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www.mcc.ufrn.br/portaldamemoria/wordpress/ Antologia de textos esparsos de JORGE FERNANDES – I Organização e notas: Humberto Hermenegildo de Araújo Fontes – siglas colocadas entre parênteses após cada vocábulo “traduzido” nas notas: a) NDLP – Novo Dicionário da Língua Portuguesa;1 b) VCN – Vocabulário do criatório norte-rio-grandense; c) DFB – Dicionário do folclore brasileiro; d) CP – Calepino potiguar; e) AB – Aves do Brasil; f) PB – Pássaros do Brasil; g) VM – Veríssimo de Melo (MELO, 1970); h) IHG/RN – Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte; i) IEB/USP – Instituto de Estudos Brasileiros. 1. PRA GANHAR CASTANHAS...* Já apareceu na rua Com uma muleta andando largo Com uma perna só... – Mutilado da grande guerra – É toda vida um menino antigo Jogando academia pelas calçadas... – Primeiro ano... (Volta o caquinho com bem cuidado Pra não ficar no risco) E o mutilado que nunca foi à grande guerra Da Europa joga de novo o segundo ano... E assim ele joga até o sexto ano pra se formar... E o mutilado que nunca foi à guerra É toda a vida uma criança antiga Jogando o jogo antigo de academia Empurrando o caquinho com o pé só Pra se formar... – Mutilado da grande guerra Da grande guerra de todo o mundo – 1 Referências bibliográficas dos títulos relacionados após cada sigla a) Novo dicionário da língua portuguesa (FERREIRA, 1975); b) Vocabulário do criatório norte-rio-grandense (FARIA; AZEVEDO, 1997); c) Dicionário do folclore brasileiro (CASCUDO, 1972); d) Calepino potiguar: gíria rio-grandense. (NONATO, 1980) e) Aves do Brasil (SOUZA, 1987); f) Pássaros do Brasil: vida e costumes (SANTOS, 1985); g) Introdução; Glossário (MELO, 1970). * Academia – cademia, amarelinha, maré, pular-macaco: jogo disputado sobre o desenho de um corpo retangular de três ou quatro quadriláteros, terminando por um círculo, onde se joga com uma pedrinha chata ou um caco de telha, empurrando o “caquinho” com um pé só (DFB). Publicado em revista: Cigarra, Ano I, n. 1. Natal, nov., 1928. Cigarra, Ano I, n. 1. Natal, nov., 1928: 2. SERTÃO* Serras... Urros de suçuarana... Facheiros esguios... Veludo dos campos – panasco... Gemidos mornos – aboios... Reza de velhos nas encruzilhadas das estradas à boca da noite... Cruz dos caminhos... paixões... lutas... ambições... Ramo de jurema – mindrunga... Quebra-matos... quebra-matos – fúria de vaqueiros encoirados... Fiam velhinhas... Fala acuado no mato o cachorro das caçadas... Arranha o ar sons de viola... “Se minha cabôca subé Que outro cantadô me deu...” – Não vá ao mato é Sexta-Feira... – Tem caipora... tem mandinga... tem sobrosso... UUUUUUUUUUUUUU – ventania... “Jura pru fé, pru verdade Que isto nunca assucedeu...” Canto penoso do juruty na tarde cinzenta... Tanta fé tanta fiança Tem minha cabôca in eu... * Suçuarana: mamífero carnívoro, da família dos felídeos [onça-parda] (NDLP); Facheiro(s): planta da família das cactáceas (NDLP); panasco: erva de pasto, da família das umbelíferas (NDLP); aboio(s): canto em forma de melopéia, dos vaqueiros, com função de guiar as boiadas ou chamar bois dispersos (NDLP); mindrunga – mundrunga: bruxaria (NDLP); vaqueiros encoirado(s) – encourado: vestido com roupas de couro ou vésteas (VCN); mandinga: feitiço, despacho, mau-olhado (NDLP); juruty – juriti: ave columbiforme, da família dos columbídeos (NDLP). Transcrito por José Luiz Ferreira (UERN; UFERSA; NCCEN/UFRN) em pesquisa realizada em jul. 1997, nos arquivos do IEB-USP. Versão publicada em: O Galo, Natal, nov./1997, n. 11, p. 12: 3. DEDICATÓRIA: * Ao primeiro soldado brasileiro Morto em combate defendendo o Brasil: Primeira chama de vida – rubro sangue... Primeira dedicação nacional... Pra ele todas as bandeiras desfraldadas... Todo o grito triunfal dos clarins... Todas as cores vivas... Toda a grandeza amazônica... Pra ele todo o sol tropical... Todas as sereias uníssonas apitando... Aviões adejantes nos espaços... Todos os gritos de vitória e alegria... Todas as manhãs claras... Todo imenso Brasil... Versão publicada em: O Galo, Natal, nov./1997, n. 11, p. 12: * Transcrito por José Luiz Ferreira (UERN; UFERSA; NCCEN/UFRN) em pesquisa realizada em jul. 97, nos arquivos do IEB-USP. 4. BALÕES DA FESTA DA APRESENTAÇÃO* Foi um igual a estes, Que alei um dia... Tinha todas as cores, muita luz... Soltei na porta de uma igreja minha... Mandei repicar todos os sinos... Se alvoroçaram todos os meninos, Para ver meu balão... Ele subiu, subiu, esguio, airoso... Ficou, depois, um ponto luminoso... luminoso... E desapareceu... E o sonho morreu... Versão publicada em: O Galo, Natal, nov./1997, n. 11, p. 13: * Publicado em revista: Nossa terra... outras terras... Natal, Ano I, n.1, jun., 1926. 5. RONDÓ DAS RENDAS...* Rendeiras do Pirangi... Cajueiros fazem rendas arranhando com os ramos as areias alvas dos morros; O mar faz rendas futuristas com linhas de espumas entre os rochedos... A rendeira faz renda passadista... Curvada sobre a almofada troca os bilros: – tréco... tréco... tréco... Com alfinetes nos dedos ágeis vai tecendo sobre o papelão... – Aranha tostada de sol praieiro canta modinhas de Itajubá – O acompanhamento do violão são os trécos... tréco... dos bilros... Toda impregnada de canções e suspiros a renda vai aparecendo Entre o batalhão de alfinetes enfileirados... – Custa uma vara dois cruzados... – Tem quatro dedos de largura... (vira o papelão) – Ô trabalho caningado... (cantarolando guarda a almofada) Os cajueiros e o mar ficam fazendo rendas cor de luar... * Bilros: peças de madeira ou de metal, semelhantes ao fuso, usadas para fazer rendas de almofada (NDLP). Transcrito por José Luiz Ferreira (UERN; UFERSA; NCCEN/UFRN) em pesquisa realizada em jul. 97, nos arquivos do IEB-USP. Poema datado de 20 de maio de 1926, com indicativo de que este seria um poema do livro Pensamento Evadido da Cella n. 14 (soneto). Ao final da página manuscrita, Jorge Fernandes acrescenta como nota explicativa a Mário de Andrade: 1) Pirangy – praia do Rio Grande do Norte; 2) Itajubá (Manuel Virgílio Ferreira Itajubá) – veja Alma patrícia e leia a respeito do bicho [Alma patrícia: livro de Câmara Cascudo, publicado em 1921]; 3) caningado – aborrecido, monótono, irritante, pau, etc.. Versão publicada em: O Galo, Natal, nov./1997, n. 11, p. 13: 6. ORAÇÕES DA LUA* Vem envolvida na bulandeira – seu alvo lençol... Vem rezar muitas preces antes do Sol... Ajoelha-se no Mar – Faz hora santa... Sobre rosas e lírios – Oração do perfume... Sobre serras e montes – Genuflexa entre nuvens... Entre covas e túmulos – Responsos... Saudades... Mira a água parada: Faz uma prece iluminada, A si mesma... Versão publicada em: O Galo, Natal, nov./1997, n. 11, p. 13:* Bulandeira – bolandeira: halo, coroa luminosa, auréola que envolve a lua. Publicado em revista: Nossa terra... outras terras... Natal, Ano I, n. 1, jun., 1926. 7. O ESTRANGEIRO* Eu encontrei um homem vermelho Falando uma língua que eu não sabia... Pelos seus gestos entendi que ele achava Minha terra muito bonita. Apontava pra luz do sol muito forte... Pras árvores muito verdes... Pras águas muito claras... Pro céu muito claro... Eu tive vontade que ele entendesse a minha fala Pra lhe dizer: – Marinheiro provera Deus que você fosse Pelos nossos sertões... Você via os campos sem fim... As serras timíves todas cheias de matos... Os rios cheios muito bonitos... Os rios secos muito bonitos... Você comia comigo umbuzada gostosa... O leite com jirimum... Curimatã fresca com molho de pimenta de cheiro... Você via como a gente trabalha sol a sol Esquecido da fome e esquecido das coisas Bonitas de seus mundos... Ver como vaqueiro rompe mato fechado E se lasca perseguindo a rês Por riba dos lajedos Chega os cascos federem a chifre queimado... Ver o vaqueiro plantá a mão na bassoura da rês E ela virá mocotó... – Marinheiro, se você soubesse a minha fala Eu havera de levar você pro meu sertão... * Homem vermelho e marinheiro: o estrangeiro (NDLP); timíves: temíveis; umbuzada: iguaria feita com o umbu cozido e passado na peneira, com leite e açúcar (NDLP); jirimum: jerimum, abóbora; curimatã: peixe teleósteo caraciforme, da família dos caracídeos, de água doce, também conhecido como “papa- terra” (NDLP); por riba: por cima; bassoura – vassoura: cauda, referindo-se principalmente à parte terminal ou “saia” do animal (VCN). Publicado em: Revista de antropofagia. São Paulo, Ano I, n. 2, p.1, jun., 1928. Revista de antropofagia. São Paulo, Ano I, n. 2, p.1, jun., 1928: 8. PESCADORES* [do Livro de poemas de Jorge Fernandes, 1927] Chegou do mar! Quanta arrogância no pescador... O mar fê-lo forte, resoluto. Tem ímpetos de ondas o seu olhar... Olhem o calão do peixe que ele trouxe!!?... São peixes monstros que ele pescou... Quando há tormenta e a jangada vira O homem forte matou a fome Do irmão do mero que ele comeu... Terra roxa e outras terras (Ano I, n. 7, p. 4, 17 set. 1926): * Calão: pedaço de pau roliço nas extremidades, do qual se suspendem os objetos que se devem transportar ao ombro, também designa embarcação comprida e larga usada na pesca do atum, e um tipo de rede de pesca (NDLP); mero: peixe da família dos serranídeos, de carne considerada de primeira qualidade (NDLP). “Pescadores” corresponde a “poema”, versão publicada em Terra roxa e outras terras (Ano I, n. 7, p. 4, 17 set. 1926) e dedicada a Mário de Andrade. A versão de 1926 apresenta as seguintes diferenças: a) ao terceiro verso de “Pescadores” corresponde “o mar fê-lo ríspido, resoluto.”; b) Ao verso “Olhem o calão do peixe que ele trouxe!!?...” corresponde “Olhem o calão do peixe que ele trouxe!...”; c) aos três últimos versos correspondem os quatro versos “Quando há tormenta e a jangada vira/O mero o traga duma vez só.../E o homem forte matou a fome/Do irmão do mero que ele comeu”. 9. SAMBA ANTROPOFÁGICO* Negro cinzento virou choufer... Negro danando canela fina... Pés espalhados porque foi cambado... Toca corneta que nem um galo... Virou golquíper Que nem inglês... Negro fardado De lenço encarnado Bem ensopado De prefume... Negro beiçola Toca requinta Pra enjoar... Negro enxerido De trunfa aberta Dança as estranjas Bem misturadas Com o maxixe Corta tesoura E o miudinho... Negro atrevido Bem ispritado É o primeiro Que vai na frente Levando tudo de um eito só... * Choufer: chofer [Do francês, chauffeur]; cambado: aquele que foi atacado pelo bicho-de-pé [inseto, “Tunga penetrans”] (NDLP); golquíper: goleiro [Do inglês, goal-keeper]; prefume: perfume; enxerido: intrometido, metido a namorador (NDLP); trunfa: cabelo em desalinho (NDLP); estranjas: [Der. regress. de “estrangeira”] as danças estrangeiras (NDLP); maxixe, miudinho: antigas danças brasileiras (DFB); ispritado: espritado; ... de um eito só: levar de vencida, derrubando os empecilhos (NDLP). Publicado em jornal: A República, Natal, 01 jul. 1929. A República, Natal, 01 jul. 1929: [digitalizado pela bolsista de Iniciação Científica Igara Félix da Silva, no Arquivo Público Estadual do Rio Grande do Norte, em 1998] 10. À TARDINHA EM VIAGEM NO SERIDÓ* O meu carro vai rodando nas estradas de areia barrenta ou de cascalhos e eu vou vendo o verde longe e o verde perto das juremas junto à estrada... As caatingas vão se tornando escuras esfregando os olhos com sono... Na carreira do carro aparece de sopetão um serrote, às vezes com uma pedra fina e sisuda apontando o céu. Outros com pedras também parecendo dedos muito grandes apontando: – Olhem aquilo ali – E eu olho e vejo só desertos de serras e um restinho de luz do sol se acabando nas corcundas das serras, verdes... verdes... Outras pedras agrupadas e enfeitadas de facheiros vão passando na ligeireza da viagem... E o carro corre entre árvores e serrotes até que a boca-da-noite – chega agasalhando tudo acendendo os olhos dos bacuraus, das raposas, das tacacas, antes que o meu carro abra também os seus olhos atrapalhadores dos bichos que precisam ganhar o seu pão, à noite, farejando nas estradas... Revista de antropofagia, Ano I, n. 7, p. 5, nov., 1928: * De sopetão – de supetão: de súbito (NDLP); facheiros (cf. nota em “Sertão”, poema esparso); bacuraus: aves noturnas e crepusculares, da família dos caprimulgídeos (AB); tacaca(s) [de jaritacaca, com aférese] – jaritataca: mamífero carnívoro da família dos mustelídeos, é provido de uma glândula anal que secreta e faz projetar, como defesa, um líquido fétido, irritante e nauseante (NDLP) . Publicado em: Revista de antropofagia, Ano I, n. 7, p. 5, nov., 1928. 11. MANGABEIRAS* Das fruteiras do mato, dos nossos tabuleiros, a que mais se destaca é a Mangabeira. É um arbusto humilde de galhos como os de – Bom-nome – tortos, retorcidos, que ao peso de uma pequena ave cedem docemente cheios de folhas miúdas que projetam uma sombra transparente e quase inútil pra quem foge ao solão do meio dia. Elas estão sempre aqui e ali carregadas de pequenas mangabas, macias, gostosas, de cor amarela e salpicadas de vermelho pelo sol muito quente do nordeste... Os troncos sinuosos e feios são todos retalhados pelos tiradores de leite pra borracha. O destino das mangabeiras lembra o destino das negrinhas das capoeiras, as tiradeiras de garranchos pra lenha, de carvão e mangabas. São também submissas e fecundas, de cesto e feixe de lenha à cabeça, sempre de-bucho – sempre de mulequinho escanchado no quarto, capoeira acima capoeira abaixo, numa emotiva resignação de mangabeiras humanas... * Mangabeira: arvoreta da família das apocináceas (NDLP); de-bucho:prenhe, de barriga, grávida (VCN); leite pra borracha: látex usado na fabricação de borracha; mulequinho: molequinho. Publicado em revista: Cigarra, Ano II, n. 4. Natal, ago., 1929. Publicado também em Livro de poemas e outras poesias, p. 137, com pequenas alterações (VM. Transcrito de jornal: A República, Natal, 17 mar. 1931). Cigarra, Ano II, n. 4, p. 8. Natal, ago., 1929: 12. POTENGI* Potengi é o nome do grande rio de minha terra... É o porto de minha Cidade, todo cercado de morros para o lado do norte e para o lado do sul. É o rio que quase todos os poetas daqui têm cantado as suas tristezas: “Potengi de mágoas e saudades”; “Potengi de luar saudoso”. “Potengi refletindo um céu de estrelas tristes...” Não olharam, os nossos poetas, com os olhos alegres como ele merece. Não olharam não! Ele ficou sempre nas canções e recitativos o rio de mágoas e saudades, de luar saudoso, e refletindo um céu de estrelas tristes... Rio triste, por quê? Se ele é o rio de grande sol. Cheio de pequenas embarcações, cheio de navios que entram e saem barra afora... Rio cheio de lanchas dinâmicas de apitos estridentes em torno dos transatlânticos, dos cargueiros sisudos e fumegantes. Rio amplo, lindo, onde as asas vitoriosas de Hidro-Aviões descansam das viagens gigantescas de continente a continente. Ele é o rio alegre das regatas. Rio de nadadores destemidos. Rio claro de iates engalanados nas festas dos Reis Magos... Dos botes veleiros em serenatas... Rio que nunca me levou barra afora, para ver o grande mundo lá longe, mas que me tem proporcionado sensações fortes dentro de minha pequena e linda Cidade natal... * Publicado em revista: Cigarra, Ano II, n. 5. Natal, mar., 1929. Publicado com pequenas alterações em Livro de poemas e outras poesias, p. 135-136 (VM. Transcrito de jornal: A República, Natal, 7 jun. 1931). Cigarra, Ano II, n. 5, p. 16. Natal, mar., 1929: 13. BOTEIROS* Foi na véspera da partida dos três ousados botes para o Rio de Janeiro... Ele havia chegado de um pequeno "bordejo" e estendia a rede do "tresmalho", assobiando, quando a mulher se aproximou triste e receosa de falar-lhe: – Vais sempre? – Si Deus quiser. – Amanhã? – Sim, amanhã. – João, se você me ouvisse... – Para eu ficar? Isto é de homem? Eu não vivo todos os dias no mar?! As águas, as refregas, os temporais, os ventos, tudo que tem o mar do Sul será diferente e mais perigoso do que esse em que eu trabalho todos os dias? Pensas que eu pesco no Potengi e na enseada da Redinha? Já estou farto de ver o mar uivando como um touro e estraçalhando as velas dos barcos como uma "suçuarana", e com o poder de Deus chego a terra trazendo para os teus filhos o que ele me dá com toda a sua fúria! Ah, ele já me conhece! – Mas se me ouvisses... Meu coração me diz que tu não voltas... – Não volto? Por quê? Dissemos que íamos, vamos! Não vão os dos outros lugares? Não vão todos enfrentando o mesmo mar e as mesmas tormentas? Nós, rio- grandenses, precisamos dizer ao Rio que somos capazes de fazer tudo para a grandeza do Brasil. O Rio Grande precisa aparecer! Quando fui para o Amazonas, só me chamavam cearense e quando eu dizia que era rio-grandense do Norte eles ignoravam... Isso me fazia tanta tristeza e tanta raiva que uma vez dei um tabefe num espanhol por que ele me disse que no Brasil não havia outro rio-grandense a não ser o do Sul... – Mas, João, se no caminho os botes, tão pequenos e fracos, se arrebentarem? – Nada-se. A lei é nadar para o Sul. Para o Norte só depois de chegarmos lá. (Num gesto de profunda resolução). Isso não há quem dê jeito. (E com a camisa de algodão empafada pelo vento forte, estendia o vigoroso braço para o oceano maravilhoso). É por ali que vamos mostrar aos sulistas que há outro rio-grandense... O Rio Grande do Norte! * Bordejo: ato de navegar em ziguezague, à vela, recebendo o vento ora por um bordo, ora por outro (NDLP); tresmalho: rede de pesca, composta de três panos (NDLP); Redinha: praia do litoral potiguar; tabefe: tapa, soco, sopapo (NDLP). Publicado em jornal: A República, Natal, 11 ago. 1923. Publicado em “Anexos” de: ARAÚJO, Humberto Hermenegildo de Araújo. Modernismo: anos 20 no Rio Grande do Norte. Natal: UFRN. Ed. Universitária, 1995. p. 93-94.
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