as transformações na compo- sição técnica do capital, as quais aumentam a parte constante às custas da parte variável, reduzindo assim a procura* relativa de trabalho. As massas de capital amalgamadas, da noite para o dia, pela centra- lização, reproduzem-se e aumentam como as outras, mas com maior rapidez, de modo que se tomam novas alavancas poderosas da acumu- l s Nota à 4.a edição: Os mais recentes trustes ingleses e americanos já têm esse objetivo, ao buscarem reunir, pelo menos, todas as grandes empresas de um ramo industrial numa grande sociedade por ações, com monopólio efetivo (N. de E.) 391 lação social. Se se fala, assim, do progresso da acumulação social, deve-se hoje considerar implícitos nela os efeitos da centralização. Os capitais adicionais que se formaram no curso da acumulação normal (ver cap. XXII, I) servem preferentemente de veículos para a exploração de novos inventos e descobertas, sobretudo aperfeiçoamen- tos industriais. Mas também o capital velho alcança, com o tempo, o momento de renovar-se, de mudar de pele e de renascer com forma técnica aperfeiçoada, na qual uma reduzida massa de trabalho basta para pôr em movimento uma maior massa de maquinaria e matérias- -primas. A redução absoluta da procura de trabalho que necessariamente decorre daí será evidentemente tanto maior quanto mais tenha o movi- mento de centralização combinado os capitais que percorrem esse pro- cesso de renovação. Por um lado, o capital adicional formado no curso da acumulação atrai, assim, relativamente à sua grandeza, cada vez menos trabalhadores. Por outro lado, o velho capital, periodicamente reproduzido com nova composição, repele, cada vez mais, trabalhadores que antes empregava. [ . . . ] 4. As diferentes formas de existência da superpopulação relativa. A lei geral da acumulação capitalista 14 Quanto maior a riqueza social, o capital em funcionamento, a extensão e energia de seu crescimento, conseqüentemente a grandeza absoluta do proletariado e a força produtiva: de seu trabalho, tanto maior é o exército industrial de reserva. A força de trabalho disponível é ampliada pelas mesmas causas que aumentam a força expansiva do capital. A grandeza relativa do exército industrial de reserva cresce, portanto, com as potências da riqueza. Quanto maior, porém, este exército de reserva em relação ao exército ativo de trabalhadores, tanto maior é a massa da superpopulação consolidada, cuja miséria está na razão inversa do suplício de seu trabalho. Quanto maior, finalmente, essa camada de Lázaros da classe trabalhadora e o exército industrial de reserva, tanto maior é o pauperismo, para usar a terminologia oficial. Esta é a lei geral, absoluta, da acumulação capitalista. Como todas as outras leis, é modificada em sua realização por múltiplas circunstâncias, cuja análise não cabe aqui. 14 O item 3 do capítulo 23 de O capital compõe o tópico seguinte desta anto- logia. (N . do Org.) 392 Compreende-se a insanidade da sabedoria econômica que predica aos trabalhadores adaptarem seu número às necessidades de valorização do capital. O mecanismo de produção capitalista e da acumulação adapta continuamente esse número a essas necessidades. A primeira palavra desta adaptação é a criação de uma superpopulação relativa, oü de um exército industrial de reserva; a última palavra é a miséria sempre crescente de camadas do exército ativo de trabalhadores e o peso morto do pauperismo. Graças ao progresso da produtividade do trabalho social, uma quan- tidade sempre crescente de meios de produção pode ser mobilizada com um dispêndio progressivamente menor de força humana. Esta lei, sobre a base da sociedade capitalista, onde não o trabalhador usa os meios de trabalho, mas sim os meios de trabalho usam o trabalhador, signi- fica o seguinte: quanto maior a produtividade do trabalho, tanto maior a pressão dos trabalhadores sobre os seus meios de ocupação, j tanto mais precária, portanto, é a sua condição de existência: venda dá pró- pria força para aumentar a riqueza alheia, ou para a autovalorização do capital. Um crescimento dos meios de produção e da produtividade do trabalho mais rápido que o da população produtiva, expressa-se, pois, inversamente no capitalismo: a população trabalhadora sempre cresce mais rapidamente que a necessidade de valorização do capital. Vimos na parte quarta, quando da análise da produção da mais- -valia relativa que: dentro do sistema capitalista aplicam-se todos os métodos para elevação da força produtiva do trabalho às custas de trabalhador individual; todos os meios para o desenvolvimento da pro- dução redundam em meios de domínio e exploração do produtor, muti- lam o trabalhador a um fragmento de ser humano, degradam-no à categoria de peça de máquina, destroem o conteúdo de seu trabalho transformado em tormento, tomam-se-lhe estranhas as potências inte- lectuais do processo de trabalho na medida em que este incorpora a ciência como força independente, desfiguram as condições em que trabalha, submetem-no durante o processo de trabalho a um despotismo mesquinho e odioso, transformam todas as horas de sua vida em horas de trabalho, e lançam sua mulher e seus filhos sob o rolo compressor do capital. Mas todos os métodos para a produção da mais-valia são, ao mesmo tempo,métodos de acumulação, e cada expansão da acumu- lação toma-se, reciprocamente, meio de desenvolver aqueles métodos. Conclui-se, portanto, que, na medida em que se acumula o capital, a situação do trabalhador, seja qual for seu salário, alto ou baixo, tem de piorar. Por fim, a lei que mantém a superpopulação relativa ou o exército industrial de reserva em equilíbrio com a dimensão e a energia da acumulação, acorrenta o trabalhador ao capital mais firmemente 393 do que os grilhões de Hefaísto acorrentavam Prometeu aos rochedos. Esta lei condiciona uma acumulação de miséria correspondente à acumu- lação do capital. A acumulação de riqueza num pólo é, portanto, ao mesmo tempo, acumulação de miséria, sofrimento de trabalho, escra- vatura, ignorância, brutalização e degradação moral no pólo oposto, isto é, do lado da classe que produz seu próprio produto como capital. Este caráter antagônico da acumulação capitalista 15 é expresso de diferentes formas pelos economistas políticos, embora eles as misturem com manifestações em parte também análogas, mas todavia essencial- mente diferentes, de modos de produção pré-capitalistas. is Dia a dia, torna-se com isto mais claro que as condições de produção, nas quais a burguesia se move, não têm caráter unitário, simples, mas sim uma dupla face; que, nas mesmas condições em que se produz a riqueza, é produzida também a miséria; que, nas mesmas condições em que se processa o desenvol- vimento das forças produtivas, desenvolve-se também uma força repreSsiva; que essas condições só geram a riqueza burguesa, a riqueza da classe burguesa, sob contínua destruição da riqueza de membros isolados desta classe e com a for- mação de um proletariado sempre crescente. (M a r x , Karl. Misère de la Philosophie. p. 116.)
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