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A presente obra trata de temas da mais alta relevância e contém as idéias básicas de uma nova concepção da lógica, desenvolvi- da pelo Autor. Ela interessará a filósofos lógicos, matemáticos e cientistas em gerai' bem como, pela clareza a estudantes ~ leigos. ' Newton C. A. da Costa -----~-------~-~-- A ciência realizou avanços espantosos em nossa época. Elo tem mudado nossa visão do mundo e, segundo tudo indica, ainda levará a mudanças mais radicais. O denominador comum das ciências espe- ciais, como escreveu Quine, é a Lógica. Por conse- guinte, paro se compreender bem o significado do conhecimento científico, torna-se necessário entender a ciência criada por Aristóteles. Durante muito tempo pensou-se que a Lógica fosse uma ciência acabada. Aristóteles o havia descoberto, e sua codificação afigurava-se definitiva e só poderia ser alterada em pontos de detalhe. Essa era, por exemplo, a opinião de Kant. Mas, no decurso dos últimos anos, a lógica evoluiu de tal forma, que ninguém mais pode sustentar opiniões semelhantes. Surgiram indagações revolucionárias como as de Gõdel e de Tarski, foram construídas novas lógicas (algumas, aliás, pelo autor deste livro) etc., e isso causou grandes transformações no campo da lógica e, em geral, de todo o sistema do conhecimento; a situação é análoga à provocada na Física pelo advento da relatividade e da teoria dos quanta. Logo, para o bom entendimento da Ciência e do conhecimento em geral, deve-se possuir uma idéia razoável da situação hodierno da lógica. Nesta obra, o autor trata precisamente de aclarar o significado desta disciplina, propiciando ao leitor todos os ele- mentos indispensáveis para se poder formar uma visão nítida da lógica contemporânea. São aborda- dos temas como o sentido das chamadas lógicas heterodoxas, as relações entre lógica Formal e Dialé- tica, os princípios fundamentais da razão e as interco- nexões entre lógica e realidade, tudo isso tendo por base uma nova concepção do ciência de Aristóteles, elaborado pelo autor, que é um dos lógicos mais destacados da atualidade. Por todos esses motivos, esta obra, que está sendo publicada também em francês pela Masson, não deve interessar apenas aos especialistas, mas também a todos os que se preocupam com questões que dizem respeito à Ciência e à Filosofia. Além disso, elo pode ser empregado como base para cursos avançados sobre Filosofia da Lógica ou da M atemática, e como leitura complementar em cursos elementares de Lógi- ca e de Fundamentos da Matemática. O autor é professor titular do Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia, letras e Ciências Humanos do Universidade de São Paulo. O bteve os graus de Engenheiro Civil e de Bacharel e licenciado · · em Matemática pelo Universidade Federal do Paraná, assim como os títu los de Doutor em Matemático, Docente livre e Catedrático de Análise Matemático e Análise Superior. Foi professor titular do Instituto de Matemático e Estatístico do Universidade de São Paulo e do Departamento de Filosofia do Universida- de Estadual de Campinas. Ensinou ou fez conferên· cios nos mais importantes universidades do América latino, A mérica do Norte, Europa e Austrolósio. Foi orientado, no pós-graduação, pelos professores E. Foroh, do Universidade de São Paulo, e M . Guillou· me, do Universidade de Clemont-Ferrond, França. Dedico-se especialmente à l ógico e à Filosofia do Ciência. Possui numerosos artigos de pesquiso publicados em revistos especializados, particularmente dos Esta· dos Unidos e do Europa, e é autor de cinco livros e co- editor de três volumes de atos de congressos publico· dos pelo North-Hollond e pelo Mareei Dekker. Foi o criador, junto com o polonês S. Joskowski, do lógico Poroconsistente. Contribuiu muito poro o desenvolvimento do lógi- co no América latino, liderando um grupo de lógicos brasileiros que já possui projeção internacional. Recentemente foi eleito Membro Titular do Instituto Internacional de Filosofia de Pari s, sendo o primeiro brasileiro o receber esta distinção. Em 1993 foi agraciado com o Prêmio Moinho Sontisto, e em 1994 recebeu o Prêmio Jabuti de Ciências Exatos pelo publicação de seu livro Lógico Indutivo e Probabilidade. ENSAIO SOBRE OS FUNDAMENTOS DA LóGICA Do mesmo nutor, na Editora Hucitec Introdução aos Fundamentos da Matemática NEWTON C. A. DA COSTA Ensaio sobre os fundamentos da Lógica EDITORA HUCITEC São Paulo, 1994 (c) 1979 de NewtQn c. A. da Costa. Direitos de publicação reserva- dos peln Editora de Humanismo, Ciência e Tecnologia EUCITEC Ltda., Alameda Jaú, 404, 0142!l São Paulo, Brasil. Tel. (011) 287-1825. capa de Claus P. Bergner. C874e 80-0463 CIP - Brasil. Catalogação na Fonte Câmara Brasileira do Livro, SP Costa, Newton Carneiro Afonso da, 1929 - Ensaio sobre os fundamentos da lógica 1 Newton C. A. da Costa. - São Paulo : HUClTEC : Ed. da Universidade de · São Paulo, 1980. 1. Lógica I. Título. CDD-160 índices para catálogo sistemático: 1. Lógica : Filosofia 160 Se Hegel, uma vez escrita sua lógica, a houvesse definido, no prefácio, como simples experiência de pensamento e houvesse, ainda, confessado ter eludído os problemas em muitos pontos, seria sem dúvida o maior pensador de todos os tempos. Mas, como é, afigu- ra-se simplesmente cômico. K.lERKEGAARD '• Prefácio Este livro constitui, como o titulo indica muito bem, um ensaio sobre os fundamentos da lógica: nele tratamos, de modo sistemático, de alguns temas de fiiosofia da lógica. Sua finalidade é dupla: em primeiro lugar, apresentar as idéias do autor referentes a importantes questões pertencentes à filosofia da lógica e, em geral, à filosofia das ci~ncias formais, isto é, da lógica e da matemática. Em segundo, destina-se a servir de base ou de leitura complementar em cursos e seminários sobre filosofia da l~gica e das disciplinas formais. Com esta segunda finalidade, partes da obra foram por nós empregadas em várias ocasiões, com b:ito, não apenas em instituições brasileiras, como, também, em estrangeiras. Embora· uma concepção t4nica e coerente esteja por trás de todo o livro, pode haver incongruências entre algumas de suas porções. !sto se explica, pois o mesmo foi escrito no decurso de vários anos, na medida em que necessitávamos de notas para nossos cursos e se- minários. Se a obra merecer edições futuras, tentaremos eliminar todas as possíveis incongru~ncias, não obstante isso talvez contribua para suprimir, em parte, a espontaneidade da· exposição. Este ensaio originou-se em conversas mantidas com nosso amigo Professor F. Miró Quesada. Posteriormente, tivemos oportunidade de abordar a matéria aqui estudada em vários cursos, seminários e conferencias. Gostaríamos de lembrar, dentre eles, o Seminário que dirigimos na Universidade de Brasília, em 1974, a convite do Profes- sor Fausto Alvim, os cursos e seminários ministrados no Centro de Lógica, Epistemologia e História da Ci€ncia, da Universidade Esta- dual de Campinas, nos t4ltimos anos, a ·convite do Professor O. Por- chat Pereira, as conferencias proferidas na Universidade de Torun, em 1976, por indicação do Professor J. Kotas, e o Seminário de Lógica que ministramos na Universidade Nacional da Austrá- lia em 1977. A presente obra ~ o resultado de todo esse esforço. IX Temos consciência de que diversas passagens deste livro deve- riam ser melhor buriladas e esclarecidas. Para tanto, porém, con- tamos com a crítica dos interessados, de modo que achamos mais conveniente publicá-lo como está. Muitos de nossos pontos de vista tomaram forma em decorrên- cia do contato mantido com colegas e amigos, na sala de aula e fora dela, dentre os quais mencionaremos M. Guillaume, L. Henkin,F. Miró Quesada, A. R. Raggio, R. Routley e R . G. Wolf; mas nossa ma!or dívida é para com R. Chuaqui, pois foi ele quem mais nos in- fluenciou. No ·entanto, seguramente nenhuma das pessoas citadas endossaria todas as teses defendidas neste livro. São Paulo, julho de 1978. 0 AUTOR X r---- Sumário Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1 Capitulo I : Razão, lógica e linguagem 1. Razão e lógica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 2. Lógica e matemática . .. ...... ...... .. . ......... ·. . . . . . . . . 19 S. Formalização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 4 . Lógica e linguagem .. .... . . . : . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 5 . Aspectos pragmáticos da lógica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 6 . Razão e linguagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 7 . Os prlnciplos pragmáticos da razão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 8. O principio const rutivo da razão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48 9 . As concepções dogmática e dialética da razão . . . . . . . . . . . 58 Capítulo II: Lógicas não dementares e lógicas heterodoxas 1. A noção de conseqüência lógica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 65 2. O problema da grande lógica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68 3. O sistema ZF . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 4 . As leis fundamentais da razão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 95 5 . Lógica, razão e experiência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113 6 . A origem das leis lógicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120 7 . Lógicas heterodoxa s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132 8 . Fundamentos lógicos da mecânica quântica . . . . . . . . . . . . . 165 9 . Verdade e falsidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 170 10 . Teoremas de lncompletude . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 180 11. Platonismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 186 Capitulo m: A tese de Hegel 1 . Paradoxos, antinomias e aportas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 194 2 . Resolução das aportas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 198 3 . O significado da contradição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 204 4 . Lógica e realidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . 212 5 . A relatividade da lógica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 219 XI Capitulo IV: Intuição e discurso 1. O problema da Intuição em lógica e em matemática 223 2. O critério de verdade em ciências formais . . . . . . . . . . . . . . 226 3. A hlstorlcldade da razão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 231 Apêndice I: A lógica paraconsistente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 237 Apêndice II: Análise semilntica de c1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 251 xu Introdução Neste trabalho tratamos da natureza da lógica. Interessa-nos, sobretudo, investigar as relações existentes entre a razão e a lógica, bem como o modo pelo qual a atividade racional, que a lógica re- flete em grande pru te, acha-se ligada à experiência. O termo "lógica" é ambíguo, já que se utiliza correntemente em diversas acepções; porém, pela própria maneira e equacionar- mos o problema que nos interessa, verifica-se que por 16gica quere- mos significar a lógica formal (pura ou teórica) . Além disso, dadas as íntimas conexões que existem entte a lógica e a matemática, esta última terá que ser analisada no que se segue; em particular, será necessário estabelecer, de modo explícito, os vínculos existentes entre essas disciplinas. Como é sabido, a lógica evoluiu muito nos últimos cem anos. Assim sendo, não se fará aqui uma análise filosófica da lógica tradi- cional, que é constituída, basicamente, pela codificação que Aristóteles lhe conferiu, mas, sim, da lógica matemática ou simbólica, a qual denominaremos apenas 16gica. Na realidade, a lógica, no seu es- tado presente de evolução, é, por motivos óbvios, simb6Uca e ma- temática, e não levar em conta tal fato seria, pura e simplesmente, p10ceder de maneira anacrônica. Logo, suporemos que o leitor tenha bom conhecimento da lógica no seu estado atual. Todavia, para amenizar algumas das dificuldades que os não familiarizados com a Jógica simbólica possam encontrar, certos desenvolvimentos técnicos mais elaborados e um tanto especializados, de que teremos necessidade para fundamentar nossa argumentação, serão enfeixa- dos em apêndices. A leitura desses apêndices, até certo ponto, não é imprescindível para uma primeira compreensão de nossa exposição. Uma das dificuldades que o autor de uma obra como a presente encontra é a seguinte: a terminologia comum, embora mais ou menos clara em suas significações ordinárias, toma-se insuficiente quando se procura definir uma posição filosófica própria ou abordar, de um 1 novo ponto de vista, os aspectos básicos dos fundamentos do conheci- mento. Mais ainda, uma terminologia completamente precisa e ade- quaua, em filosofia, é um ideal inatingível. Os vários conceitos de que se carece, contrru.iamente ao que muitos acreditam, não são estáticos e hirtos, mas possuem um caráter dinâmico e dialético, que os modifica à medida que a exposição avança e as fronteiras uo conhecimento se alargam. Os atritos entre os vários sentidos de um termo, as discussões e as distinções feitas etc. vão transfonnando paulatinamente os significados dos vocábulos técnicos que, além disso, usualmente são utilizados fora dos contextos em que se origina- ram. Daí ser necessário iniciar nossa indagação com uma terminolo- gia aproximada, que irá sendo melhorada, mas que nunca atingirá perfeição total. Uma das características da razão é a de poder exercer sua atividade por meio de conceitos até certo ponto vagos e inexatos, não exigindo precisão absoluta. A palavra "razão" possui divet sos significados. Entre outros, os seguintes: 1. faculdade do pensamento discursivo, por contraposi- ção ao intuitivo; 2. faculdade de bem julgar, isto é, de distinguir o verdadeiro do falso e o bem do mal; 3. faculdade do conheci- mento natural, por oposição à fé e à revelação; 4. conjunto dos princípios gerais, reguladores do pensamento discursivo. A seguir, entretanto, p10curaremos determinar a acepção em que se empregará essa palavra. A razão é a faculdade por intermédio da qual concebemos, julgamos e raciocinamos, isto é, refletimos, pensamos. Ela se carac- teriza por duas funções: em primeiro lugar, é a faculdade que forma conceitos e, em particular, constitui as categorias, ou seja, os concei- tos-chave, do pensamento cognitivo em geral; sob este ponto de vista, sua função é a de coordenar os dados da experiência e fornecer os moldes subjacentes a todo pensamento objetivo. Em segundo, ela é a faculdade de combinar conceitos, julgando e inferindo; sob este aspecto, sua função é tipicamente ativa. Embora a distinção entre as duas funções anteriores seja algo artificial, possui, não obstante, certo valor. A primeira função da razão denominaremos de função constitutiva e a segunda, de função operativa. Por conseguinte, podemos falar, ainda que de modo im- preciso, da razão constitutiva e da razão operativa. O conhecimento positivo, em sentido amplo, é conhecimento conceitual. Ele seefetua mediante conceitos basilares e gerais, como os de objeto, de relação, de espaço, de tempo e de causa, que a razão elabora com apo!o na experiência, se bem que a ext:J.a- polando. As duas fontes do conhecimento positivo são a experiência e a 2 razão. Pela primeira, entramos em contacto com os mundos in- terior (sensibilidade interna) e exterior (sensibilidade externa); ela é, pois, o ponto de partida das ciências da natureza e do homem. Todavia, convém frisar, mesmo o conhecimento empírico não se reduz aos dados puros e simples da experüência. De fato, a razão fornece as categorias pelas quais sistematizamos nossas sensações e tomamos intelegível a experiência. Assim, por exemplo, percebe- mos que determinada sensação precede outra e associamos várias sensações como sendo causada~ pelo mesmo objeto. A razão cons- titutiva, em síntese, ordena os dados empíricos. Por intermédio especialmente da razão operativa, estendemos os marcos da experiên- cia, c edificamos, por exemplo, as ciências lógico-matemáticas. Dado o caráter conceitual do conhecimento positivo e, em par- ticular, do científico, deduz-se imediatamente a importância da lingua- gem para a atividade racional: expressa-se, fixa-se e comunica-se o conhecimento pelo emprego da Jinguagem. As categorias e as trans- formações lingüísticas refletem, entre limites, os processos constitutivo e operativo da razão. As categorias e os princípios racionais, que nos peunitem ordenar a experiência, parecem ter natureza a priori. Porém, isto evidente- mente não implica serem tais categorias e princípios absolutamente independentes da experiência, nem que sejam fixos e imutáveis. Ao contrário, pensamos (e procuraremos justificar nossa crença) que a razão se vai constituindo no decurso de sua própria história, devido principalmente a contingências miundas do progresso científico. Então, sua aparente natureza a priori mostra-se relativa: ela é a priori apenas em conexão com um dado estágio do conhecimento, podendo se transformar, não possuindo estrutura absoluta e invat iável. Isto se opõe, por exemplo, ao kantismo ortodoxo, de acordo com o qual a razão é, essencialmente, imutável. A razão que consideraremos é a razão construtora da ciência ocidental e cuja evolução histórica se pode seguir, com detalhes, mesmo em épocas anteriores à da civilização gt.ega, no meio da qual a lógica foi erigida como corpo de doutrina autônomo. Há dois problemas importantes, no entanto, que se acham fora do escopo de nossa indagação e que convém mencionar: 1 . a questão de se saber se a razão, como a concebemos atualmente, representa o resultado de um processo de evolução contínua ou, mesmo, descontínua, a partir de uma mentalidade primitiva, da qual ela não se distingue de modo radical {Pradines); ou se, ao contrário, a mentalidade primitiva, sendo pré-lógica e governada pela lei da participação, é irredutível aos princípios e às categorias racionais (Uvy-Bruhl); 2. o problema de se saber se há, na verdade, outros tipos de razão, diferen- 3 tes da nossa; por exemplo, a suposta atividade racional de algumas correntes do pensamento oriental, que reiteradas vezes sao citadas como exibindo padrões de racionalidade intrinsicamente diversos do nosso. Há ainda outras restrições que imporemos em nosso estudo da razão: não trataremos da atividade racional, mas dos produtos dessa atividade, quando metodicamente conduzida, com a finalidade pre- cípua de se obter conhecimento ou se exercer a reflexão crítica. Tais produtos são os contextos racionais, em particular, os contextos científicos. Como a atividade- racional se expressa por meio da linguagem, os contextos racionais não passam de contextos lingüísti- cos. A lógica formal reflete, na realidade, a estrutura dedutiva destes últimos, e só indiretamente se pode afirmar que retrate o modo como pensamos. Com efeito, a maneira pela qual efetivamente pensamos é deveras complexa: as inferências que fazemos, por exemplo, de- pendem de analogias inconscientes, de nossa experiência em sentido amplo, de tendências estéticas, de inspuações momentâneas etc., sendo, pois, difícil analisar e codificar o processo real do pensa- mento. Porém, os resultados do exercício da razão, contidos nos contextos racionais, constituem-se em geral de acordo com normas bem mais rígidas e fáceis de se analisar. Frisemos, no entanto, que essas normas acham-se condicionadas historicamente: a história da física, v.g., deixa claro que as categolias racionais da física aris- totélica, da newtoniana, e da hodierna ·variaram profundamente; termos técnicos como "tempo", "espaço", "causa" e "força" tiveram seus significados modificados de modo profundo; algo semelhante se passou com a geometria, sendo que os padrões lógicos da época de Euclides diferem dos da geometria atual. Já dissemos que o conhecimento positivo é conhecimento con- ceitual. Mas os conceitos somente se tornam mais ou menos fixos ·e estáveis quando são imersos nos contextos racionais, através de termos convenientes cujas conotações eles constituiem. Fo1a de tais contextos, os conceitos se encontram em contínua transformação, dependendo, tanto ao nível subjetivo como ao nível social, de enú- meras circunstâncias, tais como associações de idéias momentâneas e o estado da cultura que se considera. A fixidez dos conceitos nos contextos racionais advém, acima de tudo, de fatores sociais, que impõem certa constância na estrutura dos contextos, tomando-os objetivos. Porém, a priori, nada nos garante que essa objetividade seja absoluta. Como focalizaremos nossa atenção na lógica fonnal, devemos nos ocupar dos aspectos dedutivos da razão operativa. Todavia, isto não se pode fazer com proveito sem se tratar, também, da 4 razão constitutiva. A lém disso, para a boa compreensão do tema, torna-se imprescindível que se trate do mecanismo da inferência in- dutiva, mesmo por alto. Os princípios lógicos fundamentais são postulados da razão constitutiva. A razão ope1 ativa, quer funcione dedutivamente, quer indutivamente, acha-se regulada por tais princípios. Na investigação das relações entre a lógica formal e a atividade dedutiva da razão, aparece envolvida necessariamente a razão constitutiva, que é, sob certos aspectos, mais básica do que a operativa. Como a razão se exterioriza pelos contextos racionais, sendo através deles julgada, ela por assim dize1 adquire um certo status intersubjetivo. Deixa de ser patrimônio das pessoas, para se con- verter em elemento constitutivo da cultura de determinada época, passando a possuir conotações sociais e culturais, decorrentes de sua própria história. Daí se poder falar da razão heUnica ou da ra<..ão inerente à física newtoniana. Isto não implica, por si só, qualquer concepção metafísica referente à razão, mas se resume apenas na constatação de um fato. Feita referência aos dois ptoblemas acima, à página 3, que não serão aqui estudados, passemos a formular os que nos intet essam basicamente, que são os segwntes: l . A questão da natureza das atividades racional e lógica. Por exemplo, elas coincidem, pelo menos parcialmente? Há um núcleo de princípios racionais sem o qual não pode haver atividade racional? Em caso afirmativo, tais princípios coincidem com as leis lógicas? 2. A questão das cone- xões existentes entre a razão e a realidade. Em especial, prob!ema relevante é o de saber se os pnncípios lógicos decorrem da própria natureza da razão ou se resultam de uma atividade e interação recíprocas entre o espírito e o contorno no qual se acha imerso. 3 . A questão das espécies do conhecimento racional: é ele apenas discursivo ou há intuiç.ão racional? 4 . Finalmente temos a questão do critério que nos assegura a verdade dos juízos lógico-ma- temáticos, que em aparência dependem tão-somente da própriarazão. Relacionados os problemas dos quais vamos nos ocupar, convém deixar claro, desde o início, a maneira pela qual eles serão tratados nesta obra. Nossa atitude, frente a tais prob:emas, será positiva e crítica; noutras palavras, trataremos de enquadrar nossas perquú ições dentro das fronteiras da chamada filosofia científica (rigorosa ou positiva). Assim, para exemplificar, a lógica constituirá para nós um dado, que origina questões variegadas e impot taotes, cujas res- postas deverão ser buscadas adotando-se uma atitude mental similar à que o cientista assume em suas pesquisas. Para esclarecer melhor 5 tudo isto, nó restante desta introdução conceituaremos filosofia científica Cl>. Na filosofia encontramos questões de natureza variada e, para contestá-las, os filósofos empregaram os métodos mais diversos. No entanto, em p1incípio, é possível classificar os problemas filosóficos em duas classes fundamentais: os de caráter científico e os de caráter especulativo. Naturalmente, esta distinção, à primeira vista, mostra- -se talvez pouco nítida, mas, no decurso de nossa exposição, ela ficará paulatinamente clara. Procuraremos basear a distinção anterior não nas essências mesmas das questões científicas e especulativas, mas no método em- pregado em resolvê-las, ou, pelo menos, no processo de estudá-las. Assim sendo, o mesmo problema pode ser forcalizado sob prismas diferentes, ora se constituindo em questão de índole científica, ora de índole especulativa. Isto não quer dizer, todavia, que não existam temas que não sejam tipicamente especulativos nem assuntos que se enquadrem apenas na classe dos tópicos científicos. O equacionamento de um problema filosófico é científico na medida em que se procedeu cientificamente ao equacioná-lo. Se isto for possível, falando por alto, a investigação correspondente faz parte da filosofia científica e os resultados assim alcançados têm caráter científico. Em caso contrário, trata-se de indagação es- peculativa. Daí, a necessidade de caracterizar, da maneira mais precisa que pudermos, o que entendemos por método científico em filosofia. Evidentemente, uma definição exata e perfeita de método cien- tífico em filosofia ou, o que dá no mesmo, de filosofia científica, não pode ser obtida. Tentaremos, tão-somente, delinear tal noção em suas feições mais gerais. A posição científica, em filosofia, aptesenta alguns traços mar- cantes que patentearemos a seguir. Esses traços resumem-se nos seguintes pontos capitais : 1. Na formulação e na solução (mesmo aproximada) de problemas filosóficos de cunho científico, o pes- quisador adota atitude de trabalho idêntica à do cientista, em senti- _do estrito. Não há, realmente, no fundo, qualquer düerença entre a atividade do filósofo, ao fazer filosofia científica, e a do cientista, ao tratar de sua ciência, salvo no que diz respeito à generalidade do domínio estudado, o que há implicar, por seu turno, uma certa (ll No que se segue transcrevemos, com ampliações e modifica- ções, nosso artigo COnceptualización de la fUosofía científica, Re- vtsta de Filosotía de la Untversidad de Costa Rica, II, n.o 8 (1960), 363- 366. 6 diversidade apenas de detalhe entre o resultado da perquisição ffios6- fica e o da científica, em sentido estrito. Em particular, a verdade, em filosofia científica, como nas ciências especiais, é atingida em etapas sucessivas, sempre suscetível de reconsideração e nunca de- finitiva e completa. 2. Todo conhecimento positivo, particular e e definido, na medida em que é possível, pertence a uma ciência especial. Os conhecimentos proporcionados pela filosofia científica, ou se referem à ciência pwpriamente dita, como objeto de estudo, ou se limitam à prática da análise critica. A análise, na verdade, cons- tituiu efetivamente um método de traballio e o resultado de sua aplica- ção consiste em esclarecimentos que nos fornece relativamente a determinados tópicos. A análise, praticada dentro da filosofia cien- tífica, serve para aclarar certas situações complexas ou confusas e nada mais. 3 . No seu labor quotidiano, o filósofo-cientista deve adotar uma posição de independência completa no tocante às relações entre suas pesquisas e a práxis política, a religião, a filosofia especula- tiva, ou outra forma qualquer das atividades humanas, com exceção da ciência. Pode parecer ridículo insistir em tal fato, mas o certo é que há filósofos que defendem concepções opostas. Por exemplo, há quem pense que a filosofia. deva servir de base para estudos teológicos ou religiosos, o que acarreta ser seu estudo moldado por essa crença. Tais concepções não se justificam no que tange à filosofia científica. No entanto, esta última acha-se intimamente liga- da à ciência, e deve ser cultivada sempre se tendo em vista os pro- gressos das diversas ciências especiais. A esse respeito, a ciência é a fonte inspiradora do ffiósofo<2>. Ao afirmarmos que o filósofo deve adotar, quando faz filosofia científica, uma atitude similar à do cientista, supomos que tal atitude seja mais ou menos patente. Sem dúvida, o fato básico com relação à atitude científica resume-se em que as investigações do cientista são objetivas<s>. Noutras palavras, o investigador, na ciência, aceita certos critérios, alguns implicitamente, que regulam a pesquisa e que servem para testar os resultados obtidos, confirmando-os ou invali- dando-os. De modo mais exato, a atividade científica regula-se por meio de princípios e de convenções, implícitos ou explícitos, que a (2) Talvez ninguém fosse capaz de defender seriamente a tese de que a filosofia científica, tal como a definimos, tenha qualquer relação mais estreita com a religião, por exemplo. Porém, achamos que não existe inconveniente em sublinhar o ponto em apreço, dado que, às vezes, o filósofo gosta de divagar. (3) O termo "objetivo" acha-se empregado, evidentemente, em sentido restrtto e especifico. Não negamos, todavia, que possa ser usado, com proveito, em outras ac.epções. 7 moldam c lhe dão forma. Não vamos expor aqui todos esses cri- térios, que podem variar de tempos em tempos com a evolução da ciência e da filosofia, mas convém lembrar alguns. Assim, v.g., a pesquisa científica se faz racionalmente, sem se apelar para quais- quer outras fontes possíveis de conhecimento, a não ser a experiência (cientificamente considerada); não são admitidos, em particular, como fonte de saber científico, quaisquer formas de intuição meta-racional. Outro exemplo: su~se, comumente, que há alguma forma de ver- dade que a ciência nos fornece e que o domínio dessa fo1 ma de verdade nos permite, por sua vez, dominar a própria natureza. Falando, agora, especificamente da filosofia científica, é pressuposto fundamenta l que a análise crítica constitui método efetivo de pes- quisa e, também, de esclarecimento de situações complexas. Na filosofia científica, praticamos a reflexão analítica e crítica. Mas, uma vez a situação esclarecida, nada, em certo sentido, resta para a filosofia, pois todos os conhecimentos positivos e dete1 mina- dos se incorporam à ciência ou à teoria da ciência; qualquer conheci- mento científico pertence a uma ciência especial, ou refere-se à pró- pria ciência e se enquadra na teoria da ciência. A filosofia científica, no entanto, tem conteúdo: as disciplinas científicas especiais englo- bam tudo o que racional e positivamente podemos conhecer, em- bora, por seu lado, se constituam em elemento de estudo e de indagação pru a a filosofia científica. Podemos mesmo dizer que, deixando a análise de lado, o objeto da filosofia científica é a teoria da ciência. A teoria da ciência desenvolve-se, dentro da filosofia científica, principalmente pelo emprego sistemático dos métodos da moderna teoria da linguagem, ou seja, numa palavra, da semiótica. Aqui alinguagem não é concebida ew moldes estreitos, mas de maneira ampla, abrangendo temas sintáticos, semânticos e pragmáticos. Mesmo muitos aspectos da ciência que aparentemente (ou quiçá realmente) pouca relação apresentam com as noções lingüísticas comuns, en- quadram-se numa das dimensões da moderna te01 ia da linguagem, quando se conceitua a semiótica em sentido amplo. Resumindo, a filosofia científica apresenta duas dimensões: 1.0 ) dimensão construtiva ou sistemática, quando encarada como teoria da ciência; 2.0 ) dimensão não construtiva ou analítica, quando con- siderada como conjunto de atividades analíticas, elucidativas e críti- cas. A coordenação dos resultados obtidos pela aplicação sistemá- tica da análise também pode ser admtida como fazendo parte desta dimensão, embora as verdades assim atingidas passem futuramente para o domínio das ciências especiais ou da teoria da ciência, quando forem dotadas de conteúdo positivo e não possuírem apenas 8 natureza negativa (por exemplo, quando a análise efetuadn evidencia que certa concepção carece de base ou que dado corpo de doutrina não tem conteúdo racional pleno) <4>. Isto posto, convém tratar das relações entre a filosofia científica e a filosofia especulativa. A discussão anterior pode nos induzir a acreditar, como acontece com alguns pensadmes, que a filosofia cien- tífica por si só é suficiente para provar a falta de sentido da filoso- fia especulativa e, mesmo, sua completa invalidade. Não endossa- mos, todavia, essa tese. Com efeito, a filosofia científica somente trata de problemas originados pelas ciências especiais ou analisa questões de índole muito mais vasta, aclarando-as, e, às vezes, evi- denciando que elas não constitue.m questões científicas ou suscetíveis de resolução em termos empírico-racionais. Não obstante, isto não basta para se negar inteiramente a possibilidade da especulação filo- sófica. O máximo que se é levado a concluir é que semelhantes questões não são científicas e, por isso mesmo, enconttam-se fora do âmbito dos métodos puramente científicos. Para negar a filoso- fia especulativa, a filosofia científica teria de se converter em espe- culação não científica. Alguns exemplos de resultados positivos conseguidos pela filosofia científica ajudarão, sem dúvida, a compreendermos, melhor, o seu espírito. Os trabalhos de Tarski sobre o conceito de verdade, a teoria das descrições de Russell e as investigações histórico-críticas de Mach sobre os fundamento~ da mecânica de Newton são três denb.e as conquistas da moderna filosofia científica. Merecem men- ção, também, as antigas, mas não antiquadas, inquirições de Poin- caré e de Enriques sobre as noções de espaço e de tempo; embora estes autores divirjam em vários pontos (por exemplo, Poincaré é nominalista rio tocante ao espaço, doutrina à qual se opõe Enriques), isto evidencia que discrepâncias em filosofia científica não consti- tuem embaraços para o seu avanço. Ao filósofo de tendência es- peculativa, exemplos similares aos lembrados podem parecer pouco relevantes, especialmente quando comparados com os objetivos am- biciosos da especulação. No entanto, um reparo assim à filosofia (4) A teoria da ciência, como parte da filosofia clentifica, não significa o mesmo que filosofia da ciência, segundo a concepção de. Inúmeros filósofos. De fato, a teoria da ciência trabalha ex- clusivamente com conceitos científicos, constituindo o que se poderia chamar de metactência, enquanto que na fUosofla da ciência, em seu significado tradicional, convergem conceitos tanto cientificos como especulativos. Hoje em dia, entretanto, emprega-se a expres- são "tllosofla da ciência" praticamente como sinônima de teoria da ciência. 9 científica dificilmente poderia ser levado a sério. NotarP-mos, uni- camente, que se o seu escopo é mais limitado do que o da especula- ção, esta última, todavia, é menos segura e menos objetiva do que ela (talvez fosse até correto asseverar que a pura especulação carece de qualquer objetividade, se utilizarmos a palavra "objetividade" em sentido delimitado e preciso). Em síntese, a conceituação proposta de filosofia científica pos- sui caráter exclusivamente metodológico, dentro do campo filosófico. Mas defendemos a tese de que a separação dos dois tipos de inda- gação é essencial para o progresso da filosofia, pois somente a divisão em apreço mostra-se capaz de evitar vários mal-entendidos entre cientistas e filósofos, além de ser vital metodologicamente falando. Tendo-se em conta, sempre, a diferenciação entre esses dois tipos de filosofia, muitos p1 oblemas aparentemente insolúveis tornam-se claros e a confusão que os originou desaparece. Além disso, a filosofia científica é independente da especulativa, na acepção de que pode ser desenvolvida sem se necessitar de apelos à filosofia especulativa, embora esta quiçá não seja totalmente independente da primeira. Na conceituação de filosofia científica proposta acham-se envol- vidas algumas dificuldades, sobre as quais convém tecer considera- ções complementares. Na filosofia tradicional, de tendência especulativa, os filósofos defendem em geral a tese de que procedem racionalmente em suas perquisições. No entanto, o tipo de racionalidade da especulação clássica dife1e do que atribuímos à filosofia científica. A diferença resume-se no seguinte: na filosofia científica, de conformidade com o que já se disse, usamos conceitos cientfficos. :B claro que não se trata apenas de conceitos científicos em sentido restrito, e, sim, de noções científicas em sentido amplo. Exemplifiquemos: o físico, em seu trabalho rotineiro, não emprega diretamente o conceito de teoria; porém, essa noção é por ele compreendida e, em várias cir- cunstâncias, utilizada (algumas vezes implicitamente) . De fato, é comum o físico afirmar que vai testar uma teoria ou que dada teoria tem valor unicamente aproximado. Noutras palavras, o físico está comprometido não só com as idéias expressas pelas diversas lingua- gens técnicas da física, mas também com idéias da metalioguagem dessa ciência. Já na especulação, toma-se essencial a introdução de conceitos destituídos de caráter científico. Os termos ''Espírito", na filosofia de Hegel, "alma", na acepção dos escolásticos, e "ímpeto vital", na filosofia de Bergson, possuem, evidentemente, conotações especuJa- tivas. Mas qual é, no fundo, a distinção que há entre os conceitos 10 centíficos e os especulativos? Sem se apelar para concepções espe- culativas, aparentemente a única resposta possível é a seguinte: tal distinção depende da história da ciência. Num determinado mo- mento dessa história, há conceitos que são claramente tidos como científicos, há os que são, além de qualquer dúvida, especulativos e existem, também, os que se tem dificuldade em classificar, por falta de critérios plausíveis, o que acarreta a falta de unanimidade no to- cante à sua natureza. A teoria de Poisson da eletricidade e do magnetismo supunha a existência de fluidos apropriados, explicando bem os fenômenos elétricos c magnéticos conhecidos na época. No entanto, hoje, re- correr-se a tais fluídos, em ciência, da maneira um tanto ingênua como Poisson procedia, seria obsoleto: os conceitos básicos do sábio francês deixaram de ser científicos, caindo em desuso. Algo análo- go se passou com a teoria do calórico, derrubada pelo americano Rumford. Vale a pena observar que um conceito, depois de passar por uma fase científica, pode ser enquadrado entre as idéias especulati- vas e, enfim, voltar a ter status científico. Isto é o que parece ocor- rer com a noção de éter: na física do século passado o éter desem- penhava papel do mais alto valor explicativo. Para o físico de fins do século XIX, o éter não se constituía tão-somente em conceito teó- rico, cujo valor único era ode ajudar a sistematizar a experiência; ao contrário, designava algo real: Lorentz, para superar dificuldades de sua teoria eletromagnética, referente à possibilidade de se reconhecer o movimento absoluto, sustentou que se podia calcular a velocidade de um corpo em relação ao éter, e Michelson e Morley tentaram calcular a velocidade da terra em comparação a ele. Com o adven- to da teoria da relatividade, porém, o éter quase foi banido da física. No entanto, atualmente, parece que ele está voltando a reviver em ciência. malgrado as críticas de Einstein. De úm modo geral, dado que as ciências especiais foram se tornando independentes da filosofia. seria de se esperar que numero- rasos vocábulos técnicos das ciências positivas fossem empregados plimeiramente como termos contendo traços especulativos. B o que se dá, por exemplo, como o termo "causa". Lembraremos, ainda, que há termos empregados ao mesmo tempo em ciência e em especulação. B o caso dos termos "vida" e "causa". Mas é claro que, embora os termos sejam os mesmos, os conceitos por eles expressos, em ciência e em filosofia especulativa, divergem, não obstante possuírem qualquer coisa em comum. Em síntese, a exemplificação feita corrobora que a classificação dos conceitos em científicos e em especulativos não é absoluta. Po- 11 rém, embo1a essa classificação não seja tão nítida quanto possa pare- cer à primeira vista, ela é legítima e acarreta que, mesmo a razão permanecendo única, há dois tipos de racionalitkzde: o científico e o especulativo. Correlacionado com a questão dos tipos de racionalidade, en- contra-se o tema dos tipos de objetividade: a filosofia especulativa, ao que tudo indica, utiliza métodos que conduzem a uma precisão racional bem maior do que a atingida em algumas ciências (v.g., a arqueologia) e, mesmo, superior à de ceitos tópicos de filosofia científica. Não se pode negar, por exemplo, que em filosofia tomis- ta as discussões apresentam certo grau de objetividade: muitas dispu- tas são suscetíveis de superação, e um dos métodos empregados pru a isto consiSte na exegese dos texto~ de São Tomás. Por outro lado, facilmente se podem citar capítulos da ciência onde a objetividade é pequena e que, em decorrência, provocam polêmicas intermináveis; tal ocorreu, como se sabe, com as discordâncias entre lamarkistas e darwiniStas ainda em nosso século. Tudo isso parece constituir ar- gumento contra nossa afu mação, feita anteriormente, de que a filoso- fia científica é mais objetiva do que a especulativa. Porém, esta conclusão seria prematura e decorre da confusão entre as formas de racionalidade envolvidas nas atividades científicas e especulativa. Com efeito, a objetividade científica 6 diferente da objetividade especulativa, em virtude das atitudes científica e especulativa não coincidirem. E não se pode "deixar de reconhecer que, historica· mente, a atividade científica se afigura como bem mais consistente do que a especulativa, dado que a primelia sempre se acha sujeita a determinados critérios mais ou menos explícitos que a permitem julgar, ao passo que com a especulação, no seu todo, isto não acon- tece. Daí, se asseverar que atitude científica mostra-se mais objetiva do que a especulativa. Mas a objetividade da indagação científica, em última instância, constitui produto da própria história. A situação aqui é ·análoga à da questão da racionalidade dos processos científicos, e não há neces- sidade de se discorrer sobre o tema. Como são log1.ados os fms da filosofia científica? Já aludimos detalhadamente à atitude espiritual que a norteia. No entanto, seria desejável falar, mesmo por alto, dos métodos particulares de que ela dispõe para atingir as suas metas, entre as quais se enquadra o exercício da reflexão analítica e crítica. Seus métodos principais são os seguintes: 1. a análise semiótica; 2 . o recurso às ciências espe- ciais; 3. a exemplificação histórica; 4. a elaboração de modelos hipotéticos. Lançruemos mão desses métodos numerosas vezes. Mas, antes 12 de delineá-los, convém advertir que somente a sua aplicação siste- mática e repetida nos fará compreendê-los perfeitamente. A análise semiótica se efetua de duas maneiras: com ou sem o uso de técnicas formais. A primeira é a análise lingüística formal e destina-se a solucionar problemas como ao que se refere Rosenbloom na seguinte passagem: "Aqui sugerimos o critério de 'put up or shut up' como um meio para auxiliar a valorização das discussões em lógica. Caso alguém advogue que certas características são desejá- veis em lógica formal, então deve exibir um sistema que demonstra- velmente possua tais propriedades. Se possível deve-se mostrar que o sistema é adequado pelo menos para a aritmética. Caso se criti- que determinadas propriedades de um sistema de lógica, então deve-se exibir um sistema razoável e adequado que se demonstre não possuir essas propriedades. Naturalmente, quando um teorema como o de Godel indica que a demonstração requerida pode não existir, o crit~ rio é suscetível de ser relaxado. Discussões vagas e informais podem ter valor como guias para trabalho futuro, mas devem ser considera- das no máximo como esboço preliminar, até que a tese tenha sido enunciada em termos precisos, através de uma linguagem-objeto para a qual se haja provado, que possui as qualidades dese_jadas. A menos que tais critérios sejam estritamente aplicados, as discussões em ló- gica e em fundamentos da matemática têm o perigo de degenerar nos tipos de controvérsia filosófica nas quais não se sabe exatamente qual é o problema em tela e nem quando a questão está realmente solu- cionada."<S> A análise semiótica sem o expediente de técnicas for- mais, por seu turno, se procesc;a pela análise do signüicado e do uso de termos e estruturas lingüísticas, da linguagem comum ou da cien- tífica, ao se procurar esclarecer o sentido real de símbolos vagos e das estruturas lingüísticas nas quais eles aparecem. Assim, pode-se indagar sobre o significado do princípio da identidade, que comu- mente se enuncia deste modo: A é A. Começar-se-á tentando es- clmecer o significado do símbolo "A": :e ele uma variável? Em caso positivo, qual o seu domíruo? E a cópula "é", que significado possui? O juízo "A é A" é da forma sujeito-predicado? A partir de· int~rrogações semelhantes e das correspondentes contestações par- ciais, fazemos análise lingüística informal, lançando luz sobre o prin- cípio em apreço. A importância da análise, do ponto de vista ra~ cional, advém da conexão já mencionada que existe entre razão e linguagem. (Sl P . Rosenbloom, The Elements ot Mathematical Logic, Dover, New York, 1950, pp. 64-65. 13 Em filosofia científica, recorre-se, muitas vezes, às diversas dis- ciplinas positivas especiais. Suponhamos que se estuda o conceito de espaço. Após ter-se verificado que há vários espaços - o psico- fisiológico, o físico e o geométrico puro - admitamos que se quer tratar da gênese do primeiro. :e ele fruto da experiência? Ou é uma forma de nossa sensibilidade externa, como pensava Kent? Ou talvez seja o produto da experiência e da razão? Neste problema, o recurso à psicologia e à fisiologia mostra-se indispensável. Em particular, as investigações de Mach sobre o papel dos canais semi- circulares do ouvido interno na gênese da noção de espaço não podem ser ignoradas, pois se evidenciam de enorme relevância para se compreender o ·significado real dessa noção. Vê-se, pois, que as ciências especiais podem auxiliar a filosofia científica. A exemplificação histórica também constitui método excelente de esclarecimento de idéias. Se o nosso intento é, v.g., entender o papel do conceito de lei nas ciências naturais, nada melhor do que apelarmos à história da ciência, ensaiando constatar como essa idéia evoluiu. Kepler, por exemplo,tinha concepção de lei totalmente diversa da hodierna. "Quando Kepler descobliu que a revolução de Marte se faz sobre uma elipse da qual um dos focos coincide com o Sol", escreve E.nriques, "ele ficou tomado de um entusiasmo sem reserva: 'Pouco importa que um tempo mais ou menos longo deva decorrer antes que esta descoberta obtenha enfim um pleno reconhecimento. Deus não esperou milhares de anos antes que sur- gisse um homem capaz de contemplar sua obt a?' Kepler não duvi- dava de estar em posse de uma verdade absoluta e eterna, e era essa certeza que o enchia de um legítimo orgulho. Mas uma pre- sunção desse gênero não poderia ser partilhada por nenhum cientis- ta de nossos dias. E o próprio Kepler, que diria se, ressuscitado por um milagte, pudesse tomar conhecimento da evolução efetuada pela astronomia, que avançou precisamente na rota que ele abriu?" E acrescenta Enriques: "Ele não ficaria confundido de perceber que aquilo que a seus olhos era uma ·verdade pura e simples não .passa de uma aproximação da própria verdade ou, mesmo, do ponto de vista estritamente lógico, de um 'erro' que a teoria newtoruana corrigiu?"<6> A história nos mostra que, com os progressos da téc- nica e a evolução da ciência, as leis deixam de ser exatas e trans- formam-se em enunciados válidos apenas em primeira aproximação. Paradoxalmente, hoje, quando um pesqUisador estabelece uma lei (&)F. Enrlques, Signtficatfon de l'hi8toire de la pensée sclentifi- que, Herm:um, Paris, 1934, p. 6, 14 natural, sabe, de antemão, que ela é imperfeita e que será, no futuro, seguramente substituída por outra mais exata. No que conceme à noção de lei natural, essa é a lição da história. Como a história é uma das ciênciac;, poder-se-ia indagar por que o método que acabamos de debuxar foi separado do segundo. Não há dúvida de que ao se utilizar a exemplificação histórica, estamos recorrendo a uma ciência especial. No entanto, a separação é licita, pois existe, como é patente, uma diferença entre os dois : o método da exemplificação histórica contribuiu apenas indiretamente para a elucidação de problemas da filosofia científica, ao passo que o con- tributo das demais ciências particulares é direto e construtivo, ou seja, a história só pode elucidar, enquanto que estas últimas elucidam 1 e fornecem elementos para a edificação dos conceitos da filosofia científica. Finalmente, examinembs (l método da construção de modelos hipotéticos. Poincaré, por exemplo, empregou-o com freqüência; para mostrar a possibilidade real do uso das geometrias não eucli- dianas, na sistematização da I!Xperiência, imaginou mundos hipotéti- cos e logicamente possíveis, satisfazendo condições tais, que os seres que neles habitassem seriam naturalmente conduzidos a criar uma geometria não euclidiana, ao contrário de nós. Por outro lado, Einstein, como se sabe, repetidamente se valia desse método com a finalidade de fixar idéias e tornar mais intuitivas suas concepções: por exemplo, no que se refere à identidade da& massas inercial e gra- vitacional, formulou o modelo do elevador, tão conhecido. O méto- do dos modelos ajuda muito a elucidação de certas concepções intrincadas, bem como constitui processo fornecedor de contra-exem- plos, para patentear que posições que assumimos, consciente ou in- conscientemente, acham-se destituídas de fundamento. Para terminar a introdução, recapitularemos três caracteres da racionalidade científica, todos eles já tomados manifestos no de- curso da exposição. Em primeiro lugar, ela é histórica: o que hoje é racional aceitar, amanhã talvez não o seja. A razão e a raciona- nalidade (científica) se organizam na medida em que sua história se desenrola. Sem se invocar doutrinas especulativas, não se pode transcender, por completo, a historicidade da razão. Em segundo lugar, a postura racional continuamente questiona os resultados a que chega, resultados esses às vezes conseguidos a duras penas, como os próprios postulados que regulam sua ação; noutras palavras, ela é dialética: dialetizar suas conquistas e seus princípios, eis um dos traços marcantes da razão, quando cientificamente orientada. Final- mente, na história da razão se depara, com toda clareza, com deter- minado progresso. Essa história não é apenas encadeamento de 15 fatos, mas sucessão de etapas, cada uma das quais se afigura mais rica do que as precedentes, no sentido de que entendemos melhor os obstáculos que se opõem ao pensamento racional e as limitações e o sentido dos princípios que o regem. Isto quer dizer, simples- mente, que a razão não é estática e que na sua dinâmica se encontra o germe do ape1 feiçoamento(7). (7) De tudo que se escreveu, infere-se que a filosofia científica nada tem a ver com o cienti!iclsmo, nem mesmo com as correntes positivistas, quer na forma de Comte, quer na do neoposltlvismo contemporâneo. Contudo, ela engloba,. entre outros, temas episte- mológicos, sem16tlcos, metodológicos e gnoslológlcos. 16 CAPITULO 1 Razão, lógica e linguagem § 1 . Razão e l6gica No tocante às relações entre razão e lógica, há duas posições básicas, as quais podemos denominar de, respectivamente, posição dogmática e posição dialética. A primeira caracteriza-se por admitir o seguirtte: 1 . O lógico e o racional, em certo sentido, coincidem. Os princípios formais basi- lares da razão (ou do contexto racional) constituem, na 1ealidade, as leis da lógica (matemática) tradicional. Não se pode derrogar os princípios fundamentais da lógica sem se destruir o discurso ou, pelo menos, sem o complicar desnecessariamente; 2 . As leis da lógica (e da matemática) praticamente independem da experiência. Esta pode auxiliar na descoberta ou estruturação das leis lógicas, mas não con- tribui para as legitimar; 3. Embora os argumentos que são evocados pelos dogmáticos variem, indo desde posições metafísicas (certas formas de platonismo) até posições positivistas ( Carnap) ou prag- máticas (Quine, cuja concepção se denomina logicismo pragmático), o certo é que há uma determinada univocidade nas suas interpreta- ções da lógica: existe essencialmente uma única lógica, que pode variar em suas sistematizações possíveis apenas em questões de detalhe. A concepção dialética, por sua vez, contrasta com a dogmática especialmente porque: 1 . Para ela, o lógico e o racional nunca se identificam. O exercício da razão pode se dar através de sistemas lógico-matemáticos distintos, sistemas esses suscetíveis de diferir entre si pela incorporação ou não de alguns princípios centrais da clta- mada lógica tradicional; 2 . A razão não é auto-suficiente: o sis- tema lógico que espelha seu exercício depende da experiência, varian- do de conformidade com os tipos de objetos aos quais se aplica. Mais precisamente, pru te da lógica é alicerçada nas interconexões 17 entre a razão e a experiência. Isto significa, noutras palavras, que a experiência contribui para legitimar as normas racionais; 3. Não há uma única lógica. Em princípio, existem várias, todas lícitas do ponto de vista racional. A escolha dentre elas, no contexto da ciên- cia ou de um corpo de doutrina patticular, faz-se mais ou menos como o õsico escolhe a geometria que melhor se adapta às suas pes- quisas, dentre as diversas geometrias matematicamente possíveis. De acordo com a concepção que acabamos de descrever, e que é a nossa, pode-se dizer que a razão é dialética. Indubitavelmente, o termo "dialética" é por demais ambíguo; porém, acreditamos · que, do ponto de vista histórico, o seu uso, na acepção que aqui lhe con- ferimos, é lícito : encontra-se, por exemplo, dentro da diretriz das perquisições de pensadores como Bachelard e Gonseth. Precisando o que foi dito na Introdução, ao afirmarmos que a razão é dialética, queremos, com isso, tão~somente significar que ela nãopode ser codificada a priori via um sistema lógico fixo e que, na verdade, suas categorias são históricas, nascendo, modificando-se e completando-se pela sua própria atividade. A razão vai evoluindo à medida que a ciência pt agride. Em grande parte, isto decorre de sua própria auto- crítica e das dificuldades com que se defrontam as teorias cientificas para descrever e explocar a realidade. Convém, no entanto, desde já deixar claro que o caráter dialético da razão não acarreta ser ela totalmente arbitrária, nem que o processo racional possa ser modifi- cado ou transformado ad libitum. Ao contrário, como trataremos de evidenciar, comum a todas as possíveis expressões da razão por meio de sistemas lógico-formais e de categorias, há um núcleo inva- riante, o qual, todavia, é de natureza inteiramente distinta da que se- ríamos natmalmente levados a crer. Einstein asseverou que as leis da geometria, na medida em que se referem à realidade, são falsas, e que, na medida em que não se referem, são verdadeiras. Para a doutrina dialética da razão, ocorre com a lógica algo similar, em sentido que ficará claro adiante. Ainda um comentário ligado à terminologia: dialetizar deter- minada concepção significa apenas questioná-la, reformulá-la, negá-Ia mes~o, .de~onstrando que os pressu~ostos a el~ subjacentes são por demats mgenuos,. d~vendo ser, ou já tendo stdo, substituídos por outros novos, mats fmos e melhor adaptados aos fatos; isto acontece especialmente quando surgem evidências e situações recentes que forçam a alteração dos padrões explicativos antigos. Assim, para exemplificar, a teoria da relatividade nasceu de uma dialetização da õsica newtoniana, da mesma f01ma que a mecânica quântida dialeti- zou, entre outros, o conceito de corpúsculo elementar, entendido como partícula sujeita às leis da mecânica tradicional. Uma con- 18 cepção é dialetizável se, em pnnctpto, pode ser dialetiznda, ainda que no momento não se disponha de meios para tanto. Uma dialéti- ca de certa concepção A é um todo ordenado de considerações críti- cas elaborado com o intuito de dialetizar A . Não existe dialética de proposições isoladas; não há, portanto, dialética de "2+2= 4", a não ser que esta dialética seja uma dialética de determinada conce~ ção da atitmética. S6 se dialetizam concepções, sistematizações ra- cionais, e teoriaisUl . § 2. Lógica e matemática A lógica acha-se intimamente correlacionada com a matemática. Consiste mérito da escola logicista haver demonstrado que separar a lógica da matemática é algo arbitrário. Este fato foi evidenciado principalmente por Frege e por Bertrand Russell; o lógico inglês che- gou mesmo a afirmar que, nos Principia Mathematica, ele e Whi- tebead, partindo de princípios admitidos unanimemente como lógicos, chegaram a teoremas cujo caráter matemático não oferecia qualquer dúvida. Tal escalada, indo da lógica à matemática, sem solução de continuidade, salvo questões de detalhe, como o problema suscitado pelo axioma da redutibilidade, que não invalidam nossas asserções, mostram claramente as interconexões entre a lógica e a matemática. Tal circunstância fica ainda mais patente, se observamos que se pode detivar, em determinado sentido, toda a matemática usual da teoria dos conjuntos, fundamentando-se esta no cálculo de predicados de primeira ordem. No entanto, é preciso que se tenha cuidado ao fazer afirmações como as do parágrafo anterior. Com efeito, o que dissemos não acarreta que a matemática se reduza pura e simplesmente à lógica, conforme a primitiva tese logicista de Frege e Russell. A tese logi- cista, como foi originalmente formulada (a matemática reduz-se à lógica), é falsa, entre outros, pelos seguintes motivos: 1 . Como é sabido, na fundamentação da matemática na lógica, Russell necessi- tou de certos axiomas cujas características lógicas são discutíveis. Por exemplo, os axiomas da !edubbilidade, do infinito e da escolha; <l l Análise pormenorizada das diversas ncepções do equivoco termo "dialética", especialmente em autores contemporâneos dedicados à tuosofia da ciência (tais como Gonseth, cavallles, Lautmann, Bache- lard e Casanova ,este último fUlado ao marxismo) encontra-se em: G. Boullgand e J. Desgranges, Le déclin des absoZus mathémattco- logtques, Sedes, Paris, 1949. 19 2. Certos tópicos matemáticos, como as doutrinas intuicio'listas, não seriam redutíveis à lógica na sua conceituação usual; 3. O emprego sistemático de técnicas matemáticas no estudo de questões lógicas, como se dá com a teoria dos modelos e a lógica algébrica, torna a tese logicista um tanto ambígua. Em síntese, ao aproximarmos lógica e matemática, queremos, com isso, tã9-somente sublinhar que elas se acham correlacionadas entre si de maneira profunda, tanto pelos seus objetivos como pelos seus métodos. Elas constituem, em resumo, as ciências formais, por oposição às ciências reais, como a física, a biologia e a economia. Há, entre as ciências formais e as reais, diferenças básicas, embora não tão nítidas como um racionaHsta tradicional poderia supor. Neste ponto, todavia, surge uma dificuldade: a lógica, habitual- mente, é definida como a ciência que tem por finalidade precípua o estudo das intelferências válidas. Por outro lado, não parece, pelo menos à primeira vista, algo descabido sustentar que disciplinas ma- temáticas, tais como a geometria e a análise, estejam intimamente relacionadas com a lógica assim concebida? Na geometria, por exemplo, valemo-nos da lógica; porém, entre esta e aquela há dife- renças radicais: elas possuem finalidades completamente distintas. Nossa primeira tarefa, no que se segue, consiste em mostrar que tal dificuldade é, na realidade, o resultado de concepções simplistas dos domínios atuais da lógica e da matemática. Trata-se de pseudo- dificuldade, fácil de ser superada. A lógica atual é muito mais do que a doutrina das inferências váHdas. Não há dúvida de que tópicos da lógica hodierna pouco ou nada tem a ver com a doutrina das formas válidas de pensamento. Por exemplo, diversos assuntos pertencentes à teoria dos modelos e aos fundamentos da teoria dos conjuntos (o teorema de Lyndon sobre estruturas preservadas por homomorfismos, as investigações sob1e a consistência e a independência da hipótese do contínuo ... ) não se enquadrariam numa concepção da lógica que a limitasse uni- camente ao estudo do raciocínio váHdo. O certo é que a lógica, na sua fase presente de evolução, engloba, seguramente, esse estudo, mas vai bem mais longe, abrangendo temas remotamente ligados aos tipos de inferências válidas. Nela se ventilam questões de suma importância, algumas ligadas efefivamente às formas válidas de ra- ciocínio, embora outras tenham origem distinta, como, por exemplo, em questões de índole filosófica e em problemas de natureza tipica- mente matemática. Por out10 lado, a matemática corrente tem evo!uído de modo a se tomar cada vez mais abstrata e rigorosa, aproximando-se, por isso mesmo, da lógica. Além disso, como já se mencionou, esta 20 ciência tem-se aproveitado, cada vez mais, das técnicas matemáticas; a teoria da recursão e a lógica algébrica atestam esse fato. No fundo, uma das causas da aproximação que se verificou, desde fins do século passado, entre lógica e matemática, radica no uso bá- sico que ambas fazem do método axiomático e da formalização. Mesmo para os matemáticos intuicionistas, que defendem a tese de que a matemática e a lógica não são em pdncípio formalizáveis, as técnicas axiomático-formais são de capital importância, pelo menos para melhor caracterizar sua posição e. precisar suas idéias. § 3. Formalização O método fundamental de codificação e de sistematização das disciplinas dedutivas (isto é, lógico-matemáticas) é o método axiomá- tico. Mesmo nas ciências reais, ele desempenhapapel relevante e, sempre que há possibilidade, procura-se empregá-lo. Por seu inter- médio, tornamos explícitas as suposições e os ptincípios em que se alicerça uma dada disciplina, de maneira a se fazer uma idéia mais nítida da sua estrutura. Porém, é claro, tal procedimento só poderá ser empregado em disciplinas que já atingiram certo grau de matu- ridade, através de evolução que em alguns ~asos tem que ser lenta. Aparentemente, no entanto, nas disciplinas 1eais, ao contrário das dedutivas, a axiomatização é sempre algo precária e não desempe- nha papel tão fundamental. Existem dois níveis de axiomatização: o primário e o secundário. A sistematização de uma disciplina A faz-se, em nível secundário, que é o mais comum, assim: escolhem-se determinadas noções de A, aceitas sem definição, as noções (ou símbolos) primitivos, e certas proposições que relacionam essas noções primitivas de A (e, em al- guns casos, também noções de outras ciências imprescindíveis para a fundamentação axiomática de A), aceitas sem demonstl ação. A reduz-se, então, ao conjunto das conseqüências que , através das leis da lógica, podem ser derivadas das proposições primitivas aceitas (permite-se a introdução de novos símbolos em A, por definição, com a finalidade principal de dar ênfase a idéias importantes ou par.1 simplificar a exposição). Evidentemente, se a axiomatização de A depender de outras disciplinas, por exemplo de A1, A2, ... , Aru nada impede que se sistematize simultaneamente A1, A2, ... , An, de modo que o essencial, na axiomatização secundária, reside na circunstância de se pressupor uma única ciência de base: a lógica subjacente. A axiomatização da lógica, por seu turno, não pode ser secun- 21 tlária, uu seja, não pode pressupor outra ciência. Dito d~ maneira mais precisa, qualquer axiomática da lógica., feita com o intuito de fundá-la, de caracterizá-la, deve ser independente de outras disci- plinas: deve ser primária. Aqui ocorre algo semelhante ao que se passa, por exemplo, com a definição: não se pode definir tudo, sem- pre existindo termos que se aceitarão sem definição: os termos primi- tivos. (O que dissemos não implica, no entanto, que seja impossível o estudo metateórico de uma dada formulação axiomática da -lógica.) Assim, em resumo, o caráter pdmário de qualquer axiomática da lógi- ca decorre da própria natureza dessa ciência: ela deve servir de fundamento para todas as outras. O resultado da axiomatização de A é a obtenção de um sistema axiomáticoS, do qual A é uma das possíveis "realizações". (n sabido que os sistemas axiomáticos podem receber as mais variadas interpre- tações.) No que se segue, limitar-nos-emas às axiomatizaç®s pri- márias, por motivos patentes. Elaborado S, o passo seguinte, para a investigação de suas pro- priedades relevantes, consiste na sua formalização: escolhem-se sím- bolos convenientes, e as regras de formação, que explicitam as com- binações simbólicas de S dotadas de sentido, bem como as regras de inferência, que nos permitem obter novos arranjos simbólicos a partir de outros dados, são enunciadas de modo preciso. E ntão S conver- te-se numa espécie de jogo grafomecânico, realizado com símbolos fixos e mediante regras bem definidas. O rigor, em lógica e matemática usuais, é decorrência da forma- lização (ou da possibilidade, em princípio, da f01malização): uma determinada dedução ou demonstração em A é rigorosa se sabemos, pelo menos teoricamente, como formalizá-la, isto é, reproduzi-la numa conveniente formalização do sistema axiomático S, que se constitui em espécie de imagem de A (evidentemente, uma teoria pode ser axiomatizada de diversas maneiras distintas, o que implica haver várias formalizações dela). A axiomatização da disciplina ou teoria A pode ser semp1e tida como primária: basta, para tanto, que ao axiomatizarmos A, axio- matizemos, ao mesmo tempo, as disciplinas de que A depende. Na realidade, toda formalização é .formalização de· um sistema axiomático primário. O produto oriundo da formalização, isto é, o sistema gra- fomecânico obtido, denomina-se formalismo ou sistema formal. A organização final de qualquer teoda, lógico-matemática ou das ciências reais, tende a ser axiomática. Torna-se conveniente saber quais são os princípios da teoria, as suas idéias capitais etc., e isto fica bem claro pela análise axiomática. Utilizando o método axiomático a razão como que se objetiva. Daí, a relevância da 22 estrutumção axiomática dos contextos científicos, advindo des6e fato um de seus traços marcantes: eles são, em princípio, hipotético- -dedutivos. A tendência ao uso do método axiomático, patente em lógica e em matemática, afigura-se cada vez mais clara nas ciências reais, tanto nas da natureza (física, biologia,. · .. ) , como nas huma- nas (psicologia, economia, .. . ) . Nas ciências reais, todas elas de- pendendo da experiência, lança-se mão de procedimentos indutivos; porém, a reconstrução lógica da ciência, pelos contextos que origina, é dedutiva. A indução, pois, constitui-se sobretudo em método de descoberta, enquanto a dedução, em método de exposição e de sistematização. Um dos sintomas da inclinação da ciência atual para a sistema- tização dedutiva é a busca de teorias unificadoras que se percebe nos diversos ramos do conhecimento. Tal se dá, para citar um exemplo, com as tentativas de unificação, numa concepção única, das forças da natu1eza, aparentemente irredutíveis, como a gravitação e as forças eletromagnéticas. Não olvidemos, também, que não apenas Eucli- des apresentou seu sistema de geometria segundo os cânones do mé-- todo axiomático, mas que várias obras que marcaram época na ciência, como os P.rincipia de Newton e a Mecânica Analítica de Lagrange, igualmente se valeram do método axiomático. E, além disso, um dos célebres problemas formulados por Hiibert em 1900, como legado da matemática do século XIX à do nosso, precisamente o sexto, corrsiste na questão de se formular axiomáticas adequadas para as dife1cntes disciplinas da física. § 4. Lógica e linguagem Os princípios lógicos refletem, sob certos aspectos, as leis que regem o exercício da razão. Praticamente, não há atividade lógico- -racional sem o veículo lingüístico. Raciocínios muito simples, como, por exemplo, algumas inferências imediatas, aparentemente podem ser feitos sem se recorrer, de modo sistemático, ao aparato da linguagem. Po1ém, os resultados acabados e finais da razão ma- terializam-se, como já vimos, em cpntextos lingüísticos. Assim sendo, as leis lógicas terminam por ser caracterizadas por meio da linguagem. Se quisermos estudar os princípios da razão, espelhados pelos princípios lógicos, torna-se imprescindível, pois, tratarmos de alguns dos aspectos básicos da teoria da linguagem. Aliás, convém insistir, a ciência feita, o contexto científico que se comunica, é um corpo lingüístico dotado de vida p16pria, donde se deprende a rele- 23 vância das considerações de ordem -lingüística para a compreensão da atividade racional. Resumindo o que asseveramos, pode-se dizer que as leis da razão são suscetíveis de ser obtidas, em grande parte, pela análise crítica dos contextos de exposição científica. Estes se compõem das siste- matizações lingüísticas em que se comunicam os resultados da inqui- rição científica, seja no âmbito das ciências formais, seja no das reais. Os contextos científicos enquadram-se nas diversas discipli- nas científicas, as quais são 1 epartidas e distribuídas em várias ciên- cias, numa dada época, de conformidade com o estado do desenvol- vimento dos conhecimentos dessa mesma época. O sistema total das ciências, em. determinado q1omento histórico, t, Ct,, não é sem- pre o mesmo, dependendo de t. Evidentemente, os sistemas cientí- ficos da época de Euclides, da Idade Média e de nosso tempoafigu- ram-se completamente distintos. À primeira vista, no entanto, os vários Ct apresentam uma infra-estrutura, constituída pela ordem lógica subjacente, ma mais perfeita ora menos, mas sempre exis- tente: de fato, em qualquer período, os contextos, as teorias e as disciplinas científicas formam conjuntos logicamente concatenados de noções e de proposições. Idealmente, Ct, para qualquer valor de t, consiste de um edifício lingüístico, em sentido amplo. Grosso modo, uma linguagem L é um conjunto de sinais (ou de símbolos) empregados de modo sistemático e orgânico. Em L os símbolos denotam diretamente objetos ou contribuem indireta- · mente para a formação de estruturas simbólicas qu~ denotam. Além disso, em L, tendo-se em vista os significados de seus símbolos e de seus arranjos simbólicos, certas inferências são lícitas. Para facilitar a exposição, embora isto não seja essencial, supo- remos que L é uma linguagem composta de símbolos escritos (em oposição, por exemplo, às linguagens faladas). Em L chama-nos a atenção, em primeiro lugar, sua estrutura pu- ramente simbólica, ou, noutras palavras, sua sintaxe, que designare- mos por Lr. A sintaxe de L nada mais é, no fundo, do que o for- malismo que a ela podemos, ao menos em princípio, associar. O aspecto sintático, formal, da linguagem matemática é tão importante, que há pensadores, como certos formalistas, que tentam reduzir a ciência de Gauss a um mero estudo de formalismos: o conteúdo das teorias matemáticas não interessaria fundamentalmente ao matemáti- co, .mas tão só aquele que as aplicasse. O matemático e o lógico, enquanto tais, limitar-se-iam a tratar da sintaxe das teorias, venti- lando questões formais de cru á ter relevante (concepção análoga era a de Carnap em suas obras iniciais). Uma linguagem, não obstante, refere-se a objetos e situações: 24 alguns de seus símbolos denotam determinadas entidades e suas sen- tenças relacionam-se com fatos. Restringindo-nos ao aspecto sintá- tico de L, não se pode tratar de noções como as seguintes: os con- ceitos de verdade, de denotação, de sentido e outros similares. Em resumo, como evidenciaram especialmente Camap e Tarski, devemos levar também em conta a dimensão semântica da linguagem. Na semântica, pesquisamos as inter-telações existentes entre as lingua- gens e os objetos e as situações às quais elas se referem. Assim, no tocante a L, além da dimensão sintática, devemos tratar de sua dimensão semântica, Ls· e claro que, para se estu- dar Lg, torna-se imprescindível conhecer a estrutura formal de L, isto isto é, Lt. Logo, Ls, em certo sentido, envolve Lr; noutras pala- vras, a investigação semântica de L pressupõe o seu estudo sintático. A sintática.e a semântica·, pois, são as disciplinas que vetsam, respectivamente, sobre as dimensões sintática e semântica das lin- guagens. Morris observou que uma linguagem, digamos nossa linguagem L, não apresenta unicamente como dimensões djgnas de considera- ção teórica suas dimensões sintática, Lr, e semântica, Ls. Na semiose, isto é, no uso de sinais, acham-se envolvidas não somente os sinais e os objetos e as situações por eles designados, mas, tam- bém, as pessoas que os utilizam. Apenas por abstração é que se pode considerar Lr e Ls relativamente a uma linguagem L, por exem- plo a linguagem da geometria euclidiana usual. Como as lingua- gens são criações do homem, há questões a ela pertinentes, que não se enquadram nem na sintaxe nem n.a semântica, tais como certas questões psicológicas ou sociológicas relacionadas com a semiose. Daí, para se tornar possível analisar completamente a semiose, a ne- cessidade de se introduzir uma nova dimensão na investigação da linguagem: a dimensão pragmática, que leva em conta o emprego dos sinais na totalidade de sua problemática positiva. Tem-se, por- tanto, uma outra dimensão da linguagem, envolvendo as duas ptimei- ras: a dimensão pragmática, que, no caso de L, representaremos por Lp. A pragmática é a disciplina que trata da dimensão pragmática da linguagem. Morris ainda sugeriu que se denominasse semióticcr a ciência da linguagem. Em resumo, a semiótica divide-se em sintática, semânti- ca e pragmática. A semiótica, sob outro ponto de vista, subdivide-se em semiótica pura e em semiótica aplicada. A semiótica pura tem por finalidade o estudo de linguagens ideais, construídas axiomaticamente. Exemplos típicos de semelhan- tes linguagens são as teorias comun.s da matemática e da lógica, de- 25 vidamente axiomatizadas, tais como as teorias de conjuntos de von Neumann-Bemays--Gõdel e de Zermelo-Fraenkel, as várias axiomáti- cas do cálculo de predicados de primeira ordem e a aritmética de Peano. Nestes casos, as linguagens ventiladas não se acham vin- culadas diretamente à experiência sensível. Ao contrário, na semiótica aplicada consideramos linguagens ordinárias, para cuja elabmação e desenvolvimento a experiência é absolutamente imprescindível: elas só podem ser estudadas não se ol- vidando do nível empírico. Linguagens dessa categoria são às lin- guagens comuns, como o português e o francês, e as teorias e as disciplinas reais. Neste caso, é patente, a experiência constitui fator fundamental, que não pode ser posto de lado, como ocorre com as linguagens ideais da semiótica pura. · A distinção entre semiótica pura e semiótica aplicada é análoga à que há entl e a geometria pura, matemática, e a geometria física, do espaço (ou do espaço-tempo) real. Tanto na semiótica pura como na aplicada, a análise de uma linguagem L é feita com o auxílio de outra, LM. A primeira de- nomina-se linguagem objeto, e a segunda, metalinguagem. Convém notar que a separação entre linguagem e metalinguagem é relativa. Assim, v.g., ~ pode ser estudada por meio de outra linguagem L'M; ist61 ocorrendo, ~ passa a ser a linguagem objeto e L'M• a metalinguagem. A cuidadosa distinção entre linguagem e metalin- guagem é necessát ia, pois, como foi posto em evidência especialmente por Tarski, se assim não procedermos, podem, em muitos casos, sur- gir dificuldades. Mas, insistamos nesse ponto, essa necessidade não é absoluta: nada impede que se pratique análise crítica de expressões da linguagem comum, como "valor", "verdade analítica" e "senti- do", com os seus próprios recursos. Aliás, um dos traços marcan- tes da análise crítica consiste no fato de ela muitas vezes infringir a hierarquia dos níveis lingüísticos, relevante principalmente para ques- tões de semiótica pura. Pod~ria parecer, ao leitor desprevenido, que a pragmática reve- la-se importante para a semiótica aplicada, mas que o mesmo não acontece com a serniótica pura. Critéiios pragmáticos apresentam indubitavelmebte grande relevância para a compreensão das lingua- gens naturais e para as das ciências reais. Porém, no tocante às linguagens ideais, abstratas e, até certo ponto, arbitrárias da semióti- ca pura, isto aparentemente não ocorre: o que realmente importaria, seriam as características sintáticas e semânticas. De fato, embora não se explicite, em geral, esse modo de ver, ele se encontra subjacente à maioria das concepções da lógica e da matemática. Não deparamos, nas correntes relativas aos fundamen- 26 tos das ciências formais, com perquirições pragmáticas desenvolvidas de maneira sistemática, dentro do escopo da semiótica. Em geral os autores, principalmente os de formação matemática. insistem nos níveis sintático e semântico das teorias formais, não levando em con- sideração, ou relegando a segundo plano, o nível pragmático. Para alguns, a parte sintática é suficiente para explicar e justificar a natu- reza das ciências lógico-matemáticas, como é o caso, por exemplo, de alguns formalistas, em especial de Curry e da escola Bourbaki. Ou- tros autores acreditam que o nível semântico é o fundamental. Po- Tém, pensamos
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