Buscar

Newton Carneiro Affonso da Costa - Ensaio sobre os Fundamentos da Lógica(Ed.HUCITEC,1994)

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 271 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 271 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 271 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

A presente obra trata de temas da mais alta 
relevância e contém as idéias básicas de 
uma nova concepção da lógica, desenvolvi-
da pelo Autor. Ela interessará a filósofos 
lógicos, matemáticos e cientistas em gerai' 
bem como, pela clareza a estudantes ~ 
leigos. ' 
Newton C. A. da Costa 
-----~-------~-~--
A ciência realizou avanços espantosos em nossa 
época. Elo tem mudado nossa visão do mundo e, 
segundo tudo indica, ainda levará a mudanças mais 
radicais. O denominador comum das ciências espe-
ciais, como escreveu Quine, é a Lógica. Por conse-
guinte, paro se compreender bem o significado do 
conhecimento científico, torna-se necessário entender 
a ciência criada por Aristóteles. 
Durante muito tempo pensou-se que a Lógica fosse 
uma ciência acabada. Aristóteles o havia descoberto, 
e sua codificação afigurava-se definitiva e só poderia 
ser alterada em pontos de detalhe. Essa era, por 
exemplo, a opinião de Kant. Mas, no decurso dos 
últimos anos, a lógica evoluiu de tal forma, que 
ninguém mais pode sustentar opiniões semelhantes. 
Surgiram indagações revolucionárias como as de 
Gõdel e de Tarski, foram construídas novas lógicas 
(algumas, aliás, pelo autor deste livro) etc., e isso 
causou grandes transformações no campo da lógica 
e, em geral, de todo o sistema do conhecimento; a 
situação é análoga à provocada na Física pelo 
advento da relatividade e da teoria dos quanta. 
Logo, para o bom entendimento da Ciência e do 
conhecimento em geral, deve-se possuir uma idéia 
razoável da situação hodierno da lógica. Nesta obra, 
o autor trata precisamente de aclarar o significado 
desta disciplina, propiciando ao leitor todos os ele-
mentos indispensáveis para se poder formar uma 
visão nítida da lógica contemporânea. São aborda-
dos temas como o sentido das chamadas lógicas 
heterodoxas, as relações entre lógica Formal e Dialé-
tica, os princípios fundamentais da razão e as interco-
nexões entre lógica e realidade, tudo isso tendo por 
base uma nova concepção do ciência de Aristóteles, 
elaborado pelo autor, que é um dos lógicos mais 
destacados da atualidade. 
Por todos esses motivos, esta obra, que está sendo 
publicada também em francês pela Masson, não deve 
interessar apenas aos especialistas, mas também a 
todos os que se preocupam com questões que dizem 
respeito à Ciência e à Filosofia. Além disso, elo pode 
ser empregado como base para cursos avançados 
sobre Filosofia da Lógica ou da M atemática, e como 
leitura complementar em cursos elementares de Lógi-
ca e de Fundamentos da Matemática. 
O autor é professor titular do Departamento de 
Filosofia da Faculdade de Filosofia, letras e Ciências 
Humanos do Universidade de São Paulo. O bteve os 
graus de Engenheiro Civil e de Bacharel e licenciado 
· · em Matemática pelo Universidade Federal do Paraná, 
assim como os títu los de Doutor em Matemático, 
Docente livre e Catedrático de Análise Matemático e 
Análise Superior. Foi professor titular do Instituto de 
Matemático e Estatístico do Universidade de São 
Paulo e do Departamento de Filosofia do Universida-
de Estadual de Campinas. Ensinou ou fez conferên· 
cios nos mais importantes universidades do América 
latino, A mérica do Norte, Europa e Austrolósio. Foi 
orientado, no pós-graduação, pelos professores E. 
Foroh, do Universidade de São Paulo, e M . Guillou· 
me, do Universidade de Clemont-Ferrond, França. 
Dedico-se especialmente à l ógico e à Filosofia do 
Ciência. 
Possui numerosos artigos de pesquiso publicados 
em revistos especializados, particularmente dos Esta· 
dos Unidos e do Europa, e é autor de cinco livros e co-
editor de três volumes de atos de congressos publico· 
dos pelo North-Hollond e pelo Mareei Dekker. Foi o 
criador, junto com o polonês S. Joskowski, do lógico 
Poroconsistente. 
Contribuiu muito poro o desenvolvimento do lógi-
co no América latino, liderando um grupo de lógicos 
brasileiros que já possui projeção internacional. 
Recentemente foi eleito Membro Titular do Instituto 
Internacional de Filosofia de Pari s, sendo o primeiro 
brasileiro o receber esta distinção. 
Em 1993 foi agraciado com o Prêmio Moinho 
Sontisto, e em 1994 recebeu o Prêmio Jabuti de 
Ciências Exatos pelo publicação de seu livro Lógico 
Indutivo e Probabilidade. 
ENSAIO SOBRE 
OS FUNDAMENTOS DA LóGICA 
Do mesmo nutor, na Editora Hucitec 
Introdução aos Fundamentos da Matemática 
NEWTON C. A. DA COSTA 
Ensaio sobre 
os fundamentos 
da Lógica 
EDITORA HUCITEC 
São Paulo, 1994 
(c) 1979 de NewtQn c. A. da Costa. Direitos de publicação reserva-
dos peln Editora de Humanismo, Ciência e Tecnologia EUCITEC 
Ltda., Alameda Jaú, 404, 0142!l São Paulo, Brasil. Tel. (011) 287-1825. 
capa de Claus P. Bergner. 
C874e 
80-0463 
CIP - Brasil. Catalogação na Fonte 
Câmara Brasileira do Livro, SP 
Costa, Newton Carneiro Afonso da, 1929 -
Ensaio sobre os fundamentos da lógica 1 Newton 
C. A. da Costa. - São Paulo : HUClTEC : Ed. da 
Universidade de · São Paulo, 1980. 
1. Lógica I. Título. 
CDD-160 
índices para catálogo sistemático: 
1. Lógica : Filosofia 160 
Se Hegel, uma vez escrita sua lógica, a houvesse definido, no 
prefácio, como simples experiência de pensamento e houvesse, ainda, 
confessado ter eludído os problemas em muitos pontos, seria sem 
dúvida o maior pensador de todos os tempos. Mas, como é, afigu-
ra-se simplesmente cômico. 
K.lERKEGAARD 
'• 
Prefácio 
Este livro constitui, como o titulo indica muito bem, um ensaio 
sobre os fundamentos da lógica: nele tratamos, de modo sistemático, 
de alguns temas de fiiosofia da lógica. Sua finalidade é dupla: em 
primeiro lugar, apresentar as idéias do autor referentes a importantes 
questões pertencentes à filosofia da lógica e, em geral, à filosofia das 
ci~ncias formais, isto é, da lógica e da matemática. Em segundo, 
destina-se a servir de base ou de leitura complementar em cursos 
e seminários sobre filosofia da l~gica e das disciplinas formais. Com 
esta segunda finalidade, partes da obra foram por nós empregadas em 
várias ocasiões, com b:ito, não apenas em instituições brasileiras, 
como, também, em estrangeiras. 
Embora· uma concepção t4nica e coerente esteja por trás de todo 
o livro, pode haver incongruências entre algumas de suas porções. 
!sto se explica, pois o mesmo foi escrito no decurso de vários anos, 
na medida em que necessitávamos de notas para nossos cursos e se-
minários. Se a obra merecer edições futuras, tentaremos eliminar 
todas as possíveis incongru~ncias, não obstante isso talvez contribua 
para suprimir, em parte, a espontaneidade da· exposição. 
Este ensaio originou-se em conversas mantidas com nosso amigo 
Professor F. Miró Quesada. Posteriormente, tivemos oportunidade 
de abordar a matéria aqui estudada em vários cursos, seminários e 
conferencias. Gostaríamos de lembrar, dentre eles, o Seminário que 
dirigimos na Universidade de Brasília, em 1974, a convite do Profes-
sor Fausto Alvim, os cursos e seminários ministrados no Centro de 
Lógica, Epistemologia e História da Ci€ncia, da Universidade Esta-
dual de Campinas, nos t4ltimos anos, a ·convite do Professor O. Por-
chat Pereira, as conferencias proferidas na Universidade de Torun, 
em 1976, por indicação do Professor J. Kotas, e o Seminário 
de Lógica que ministramos na Universidade Nacional da Austrá-
lia em 1977. A presente obra ~ o resultado de todo esse 
esforço. 
IX 
Temos consciência de que diversas passagens deste livro deve-
riam ser melhor buriladas e esclarecidas. Para tanto, porém, con-
tamos com a crítica dos interessados, de modo que achamos mais 
conveniente publicá-lo como está. 
Muitos de nossos pontos de vista tomaram forma em decorrên-
cia do contato mantido com colegas e amigos, na sala de aula e fora 
dela, dentre os quais mencionaremos M. Guillaume, L. Henkin,F. 
Miró Quesada, A. R. Raggio, R. Routley e R . G. Wolf; mas nossa 
ma!or dívida é para com R. Chuaqui, pois foi ele quem mais nos in-
fluenciou. No ·entanto, seguramente nenhuma das pessoas citadas 
endossaria todas as teses defendidas neste livro. 
São Paulo, julho de 1978. 
0 AUTOR 
X 
r----
Sumário 
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 
Capitulo I : Razão, lógica e linguagem 
1. Razão e lógica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 
2. Lógica e matemática . .. ...... ...... .. . ......... ·. . . . . . . . . 19 
S. Formalização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 
4 . Lógica e linguagem .. .... . . . : . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 
5 . Aspectos pragmáticos da lógica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 
6 . Razão e linguagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 
7 . Os prlnciplos pragmáticos da razão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 
8. O principio const rutivo da razão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 
9 . As concepções dogmática e dialética da razão . . . . . . . . . . . 58 
Capítulo II: Lógicas não dementares e lógicas heterodoxas 
1. A noção de conseqüência lógica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65 
2. O problema da grande lógica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68 
3. O sistema ZF . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 
4 . As leis fundamentais da razão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 
5 . Lógica, razão e experiência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113 
6 . A origem das leis lógicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120 
7 . Lógicas heterodoxa s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132 
8 . Fundamentos lógicos da mecânica quântica . . . . . . . . . . . . . 165 
9 . Verdade e falsidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 170 
10 . Teoremas de lncompletude . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 180 
11. Platonismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 186 
Capitulo m: A tese de Hegel 
1 . Paradoxos, antinomias e aportas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 194 
2 . Resolução das aportas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 198 
3 . O significado da contradição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 204 
4 . Lógica e realidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . 212 
5 . A relatividade da lógica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 219 
XI 
Capitulo IV: Intuição e discurso 
1. O problema da Intuição em lógica e em matemática 223 
2. O critério de verdade em ciências formais . . . . . . . . . . . . . . 226 
3. A hlstorlcldade da razão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 231 
Apêndice I: A lógica paraconsistente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 237 
Apêndice II: Análise semilntica de c1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 251 
xu 
Introdução 
Neste trabalho tratamos da natureza da lógica. Interessa-nos, 
sobretudo, investigar as relações existentes entre a razão e a lógica, 
bem como o modo pelo qual a atividade racional, que a lógica re-
flete em grande pru te, acha-se ligada à experiência. 
O termo "lógica" é ambíguo, já que se utiliza correntemente 
em diversas acepções; porém, pela própria maneira e equacionar-
mos o problema que nos interessa, verifica-se que por 16gica quere-
mos significar a lógica formal (pura ou teórica) . Além disso, dadas 
as íntimas conexões que existem entte a lógica e a matemática, esta 
última terá que ser analisada no que se segue; em particular, será 
necessário estabelecer, de modo explícito, os vínculos existentes entre 
essas disciplinas. 
Como é sabido, a lógica evoluiu muito nos últimos cem anos. 
Assim sendo, não se fará aqui uma análise filosófica da lógica tradi-
cional, que é constituída, basicamente, pela codificação que Aristóteles 
lhe conferiu, mas, sim, da lógica matemática ou simbólica, a qual 
denominaremos apenas 16gica. Na realidade, a lógica, no seu es-
tado presente de evolução, é, por motivos óbvios, simb6Uca e ma-
temática, e não levar em conta tal fato seria, pura e simplesmente, 
p10ceder de maneira anacrônica. Logo, suporemos que o leitor 
tenha bom conhecimento da lógica no seu estado atual. Todavia, 
para amenizar algumas das dificuldades que os não familiarizados 
com a Jógica simbólica possam encontrar, certos desenvolvimentos 
técnicos mais elaborados e um tanto especializados, de que teremos 
necessidade para fundamentar nossa argumentação, serão enfeixa-
dos em apêndices. A leitura desses apêndices, até certo ponto, não 
é imprescindível para uma primeira compreensão de nossa exposição. 
Uma das dificuldades que o autor de uma obra como a presente 
encontra é a seguinte: a terminologia comum, embora mais ou menos 
clara em suas significações ordinárias, toma-se insuficiente quando 
se procura definir uma posição filosófica própria ou abordar, de um 
1 
novo ponto de vista, os aspectos básicos dos fundamentos do conheci-
mento. Mais ainda, uma terminologia completamente precisa e ade-
quaua, em filosofia, é um ideal inatingível. Os vários conceitos de 
que se carece, contrru.iamente ao que muitos acreditam, não são 
estáticos e hirtos, mas possuem um caráter dinâmico e dialético, que 
os modifica à medida que a exposição avança e as fronteiras uo 
conhecimento se alargam. Os atritos entre os vários sentidos de 
um termo, as discussões e as distinções feitas etc. vão transfonnando 
paulatinamente os significados dos vocábulos técnicos que, além 
disso, usualmente são utilizados fora dos contextos em que se origina-
ram. Daí ser necessário iniciar nossa indagação com uma terminolo-
gia aproximada, que irá sendo melhorada, mas que nunca atingirá 
perfeição total. Uma das características da razão é a de poder exercer 
sua atividade por meio de conceitos até certo ponto vagos e inexatos, 
não exigindo precisão absoluta. 
A palavra "razão" possui divet sos significados. Entre outros, 
os seguintes: 1. faculdade do pensamento discursivo, por contraposi-
ção ao intuitivo; 2. faculdade de bem julgar, isto é, de distinguir 
o verdadeiro do falso e o bem do mal; 3. faculdade do conheci-
mento natural, por oposição à fé e à revelação; 4. conjunto dos 
princípios gerais, reguladores do pensamento discursivo. A seguir, 
entretanto, p10curaremos determinar a acepção em que se empregará 
essa palavra. 
A razão é a faculdade por intermédio da qual concebemos, 
julgamos e raciocinamos, isto é, refletimos, pensamos. Ela se carac-
teriza por duas funções: em primeiro lugar, é a faculdade que forma 
conceitos e, em particular, constitui as categorias, ou seja, os concei-
tos-chave, do pensamento cognitivo em geral; sob este ponto de vista, 
sua função é a de coordenar os dados da experiência e fornecer os 
moldes subjacentes a todo pensamento objetivo. Em segundo, ela 
é a faculdade de combinar conceitos, julgando e inferindo; sob este 
aspecto, sua função é tipicamente ativa. 
Embora a distinção entre as duas funções anteriores seja algo 
artificial, possui, não obstante, certo valor. A primeira função da 
razão denominaremos de função constitutiva e a segunda, de função 
operativa. Por conseguinte, podemos falar, ainda que de modo im-
preciso, da razão constitutiva e da razão operativa. 
O conhecimento positivo, em sentido amplo, é conhecimento 
conceitual. Ele seefetua mediante conceitos basilares e gerais, como 
os de objeto, de relação, de espaço, de tempo e de causa, 
que a razão elabora com apo!o na experiência, se bem que a ext:J.a-
polando. 
As duas fontes do conhecimento positivo são a experiência e a 
2 
razão. Pela primeira, entramos em contacto com os mundos in-
terior (sensibilidade interna) e exterior (sensibilidade externa); ela 
é, pois, o ponto de partida das ciências da natureza e do homem. 
Todavia, convém frisar, mesmo o conhecimento empírico não se 
reduz aos dados puros e simples da experüência. De fato, a razão 
fornece as categorias pelas quais sistematizamos nossas sensações e 
tomamos intelegível a experiência. Assim, por exemplo, percebe-
mos que determinada sensação precede outra e associamos várias 
sensações como sendo causada~ pelo mesmo objeto. A razão cons-
titutiva, em síntese, ordena os dados empíricos. Por intermédio 
especialmente da razão operativa, estendemos os marcos da experiên-
cia, c edificamos, por exemplo, as ciências lógico-matemáticas. 
Dado o caráter conceitual do conhecimento positivo e, em par-
ticular, do científico, deduz-se imediatamente a importância da lingua-
gem para a atividade racional: expressa-se, fixa-se e comunica-se o 
conhecimento pelo emprego da Jinguagem. As categorias e as trans-
formações lingüísticas refletem, entre limites, os processos constitutivo 
e operativo da razão. 
As categorias e os princípios racionais, que nos peunitem ordenar 
a experiência, parecem ter natureza a priori. Porém, isto evidente-
mente não implica serem tais categorias e princípios absolutamente 
independentes da experiência, nem que sejam fixos e imutáveis. 
Ao contrário, pensamos (e procuraremos justificar nossa crença) que 
a razão se vai constituindo no decurso de sua própria história, 
devido principalmente a contingências miundas do progresso científico. 
Então, sua aparente natureza a priori mostra-se relativa: ela é a priori 
apenas em conexão com um dado estágio do conhecimento, podendo 
se transformar, não possuindo estrutura absoluta e invat iável. Isto 
se opõe, por exemplo, ao kantismo ortodoxo, de acordo com o qual 
a razão é, essencialmente, imutável. 
A razão que consideraremos é a razão construtora da ciência 
ocidental e cuja evolução histórica se pode seguir, com detalhes, 
mesmo em épocas anteriores à da civilização gt.ega, no meio da 
qual a lógica foi erigida como corpo de doutrina autônomo. Há dois 
problemas importantes, no entanto, que se acham fora do escopo de 
nossa indagação e que convém mencionar: 1 . a questão de se saber 
se a razão, como a concebemos atualmente, representa o resultado 
de um processo de evolução contínua ou, mesmo, descontínua, a 
partir de uma mentalidade primitiva, da qual ela não se distingue 
de modo radical {Pradines); ou se, ao contrário, a mentalidade 
primitiva, sendo pré-lógica e governada pela lei da participação, é 
irredutível aos princípios e às categorias racionais (Uvy-Bruhl); 2. o 
problema de se saber se há, na verdade, outros tipos de razão, diferen-
3 
tes da nossa; por exemplo, a suposta atividade racional de algumas 
correntes do pensamento oriental, que reiteradas vezes sao citadas 
como exibindo padrões de racionalidade intrinsicamente diversos do 
nosso. 
Há ainda outras restrições que imporemos em nosso estudo da 
razão: não trataremos da atividade racional, mas dos produtos dessa 
atividade, quando metodicamente conduzida, com a finalidade pre-
cípua de se obter conhecimento ou se exercer a reflexão crítica. 
Tais produtos são os contextos racionais, em particular, os contextos 
científicos. Como a atividade- racional se expressa por meio da 
linguagem, os contextos racionais não passam de contextos lingüísti-
cos. A lógica formal reflete, na realidade, a estrutura dedutiva destes 
últimos, e só indiretamente se pode afirmar que retrate o modo como 
pensamos. Com efeito, a maneira pela qual efetivamente pensamos 
é deveras complexa: as inferências que fazemos, por exemplo, de-
pendem de analogias inconscientes, de nossa experiência em sentido 
amplo, de tendências estéticas, de inspuações momentâneas etc., 
sendo, pois, difícil analisar e codificar o processo real do pensa-
mento. Porém, os resultados do exercício da razão, contidos nos 
contextos racionais, constituem-se em geral de acordo com normas 
bem mais rígidas e fáceis de se analisar. Frisemos, no entanto, 
que essas normas acham-se condicionadas historicamente: a história 
da física, v.g., deixa claro que as categolias racionais da física aris-
totélica, da newtoniana, e da hodierna ·variaram profundamente; 
termos técnicos como "tempo", "espaço", "causa" e "força" tiveram 
seus significados modificados de modo profundo; algo semelhante se 
passou com a geometria, sendo que os padrões lógicos da época de 
Euclides diferem dos da geometria atual. 
Já dissemos que o conhecimento positivo é conhecimento con-
ceitual. Mas os conceitos somente se tornam mais ou menos fixos 
·e estáveis quando são imersos nos contextos racionais, através de 
termos convenientes cujas conotações eles constituiem. Fo1a de tais 
contextos, os conceitos se encontram em contínua transformação, 
dependendo, tanto ao nível subjetivo como ao nível social, de enú-
meras circunstâncias, tais como associações de idéias momentâneas 
e o estado da cultura que se considera. A fixidez dos conceitos 
nos contextos racionais advém, acima de tudo, de fatores sociais, 
que impõem certa constância na estrutura dos contextos, tomando-os 
objetivos. Porém, a priori, nada nos garante que essa objetividade 
seja absoluta. 
Como focalizaremos nossa atenção na lógica fonnal, devemos 
nos ocupar dos aspectos dedutivos da razão operativa. Todavia, 
isto não se pode fazer com proveito sem se tratar, também, da 
4 
razão constitutiva. A lém disso, para a boa compreensão do tema, 
torna-se imprescindível que se trate do mecanismo da inferência in-
dutiva, mesmo por alto. 
Os princípios lógicos fundamentais são postulados da razão 
constitutiva. A razão ope1 ativa, quer funcione dedutivamente, quer 
indutivamente, acha-se regulada por tais princípios. Na investigação 
das relações entre a lógica formal e a atividade dedutiva da razão, 
aparece envolvida necessariamente a razão constitutiva, que é, sob 
certos aspectos, mais básica do que a operativa. 
Como a razão se exterioriza pelos contextos racionais, sendo 
através deles julgada, ela por assim dize1 adquire um certo status 
intersubjetivo. Deixa de ser patrimônio das pessoas, para se con-
verter em elemento constitutivo da cultura de determinada época, 
passando a possuir conotações sociais e culturais, decorrentes de sua 
própria história. Daí se poder falar da razão heUnica ou da ra<..ão 
inerente à física newtoniana. Isto não implica, por si só, qualquer 
concepção metafísica referente à razão, mas se resume apenas na 
constatação de um fato. 
Feita referência aos dois ptoblemas acima, à página 3, que não 
serão aqui estudados, passemos a formular os que nos intet essam 
basicamente, que são os segwntes: l . A questão da natureza das 
atividades racional e lógica. Por exemplo, elas coincidem, pelo 
menos parcialmente? Há um núcleo de princípios racionais sem o 
qual não pode haver atividade racional? Em caso afirmativo, tais 
princípios coincidem com as leis lógicas? 2. A questão das cone-
xões existentes entre a razão e a realidade. Em especial, prob!ema 
relevante é o de saber se os pnncípios lógicos decorrem da própria 
natureza da razão ou se resultam de uma atividade e interação 
recíprocas entre o espírito e o contorno no qual se acha imerso. 
3 . A questão das espécies do conhecimento racional: é ele apenas 
discursivo ou há intuiç.ão racional? 4 . Finalmente temos a questão 
do critério que nos assegura a verdade dos juízos lógico-ma-
temáticos, que em aparência dependem tão-somente da própriarazão. 
Relacionados os problemas dos quais vamos nos ocupar, convém 
deixar claro, desde o início, a maneira pela qual eles serão tratados 
nesta obra. Nossa atitude, frente a tais prob:emas, será positiva e 
crítica; noutras palavras, trataremos de enquadrar nossas perquú ições 
dentro das fronteiras da chamada filosofia científica (rigorosa ou 
positiva). Assim, para exemplificar, a lógica constituirá para nós 
um dado, que origina questões variegadas e impot taotes, cujas res-
postas deverão ser buscadas adotando-se uma atitude mental similar 
à que o cientista assume em suas pesquisas. Para esclarecer melhor 
5 
tudo isto, nó restante desta introdução conceituaremos filosofia 
científica Cl>. 
Na filosofia encontramos questões de natureza variada e, para 
contestá-las, os filósofos empregaram os métodos mais diversos. No 
entanto, em p1incípio, é possível classificar os problemas filosóficos 
em duas classes fundamentais: os de caráter científico e os de caráter 
especulativo. Naturalmente, esta distinção, à primeira vista, mostra-
-se talvez pouco nítida, mas, no decurso de nossa exposição, ela 
ficará paulatinamente clara. 
Procuraremos basear a distinção anterior não nas essências 
mesmas das questões científicas e especulativas, mas no método em-
pregado em resolvê-las, ou, pelo menos, no processo de estudá-las. 
Assim sendo, o mesmo problema pode ser forcalizado sob prismas 
diferentes, ora se constituindo em questão de índole científica, ora 
de índole especulativa. Isto não quer dizer, todavia, que não existam 
temas que não sejam tipicamente especulativos nem assuntos que se 
enquadrem apenas na classe dos tópicos científicos. 
O equacionamento de um problema filosófico é científico na 
medida em que se procedeu cientificamente ao equacioná-lo. Se isto 
for possível, falando por alto, a investigação correspondente faz 
parte da filosofia científica e os resultados assim alcançados têm 
caráter científico. Em caso contrário, trata-se de indagação es-
peculativa. Daí, a necessidade de caracterizar, da maneira mais 
precisa que pudermos, o que entendemos por método científico em 
filosofia. 
Evidentemente, uma definição exata e perfeita de método cien-
tífico em filosofia ou, o que dá no mesmo, de filosofia científica, 
não pode ser obtida. Tentaremos, tão-somente, delinear tal noção 
em suas feições mais gerais. 
A posição científica, em filosofia, aptesenta alguns traços mar-
cantes que patentearemos a seguir. Esses traços resumem-se nos 
seguintes pontos capitais : 1. Na formulação e na solução (mesmo 
aproximada) de problemas filosóficos de cunho científico, o pes-
quisador adota atitude de trabalho idêntica à do cientista, em senti-
_do estrito. Não há, realmente, no fundo, qualquer düerença entre 
a atividade do filósofo, ao fazer filosofia científica, e a do cientista, 
ao tratar de sua ciência, salvo no que diz respeito à generalidade 
do domínio estudado, o que há implicar, por seu turno, uma certa 
(ll No que se segue transcrevemos, com ampliações e modifica-
ções, nosso artigo COnceptualización de la fUosofía científica, Re-
vtsta de Filosotía de la Untversidad de Costa Rica, II, n.o 8 (1960), 
363- 366. 
6 
diversidade apenas de detalhe entre o resultado da perquisição ffios6-
fica e o da científica, em sentido estrito. Em particular, a verdade, 
em filosofia científica, como nas ciências especiais, é atingida em 
etapas sucessivas, sempre suscetível de reconsideração e nunca de-
finitiva e completa. 2. Todo conhecimento positivo, particular e 
e definido, na medida em que é possível, pertence a uma ciência 
especial. Os conhecimentos proporcionados pela filosofia científica, 
ou se referem à ciência pwpriamente dita, como objeto de estudo, ou 
se limitam à prática da análise critica. A análise, na verdade, cons-
tituiu efetivamente um método de traballio e o resultado de sua aplica-
ção consiste em esclarecimentos que nos fornece relativamente a 
determinados tópicos. A análise, praticada dentro da filosofia cien-
tífica, serve para aclarar certas situações complexas ou confusas e 
nada mais. 3 . No seu labor quotidiano, o filósofo-cientista deve 
adotar uma posição de independência completa no tocante às relações 
entre suas pesquisas e a práxis política, a religião, a filosofia especula-
tiva, ou outra forma qualquer das atividades humanas, com exceção 
da ciência. Pode parecer ridículo insistir em tal fato, mas o certo 
é que há filósofos que defendem concepções opostas. Por exemplo, 
há quem pense que a filosofia. deva servir de base para estudos 
teológicos ou religiosos, o que acarreta ser seu estudo moldado por 
essa crença. Tais concepções não se justificam no que tange à 
filosofia científica. No entanto, esta última acha-se intimamente liga-
da à ciência, e deve ser cultivada sempre se tendo em vista os pro-
gressos das diversas ciências especiais. A esse respeito, a ciência 
é a fonte inspiradora do ffiósofo<2>. 
Ao afirmarmos que o filósofo deve adotar, quando faz filosofia 
científica, uma atitude similar à do cientista, supomos que tal atitude 
seja mais ou menos patente. Sem dúvida, o fato básico com relação 
à atitude científica resume-se em que as investigações do cientista 
são objetivas<s>. Noutras palavras, o investigador, na ciência, aceita 
certos critérios, alguns implicitamente, que regulam a pesquisa e que 
servem para testar os resultados obtidos, confirmando-os ou invali-
dando-os. De modo mais exato, a atividade científica regula-se por 
meio de princípios e de convenções, implícitos ou explícitos, que a 
(2) Talvez ninguém fosse capaz de defender seriamente a tese 
de que a filosofia científica, tal como a definimos, tenha qualquer 
relação mais estreita com a religião, por exemplo. Porém, achamos 
que não existe inconveniente em sublinhar o ponto em apreço, dado 
que, às vezes, o filósofo gosta de divagar. 
(3) O termo "objetivo" acha-se empregado, evidentemente, em 
sentido restrtto e especifico. Não negamos, todavia, que possa ser 
usado, com proveito, em outras ac.epções. 
7 
moldam c lhe dão forma. Não vamos expor aqui todos esses cri-
térios, que podem variar de tempos em tempos com a evolução 
da ciência e da filosofia, mas convém lembrar alguns. Assim, v.g., 
a pesquisa científica se faz racionalmente, sem se apelar para quais-
quer outras fontes possíveis de conhecimento, a não ser a experiência 
(cientificamente considerada); não são admitidos, em particular, como 
fonte de saber científico, quaisquer formas de intuição meta-racional. 
Outro exemplo: su~se, comumente, que há alguma forma de ver-
dade que a ciência nos fornece e que o domínio dessa fo1 ma de 
verdade nos permite, por sua vez, dominar a própria natureza. 
Falando, agora, especificamente da filosofia científica, é pressuposto 
fundamenta l que a análise crítica constitui método efetivo de pes-
quisa e, também, de esclarecimento de situações complexas. 
Na filosofia científica, praticamos a reflexão analítica e crítica. 
Mas, uma vez a situação esclarecida, nada, em certo sentido, resta 
para a filosofia, pois todos os conhecimentos positivos e dete1 mina-
dos se incorporam à ciência ou à teoria da ciência; qualquer conheci-
mento científico pertence a uma ciência especial, ou refere-se à pró-
pria ciência e se enquadra na teoria da ciência. A filosofia científica, 
no entanto, tem conteúdo: as disciplinas científicas especiais englo-
bam tudo o que racional e positivamente podemos conhecer, em-
bora, por seu lado, se constituam em elemento de estudo e de 
indagação pru a a filosofia científica. Podemos mesmo dizer que, 
deixando a análise de lado, o objeto da filosofia científica é a teoria 
da ciência. 
A teoria da ciência desenvolve-se, dentro da filosofia científica, 
principalmente pelo emprego sistemático dos métodos da moderna 
teoria da linguagem, ou seja, numa palavra, da semiótica. Aqui alinguagem não é concebida ew moldes estreitos, mas de maneira 
ampla, abrangendo temas sintáticos, semânticos e pragmáticos. Mesmo 
muitos aspectos da ciência que aparentemente (ou quiçá realmente) 
pouca relação apresentam com as noções lingüísticas comuns, en-
quadram-se numa das dimensões da moderna te01 ia da linguagem, 
quando se conceitua a semiótica em sentido amplo. 
Resumindo, a filosofia científica apresenta duas dimensões: 1.0 ) 
dimensão construtiva ou sistemática, quando encarada como teoria 
da ciência; 2.0 ) dimensão não construtiva ou analítica, quando con-
siderada como conjunto de atividades analíticas, elucidativas e críti-
cas. A coordenação dos resultados obtidos pela aplicação sistemá-
tica da análise também pode ser admtida como fazendo parte desta 
dimensão, embora as verdades assim atingidas passem futuramente 
para o domínio das ciências especiais ou da teoria da ciência, 
quando forem dotadas de conteúdo positivo e não possuírem apenas 
8 
natureza negativa (por exemplo, quando a análise efetuadn evidencia 
que certa concepção carece de base ou que dado corpo de doutrina 
não tem conteúdo racional pleno) <4>. 
Isto posto, convém tratar das relações entre a filosofia científica 
e a filosofia especulativa. A discussão anterior pode nos induzir a 
acreditar, como acontece com alguns pensadmes, que a filosofia cien-
tífica por si só é suficiente para provar a falta de sentido da filoso-
fia especulativa e, mesmo, sua completa invalidade. Não endossa-
mos, todavia, essa tese. Com efeito, a filosofia científica somente 
trata de problemas originados pelas ciências especiais ou analisa 
questões de índole muito mais vasta, aclarando-as, e, às vezes, evi-
denciando que elas não constitue.m questões científicas ou suscetíveis 
de resolução em termos empírico-racionais. Não obstante, isto não 
basta para se negar inteiramente a possibilidade da especulação filo-
sófica. O máximo que se é levado a concluir é que semelhantes 
questões não são científicas e, por isso mesmo, enconttam-se fora 
do âmbito dos métodos puramente científicos. Para negar a filoso-
fia especulativa, a filosofia científica teria de se converter em espe-
culação não científica. 
Alguns exemplos de resultados positivos conseguidos pela 
filosofia científica ajudarão, sem dúvida, a compreendermos, melhor, 
o seu espírito. Os trabalhos de Tarski sobre o conceito de verdade, 
a teoria das descrições de Russell e as investigações histórico-críticas 
de Mach sobre os fundamento~ da mecânica de Newton são três 
denb.e as conquistas da moderna filosofia científica. Merecem men-
ção, também, as antigas, mas não antiquadas, inquirições de Poin-
caré e de Enriques sobre as noções de espaço e de tempo; embora 
estes autores divirjam em vários pontos (por exemplo, Poincaré é 
nominalista rio tocante ao espaço, doutrina à qual se opõe Enriques), 
isto evidencia que discrepâncias em filosofia científica não consti-
tuem embaraços para o seu avanço. Ao filósofo de tendência es-
peculativa, exemplos similares aos lembrados podem parecer pouco 
relevantes, especialmente quando comparados com os objetivos am-
biciosos da especulação. No entanto, um reparo assim à filosofia 
(4) A teoria da ciência, como parte da filosofia clentifica, não 
significa o mesmo que filosofia da ciência, segundo a concepção 
de. Inúmeros filósofos. De fato, a teoria da ciência trabalha ex-
clusivamente com conceitos científicos, constituindo o que se poderia 
chamar de metactência, enquanto que na fUosofla da ciência, em 
seu significado tradicional, convergem conceitos tanto cientificos 
como especulativos. Hoje em dia, entretanto, emprega-se a expres-
são "tllosofla da ciência" praticamente como sinônima de teoria da 
ciência. 
9 
científica dificilmente poderia ser levado a sério. NotarP-mos, uni-
camente, que se o seu escopo é mais limitado do que o da especula-
ção, esta última, todavia, é menos segura e menos objetiva do que 
ela (talvez fosse até correto asseverar que a pura especulação carece 
de qualquer objetividade, se utilizarmos a palavra "objetividade" em 
sentido delimitado e preciso). 
Em síntese, a conceituação proposta de filosofia científica pos-
sui caráter exclusivamente metodológico, dentro do campo filosófico. 
Mas defendemos a tese de que a separação dos dois tipos de inda-
gação é essencial para o progresso da filosofia, pois somente a divisão 
em apreço mostra-se capaz de evitar vários mal-entendidos entre 
cientistas e filósofos, além de ser vital metodologicamente falando. 
Tendo-se em conta, sempre, a diferenciação entre esses dois tipos de 
filosofia, muitos p1 oblemas aparentemente insolúveis tornam-se claros 
e a confusão que os originou desaparece. Além disso, a filosofia 
científica é independente da especulativa, na acepção de que pode 
ser desenvolvida sem se necessitar de apelos à filosofia especulativa, 
embora esta quiçá não seja totalmente independente da primeira. 
Na conceituação de filosofia científica proposta acham-se envol-
vidas algumas dificuldades, sobre as quais convém tecer considera-
ções complementares. 
Na filosofia tradicional, de tendência especulativa, os filósofos 
defendem em geral a tese de que procedem racionalmente em suas 
perquisições. No entanto, o tipo de racionalidade da especulação 
clássica dife1e do que atribuímos à filosofia científica. A diferença 
resume-se no seguinte: na filosofia científica, de conformidade com o 
que já se disse, usamos conceitos cientfficos. :B claro que não se 
trata apenas de conceitos científicos em sentido restrito, e, sim, 
de noções científicas em sentido amplo. Exemplifiquemos: o físico, 
em seu trabalho rotineiro, não emprega diretamente o conceito de 
teoria; porém, essa noção é por ele compreendida e, em várias cir-
cunstâncias, utilizada (algumas vezes implicitamente) . De fato, é 
comum o físico afirmar que vai testar uma teoria ou que dada teoria 
tem valor unicamente aproximado. Noutras palavras, o físico está 
comprometido não só com as idéias expressas pelas diversas lingua-
gens técnicas da física, mas também com idéias da metalioguagem 
dessa ciência. 
Já na especulação, toma-se essencial a introdução de conceitos 
destituídos de caráter científico. Os termos ''Espírito", na filosofia 
de Hegel, "alma", na acepção dos escolásticos, e "ímpeto vital", na 
filosofia de Bergson, possuem, evidentemente, conotações especuJa-
tivas. 
Mas qual é, no fundo, a distinção que há entre os conceitos 
10 
centíficos e os especulativos? Sem se apelar para concepções espe-
culativas, aparentemente a única resposta possível é a seguinte: tal 
distinção depende da história da ciência. Num determinado mo-
mento dessa história, há conceitos que são claramente tidos como 
científicos, há os que são, além de qualquer dúvida, especulativos e 
existem, também, os que se tem dificuldade em classificar, por falta 
de critérios plausíveis, o que acarreta a falta de unanimidade no to-
cante à sua natureza. 
A teoria de Poisson da eletricidade e do magnetismo supunha 
a existência de fluidos apropriados, explicando bem os fenômenos 
elétricos c magnéticos conhecidos na época. No entanto, hoje, re-
correr-se a tais fluídos, em ciência, da maneira um tanto ingênua 
como Poisson procedia, seria obsoleto: os conceitos básicos do sábio 
francês deixaram de ser científicos, caindo em desuso. Algo análo-
go se passou com a teoria do calórico, derrubada pelo americano 
Rumford. 
Vale a pena observar que um conceito, depois de passar por 
uma fase científica, pode ser enquadrado entre as idéias especulati-
vas e, enfim, voltar a ter status científico. Isto é o que parece ocor-
rer com a noção de éter: na física do século passado o éter desem-
penhava papel do mais alto valor explicativo. Para o físico de fins 
do século XIX, o éter não se constituía tão-somente em conceito teó-
rico, cujo valor único era ode ajudar a sistematizar a experiência; ao 
contrário, designava algo real: Lorentz, para superar dificuldades de 
sua teoria eletromagnética, referente à possibilidade de se reconhecer 
o movimento absoluto, sustentou que se podia calcular a velocidade 
de um corpo em relação ao éter, e Michelson e Morley tentaram 
calcular a velocidade da terra em comparação a ele. Com o adven-
to da teoria da relatividade, porém, o éter quase foi banido da física. 
No entanto, atualmente, parece que ele está voltando a reviver em 
ciência. malgrado as críticas de Einstein. 
De úm modo geral, dado que as ciências especiais foram se 
tornando independentes da filosofia. seria de se esperar que numero-
rasos vocábulos técnicos das ciências positivas fossem empregados 
plimeiramente como termos contendo traços especulativos. B o que 
se dá, por exemplo, como o termo "causa". 
Lembraremos, ainda, que há termos empregados ao mesmo 
tempo em ciência e em especulação. B o caso dos termos "vida" e 
"causa". Mas é claro que, embora os termos sejam os mesmos, os 
conceitos por eles expressos, em ciência e em filosofia especulativa, 
divergem, não obstante possuírem qualquer coisa em comum. 
Em síntese, a exemplificação feita corrobora que a classificação 
dos conceitos em científicos e em especulativos não é absoluta. Po-
11 
rém, embo1a essa classificação não seja tão nítida quanto possa pare-
cer à primeira vista, ela é legítima e acarreta que, mesmo a razão 
permanecendo única, há dois tipos de racionalitkzde: o científico e 
o especulativo. 
Correlacionado com a questão dos tipos de racionalidade, en-
contra-se o tema dos tipos de objetividade: a filosofia especulativa, 
ao que tudo indica, utiliza métodos que conduzem a uma precisão 
racional bem maior do que a atingida em algumas ciências (v.g., a 
arqueologia) e, mesmo, superior à de ceitos tópicos de filosofia 
científica. Não se pode negar, por exemplo, que em filosofia tomis-
ta as discussões apresentam certo grau de objetividade: muitas dispu-
tas são suscetíveis de superação, e um dos métodos empregados pru a 
isto consiSte na exegese dos texto~ de São Tomás. Por outro lado, 
facilmente se podem citar capítulos da ciência onde a objetividade é 
pequena e que, em decorrência, provocam polêmicas intermináveis; 
tal ocorreu, como se sabe, com as discordâncias entre lamarkistas e 
darwiniStas ainda em nosso século. Tudo isso parece constituir ar-
gumento contra nossa afu mação, feita anteriormente, de que a filoso-
fia científica é mais objetiva do que a especulativa. Porém, esta 
conclusão seria prematura e decorre da confusão entre as formas de 
racionalidade envolvidas nas atividades científicas e especulativa. 
Com efeito, a objetividade científica 6 diferente da objetividade 
especulativa, em virtude das atitudes científica e especulativa não 
coincidirem. E não se pode "deixar de reconhecer que, historica· 
mente, a atividade científica se afigura como bem mais consistente 
do que a especulativa, dado que a primelia sempre se acha sujeita a 
determinados critérios mais ou menos explícitos que a permitem 
julgar, ao passo que com a especulação, no seu todo, isto não acon-
tece. Daí, se asseverar que atitude científica mostra-se mais objetiva 
do que a especulativa. 
Mas a objetividade da indagação científica, em última instância, 
constitui produto da própria história. A situação aqui é ·análoga à 
da questão da racionalidade dos processos científicos, e não há neces-
sidade de se discorrer sobre o tema. 
Como são log1.ados os fms da filosofia científica? Já aludimos 
detalhadamente à atitude espiritual que a norteia. No entanto, seria 
desejável falar, mesmo por alto, dos métodos particulares de que 
ela dispõe para atingir as suas metas, entre as quais se enquadra o 
exercício da reflexão analítica e crítica. Seus métodos principais são 
os seguintes: 1. a análise semiótica; 2 . o recurso às ciências espe-
ciais; 3. a exemplificação histórica; 4. a elaboração de modelos 
hipotéticos. 
Lançruemos mão desses métodos numerosas vezes. Mas, antes 
12 
de delineá-los, convém advertir que somente a sua aplicação siste-
mática e repetida nos fará compreendê-los perfeitamente. 
A análise semiótica se efetua de duas maneiras: com ou sem o 
uso de técnicas formais. A primeira é a análise lingüística formal e 
destina-se a solucionar problemas como ao que se refere Rosenbloom 
na seguinte passagem: "Aqui sugerimos o critério de 'put up or shut 
up' como um meio para auxiliar a valorização das discussões em 
lógica. Caso alguém advogue que certas características são desejá-
veis em lógica formal, então deve exibir um sistema que demonstra-
velmente possua tais propriedades. Se possível deve-se mostrar que 
o sistema é adequado pelo menos para a aritmética. Caso se criti-
que determinadas propriedades de um sistema de lógica, então deve-se 
exibir um sistema razoável e adequado que se demonstre não possuir 
essas propriedades. Naturalmente, quando um teorema como o de 
Godel indica que a demonstração requerida pode não existir, o crit~ 
rio é suscetível de ser relaxado. Discussões vagas e informais podem 
ter valor como guias para trabalho futuro, mas devem ser considera-
das no máximo como esboço preliminar, até que a tese tenha sido 
enunciada em termos precisos, através de uma linguagem-objeto para 
a qual se haja provado, que possui as qualidades dese_jadas. A menos 
que tais critérios sejam estritamente aplicados, as discussões em ló-
gica e em fundamentos da matemática têm o perigo de degenerar nos 
tipos de controvérsia filosófica nas quais não se sabe exatamente qual 
é o problema em tela e nem quando a questão está realmente solu-
cionada."<S> A análise semiótica sem o expediente de técnicas for-
mais, por seu turno, se procesc;a pela análise do signüicado e do uso 
de termos e estruturas lingüísticas, da linguagem comum ou da cien-
tífica, ao se procurar esclarecer o sentido real de símbolos vagos e 
das estruturas lingüísticas nas quais eles aparecem. Assim, pode-se 
indagar sobre o significado do princípio da identidade, que comu-
mente se enuncia deste modo: A é A. Começar-se-á tentando es-
clmecer o significado do símbolo "A": :e ele uma variável? Em 
caso positivo, qual o seu domíruo? E a cópula "é", que significado 
possui? O juízo "A é A" é da forma sujeito-predicado? A partir 
de· int~rrogações semelhantes e das correspondentes contestações par-
ciais, fazemos análise lingüística informal, lançando luz sobre o prin-
cípio em apreço. A importância da análise, do ponto de vista ra~ 
cional, advém da conexão já mencionada que existe entre razão e 
linguagem. 
(Sl P . Rosenbloom, The Elements ot Mathematical Logic, Dover, 
New York, 1950, pp. 64-65. 
13 
Em filosofia científica, recorre-se, muitas vezes, às diversas dis-
ciplinas positivas especiais. Suponhamos que se estuda o conceito 
de espaço. Após ter-se verificado que há vários espaços - o psico-
fisiológico, o físico e o geométrico puro - admitamos que se quer 
tratar da gênese do primeiro. :e ele fruto da experiência? Ou é 
uma forma de nossa sensibilidade externa, como pensava Kent? Ou 
talvez seja o produto da experiência e da razão? Neste problema, 
o recurso à psicologia e à fisiologia mostra-se indispensável. Em 
particular, as investigações de Mach sobre o papel dos canais semi-
circulares do ouvido interno na gênese da noção de espaço não 
podem ser ignoradas, pois se evidenciam de enorme relevância para 
se compreender o ·significado real dessa noção. Vê-se, pois, que as 
ciências especiais podem auxiliar a filosofia científica. 
A exemplificação histórica também constitui método excelente 
de esclarecimento de idéias. Se o nosso intento é, v.g., entender o 
papel do conceito de lei nas ciências naturais, nada melhor do que 
apelarmos à história da ciência, ensaiando constatar como essa idéia 
evoluiu. Kepler, por exemplo,tinha concepção de lei totalmente 
diversa da hodierna. "Quando Kepler descobliu que a revolução 
de Marte se faz sobre uma elipse da qual um dos focos coincide 
com o Sol", escreve E.nriques, "ele ficou tomado de um entusiasmo 
sem reserva: 'Pouco importa que um tempo mais ou menos longo 
deva decorrer antes que esta descoberta obtenha enfim um pleno 
reconhecimento. Deus não esperou milhares de anos antes que sur-
gisse um homem capaz de contemplar sua obt a?' Kepler não duvi-
dava de estar em posse de uma verdade absoluta e eterna, e era 
essa certeza que o enchia de um legítimo orgulho. Mas uma pre-
sunção desse gênero não poderia ser partilhada por nenhum cientis-
ta de nossos dias. E o próprio Kepler, que diria se, ressuscitado 
por um milagte, pudesse tomar conhecimento da evolução efetuada 
pela astronomia, que avançou precisamente na rota que ele abriu?" 
E acrescenta Enriques: "Ele não ficaria confundido de perceber 
que aquilo que a seus olhos era uma ·verdade pura e simples não 
.passa de uma aproximação da própria verdade ou, mesmo, do ponto 
de vista estritamente lógico, de um 'erro' que a teoria newtoruana 
corrigiu?"<6> A história nos mostra que, com os progressos da téc-
nica e a evolução da ciência, as leis deixam de ser exatas e trans-
formam-se em enunciados válidos apenas em primeira aproximação. 
Paradoxalmente, hoje, quando um pesqUisador estabelece uma lei 
(&)F. Enrlques, Signtficatfon de l'hi8toire de la pensée sclentifi-
que, Herm:um, Paris, 1934, p. 6, 
14 
natural, sabe, de antemão, que ela é imperfeita e que será, no futuro, 
seguramente substituída por outra mais exata. No que conceme à 
noção de lei natural, essa é a lição da história. 
Como a história é uma das ciênciac;, poder-se-ia indagar por que 
o método que acabamos de debuxar foi separado do segundo. Não 
há dúvida de que ao se utilizar a exemplificação histórica, estamos 
recorrendo a uma ciência especial. No entanto, a separação é licita, 
pois existe, como é patente, uma diferença entre os dois : o método 
da exemplificação histórica contribuiu apenas indiretamente para a 
elucidação de problemas da filosofia científica, ao passo que o con-
tributo das demais ciências particulares é direto e construtivo, ou 
seja, a história só pode elucidar, enquanto que estas últimas elucidam 
1 
e fornecem elementos para a edificação dos conceitos da filosofia 
científica. 
Finalmente, examinembs (l método da construção de modelos 
hipotéticos. Poincaré, por exemplo, empregou-o com freqüência; 
para mostrar a possibilidade real do uso das geometrias não eucli-
dianas, na sistematização da I!Xperiência, imaginou mundos hipotéti-
cos e logicamente possíveis, satisfazendo condições tais, que os seres 
que neles habitassem seriam naturalmente conduzidos a criar uma 
geometria não euclidiana, ao contrário de nós. Por outro lado, 
Einstein, como se sabe, repetidamente se valia desse método com a 
finalidade de fixar idéias e tornar mais intuitivas suas concepções: 
por exemplo, no que se refere à identidade da& massas inercial e gra-
vitacional, formulou o modelo do elevador, tão conhecido. O méto-
do dos modelos ajuda muito a elucidação de certas concepções 
intrincadas, bem como constitui processo fornecedor de contra-exem-
plos, para patentear que posições que assumimos, consciente ou in-
conscientemente, acham-se destituídas de fundamento. 
Para terminar a introdução, recapitularemos três caracteres da 
racionalidade científica, todos eles já tomados manifestos no de-
curso da exposição. Em primeiro lugar, ela é histórica: o que hoje 
é racional aceitar, amanhã talvez não o seja. A razão e a raciona-
nalidade (científica) se organizam na medida em que sua história se 
desenrola. Sem se invocar doutrinas especulativas, não se pode 
transcender, por completo, a historicidade da razão. Em segundo 
lugar, a postura racional continuamente questiona os resultados a 
que chega, resultados esses às vezes conseguidos a duras penas, como 
os próprios postulados que regulam sua ação; noutras palavras, ela é 
dialética: dialetizar suas conquistas e seus princípios, eis um dos 
traços marcantes da razão, quando cientificamente orientada. Final-
mente, na história da razão se depara, com toda clareza, com deter-
minado progresso. Essa história não é apenas encadeamento de 
15 
fatos, mas sucessão de etapas, cada uma das quais se afigura mais 
rica do que as precedentes, no sentido de que entendemos melhor 
os obstáculos que se opõem ao pensamento racional e as limitações 
e o sentido dos princípios que o regem. Isto quer dizer, simples-
mente, que a razão não é estática e que na sua dinâmica se encontra 
o germe do ape1 feiçoamento(7). 
(7) De tudo que se escreveu, infere-se que a filosofia científica 
nada tem a ver com o cienti!iclsmo, nem mesmo com as correntes 
positivistas, quer na forma de Comte, quer na do neoposltlvismo 
contemporâneo. Contudo, ela engloba,. entre outros, temas episte-
mológicos, sem16tlcos, metodológicos e gnoslológlcos. 
16 
CAPITULO 1 
Razão, lógica e linguagem 
§ 1 . Razão e l6gica 
No tocante às relações entre razão e lógica, há duas posições 
básicas, as quais podemos denominar de, respectivamente, posição 
dogmática e posição dialética. 
A primeira caracteriza-se por admitir o seguirtte: 1 . O lógico e 
o racional, em certo sentido, coincidem. Os princípios formais basi-
lares da razão (ou do contexto racional) constituem, na 1ealidade, as 
leis da lógica (matemática) tradicional. Não se pode derrogar os 
princípios fundamentais da lógica sem se destruir o discurso ou, pelo 
menos, sem o complicar desnecessariamente; 2 . As leis da lógica (e 
da matemática) praticamente independem da experiência. Esta pode 
auxiliar na descoberta ou estruturação das leis lógicas, mas não con-
tribui para as legitimar; 3. Embora os argumentos que são evocados 
pelos dogmáticos variem, indo desde posições metafísicas (certas 
formas de platonismo) até posições positivistas ( Carnap) ou prag-
máticas (Quine, cuja concepção se denomina logicismo pragmático), 
o certo é que há uma determinada univocidade nas suas interpreta-
ções da lógica: existe essencialmente uma única lógica, que pode 
variar em suas sistematizações possíveis apenas em questões de 
detalhe. 
A concepção dialética, por sua vez, contrasta com a dogmática 
especialmente porque: 1 . Para ela, o lógico e o racional nunca se 
identificam. O exercício da razão pode se dar através de sistemas 
lógico-matemáticos distintos, sistemas esses suscetíveis de diferir entre 
si pela incorporação ou não de alguns princípios centrais da clta-
mada lógica tradicional; 2 . A razão não é auto-suficiente: o sis-
tema lógico que espelha seu exercício depende da experiência, varian-
do de conformidade com os tipos de objetos aos quais se aplica. 
Mais precisamente, pru te da lógica é alicerçada nas interconexões 
17 
entre a razão e a experiência. Isto significa, noutras palavras, que 
a experiência contribui para legitimar as normas racionais; 3. Não 
há uma única lógica. Em princípio, existem várias, todas lícitas do 
ponto de vista racional. A escolha dentre elas, no contexto da ciên-
cia ou de um corpo de doutrina patticular, faz-se mais ou menos 
como o õsico escolhe a geometria que melhor se adapta às suas pes-
quisas, dentre as diversas geometrias matematicamente possíveis. 
De acordo com a concepção que acabamos de descrever, e que é 
a nossa, pode-se dizer que a razão é dialética. Indubitavelmente, o 
termo "dialética" é por demais ambíguo; porém, acreditamos · que, 
do ponto de vista histórico, o seu uso, na acepção que aqui lhe con-
ferimos, é lícito : encontra-se, por exemplo, dentro da diretriz das 
perquisições de pensadores como Bachelard e Gonseth. Precisando 
o que foi dito na Introdução, ao afirmarmos que a razão é dialética, 
queremos, com isso, tão~somente significar que ela nãopode ser 
codificada a priori via um sistema lógico fixo e que, na verdade, suas 
categorias são históricas, nascendo, modificando-se e completando-se 
pela sua própria atividade. A razão vai evoluindo à medida que a 
ciência pt agride. Em grande parte, isto decorre de sua própria auto-
crítica e das dificuldades com que se defrontam as teorias cientificas 
para descrever e explocar a realidade. Convém, no entanto, desde 
já deixar claro que o caráter dialético da razão não acarreta ser ela 
totalmente arbitrária, nem que o processo racional possa ser modifi-
cado ou transformado ad libitum. Ao contrário, como trataremos 
de evidenciar, comum a todas as possíveis expressões da razão por 
meio de sistemas lógico-formais e de categorias, há um núcleo inva-
riante, o qual, todavia, é de natureza inteiramente distinta da que se-
ríamos natmalmente levados a crer. 
Einstein asseverou que as leis da geometria, na medida em que 
se referem à realidade, são falsas, e que, na medida em que não se 
referem, são verdadeiras. Para a doutrina dialética da razão, ocorre 
com a lógica algo similar, em sentido que ficará claro adiante. 
Ainda um comentário ligado à terminologia: dialetizar deter-
minada concepção significa apenas questioná-la, reformulá-la, negá-Ia 
mes~o, .de~onstrando que os pressu~ostos a el~ subjacentes são por 
demats mgenuos,. d~vendo ser, ou já tendo stdo, substituídos por 
outros novos, mats fmos e melhor adaptados aos fatos; isto acontece 
especialmente quando surgem evidências e situações recentes que 
forçam a alteração dos padrões explicativos antigos. Assim, para 
exemplificar, a teoria da relatividade nasceu de uma dialetização da 
õsica newtoniana, da mesma f01ma que a mecânica quântida dialeti-
zou, entre outros, o conceito de corpúsculo elementar, entendido 
como partícula sujeita às leis da mecânica tradicional. Uma con-
18 
cepção é dialetizável se, em pnnctpto, pode ser dialetiznda, ainda 
que no momento não se disponha de meios para tanto. Uma dialéti-
ca de certa concepção A é um todo ordenado de considerações críti-
cas elaborado com o intuito de dialetizar A . Não existe dialética de 
proposições isoladas; não há, portanto, dialética de "2+2= 4", a 
não ser que esta dialética seja uma dialética de determinada conce~ 
ção da atitmética. S6 se dialetizam concepções, sistematizações ra-
cionais, e teoriaisUl . 
§ 2. Lógica e matemática 
A lógica acha-se intimamente correlacionada com a matemática. 
Consiste mérito da escola logicista haver demonstrado que separar a 
lógica da matemática é algo arbitrário. Este fato foi evidenciado 
principalmente por Frege e por Bertrand Russell; o lógico inglês che-
gou mesmo a afirmar que, nos Principia Mathematica, ele e Whi-
tebead, partindo de princípios admitidos unanimemente como lógicos, 
chegaram a teoremas cujo caráter matemático não oferecia qualquer 
dúvida. Tal escalada, indo da lógica à matemática, sem solução de 
continuidade, salvo questões de detalhe, como o problema suscitado 
pelo axioma da redutibilidade, que não invalidam nossas asserções, 
mostram claramente as interconexões entre a lógica e a matemática. 
Tal circunstância fica ainda mais patente, se observamos que se pode 
detivar, em determinado sentido, toda a matemática usual da teoria 
dos conjuntos, fundamentando-se esta no cálculo de predicados de 
primeira ordem. 
No entanto, é preciso que se tenha cuidado ao fazer afirmações 
como as do parágrafo anterior. Com efeito, o que dissemos não 
acarreta que a matemática se reduza pura e simplesmente à lógica, 
conforme a primitiva tese logicista de Frege e Russell. A tese logi-
cista, como foi originalmente formulada (a matemática reduz-se à 
lógica), é falsa, entre outros, pelos seguintes motivos: 1 . Como é 
sabido, na fundamentação da matemática na lógica, Russell necessi-
tou de certos axiomas cujas características lógicas são discutíveis. 
Por exemplo, os axiomas da !edubbilidade, do infinito e da escolha; 
<l l Análise pormenorizada das diversas ncepções do equivoco termo 
"dialética", especialmente em autores contemporâneos dedicados à 
tuosofia da ciência (tais como Gonseth, cavallles, Lautmann, Bache-
lard e Casanova ,este último fUlado ao marxismo) encontra-se em: 
G. Boullgand e J. Desgranges, Le déclin des absoZus mathémattco-
logtques, Sedes, Paris, 1949. 
19 
2. Certos tópicos matemáticos, como as doutrinas intuicio'listas, não 
seriam redutíveis à lógica na sua conceituação usual; 3. O emprego 
sistemático de técnicas matemáticas no estudo de questões lógicas, 
como se dá com a teoria dos modelos e a lógica algébrica, torna a 
tese logicista um tanto ambígua. 
Em síntese, ao aproximarmos lógica e matemática, queremos, 
com isso, tã9-somente sublinhar que elas se acham correlacionadas 
entre si de maneira profunda, tanto pelos seus objetivos como pelos 
seus métodos. Elas constituem, em resumo, as ciências formais, por 
oposição às ciências reais, como a física, a biologia e a economia. 
Há, entre as ciências formais e as reais, diferenças básicas, embora 
não tão nítidas como um racionaHsta tradicional poderia supor. 
Neste ponto, todavia, surge uma dificuldade: a lógica, habitual-
mente, é definida como a ciência que tem por finalidade precípua o 
estudo das intelferências válidas. Por outro lado, não parece, pelo 
menos à primeira vista, algo descabido sustentar que disciplinas ma-
temáticas, tais como a geometria e a análise, estejam intimamente 
relacionadas com a lógica assim concebida? Na geometria, por 
exemplo, valemo-nos da lógica; porém, entre esta e aquela há dife-
renças radicais: elas possuem finalidades completamente distintas. 
Nossa primeira tarefa, no que se segue, consiste em mostrar que 
tal dificuldade é, na realidade, o resultado de concepções simplistas 
dos domínios atuais da lógica e da matemática. Trata-se de pseudo-
dificuldade, fácil de ser superada. 
A lógica atual é muito mais do que a doutrina das inferências 
váHdas. Não há dúvida de que tópicos da lógica hodierna pouco ou 
nada tem a ver com a doutrina das formas válidas de pensamento. 
Por exemplo, diversos assuntos pertencentes à teoria dos modelos e 
aos fundamentos da teoria dos conjuntos (o teorema de Lyndon 
sobre estruturas preservadas por homomorfismos, as investigações 
sob1e a consistência e a independência da hipótese do contínuo ... ) 
não se enquadrariam numa concepção da lógica que a limitasse uni-
camente ao estudo do raciocínio váHdo. O certo é que a lógica, na 
sua fase presente de evolução, engloba, seguramente, esse estudo, 
mas vai bem mais longe, abrangendo temas remotamente ligados aos 
tipos de inferências válidas. Nela se ventilam questões de suma 
importância, algumas ligadas efefivamente às formas válidas de ra-
ciocínio, embora outras tenham origem distinta, como, por exemplo, 
em questões de índole filosófica e em problemas de natureza tipica-
mente matemática. 
Por out10 lado, a matemática corrente tem evo!uído de modo 
a se tomar cada vez mais abstrata e rigorosa, aproximando-se, por 
isso mesmo, da lógica. Além disso, como já se mencionou, esta 
20 
ciência tem-se aproveitado, cada vez mais, das técnicas matemáticas; 
a teoria da recursão e a lógica algébrica atestam esse fato. 
No fundo, uma das causas da aproximação que se verificou, desde 
fins do século passado, entre lógica e matemática, radica no uso bá-
sico que ambas fazem do método axiomático e da formalização. 
Mesmo para os matemáticos intuicionistas, que defendem a tese de 
que a matemática e a lógica não são em pdncípio formalizáveis, as 
técnicas axiomático-formais são de capital importância, pelo menos 
para melhor caracterizar sua posição e. precisar suas idéias. 
§ 3. Formalização 
O método fundamental de codificação e de sistematização das 
disciplinas dedutivas (isto é, lógico-matemáticas) é o método axiomá-
tico. Mesmo nas ciências reais, ele desempenhapapel relevante e, 
sempre que há possibilidade, procura-se empregá-lo. Por seu inter-
médio, tornamos explícitas as suposições e os ptincípios em que se 
alicerça uma dada disciplina, de maneira a se fazer uma idéia mais 
nítida da sua estrutura. Porém, é claro, tal procedimento só poderá 
ser empregado em disciplinas que já atingiram certo grau de matu-
ridade, através de evolução que em alguns ~asos tem que ser lenta. 
Aparentemente, no entanto, nas disciplinas 1eais, ao contrário das 
dedutivas, a axiomatização é sempre algo precária e não desempe-
nha papel tão fundamental. 
Existem dois níveis de axiomatização: o primário e o secundário. 
A sistematização de uma disciplina A faz-se, em nível secundário, 
que é o mais comum, assim: escolhem-se determinadas noções de A, 
aceitas sem definição, as noções (ou símbolos) primitivos, e certas 
proposições que relacionam essas noções primitivas de A (e, em al-
guns casos, também noções de outras ciências imprescindíveis para 
a fundamentação axiomática de A), aceitas sem demonstl ação. A 
reduz-se, então, ao conjunto das conseqüências que , através das leis 
da lógica, podem ser derivadas das proposições primitivas aceitas 
(permite-se a introdução de novos símbolos em A, por definição, 
com a finalidade principal de dar ênfase a idéias importantes ou par.1 
simplificar a exposição). Evidentemente, se a axiomatização de A 
depender de outras disciplinas, por exemplo de A1, A2, ... , Aru 
nada impede que se sistematize simultaneamente A1, A2, ... , An, 
de modo que o essencial, na axiomatização secundária, reside na 
circunstância de se pressupor uma única ciência de base: a lógica 
subjacente. 
A axiomatização da lógica, por seu turno, não pode ser secun-
21 
tlária, uu seja, não pode pressupor outra ciência. Dito d~ maneira 
mais precisa, qualquer axiomática da lógica., feita com o intuito de 
fundá-la, de caracterizá-la, deve ser independente de outras disci-
plinas: deve ser primária. Aqui ocorre algo semelhante ao que se 
passa, por exemplo, com a definição: não se pode definir tudo, sem-
pre existindo termos que se aceitarão sem definição: os termos primi-
tivos. (O que dissemos não implica, no entanto, que seja impossível 
o estudo metateórico de uma dada formulação axiomática da -lógica.) 
Assim, em resumo, o caráter pdmário de qualquer axiomática da lógi-
ca decorre da própria natureza dessa ciência: ela deve servir de 
fundamento para todas as outras. 
O resultado da axiomatização de A é a obtenção de um sistema 
axiomáticoS, do qual A é uma das possíveis "realizações". (n sabido 
que os sistemas axiomáticos podem receber as mais variadas interpre-
tações.) No que se segue, limitar-nos-emas às axiomatizaç®s pri-
márias, por motivos patentes. 
Elaborado S, o passo seguinte, para a investigação de suas pro-
priedades relevantes, consiste na sua formalização: escolhem-se sím-
bolos convenientes, e as regras de formação, que explicitam as com-
binações simbólicas de S dotadas de sentido, bem como as regras de 
inferência, que nos permitem obter novos arranjos simbólicos a partir 
de outros dados, são enunciadas de modo preciso. E ntão S conver-
te-se numa espécie de jogo grafomecânico, realizado com símbolos 
fixos e mediante regras bem definidas. 
O rigor, em lógica e matemática usuais, é decorrência da forma-
lização (ou da possibilidade, em princípio, da f01malização): uma 
determinada dedução ou demonstração em A é rigorosa se sabemos, 
pelo menos teoricamente, como formalizá-la, isto é, reproduzi-la numa 
conveniente formalização do sistema axiomático S, que se constitui 
em espécie de imagem de A (evidentemente, uma teoria pode ser 
axiomatizada de diversas maneiras distintas, o que implica haver 
várias formalizações dela). 
A axiomatização da disciplina ou teoria A pode ser semp1e tida 
como primária: basta, para tanto, que ao axiomatizarmos A, axio-
matizemos, ao mesmo tempo, as disciplinas de que A depende. Na 
realidade, toda formalização é .formalização de· um sistema axiomático 
primário. O produto oriundo da formalização, isto é, o sistema gra-
fomecânico obtido, denomina-se formalismo ou sistema formal. 
A organização final de qualquer teoda, lógico-matemática ou 
das ciências reais, tende a ser axiomática. Torna-se conveniente 
saber quais são os princípios da teoria, as suas idéias capitais etc., e 
isto fica bem claro pela análise axiomática. Utilizando o método 
axiomático a razão como que se objetiva. Daí, a relevância da 
22 
estrutumção axiomática dos contextos científicos, advindo des6e 
fato um de seus traços marcantes: eles são, em princípio, hipotético-
-dedutivos. A tendência ao uso do método axiomático, patente em 
lógica e em matemática, afigura-se cada vez mais clara nas ciências 
reais, tanto nas da natureza (física, biologia,. · .. ) , como nas huma-
nas (psicologia, economia, .. . ) . Nas ciências reais, todas elas de-
pendendo da experiência, lança-se mão de procedimentos indutivos; 
porém, a reconstrução lógica da ciência, pelos contextos que origina, 
é dedutiva. A indução, pois, constitui-se sobretudo em método de 
descoberta, enquanto a dedução, em método de exposição e de 
sistematização. 
Um dos sintomas da inclinação da ciência atual para a sistema-
tização dedutiva é a busca de teorias unificadoras que se percebe nos 
diversos ramos do conhecimento. Tal se dá, para citar um exemplo, 
com as tentativas de unificação, numa concepção única, das forças da 
natu1eza, aparentemente irredutíveis, como a gravitação e as forças 
eletromagnéticas. Não olvidemos, também, que não apenas Eucli-
des apresentou seu sistema de geometria segundo os cânones do mé--
todo axiomático, mas que várias obras que marcaram época na 
ciência, como os P.rincipia de Newton e a Mecânica Analítica de 
Lagrange, igualmente se valeram do método axiomático. E, além 
disso, um dos célebres problemas formulados por Hiibert em 1900, 
como legado da matemática do século XIX à do nosso, precisamente 
o sexto, corrsiste na questão de se formular axiomáticas adequadas 
para as dife1cntes disciplinas da física. 
§ 4. Lógica e linguagem 
Os princípios lógicos refletem, sob certos aspectos, as leis que 
regem o exercício da razão. Praticamente, não há atividade lógico-
-racional sem o veículo lingüístico. Raciocínios muito simples, 
como, por exemplo, algumas inferências imediatas, aparentemente 
podem ser feitos sem se recorrer, de modo sistemático, ao aparato 
da linguagem. Po1ém, os resultados acabados e finais da razão ma-
terializam-se, como já vimos, em cpntextos lingüísticos. Assim 
sendo, as leis lógicas terminam por ser caracterizadas por meio da 
linguagem. Se quisermos estudar os princípios da razão, espelhados 
pelos princípios lógicos, torna-se imprescindível, pois, tratarmos de 
alguns dos aspectos básicos da teoria da linguagem. Aliás, convém 
insistir, a ciência feita, o contexto científico que se comunica, é um 
corpo lingüístico dotado de vida p16pria, donde se deprende a rele-
23 
vância das considerações de ordem -lingüística para a compreensão da 
atividade racional. 
Resumindo o que asseveramos, pode-se dizer que as leis da razão 
são suscetíveis de ser obtidas, em grande parte, pela análise crítica 
dos contextos de exposição científica. Estes se compõem das siste-
matizações lingüísticas em que se comunicam os resultados da inqui-
rição científica, seja no âmbito das ciências formais, seja no das 
reais. Os contextos científicos enquadram-se nas diversas discipli-
nas científicas, as quais são 1 epartidas e distribuídas em várias ciên-
cias, numa dada época, de conformidade com o estado do desenvol-
vimento dos conhecimentos dessa mesma época. O sistema total 
das ciências, em. determinado q1omento histórico, t, Ct,, não é sem-
pre o mesmo, dependendo de t. Evidentemente, os sistemas cientí-
ficos da época de Euclides, da Idade Média e de nosso tempoafigu-
ram-se completamente distintos. À primeira vista, no entanto, os 
vários Ct apresentam uma infra-estrutura, constituída pela ordem 
lógica subjacente, ma mais perfeita ora menos, mas sempre exis-
tente: de fato, em qualquer período, os contextos, as teorias e as 
disciplinas científicas formam conjuntos logicamente concatenados de 
noções e de proposições. Idealmente, Ct, para qualquer valor de 
t, consiste de um edifício lingüístico, em sentido amplo. 
Grosso modo, uma linguagem L é um conjunto de sinais (ou 
de símbolos) empregados de modo sistemático e orgânico. Em L 
os símbolos denotam diretamente objetos ou contribuem indireta- · 
mente para a formação de estruturas simbólicas qu~ denotam. Além 
disso, em L, tendo-se em vista os significados de seus símbolos e de 
seus arranjos simbólicos, certas inferências são lícitas. 
Para facilitar a exposição, embora isto não seja essencial, supo-
remos que L é uma linguagem composta de símbolos escritos (em 
oposição, por exemplo, às linguagens faladas). 
Em L chama-nos a atenção, em primeiro lugar, sua estrutura pu-
ramente simbólica, ou, noutras palavras, sua sintaxe, que designare-
mos por Lr. A sintaxe de L nada mais é, no fundo, do que o for-
malismo que a ela podemos, ao menos em princípio, associar. O 
aspecto sintático, formal, da linguagem matemática é tão importante, 
que há pensadores, como certos formalistas, que tentam reduzir a 
ciência de Gauss a um mero estudo de formalismos: o conteúdo das 
teorias matemáticas não interessaria fundamentalmente ao matemáti-
co, .mas tão só aquele que as aplicasse. O matemático e o lógico, 
enquanto tais, limitar-se-iam a tratar da sintaxe das teorias, venti-
lando questões formais de cru á ter relevante (concepção análoga era 
a de Carnap em suas obras iniciais). 
Uma linguagem, não obstante, refere-se a objetos e situações: 
24 
alguns de seus símbolos denotam determinadas entidades e suas sen-
tenças relacionam-se com fatos. Restringindo-nos ao aspecto sintá-
tico de L, não se pode tratar de noções como as seguintes: os con-
ceitos de verdade, de denotação, de sentido e outros similares. Em 
resumo, como evidenciaram especialmente Camap e Tarski, devemos 
levar também em conta a dimensão semântica da linguagem. Na 
semântica, pesquisamos as inter-telações existentes entre as lingua-
gens e os objetos e as situações às quais elas se referem. 
Assim, no tocante a L, além da dimensão sintática, devemos 
tratar de sua dimensão semântica, Ls· e claro que, para se estu-
dar Lg, torna-se imprescindível conhecer a estrutura formal de L, isto 
isto é, Lt. Logo, Ls, em certo sentido, envolve Lr; noutras pala-
vras, a investigação semântica de L pressupõe o seu estudo sintático. 
A sintática.e a semântica·, pois, são as disciplinas que vetsam, 
respectivamente, sobre as dimensões sintática e semântica das lin-
guagens. 
Morris observou que uma linguagem, digamos nossa linguagem 
L, não apresenta unicamente como dimensões djgnas de considera-
ção teórica suas dimensões sintática, Lr, e semântica, Ls. Na 
semiose, isto é, no uso de sinais, acham-se envolvidas não somente 
os sinais e os objetos e as situações por eles designados, mas, tam-
bém, as pessoas que os utilizam. Apenas por abstração é que se 
pode considerar Lr e Ls relativamente a uma linguagem L, por exem-
plo a linguagem da geometria euclidiana usual. Como as lingua-
gens são criações do homem, há questões a ela pertinentes, que não 
se enquadram nem na sintaxe nem n.a semântica, tais como certas 
questões psicológicas ou sociológicas relacionadas com a semiose. 
Daí, para se tornar possível analisar completamente a semiose, a ne-
cessidade de se introduzir uma nova dimensão na investigação da 
linguagem: a dimensão pragmática, que leva em conta o emprego 
dos sinais na totalidade de sua problemática positiva. Tem-se, por-
tanto, uma outra dimensão da linguagem, envolvendo as duas ptimei-
ras: a dimensão pragmática, que, no caso de L, representaremos por 
Lp. A pragmática é a disciplina que trata da dimensão pragmática 
da linguagem. 
Morris ainda sugeriu que se denominasse semióticcr a ciência da 
linguagem. Em resumo, a semiótica divide-se em sintática, semânti-
ca e pragmática. 
A semiótica, sob outro ponto de vista, subdivide-se em semiótica 
pura e em semiótica aplicada. 
A semiótica pura tem por finalidade o estudo de linguagens 
ideais, construídas axiomaticamente. Exemplos típicos de semelhan-
tes linguagens são as teorias comun.s da matemática e da lógica, de-
25 
vidamente axiomatizadas, tais como as teorias de conjuntos de von 
Neumann-Bemays--Gõdel e de Zermelo-Fraenkel, as várias axiomáti-
cas do cálculo de predicados de primeira ordem e a aritmética de 
Peano. Nestes casos, as linguagens ventiladas não se acham vin-
culadas diretamente à experiência sensível. 
Ao contrário, na semiótica aplicada consideramos linguagens 
ordinárias, para cuja elabmação e desenvolvimento a experiência é 
absolutamente imprescindível: elas só podem ser estudadas não se ol-
vidando do nível empírico. Linguagens dessa categoria são às lin-
guagens comuns, como o português e o francês, e as teorias e as 
disciplinas reais. Neste caso, é patente, a experiência constitui fator 
fundamental, que não pode ser posto de lado, como ocorre com as 
linguagens ideais da semiótica pura. 
· A distinção entre semiótica pura e semiótica aplicada é análoga 
à que há entl e a geometria pura, matemática, e a geometria física, do 
espaço (ou do espaço-tempo) real. 
Tanto na semiótica pura como na aplicada, a análise de uma 
linguagem L é feita com o auxílio de outra, LM. A primeira de-
nomina-se linguagem objeto, e a segunda, metalinguagem. Convém 
notar que a separação entre linguagem e metalinguagem é relativa. 
Assim, v.g., ~ pode ser estudada por meio de outra linguagem 
L'M; ist61 ocorrendo, ~ passa a ser a linguagem objeto e L'M• a 
metalinguagem. A cuidadosa distinção entre linguagem e metalin-
guagem é necessát ia, pois, como foi posto em evidência especialmente 
por Tarski, se assim não procedermos, podem, em muitos casos, sur-
gir dificuldades. Mas, insistamos nesse ponto, essa necessidade não 
é absoluta: nada impede que se pratique análise crítica de expressões 
da linguagem comum, como "valor", "verdade analítica" e "senti-
do", com os seus próprios recursos. Aliás, um dos traços marcan-
tes da análise crítica consiste no fato de ela muitas vezes infringir a 
hierarquia dos níveis lingüísticos, relevante principalmente para ques-
tões de semiótica pura. 
Pod~ria parecer, ao leitor desprevenido, que a pragmática reve-
la-se importante para a semiótica aplicada, mas que o mesmo não 
acontece com a serniótica pura. Critéiios pragmáticos apresentam 
indubitavelmebte grande relevância para a compreensão das lingua-
gens naturais e para as das ciências reais. Porém, no tocante às 
linguagens ideais, abstratas e, até certo ponto, arbitrárias da semióti-
ca pura, isto aparentemente não ocorre: o que realmente importaria, 
seriam as características sintáticas e semânticas. 
De fato, embora não se explicite, em geral, esse modo de ver, 
ele se encontra subjacente à maioria das concepções da lógica e da 
matemática. Não deparamos, nas correntes relativas aos fundamen-
26 
tos das ciências formais, com perquirições pragmáticas desenvolvidas 
de maneira sistemática, dentro do escopo da semiótica. Em geral 
os autores, principalmente os de formação matemática. insistem nos 
níveis sintático e semântico das teorias formais, não levando em con-
sideração, ou relegando a segundo plano, o nível pragmático. Para 
alguns, a parte sintática é suficiente para explicar e justificar a natu-
reza das ciências lógico-matemáticas, como é o caso, por exemplo, de 
alguns formalistas, em especial de Curry e da escola Bourbaki. Ou-
tros autores acreditam que o nível semântico é o fundamental. Po-
Tém, pensamos

Outros materiais