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Liberdade de expressao e o Direito de Permamnecer

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DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO: Estudo a respeito do Direito de Permanecer e as novas formas de exercício da Liberdade de Expressão durante as manifestações populares
RESUMO
O Brasil vive um momento de transição, nos últimos anos a palavra liberdade vem sendo bradada com mais força através de movimentos populares. Um país que se molda a partir de manifestações, mais uma vez atravessa um período de prova e de certa instabilidade. O povo, bem maior do Estado, exerce seu direito amparado pela Constituição Federal, relembrando de tempos como o das Diretas Já e exercendo da forma mais democrática seu direito de participação. É preciso que em tempos como agora medidas sejam tomadas a fim de resguardar o desejo e integridade física e ideológica dos cidadãos, deixando-os livres para que exponham seus desejos e garantindo-os o pleno exercício dos direitos positivados na lei.
PALAVRAS CHAVE: Direito, Liberdade, Manifestação, Segurança, Constituição
ABSTRACT
Brazil is going through a time of transition, in recent years the word freedom has been yelled harder thanks to popular movements. A country that is molded by manifestations, once again is going through a period of trial and some instability. The people, most valuable treasure of the State, exercises its right supported by the Federal Constitution, recalling times such as the “Diretas Já” and exercising in the most democratic manner their right to participate. In times like now certain measures must be taken to safeguard the physical and ideological integrity of the desire of the citizens, leaving them free enough to expose their desires and ensuring the full exercise of the rights acquired by law.
KEY WORDS: Right, Freedom, Manifestation, Security, Constitution
 
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos acompanhamos via redes sociais, rádio, televisão, e alguns de nós direto das ruas acontecimentos que vem transformando a nação. Cansado de ser colocado de lado nos momentos de decisão o povo deixa o aconchego de suas casas para ser ouvido de perto pelos legisladores.
As batalhas são árduas, mas a sede de mudança é bem maior. Contra cassetetes, balas e bombas as reivindicações prosseguem por ruas esfumaçadas por gases de efeito moral e dominadas pelo caos, assim se desenvolvem as manifestações populares.
Neste contexto, foi confeccionado a partir de uma pesquisa científica este trabalho que buscou visualizar de um prisma jurídico as novas formas de manifestação de pensamento e a atuação do Estado-Polícia durante os movimentos populares. Seu viés principal é compreender a transformação dos meios de manifestações ao decorrer dos anos, e observar de forma crítica a atuação da polícia durante os protestos.
Entretanto, como bem sabemos, no passado vivemos tempos obscuros, onde a liberdade de expressão era dominada pela ditadura militar, hoje esta liberdade muitas vezes é calada pelo medo das forças de segurança. Esta apresentação tem o intuito de fortalecer a ideia de que a liberdade de expressão não pode ser censurada, e nem afastado dos cidadãos seu direito de locomoção, ou como queira exercê-lo, seu direito de permanecer, entendendo e demonstrando que o Estado tem capacidade de reprimir os maus manifestantes em prol dos cidadãos obedecedores da lei.
Por fim, o presente trabalho é composto por três núcleos, o primeiro fala de liberdade, da liberdade de expressão e do direito de permanecer garantido pelo Estado na forma da Constituição Federal, o segundo das formas de atuação das polícias responsáveis pela segurança dos manifestantes e a terceira de formas eficazes de combate aos crimes cometidos pelos manifestantes durante os movimentos populares.
1. LIBERDADE
Definir Liberdade não é uma tarefa fácil, Abraham Lincoln, presidente dos Estados Unidos entre março de 1861 até seu assassinato em abril de 1865, um dos homens que mais lutou para pôr fim à escravidão, ou seja, quem mais lutou pela liberdade pessoal de todos os indivíduos, costumava dizer que: “o homem nunca encontrou uma definição para a palavra liberdade”.
A palavra liberdade (eleutheria) conforme a etimologia grega significava liberdade de movimento. Tratava-se de uma possibilidade do corpo, não considerada como um dado da consciência ou do espírito. 
Liberdade também tem como possível significado ausência de limitações e coações. A palavra alemã Freiheit (liberdade) tem origem histórica nos vocábulos freihals ou frihals. Ambos significavam “pescoço livre” (Frei Hals) livre dos grilhões mantidos nos escravos.
O fascinante teor da palavra liberdade vem intrigando pensadores desde o início da formação da filosofia, na tentativa de elucidar e ao mesmo tempo entender o verdadeiro significado dessa palavra tão lastreada de poder e grandeza, desde os primeiros filósofos sua explicação é alvo de estudos, conforme ensina Marilena Chaui:
A primeira grande teoria filosófica da liberdade é exposta por Aristóteles em sua obra Ética a Nicômaco [...] 
Diz Aristóteles que é livre aquele que tem em si mesmo o princípio para agir ou não agir, isto é, aquele que é causa interna de sua ação ou da decisão de não agir. A liberdade é concebida como o poder pleno e incondicional da vontade para determinar a si mesma ou para ser autodeterminada. É pensada, também, como ausência de constrangimentos externos e internos, isto é, como uma capacidade que não encontra obstáculos para se realizar, nem é forçada por coisa alguma para agir. Trata-se da espontaneidade plena do agente, que dá a si mesmo os motivos e os fins de sua ação, sem ser constrangido ou forçado por nada e por ninguém. (CHAUI, Marilena 2001. p, 464) 
Durante a Revolução Francesa em 1789 o termo Liberdade ao lado de Igualdade e Fraternidade estampou a bandeira dos revolucionários, conduzindo-os até a derrubada da Bastilha, serviu como lema de resistência e posteriormente foi citado na Constituição Francesa. Transpareceu aqui a ideia de liberdade como direito de revolta e de persuasão do direito de ser livre, tanto do ponto de vista da escolha, quanto do ponto de vista da manifestação da insatisfação.
1.1. Início das manifestações de liberdade de expressão no cenário político brasileiro após a revolução francesa
No Brasil, inspirados pela Revolução Francesa e, insatisfeitos com a falta de liberdade imposta por um regime inescrupuloso e vil, surge um grupo que seria mais tarde conhecido como “Os Inconfidentes”, encabeçado por José Joaquim da Silva Xavier, o Tiradentes, iniciando um movimento balizado pela luta por liberdade, que culminou com a sua morte em 1792. Tiradentes fincou um marco que dava início à luta brasileira por uma liberdade soberana, ao fim imortalizando seu ideal na bandeira de Minas Gerais que carrega os dizeres: libertas quae sera tamen (liberdade, ainda que tardia).
 
Em 1888, pressionada por abolicionistas e republicanos decididos a proclamar a liberdade, um ato de grande significância, talvez o maior de todos já realizados em solo brasileiro a respeito da liberdade, foi sancionado pela Princesa Isabel, a Lei Áurea, invocando e aplicando a liberdade em seu sentindo mais completo mesmo que através de uma forte pressão.
Ao fim de tanta luta em busca da sonhada liberdade a República é proclamada em 1889 instaurando uma forma de governo que possibilitaria a implantação de um regime pautado pelo predomínio do espírito público e a supremacia do interesse do povo.
Cansados do Regime Militar que dominava o Brasil desde 1964 o povo sai à rua em busca de uma nova forma de liberdade, a liberdade de participação. Com o apoio de lideranças estudantis, como a UNE (União Nacional dos Estudantes) sindicatos, como a CUT (Central Única dos Trabalhadores) intelectuais, artistas e religiosos a pressão foi sentida no Congresso Nacional. “A Diretas Já se transformou num cenário de vozes e personagens, onde o povo foi elevado à categoria de possível herói e personagem atuante no processo de mudança da vida política do Brasil” (JESUS, 2009. p,1). 
Sob os gritos de Diretas já, no dia 25 de abril de 1984,a proposta de emenda constitucional foi votada, não foi aprovada, porém, os militares se afastaram das urnas sendo candidatos dois civis, José Sarney e Tancredo Neves, vencendo Tancredo. 
O processo de redemocratização culminou com a volta do poder civil em 1985 e na aprovação de uma nova Constituição Federal em 1988 que pregava a soberania popular, a independência dos poderes e o respeito às liberdades individuais. O processo também permitiu a realização das eleições diretas para Presidente da República em 1989.
1.2. Liberdade de reunião como conceito de realização de um fim comum 
A Constituição Federal de 1988 traz explícito em seu texto os seguintes dizeres a respeito da liberdade destinada ao direito de reunião, direitos que foram conquistados à base de sangue suor e lágrimas em lutas onde a democracia foi invocada para defender a voz do povo.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente. (Brasil, 1988)
Antes de tudo, António Francisco de Sousa, Professor da Faculdade de Direito da Universidade do Porto e Doutor pelas Faculdades de Direito e de Letras da Universidade do Porto conceitua reunião da seguinte forma:
A figura jurídico-constitucional da “reunião” não se confunde com os meros ajuntamentos e aglomerações de pessoas, por razões fortuitas ou, por exemplo, para assistir a um espetáculo. Para haver reunião em sentido jurídico-constitucional não é suficiente o simples encontro de várias pessoas. Este é sem dúvida indispensável, mas, para além dele, tem de haver a realização de um fim comum, que assegura uma ligação interna entre os presentes. Podemos dizer que os que assistem a um espetáculo, por exemplo, os “curiosos” numa situação de acidente, prosseguem o mesmo fim, mas não um fim comum. É o fim comum presente no “reunir-se” (ou “manifestar-se”) que assegura uma relação interna entre as pessoas presentes. Enquanto no simples ajuntamento ou aglomeração de pessoas os presentes prosseguem um fim próprio, sem necessitarem uns dos outros, já na reunião (ou manifestação), ainda que se trate de um direito pessoal, o seu exercício é coletivo. As pessoas presentes precisam umas das outras para exercer o seu direito e prosseguirem o fim coletivo. Isto não impede, contudo, que os meros ajuntamentos se possam, mais ou menos espontaneamente, transformar em reuniões. (DE SOUZA, António Francisco, 2012, p, 27)
“A constituição assegura a todos, brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, o livre exercício do direito de reunião. Trata-se de uma norma constitucional de aplicabilidade imediata embora de eficácia contida”, segundo o magistério de José Afonso da Silva (SILVA, 1968. p,100 apud CELSO DE MELLO 1978. p, 159).
Portanto, a fim de que fosse explorada ao máximo a possibilidade de discussões e assembleia de ideias, o legislador buscou expandir e permitir de forma quase irrestrita o direito de reunião, criando mecanismos que possam vir a frustrar uma congregação apenas com o intuito de proteger a integridade física dos participantes, assegurar que indivíduos alheios ao ato não sejam tolhidos de seus direitos e evitar a prática de ilícitos. 
Enfim, o direito de reunião é uma faculdade constitucional reconhecida e sua prática tem profundas raízes e uma gigantesca importância dentro de nosso ordenamento jurídico, permitindo um diálogo essencial para o exercício de uma democracia saudável.
2. NOVAS FORMAS DE MANIFESTAÇÃO E INFLUÊNCIAS DE OUTROS MOVIMENTOS NO JUNHO BRASILEIRO
O Brasil se encontrava em meio a movimentações horizontais, onde se luta por um pouco de tudo, numa vontade diversificada de mudança que foi fortalecida em 2013, quando milhões de brasileiros saíram às ruas num movimento pela melhoria do transporte público, contra a corrupção, pedindo a redução das tarifas de ônibus, como no movimento dos “20 centavos”, houve a luta pela melhoria da saúde, manifestações que demonstraram certo descontentamento com a realização da copa do mundo e protestos em apoio à melhoria da educação, a mídia acompanhou de perto todos os acontecimentos.
A série de protestos em junho começou como reação ao aumento das tarifas de ônibus, metrô e trem em São Paulo e Rio. Desde o dia 03, o Movimento Passe Livre (MPL) na capital paulista convocou sete grandes atos pela revogação do aumento. No Rio, foram seis manifestações até esta quinta. Conforme os movimentos cresciam nas duas capitais, a mobilização se disseminou pelo país. Nesta semana, a demanda de redução da tarifa foi atendida por prefeitos e governadores de São Paulo, Rio e mais de dez cidades.
Porém, o protesto que começou com o reajuste de R$ 0,20 cresceu e ganhou outras bandeiras, como o fim da corrupção e da violência policial, melhorias no transporte, na saúde e na educação e os gastos excessivos com a Copa do Mundo. O ato desta quinta-feira foi mantido como comemoração da conquista. Mas, sem liderança definida nas grandes cidades, os protestos tomaram rumos diferentes, se separaram e as tentativas de diálogo com as autoridades fracassaram. (G1, Globo.com, 2014)
Houve atos contra a PEC 37, que sugeria incluir um novo parágrafo ao Artigo 144 da Constituição Federal, que trata da Segurança Pública. O item adicional traria a seguinte redação: “§ 10. A apuração das infrações penais de que tratam os §§ 1º e 4º deste artigo, incumbem privativamente à Polícia Federal e Civil dos Estados e do Distrito Federal, respectivamente” (PEC 37-A/2011). Caso fosse aprovada seria afastado o poder de investigação do Ministério Publico e de alguns outros órgãos. Posteriormente, a proposta foi rejeitada por 430 votos contra e 09 a favor, na Câmara dos Deputados. 
Foram registrados também atos invocadores de uma reforma política que chegou a ser anunciada pela Presidente Dilma Roussef, passando por movimentos que pediam mais compreensão nas ruas por serem contra a repressão policial. 
Estas manifestações tinham características muito idênticas a Ocupação da Praça Tahrir, em Cairo no Egito, onde mais de um milhão de pessoas ficaram agrupadas por quase um mês, durante a Primavera Árabe em janeiro de 2011 e de certa forma parecidas também com o movimento Occupy Wall Street, de outubro de 2011, que foi um movimento de protesto contra a desigualdade econômica e social, a ganância, a corrupção e a indevida influência das empresas - sobretudo do setor financeiro no governo americano. O protesto aconteceu no Zucotti Park em Nova York, nos Estados Unidos. Segundo o diretor do documentário, 99% – O Filme Colaborativo do Occupy Wall Street, Audrey Ewell, “o WS foi inspirado no que aconteceu no Oriente Médio durante a Primavera Árabe”. Assim como estas, o junho brasileiro foi influenciado pelos movimentos de Nova York, tendo, portanto, suas raízes na Primavera Árabe.
Em suma, ficou evidente o protagonismo e as novas formas de manifestação pública neste início do século XXI, que passa a compreender entre o Direito de Ir e Vir uma forma de manifestação e protesto que é aqui expressada pelo Direito de Ficar. 
2.1 Direito de ficar como manifestação da liberdade de locomoção
José Afonso da Silva classifica o Direito de Ficar como manifestação da Liberdade de Locomoção, neste sentido o poder de coerção do Estado para impedir ou frustrar a permanência de pessoas em praça pública ou em vias públicas esbarra numa clausula de extensão erga omnes da Constituição Federal, vejamos nas palavras do próprio constitucionalista.
Direito à circulação é manifestação característica da liberdade de locomoção: direito de ir, vir, ficar, parar, estacionar. O direito de circulação (ou liberdadede circulação) consiste na faculdade de deslocar-se de um ponto para outro pela a via pública ou afetada ao uso público. Em tal caso, a utilização da via 'não constituirá uma mera possibilidade, mas um poder legal exercitável erga omnes. (SILVA, José Afonso da, 2003. p,237)
Os acontecimentos vividos no Brasil nos últimos anos demonstraram a força que o povo tem de promover mudanças e impor demandas através do exercício de poderes ao povo garantidos, chegando ao ponto de em 2016 darem início a um processo de impeachment de uma presidente eleita a menos de dois anos. 
Porém, conforme as palavras do Professor, Filipe Regne Mamede, proferidas em sala de aula, “Nenhum direito é absoluto. Sempre existiram limitações”. Limitações estas que podem ser decorrentes da própria convivência social ou da própria lei, mesmo que as manifestações fossem legítimas o desrespeito a outras leis ou frustração do direito de outros indivíduos levaria um direito de encontro ao outro. Tendo que, “restrições, mesmo quando não são explicitadas em determinado dispositivo garantidor da liberdade, são decorrentes do sistema adotado pela Constituição Federal” (CASSALES, 2015. p, 275).
Neste sentido, quando o Estado utiliza de sua força coercitiva para retirar o indivíduo de um determinado espaço, se age de acordo com a lei, está apenas garantindo à sociedade o que lhe é de direito. Todavia, se apresenta força descomedida comete crime por estar aplicando a lei de forma equivocada. Este tipo de comportamento pode desencadear uma serie de violações jurídicas que o Estado tem o dever de impedir 
2.1.1 Problemas jurídicos gerados pela obstrução do direito à liberdade garantida aos indivíduos às margens das manifestações
A presença reivindicatória de pessoas em determinados lugares da cidade causa transtornos severos, quando não observados certos preceitos presentes nas normas, chegando a ferir bens jurídicos de outros indivíduos, como o direito a livre locomoção em tempos de paz que aconteceu, por exemplo, na Avenida Paulista em abril de 2016, conforme descrito em matéria do jornal O Estado de São Paulo:
Manifestantes interditam desde o fim da tarde desta sexta-feira, 1º, parte da Av. Paulista, em São Paulo, em protesto contra a corrupção e contra diversos políticos, como a presidente Dilma Rousseff, o vice Michel Temer (PMDB), o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB) e o senador Aécio Neves (PSDB). O ato, que tem a participação de entidades de esquerda, movimentos sociais e sindicais, teve início no Vão Livre do MASP por volta das 16h, e passou a tomar parte da pista pouco depois. O grupo seguiu em direção à Consolação e perto das 19h interditava os dois sentidos da avenida na altura da Rua Bela Cintra. (O Estado de São Paulo, 2016)
A Constituição Federal garante a todos o direito de reunião em locais abertos ao público, também como o direito de ir e vir resta destacar, porém, que tanto o direito do manifestante como de outros indivíduos aquém das reivindicações deve ser preservado, mesmo durante atos que abranjam grandes áreas ou que reunião muitas pessoas. 
O direito ao movimento é legal, todavia gera problemas jurídicos quando coloca em cheque o bem jurídico alheio, quando ultrapassa e censura a liberdade e o direito de ir e vir de outros indivíduos, como no caso do fechamento total de uma avenida.
Portanto, em casos como o descrito a força policial deve ser acionada para a liberação do espaço, no intuito de restaurar a ordem e fazer valer a norma conforme manda a lei, devolvendo aos outros cidadãos o direito que lhes é garantido constitucionalmente, utilizando não da violência, nem da arbitragem, mas de técnicas eficientes e legais que façam com que vias sejam liberadas, permitindo o trânsito livre e ao mesmo tempo resguardando o direito da mobilização e reivindicação anteriormente estabelecida.
3. USO DE TÉCNICAS POLICIAIS E RESQUÍCIOS DA DITADURA MILITAR
O uso da força policial durante manifestações vem sendo discutida de forma veemente no cenário nacional. Uma das razões de o poder de coerção da polícia ter ganhado uma força descomunal, que colocava o soldado quase acima da lei formou-se sob a tutela da ditadura militar durante os anos de chumbo. Sob o comando de chefes militares, o policial era dotado de poderes que possibilitavam desde a prisão de qualquer cidadão, passando pela cassação de direitos políticos e a repressão aos movimentos sociais, chegando à censura e culminando na tortura e morte dos considerados inimigos públicos como mostra o depoimento do advogado, Raimundo Teixeira Mendes, detido na época na Polícia do Exército.
Cerca de 20:30 horas do dia 16 de junho de 1970, sexta-feira... o DOICODI/RJ... acabava de prender o Jornalista Mário Alves de Sousa Vieira... conduzido para a cela que ficava ao lado... foi submetido a interrogatório, findo o qual iniciou-se a sessão de tortura que acabou às 5 horas. - Depois de violentamente espancado... torturado com choques elétricos, no pau de arara, afogamentos, etc. Mário Alves manteve a posição de nada responder a seus torturadores... então introduziram um cassetete de madeira com estrias, que provocou a perfuração de seus intestinos e a hemorragia que determinou a sua morte.” (CABRAL, Reinaldo e LAPA, Ronaldo , 1979. p, 96)
Apesar do domínio da democracia nos anos recentes é possível observar que sobejos do tempo de tirania povoam, ainda que inconscientemente, a cabeça de alguns militares. O próprio Ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, reconhece a existência destes indivíduos, conforme sua fala durante uma entrevista na sede da OAB em março de 2014 “[...] ainda há resquícios do período da ditadura no Brasil. [...] arbítrios e abusos de autoridades ainda estão presentes no cotidiano do país”. (MATOSO, Filipe, 2014. p, 03). 
Todavia, com o a queda da ditadura, a vitória do movimento das Diretas Já, a restauração da democracia, a modernização e, por conseguinte, a facilitação de registro em áudio e vídeo das atrocidades praticadas o uso abusivo da força durante as reivindicações populares começa a ser inibido e punido por autoridades que não mais sofrem influências do militarismo. Graças a esses e outros movimentos novos meios de combate aos excessos por parte dos manifestantes vêm sendo desenvolvidos, como a prática do uso de armas não letais e do uso progressivo da força, sendo adotados parâmetros, como o modelo desenvolvido por Remsberg.
Quadro 01 - Modelo Remsberg - Uso Progressivo da Força.
	
SUSPEITO
	
	
POLÍCIA
	
Arma de fogo
	
	Atirar
Apontar
Sacar
Mão na arma
Comando verbal
	
Instrução de impacto
	
	Usar o bastão
Ameaça com bastão
Mostrar o bastão
Apresentar o bastão
Aviso verbal
	
Mãos livres
	
	Chave de pescoço
Medidas de conteção ativa
Medidas de conteção passiva
Ponto de pressão
Pegada condução
	
Verbalização
	
	Aviso
Aconselhamento
Persuasão
Entrevista
	
Presença
	
	Postura defensiva
Postura alerta
Postura aberta
	
	
	
Fonte: REMSBERG, Charles. 1999. p, 433.
No entanto, estas técnicas ainda não conseguem acompanhar de fato o desenvolvimento e a magnitude dos movimentos populares e em muitos casos extrapolam os limites aceitáveis, ferindo pessoas e chegando ao ponto de serem abusivas e desproporcionais, além de afetar bens jurídicos de ambas as partes, policias e manifestantes. O abuso acaba por inibir a presença de novos reivindicadores nas ruas e deteriora a força de mudança conquistada pela democratização e também deturpa a liberdade de expressão e pensamento garantidos pela Constituição Federal.
É preciso, portanto, traçar formas mais eficientes de se combater delitos relacionados ao uso abusivo da força coercitiva, restando aos legisladores e aos chefes de polícia empreender em busca de soluções mais amenas, pois, se existir coesão por parte do Estado, que é responsável pela proteção, raramente haverá desvio por parte dos indivíduos obedecedores da lei
4. POSSÍVEIS SOLUÇÕESPARA A PROTEÇÃO TANTO DE POLICIAIS, QUANTO DE MANIFESTANTES DURANTE OS MOVIMENTOS POPULARES 
A fim de que os conflitos sejam solvidos de maneira pacífica e eficaz, alguns princípios devem ser observados, o bom senso deve ser levado em consideração e acima de tudo o respeito pelo próximo, porém, algumas medidas técnicas devem ser tomadas para que se possam alcançar resultados positivos que abranjam o maior número possível de partes.
Em primeiro lugar, o investimento deve ser maior nas tropas, vestindo policiais que acompanham as manifestações com equipamentos de alta qualidade, a fim de oferecer uma proteção eficaz em caso de iminente ataque, nada mais justo que manter seguro o responsável pela segurança de tantos outros. O treinamento, durante os cursos de formação deve ser amplo e suficiente para que o recruta tenha noção do impacto causado por suas atitudes durante as reivindicações populares, sempre relembrando que ele é o Estado na rua e mostrando-o que benefícios nacionais surgem a partir de momentos cuja segurança será feita por ele e que caso exista equívocos de sua parte o povo poderá ser tolhido de direitos tornando a situação pior do que se encontra. 
Existem também técnicas de artes marciais que podem desenvolver no sujeito a capacidade de dominar outro indivíduo sem feri-lo, portanto, a prisão de uma pessoa que se encontre fora dos padrões de “bom reivindicador” seria realizada de maneira eficaz e discreta em caso de embate direto com a força policial ou na tentativa de deturpação do patrimônio público ou privado, dando a entender que o agente estaria usando de força proporcional, legal, e eficaz para combater o delito.
Por último, câmeras de segurança e microfones, deveriam ser instaladas tanto nos carros, quanto nos capacetes, como nas vestes e óculos dos responsáveis pela segurança dos movimentos, as imagens e sons captados poderiam ser utilizados nos casos de crimes cometidos tanto por parte de civis quanto por parte da polícia. 
Caso esta atitude fosse tomada, além de se criar um vigia eficaz contra abusos e desrespeitos, haveria também a possibilidade de criação provas concretas que auxiliariam o poder judiciário no momento da tomada de decisões a respeito de fatos acontecidos durante as manifestações, tornando possível a justa punição dos injustos e a absolvição dos que fossem vistos como inocentes. 
CONCLUSÃO 
O Brasil atravessa um período de transição. Seja para o um futuro melhor, seja para um futuro pior a vontade do povo deve ser considerada como pilar principal das inovações. No passado o desejo do soberano dominava o Estado, porém, com o passar do tempo a legitimidade passou a ser dominada pela vontade popular. O que não pode ser esquecido hoje é que o querer do povo deve ser tomado como matéria base para qualquer mudança. As vozes ouvidas nas ruas e as faixas estendidas sob a cabeça de manifestantes indicam uma insatisfação que deve ser levada em consideração, uma reivindicação que deve ser levada a sério, e um desejo que deve ser atentamente analisado.
As vozes do povo não podem ser caladas por armas de fogo, muito menos suprimidas por bombas de gás. 
É tempo de se ter cuidado, é tempo de as autoridades observarem suas respostas aos movimentos, escolhendo a maneira mais pacífica de resolvê-los. A nação se encontra em estado de ebulição e necessita do poder coercitivo do Estado para que se evite um derramamento de sangue em nome da democracia e em nome da vontade popular. Medidas de segurança devem ser tomadas pelas autoridades competentes. A ordem deve ser mantida, todavia, deixando de lado os abusos de um tempo negro atravessado pelo país, deixando de lado dias inglórios, de batalhas inglórias onde todos perderam.
Os problemas jurídicos são evidentes e sua forma de resolução deve ser contundente. O Estado carrega consigo os meios hábeis para resolução dos conflitos, bastando ao legislador observar um pouco mais de perto as situações que a ele são apresentadas. É imprescindível que medidas sejam tomadas, tanto para evitar o abuso por parte das autoridades, quanto para reprimir os baderneiros, como também para dar suporte ao cidadão de bem que quer sair à rua para reivindicar seus direitos.
O Estado deve buscar onde quer que seja recursos que protejam os indivíduos e os proporcione a real sensação de liberdade, mesmo que para isso tenha que armar uma tropa até os dentes. É impossível conseguir ver o nascer do sol caso a liberdade não resplandeça no íntimo do ser humano, seja ele um cidadão brasileiro, seja ele um cidadão universal.
REFERÊNCIAS
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CABRAL, Reinaldo e LAPA, Ronaldo - Desaparecidos Políticos - Prisões, Seqüestros e Assassinatos. Vol II. Rio de Janeiro, Edições Opção e Comitê Brasileiro pela Anistia, 1979.
CASSALES, Luíza Dias. Revista Jurídica nº 294. Ed. Nota Dez, 2015.
CELSO DE MELLO, Antonio. O direito constitucional de reunião. Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, v. 12, nº 54, 1978.
CHAUI, M. Convite a Filosofia. São Paulo: 12ª Ed. Editora Ática, 2001.
DE SÁ, Arnaldo Faria. Proposta de emenda à constituição n.º 37-A de 2011.
DE SOUZA, António Francisco Doutrina Estrangeira. Congresso: DIREITOS FUNDAMENTAIS & JUSTIÇA - ANO 06, Nº 21, OUT./DEZ. 2012
Dicionário de Direitos Humanos. Liberdade. 
Disponível em: http://www.esmpu.gov.br/dicionario/tiki-index.php?page=Liberdade
Acesso em: 24 de abril de 2016.
DUARTE, Lidiane. Diretas Já.
Disponível em: http://www.infoescola.com/historia/diretas-ja/ 
Acesso em: 24 de abril de 2016
G1. 
Protestos pelo país têm 1,25 milhão de pessoas, um morto e confrontos.
Disponível em: http://g1.globo.com/brasil/noticia/2013/06/protestos-pelo-pais-tem-125-milhao-de-pessoas-um-morto-e-confrontos.html. 
Acesso em: 01 de maio de 2016
JESUS, Rosane Martins. Entre notícias, reportagens e editorias: a Folha de São Paulo e a elaboração do enredo da Campanha, Diretas Já. In: Anais do XI Congresso Regional de Ciências da Comunicação - Intercom Nordeste.
MATOSO, Filipe. Ministro diz que tem dever de pedir perdão a atingidos pela ditadura.
Disponível em :http://g1.globo.com/politica/50-anos-do-golpe-militar/noticia/2014/03/ministro-diz-que-tem-dever-de-pedir-perdao-atingidos-pela-ditadura.html 
Acesso em: 30 de abril de 2015
O Estado de S. Paulo. Manifestação contra corrupção fecha parte da Av. Paulista. Disponível em: http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,manifestacaocontracorrupcaofechapartedaavpaulista,10000024338 Acesso: 15 de maio de 2016
REMSBERG, Charles - The Tactical Edge: Surviving High-Risk Patrol. 1999.
ROCHA, Melissa. Occupy Wall Street: revolta no centro nervoso do capitalismo. Disponível em: http://opiniaoenoticia.com.br/opiniao/occupy-wall-street-revolta-no-centro-nervoso-do-capitalismo/. Acesso em: 02 de maio de 2016
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 22. Ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

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