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Bauman - A liquidez do homem pós moderno

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1 
A liquidez do homem pós-moderno 
Para Bauman, os valores da sociedade ocidental cada vez mais diluídos cerceiam 
a tolerância e o relacionamento 
 
POR RENATO NUNES BITTENCOURT 
 
 
 
Talvez nunca a humanidade tenha alcançado um estado de consciência acerca da dor e da 
sua própria finitude de modo tão elevado como na cultura contemporânea. Buscamos de todas 
as maneiras meios de escaparmos das experiências dolorosas e tristes, vislumbrando acima 
de tudo a aquisição de um utópico estado de prazer eterno. Com efeito, os avanços 
tecnológicos nos proporcionaram em muitas circunstâncias um aprimoramento da qualidade de 
vida, favorecendo assim a dinamização do tempo para o seu uso em atividades mais 
aprazíveis. Porém, será que sabemos fazer uso adequado do tempo livre que dispomos para a 
realização de atividades que efetivamente ampliam a nossa potência de agir, tornando-nos 
mais criativos e solidários? Talvez não, e esse é o paradoxo inscrito no seio de nossa 
sociedade tecnologizada. Simultaneamente ao fato de termos obtido um considerável 
desenvolvimento material, ao mesmo tempo nos diluímos enquanto pessoas, pois pretendemos 
adequar todas as nossas interações apenas àquilo que de alguma maneira nos proporcionará 
vantagens imediatas. 
A era em que vivemos é a era da liquidez, esse é o diagnóstico feito por Zygmunt Bauman, 
pensador polonês de grande vigor intelectual, dono de um estilo que associa na sua escrita 
clareza argumentativa profundidade e beleza retórica. De acordo com a análise nevrálgica de 
Bauman, os valores que a nossa cultura ocidental até então estabelecera como os mais nobres 
e elevados cada vez mais diluem-se como a água que se escorre das nossas mãos, sem que 
sejamos capazes de detê-la. A vida líquida é uma vida precária, vivida em condições de 
incerteza constante. Bauman constata que a vida na sociedade "líquido-moderna" é uma 
 2 
versão perniciosa da dança das cadeiras. O prêmio nessa competição é a garantia temporária 
de ser excluído das fileiras dos destruídos e evitar ser jogado no lixo [Vida Líquida, p. 10]. 
Esse processo simbólico de liquefação dos valores mais 
elevados da condição humana manifesta- se em diversas 
perspectivas de nossa vida em sociedade, tendo como 
característica comum a incapacidade de nos relacionarmos 
com a pessoa do "outro" de maneira plena, 
compreendendo assim a sua subjetividade e singularidade. 
Tendemos sempre a valorar a figura do "outro" tal como 
ela se apresenta diante de nós e não nela mesma, 
decorrendo daí os preconceitos, as diversas expressões 
de intolerâncias, em suma, a incompreensão da 
subjetividade do "outro", que, infelizmente, 
progressivamente perde a sua própria natureza humana, 
singular, única, para se tornar uma mera coisa com a qual 
nos relacionamos de maneira fria, egoísta e superficial. 
Um dos sintomas mais evidentes da "sociedade líquida" 
em que vivemos é a intolerância da massa social diante de 
tudo aquilo que de alguma maneira se considera como 
desvio de conduta ou que destoa dos padrões vigentes. 
Todo tipo de comportamento ou modo de ser que 
supostamente não se coaduna com nossos princípios 
particulares torna-se digno de nosso mais terrível 
desprezo, pois no fundo queremos ver estampado no rosto 
do "outro" um pouco daquilo que nós mesmos somos. 
Tudo aquilo que se expressa como "diferente" diante de nossos olhos é imputado 
enfaticamente como "extravagante", merecendo assim a nossa reprovação imediata e o convite 
ostensivo a adequar-se aos nossos conservadores parâmetros axiológicos. Caso a resposta do 
"outro" diante de nossa exortação seja negativa, nos considerados no pleno direito de 
desprezar a expressão da diferença. Esta é a lógica excludente da neurótica sociedade pós-
moderna, despreparada para interagir com a diversidade de perspectivas, pois para o indivíduo 
acomodado nos seus valores conservadores, é muito mais fácil tentar modificar o outro do que 
a si mesmo. Sempre a figura do "outro" é a culpada pela minha insegurança e derrota. É 
através desse tipo de ponderação que surge o espírito de tensão diante das ameaças 
terroristas, pois os governantes, interessados na manutenção do domínio político sobre a 
massa social, elegem como figura inimiga o outro, o intruso do país, tal como vemos 
atualmente na tendência absurda de considerar todo muçulmano como um terrorista em 
potencial. Os medos nos estimulam a assumir uma ação defensiva. Quando isso ocorre, a 
ação defensiva confere proximidade e tangibilidade ao medo, segundo a análise de Bauman 
(Tempos Líquidos, p. 15). 
A liquefação dos valores da era pós-moderna manifesta como seu problema por excelência o 
projeto de suprimir a consciência de alteridade, a capacidade de compreendermos o outro na 
sua própria pluralidade de significados e vivências. Suprimindo a alteridade, cada vez mais 
empobrecemos as nossas relações interpessoais, pois reduzimos nossas experiências 
existenciais apenas àquilo que julgamos conveniente segundo nossos escusos critérios de 
avaliação. Um agravante a ser inserido nessas considerações é que dissimulamos essa 
incapacidade de convivência com a diferença através da criação de preceitos "politicamente 
corretos", pois muitas vezes demonstrarmos publicamente adequação irrestrita a esses 
princípios de respeitabilidade social, mas intimamente permanecemos racistas, machistas e 
intolerantes diante do "outro", ou ainda buscamos perseverar no nobre propósito de aceitar as 
diferenças, mas no primeiro desagravo que sofremos da parte do "outro", lançamos-lhes as 
 
"Tolerar é injurioso", dizia escritor, 
cientista e filósofo Johann von Goethe 
durante o Iluminismo, época na qual o 
pensamento da tolerância produziu uma 
espécie de "religião da razão". No 
século XIX, Goethe alerta para o fato de 
que a tolerância seria apenas uma 
atitude transitória que deve levar ao 
reconhecimento do outro 
 3 
nossas violentas invectivas. Desenvolvemos o crônico medo de sermos deixados para trás, de 
sermos excluídos (Medo Líquido, p. 29). Tememos assim a proximidade do outro, pois este, na 
visão distorcida que dele fazemos, traz sempre consigo uma sombra ameaçadora, capaz de 
desestabilizar o frágil suporte de nossa organização familiar, de nossa atividade profissional e 
de nossa sociedade como um todo. Sendo o outro proclamado como o verdadeiro culpado por 
todo infortúnio da vida corriqueira, tudo aquilo que é feito para minar a sua dita inf luência 
maléfica sobre nós se torna válido. O agravante de tal situação é que muitas vezes colocamos 
o outro em situações vexatórias ou em condições vitais degradantes, e ainda por cima 
esperamos dele respostas positivas. 
Desenvolvemos o crônico medo de sermos deixados para trás, 
de sermos excluídos. Tememos assim a proximidade do 
outro 
Nesse mundo marcado pelo alto índice de violência e pela necessidade de 
aceleração das nossas atividades cotidianas, seja na profissão ou nos 
estudos, optamos por viver encerrados e supostamente protegidos por 
muros e grades pretensamente invioláveis. Da mesma maneira, queremos 
distância da diferença, pois consideramos que somente o igual é bom, belo e 
útil para nós. Podemos constatar que a própria estética das grandes 
metrópoles modificou- se de forma grotesca nas últimas décadas. Os 
casarões antigos até podiam ser envolvidos por grades, mas estas eram 
constituídas de tal forma que permitia ao observador externo contemplar a 
beleza do imóvel, tratando-se muito mais de uma delimitação territorial do espaço ocupado. 
Atualmente, ocorreu uma mudança radical no modo como são elaboradas as estruturas 
espaciais das casas e prédios, evidenciando uma busca insana por segurança. 
A necessidade maisprofunda do ser humano é a de superar seu 
estado de separação em relação ao outro, deixando assim a prisão de sua 
solidão 
Ora, como a busca por segurança pode ser algo insano? De fato, parece uma idéia paradoxal, 
mas é tal comportamento que impera na nossa sociedade pós-moderna. De tanto 
vislumbrarmos a criação de mecanismos infalíveis de defesa perante o outro, o desconhecido, 
acabamos por desenvolver afetos reativos, medos, ou seja, a própria insegurança pessoal 
diante do mundo que nos circunda. O mal pode estar oculto em qualquer lugar, não se pode 
confiar em ninguém. Conforme salienta Bauman, grande parte do capital comercial pode ser e 
é acumulado a partir da insegurança e do medo (Tempos Líquidos, p. 18). 
 
Nos sentimos seguros apenas quando somos 
 4 
Uma nova estética da segurança modela todos os 
tipos de construção e impõe uma nova lógica de 
vigilância e distância. Se uma casa ou um prédio 
público não é ornado com grades nem possui 
câmeras de monitoramento, eles não nos inspiram 
a menor confiança. Somente nos sentimos seguros 
se somos vigiados a cada instante e se um grande 
muro de concreto nos isola da realidade externa. Permanece sempre uma atmosfera de 
insegurança no ar, pois, apesar de todos os recursos técnicos para nos proteger que 
possuímos, fica ainda essa tensão diante das ameaças externas. Talvez mesmo que 
permanecêssemos numa redoma hermeticamente fechada, a dúvida diante do desconhecido 
ainda nos afetaria. Como é possível vivermos assim? 
As práticas amorosas também ref letem essa tendência de esvaziamento da interatividade 
humana, pois a nova ordem é apenas usufruir aquilo que o outro nos oferece, para que 
possamos em seguida descartá-lo sem qualquer peso na consciência. O complexo de Don 
Juan vigente na cultura mega-hedonista em que vivemos, longe de significar uma plena 
afirmação da condição amorosa e da própria sexualidade de uma pessoa, na verdade 
manifesta a sua pobreza existencial e a sua incapacidade de satisfazerse plenamente através 
da sua relação sentimental com o outro. Podemos dizer que a relação amorosa genuína 
desvela o espírito de alteridade entre duas pessoas, que se compreendem e se valorizam 
enquanto expressões subjetivas singulares. A necessidade mais profunda do ser humano é a 
de superar seu estado de separação em relação ao outro, deixando assim a prisão de sua 
solidão. Erich Fromm, que exerceu notável inf luência sobre Bauman, diz que "se eu amo o 
outro, sinto-me um só com ele, mas com ele como ele é, e não na medida em que preciso dele 
como objeto para meu uso" [A arte de Amar, p, 35]. 
Já as práticas líquidas do "amor" representam uma transposição da lógica consumista para o 
âmbito das relações humanas, pois o propósito maior é obter o máximo possível de contatos 
sexuais, em detrimento da qualidade e da profundidade das vivências. Nesse processo de 
degradação da experiência amorosa, o mais importante é aumentar cada vez mais o catálogo 
de nomes das "conquistas", tudo em nome da soma de prazeres sensoriais, que, todavia, 
nunca satisfazem os desejos do fragmentado homem da pós-modernidade. Um desejo, sendo 
realizado, não gera um estado de satisfação duradouro na afetividade do indivíduo, levando-o 
então a correr atrás de novas conquistas, que servem de estímulos fortes para a manutenção 
de sua frágil sanidade psíquica. Esse processo de busca desenfreada por novas conquistas 
ocorre muitas vezes por uma necessidade narcisista do indivíduo adquirir reconhecimento 
diante dos seus "amigos" e de sua própria sociedade, caracterizando assim a falsa imagem de 
que o homem pretensamente bem sucedido sexualmente é feliz. 
O AMOR PLATÔNICO 
Os gregos antigos dizem que o ser humano experimenta, 
basicamente, três formas de amor: Eros, que está centrado 
na dependência dos parceiros; Filos , que se baseia na 
segurança; Ágape, o amor incondicional. O amor é temática 
comum dentre os filósofos gregos. Para Platão, o amor era 
o desejo de algo que não se possui. Contudo, o termo amor 
platônico, que designa um amor ideal, ou algo impossível 
de realizar, não espelha uma interpretação da Filosofia de 
Platão, que trata de uma realidade essencial. 
vigiados a cada instante e se um grande muro de 
concreto nos isola da realidade externa. 
Permanece sempre uma atmosfera de 
insegurança no ar, pois, apesar de todos os 
recursos técnicos para nos proteger que 
possuímos, fica ainda essa tensão diante das 
ameaças externas 
 5 
Do momento em que o bem-estar genuíno proporcionado pelo amor, para ser alcançado, 
requer essa interação sincera entre duas partes distintas, a tendência egoísta de utilizar-se o 
outro como meio de obtenção de prazer conduz a um processo de reificação da condição 
humana, diluída na sua própria evasão axiológica. Isso não significa uma apologia da 
existência de um amor eterno, mas sim a necessidade de que o sujeito contemporâneo possa 
participar de um relacionamento movido pelo propósito de, mediante a capacidade de 
proporcionar bons afetos ao seu parceiro amoroso, recolher a partir daí a sua felicidade. O tipo 
egoísta é incapaz de amar o outro, mas tampouco é capaz de amar a si mesmo. O que o 
egoísta supostamente venera em si mesmo é a máscara social que ele utiliza como 
instrumento de fuga de si mesmo, de sua própria pobreza existencial. Para Bauman, "Nos 
compromissos duradouros, a líquida razão moderna enxerga a opressão; no engajamento 
Bauman define as "práticas amorosas" virtuais e os relacionamentos 
afetivos marcados pela efemeridade como 
"relacionamento de bolso" 
Talvez o fato mais curioso da condição amorosa da atualidade 
é que, apesar de toda liberdade sexual que conquistamos, tal 
fato não favoreceu de modo algum o enriquecimento das 
nossas relações amorosas; pelo contrário, o indivíduo 
contemporâneo em nenhum momento demonstra 
superioridade nas disposições amorosas do que a 
humanidade medieval ou antiga. A magia romântica do amor 
dissolveu- se na velocidade da vida dinâmica em que vivemos 
na vertiginosa era da alta tecnologia. Por temermos a 
proximidade com o outro, preferimos então abrir mão das 
relações amorosas concretas para adentramos na dimensão 
das relações virtuais. Conforme os dizeres de Bauman, "é 
preciso diluir as relações para que possamos consumilas" 
(Amor Líquido, p. 10). 
A grande vantagem do amor mediatizado pela tela de 
computador é que assim evitamos a intimidade invejável com 
a presença do parceiro. Se porventura essa relação torna-se 
enfadonha, basta apertar algum botão e excluir para sempre o 
contato dessa pessoa da lista. O mundo virtual, que deveria 
proporcionar a aproximação entre os indivíduos, acaba então 
motivando ainda mais a ruptura interpessoal, com o agravante 
de que o amor virtual se trata de uma ilusão afetiva, ainda que supostamente prazerosa para 
aquele que dela se utiliza. Os relacionamentos virtuais são assépticos e descartáveis, e não 
exigem o compromisso efetivo de nenhuma das partes pretensamente envolvidas. Bauman 
define tanto as "práticas amorosas" virtuais como os relacionamentos afetivos marcados pelo 
gosto pela efemeridade pelo termo "relacionamento de bolso", pois podemos dispor deles 
quando necessário e depois tornar a guardá-los (Amor Líquido, p. 10). 
TEMPOS LÍQUIDOS 
"A violenta destruição da vida e da propriedade inerente à guerra, o esforço e o alarme contínuos resultantes de um estado 
de perigo constante, vão compelir as nações mais vinculadas à liberdade a recorrerem, para seu repouso e segurança, a 
instituições cuja tendência é destruir seus direitos civis e políticos. Para serem mais seguras, elas acabam se dispondo a 
correr o risco de serem menos livres. Agora essa profecia estáse tornando realidade. Uma vez investido sobre o mundo 
humano, o medo adquire um ímpeto e uma lógica de desenvolvimento próprio e precisa de poucos cuidados e 
praticamente nenhum investimento adicional para crescer e se espalhar - irrefreavelmente. Nas palavras de David 
 
Para Erich Fromm (1900-1980) 
existem vários tipos de amor que 
podem ser classificados, como o 
amor romântico, o amor neurótico, 
o amor materno e paterno e o amor 
de Deus. Mas, segundo o 
psicanalista, a capacidade de amar 
só se adquire plenamente na 
madurez pessoal 
 6 
L.Altheide, o principal não é o medo do perigo, mas aquilo no qual esse medo pode se desdobrar, o que ele se torna. A 
vida social se altera quando as pessoas vivem atrás de muros, contratam seguranças, dirigem veículos blindados, portam 
porretes e revólveres, e freqüentam aulas de artes marciais. O problema é que essas atividades reafirmam e ajudam a 
produzir o senso de desordem que nossas ações buscam evitar. 
Os medos nos estimulam a assumir uma ação defensiva. Quando isso ocorre, a ação defensiva confere proximidade e 
tangibilidade ao medo. São nossas respostas que reclassificam as premonições sombrias como realidade diária, dando 
corpo à palavra. O medo agora se estabeleceu, saturando nossas rotinas cotidianas; praticamente não precisa de outros 
estímulos exteriores, já que as ações que estimula, dia após dia, fornecem toda a motivação e toda a energia de que ele 
necessita para se reproduzir. Entre os mecanismos que buscam aproximar- se do modelo de sonhos do moto-perpétuo, a 
auto-reprodução do emaranhado do medo e das ações inspiradas por esse sentimento está perto de reclamar uma posição 
de destaque. É como se os nossos medos tivessem ganhado a capacidade de se autoperpetuar e se autofortalecer; como 
se tivessem adquirido um ímpeto próprio - e pudessem continuar crescendo com base unicamente nos seus próprios 
recursos. [...] 
Tempos Líquidos, p.15, Zygmunt Bauman, da Jorge Zahar Editor 
Cumpre dizer que a própria mídia é uma grande incentivadora dessa tendência dissolvente 
dos valores elevados da cultura humana, pois continuamente ela despeja na massa social a 
idéia de que está na moda o ato de se "ficar" com várias pessoas sem que mantenha 
compromisso duradouro com ninguém, uma vez que assim, segundo os critérios dessa lógica 
"mega-hedonista", amplia-se o número de experiências afetivas. Troca-se de parceiro como se 
troca de roupa, e assim a lógica do descarte pessoal impera na liquidez humana de nossa 
contemporaneidade. 
Quando alguém diz que "fica" com várias pessoas, será que de 
fato essa pessoa "fica" com alguém? Aliás, será que podemos 
dizer que a pessoa imersa na liquefação da pós-modernidade é 
capaz de ficar consigo mesma, isto é, adquirir autoconsciência, 
interiorizar- se, compreender o seu próprio potencial criativo? A 
mídia, ao invés de motivar na coletividade social a busca efetiva 
por mais cultura, utiliza- se do potencial consumidor do indivíduo 
para continuar exercendo o seu poder controlador sobre as 
massas. Não é a toa que os grandes heróis da mídia 
caracterizam- se geralmente pela ausência de senso crítico, pois 
a eles cabe apenas representar o papel de chamariz de sedução 
do grande público, daí decorrendo a necessidade de se 
apresentarem como corpos fortes, aparentemente saudáveis. 
Os apontamentos de Bauman sobre a vertiginosa liquefação da 
condição humana nos servem de alerta para o rumo que 
escolhemos seguir nesse momento de grandes inovações 
científicas e tecnológicas. A exposição do declínio das relações 
humanas não significa, nessas condições, um olhar pessimista 
sobre a nossa cultura contemporânea, mas uma incitação por 
mudanças, a fim de que nossas vidas se enriqueçam efetivamente, não mediante aspectos 
quantitativos e materiais, mas pelo aprimoramento de nosso modo de se relacionar com o 
mundo externo e com a figura do outro. Certamente assim nos tornaremos pessoas 
consistentes, concretas, com algo de belo e criativo a transmitir para os nossos interlocutores. 
REFERÊNCIAS 
BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido - Sobre a Fragilidade dos laços humanos. Trad. de 
 
Segundo Bauman, os valores 
que a nossa cultura ocidental até 
então estabelecera como os 
mais nobres e elevados cada 
vez mais diluem-se como a água 
que escorre das nossas mãos, 
sem que sejamos capazes de 
detê-la 
 7 
Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. 
_________. Medo Líquido. Trad. de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008. 
_________. Tempos Líquidos. Trad. de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 
2007. 
________. Vida Líquida. Trad. de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. 
FROMM, Erich. A Arte de Amar. Trad. de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

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