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Entrevista com Sarau Enegrescencia

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Prévia do material em texto

Entrevista com David Gomes, Gonesa Gonçalves e Lidiane Ferreira, organizadores do
Sarau Enegrescência, em 10 de abril de 2015.
Transcrição: Paulo Sérgio Paz
Paulo Sérgio: Nós estamos aqui fazendo uma entrevista com os idealizadores do Sarau
Enegrescência. Para começar, eu queria uma apresentação de vocês. Falem sobre sua
formação acadêmica, falem de vocês como escritores também.
David Gomes: Eu sou David Lopes Gomes. Sou estudante, concluindo agora o curso Letras
Vernáculas. Faço pesquisa em Literaturas Africanas com o professor Joseél Oliveira, no grupo
de pesquisa imagens e imaginário da mestiçagem nas literaturas de angola e Brasil, de
literatura comparada. Na questão da escrita, tenho alguns poemas publicados em coletâneas
de autores e eu e Lidiane Ferreira temos um livro chamado Enegrescência. Esse livro não tem
nada a ver com o projeto, apesar de o nome de o livro a gente ter pensado como projeto. Foi
um livro que a gente fez em 2013. Eu escrevo poemas de vez em quando, quando tenho tempo
e quando surge. Apesar dessa vida corrida, quero sempre manter uma regularidade na escrita.
Gonesa Gonçalves: Meu nome é Gonesa, eu também sou estudante de Letras Vernáculas com
Língua Estrangeira, aqui, na Universidade Federal. Eu também escrevo poemas, com um
recorte mais erótico, além do recorte racial. Eu tenho textos publicados em coletâneas
literárias, na coletânea do Sarau da Onça.
Lidiane Ferreira: Eu sou Lidiane. Eu também sou estudante de Letras Vernáculas aqui na
UFBA, também faço parte do grupo de pesquisa do professor Joseél Oliveira. A minha
pesquisa lá é sobre a representação do corpo feminino negro, na ótica de Mirian Alves e
Noêmia Souza. Eu escrevo normalmente, quando me dá vontade, eu não consigo pensar em
algo tipo: “ah! eu vou escrever sobre tal coisa”. Eu não consigo, eu escrevo quando me dá
vontade. Pelo que eu percebi, minha escrita é mais voltada para as questões da Mulher.
David: ela falou isso porque eu já percebi que a escrita dela surge, entendeu? Eu até conversei
com ela...
Paulo Sérgio: Ela não procura por um tema?
David: Ela não. Eu sou diferente, eu penso no que eu escrevo, claro que surge também, mas
eu penso. Ela não pensa, ela escreve. Então, é bastante interessante o método de escrever dela
porque surge. Ela escreve e, quando vê, tá pronto.
Gonesa: Eu também pesquiso, às vezes, mas, geralmente, é quando eu escuto alguma coisa
diferente. O processo criativo é assim mesmo: é você perceber uma coisa no cotidiano e poder
transformá-la em coisas diferentes. Eu esqueci de falar, mas minha escrita também é
homoafetiva. Então, eu também escrevo, a maioria das vezes, pra temas de minoria:
homoafetividade, recorte racial, o corpo feminino.
Paulo Sérgio: quando vocês tiveram contato com a literatura negra-brasileira e com a
literatura produzida na África?
David: Eu tive contato a partir mesmo daqui da Universidade, apesar de ter lido, assim
esporadicamente, alguns autores da literatura negra-brasileira. Mas, o contato efetivo, aqui
mesmo.
Lidiane: No meu caso também, apesar de que eu comecei a me interessar mais com questões
raciais quando eu entrei no Pré-Vestibular Steve Biko, do Instituto Cultural Steve Biko,
porque eles têm um recorte racial e eu acabei me interessando, mas quando eu cheguei na
Universidade eu não vi nada disso, não existe, não tem ninguém para falar sobre... não existe
recorte racial aqui. Mas, depois de um tempo, a gente vai percebendo que alguns professores
trazem a temática e algumas matérias aparecem, mas com a minoria de cinco, dez pessoas, no
máximo, a turma. 
Paulo Sérgio: a UFBA não tem uma matéria especifica de Literatura Negra?
Lidiane: Tem, mas ela não é obrigatória, ela é optativa. Isso faz também com que os alunos
não peguem, já que não se sentem muito atraídos.
Gonesa: Nós temos alguns professores que induzem ao estudo de Literatura Negra, como a
professora Lívia Natalia. Logo no primeiro semestre, ela chegou a falar em filosofia africana,
justamente pra dar esse caminho, pra ver se encaminha para este lado. Mas a matéria não é
obrigatória.
Paulo Sérgio: Como surgiu a ideia para o Projeto Enegrescência?
David: Eu e Lidiane estávamos pensando inicialmente em montar uma coletânea de autores
de literatura negro-brasileira, fazer um prémio literário. A gente foi conversar com o escritor e
editor Guell Adún, porque ele tem a editora Ogum’s Toques. A gente conversou com ele,
mostrou o livro Enegrescência. Então, ele falou mas Enegrescência é nome de projeto. A
gente já tinha pensando antes, juntamente com Gonesa e Fábio, de fazer o Sarau, só que isso a
gente nunca tinha colocado em prática. Então, a gente chamou Gonesa e Fábio e falou:
“vamos montar um projeto que privilegia a literatura negro-brasileira e africana, mas também
abarque todas as questões que são relacionadas às chamadas minorias sociais”. Por isso teve
aquela convidada, Sandra Muñoz, que se refere à população LGBT. A gente não exclui as
outras minorias, mas dá uma ênfase maior às literaturas negro-brasileiras e africanas. A gente
pensou em fazer o sarau e colocou o nome de Projeto Enegrescência.
Paulo Sérgio: Como o Projeto Enegrescência se define do ponto de vista estético e ético?
David: A gente pensa que a Literatura Negra é importante para uma estratégia de enunciação
destes autores, quee sempre foram invisibilizado. Então, a partir desse ponto, a gente pensa o
projeto.
Lidiane: Dando uma maior visibilidade a esses autores.
Lidiane: Escritores que muitas pessoas acabam desconhecendo. Eu percebi uma coisa no
sarau que achei interessante: muita gente não conhecia ou não tinha tanto conhecimento... não
conhece os autores africanos. É também uma forma de divulgar essa literatura.
Gonesa: E os brasileiros também. Porque hoje você tem um cânone literário de escritores
brancos...
Lidiane: Heterossexuais
Gonesa: Exatamente. E de camadas sociais mais altas, com status maior. Então, eles
percebem que não há muita divulgação de literatura negra, da literatura marginal, justamente
pelo fato do cânone brasileiro ser composto por esses escritores que ascenderam socialmente,
heterossexuais e brancos. Inclusive, os do cânone que são negros geralmente são
embranquecidos pela história. Então, a gente viu que havia a necessidade de fazer a
divulgação de escritores negros até pra gente, pra conhecimento da população, pra gente
mostrar que existe essa literatura negra e que anda é marginalizada, que não é divulgada.
David: Outra questão é quando a gente recita poemas dos afro-brasileiros e dos africanos.
Esses poemas possuem, sejam nossos ou de outros escritores, valores africanos ou afro-
brasileiros, como “circularidade”, corporativismo, a circulação do Axé. Esses valores podem
ajudar a modificar a sociedade baiana, a sociedade brasileira. 
Paulo Sérgio: E em relação às discussões que vocês propõem a partir dos convidados, como
elas se relacionam com o engajamento ético do sarau?
David: A gente pensa que a literatura não está dissociada da sociedade. Então no sarau, a
gente pensa, que não é só recitar poemas e recitar contos, é necessário também que haja
discussões sobre a sociedade. A gente pensa que o sarau não deve estar restrito. A literatura,
na realidade, não está restrita ao texto literário em si. Falar sobre literatura pode envolver
outras questões, ou seja, uma discussão sobre a população LGBT dialoga com poemas
homoafetivos. Uma discussão sobre a cultura Rip Hop, sobre o Rap dialoga com diversos
poemas que tem inspirações no Rap, dialoga com as próprias canções do Rap, e como essas
canções dialogam com a literatura negra, Então, há um intercruzamento nisso ai. É necessário
que haja esse diálogo, justamente para as pessoas entenderem que otexto literário não está
isolado da sociedade, faz parte da sociedade e tem um constante diálogo com a cultura
brasileira e com a cultura africana.
Paulo: Por que essa opção por literatura negro-brasileira ao invés de outras denominações,
como Literatura Afro-Brasileira?
David: Na verdade, a gente privilegia os dois. Não sei se às vezes a gente usa a afro-
brasileira, negro-brasileira... Eu sei que Cuti prefere negro-brasileira, porque ele acredita que
na cultura negra não existe realmente algo de “afro”, mas a gente acredita sim que existe algo
de “afro”. A gente colocou o negro-brasileira, talvez, por ser um termo bastante difundido
entre os escritores deste tipo de literatura, não por realmente privilegiar. Realmente acontece
esse privilégio, mas não foi realmente por tentar privilegiar, tinha que escolher um termo para
o blog. Mas, eu penso, que existem valores africanos nestes poemas de literatura negro-
brasileira.
Paulo: Como vocês entendem a literatura negra produzida no Brasil?
David: Como uma estratégia de enunciação desses autores, que sempre foram invisibilizado.
Por exemplo, a Feira de Frankfurt, só teve um escritor negro, que foi que fez o Paulo Lins.
Então, é essa questão da invisibilização, porque alguns falam que a literatura negra está
querendo se distanciar da literatura brasileira, está formando uma minoria, muitos criticam até
pensando em punir a literatura negra dizendo: “não existe literatura negra, é literatura
brasileira”, senão você está se distanciando, você está dizendo que você não é literatura, é
literatura negra... Realmente, a gente tem que pensar que a literatura negra faz parte da
literatura brasileira. Fazer um conjunto de escritores negros brasileiros, um conjunto político,
e afirmar a literatura negra é uma afirmação política, você está dando visibilidade a esses
escritores, enunciando esses que foram invisibilizados, entendeu? Então, claro que a gente não
pode pensar em dizer que eles não são, nós não somos literatura brasileira, somos sim, mas é
necessário afirmar-se como negro, como literatura negra para, logicamente, haver uma
enunciação desses autores.
Lidiane: Se não, acontece que nem Machado de Assis, que eu passei a minha vida inteira e
não sabia que ele era um homem negro ou como Lima Barreto, que fica entre o cânone e a
margem, oscilando, entendeu? Eu nunca aprendi que Machado era um homem negro, até
porque nas imagens ele é totalmente embranquecido.
David: Houve a polêmica que a Caixa Econômica colocou ele como um homem branco.
Paulo: Como os idealizadores do Sarau definem o termo “Enegrescência”?
David: “Enegrescência” seria ato de enegrecer. Só que a gente pensa que esse termo pode
fazer uma remissão a um essencialismo negro, por isso que a gente coloca uma observação no
nosso blog e na nossa página no Facebook, para a pessoa não achar que nós temos uma visão
essencialista de identidade negra. Porque uma visão essencialista diz que o negro tem uma
identidade imóvel. As identidades seriam imóveis, imutáveis, proporcionariam uma visão de
que a cultura negra é imutável, portanto, se ela não se modifica, ela é a-histórica, se ela é a-
histórica ela é pré-histórica. Então, é complicado a gente ter uma visão essencialista. Além de
que ela proporciona uma racialização do indivíduo: muitos escritores usam o termo “raça” no
sentido sociológico, mas não no sentido biológico: não tem como utilizar no sentido
biológico, no sentido de essencializar uma raça. Não existe isso. “O ser negro tem que ser do
Candomblé”, a gente não pode essencializar. A gente pensa o Enegrescencia como...
Gonesa: você transformar ou construir...
David: Sim, sim, justamente esses valores africanos e afro-brasileiros expandindo-se na
sociedade. Acho que esses valores podem ser modificados, eles são mutáveis.
Paulo: Ainda a respeito desta questão essencialista, o local o sarau ocorre, a Casa de Angola,
remete a um retorno à África?
David: Não sei... por isso que a gente explica na página do Facebook, a gente faz essa
observação. A Casa de Angola é um centro cultural é que trata da cultura angolana. Não
acredito que seja a coisa de voltar à África. Sei que muitos, até de movimentos negros,
pensam dessa forma, mas a gente não pensa dessa forma porque essa África mítica é a-
histórica, ela está congelada em um tempo, no passado. Ou, então, se trata de retornar à época
de reinos; muita gente diz, até em poemas mesmo “eu sou descendente do rei tal”, mas quem
reina, reina sobre alguém. Então, esse reino tem problemas, todo rei tem problemas: se ele
reina, existe o explorador e o explorado, o opressor e o oprimido. Então, a gente não pode ter
uma visão de África mítica, achar que a África antes da colonização era uma coisa
maravilhosa.
Lidiane: Era o paraíso.
David: Agora, claro que a gente crítica esta opressão externa, com certeza, então, nossos
poemas criticam essa opressão externa ao redor da África. Então, a Casa de Angola,
justamente porque a gente pensou por ser um espaço interessante, é um espaço legal para se
fazer um evento, é um espaço que dialoga com nosso projeto. Porque, assim, a gente podia
escolher outro espaço, mas tem espaço que não cabe. Por exemplo, a gente vai pra um Sarau
na Saraiva, Fala Escritor, que fica no shopping, a gente vai recitar poemas, mas não caberia a
gente colocar nosso projeto lá. Eu acredito que não porque é um espaço onde há bastante
segregação. Poderia ser um pouco problemático colocar o nosso sarau num espaço como esse,
onde não está perto da população pobre e negra. Então, a escolha do espaço veio pela
viabilidade e pelo diálogo do nosso projeto, mas não pensando em retornar à África, que acho
que seria ilógico isso.
Lidiane: Eu também pensei no espaço porque é um lugar mais acessível, acaba sendo um
pouco mais acessível do que no shopping, eu acho melhor pras pessoas chegarem, até porque
a maioria das pessoas do Movimento Negro costumam frequentar muito o Pelourinho, então é
mais fácil. E tem várias pessoas que a gente conhece que vão pro sarau e depois vão pro
Pelourinho porque gostam de estar no Pelourinho. 
Gonesa: Teve um evento na Casa de Angola e a gente acabou indo e descobriu que lá tem um
acervo enorme e que eles estavam catalogando pro pessoal fazer visita e tinha quadro, tinha
máscaras, um monte coisa que a gente não sabia. Aí, gente pensou que aquele espaço ali podia
ser mais explorado, até pra conhecimento da literatura africana.
Paulo: De que modo é, e sobre qual perspectiva, vocês entendem as literaturas africanas. Falo
no sentido da questão da Lusofonia, como ampliar este leque para outras literaturas?
David: Nossos saraus têm realmente privilegiado escritores de literatura africanas de língua
portuguesa, mas a gente pensa, sim, futuramente, em abarcar outros escritores. A questão é
justamente o acesso, a gente tem vários acessos a esses escritores por causa de nossa pesquisa,
que é justamente em escritores de literatura africanas de língua portuguesa, mas a gente pensa,
sim, futuramente em abranger outros escritores. Inclusive, no blog a gente pensa em colocar
outros autores. 
Gonesa: a gente criou o sarau justamente porque a gente percebeu essa dificuldade de
encontrar autores, material de autores africanos aqui. O blog justamente serve pra catalogar,
fazer a divulgação. Cada vez que a gente acha uma coisa nova, a gente dá um jeito de fazer a
inclusão lá, incluir pra divulgar.
Lidiane: Porque acaba sendo muito complicado até pra gente encontrar poemas de outros
autores, é muito complicado dentro de uma Universidade. Aqui, se você procurar de autor
afro-brasileiro...Tipo, o livro Ponciá Vicêncio, de Conceição Evaristo, eu pesquisei e só tem
um...
David: só tem um no CEAO.
Lidiane: Então, émuito complicado; é essa questão de você conseguir mesmo. Na bienal do
livro, encontramos um livro de José Craveirinha, Inclusive ele comprou, mas é muito
complicado.
David: Ou seja, até quando a gente encontra, são escritores lusófonos. Claro que tem locais
que vendem, a escritora Paulina Chiziane, que tá sendo bastante divulgada, mas assim, em
poemas é mais complicado ainda, às vezes. 
Paulo: Como vocês pretendem construir essa relação entre a literatura brasileira ou literatura
negro-brasileira e as literaturas africanas. 
Gonesa: Na verdade, não é bem uma relação, a gente não quer interligar as duas, a gente quer
divulgar, porque a gente percebe que aqui é muito marginalizado e esquecido, então a gente tá
divulgando.
David: A relação poderia ser feita através dos valores civilizatórios africanos. Por exemplo, o
poema da Geni Guimarães, que é negritude. Nesse poema, você pode encontrar, obviamente,
a estética da negritude. Então, são justamente esses valores culturais, civilizatórios, que
dialogam. Por isso, a gente pensa que existe sim algo de “afro” na literatura, não em todos os
escritores, mas existe em alguns escritores algo de “afro”.
Lidiane: Também a questão das vivencias que, apesar de não serem totalmente iguais,
acabam dialogando sobre essa questão do preconceito racial, que lá eles também sofrem, de
uma forma diferenciada porque são contextos sociais diferentes. Quando eu leio um poema de
Noêmia, às vezes eu fico assim: “poxa, sabe, tá falando sobre mim”, entendeu? Então, acaba,
de uma forma ou de outra, as vivências de lá acabam dialogando com minhas vivências e eu
acho isso maravilhoso.
David: Tem o livro de Marco Aurélio Luz, Agadá: dinâmica da civilização africano-brasileira.
Ele não utiliza “afro”, ele utiliza africano-brasileiro por que ele acredita que existe algo de
africano no Brasil. A gente fez um diálogo entre um texto do Agadá e do Hampâté Bâ e existia
muita coisa comum. A gente pode encontrar diálogos muito evidentes entre as culturas
africanas e afro-brasileira, e na literatura também.
Paulo: Eu senti falta, no sarau de vocês, de mais poemas...
David: Sim...
Lidiane: Foi.
David: O que aconteceu foi o seguinte... houve muita gente recitando e acabou o tempo
ficando curto, a conversa se alongou um pouco. A gente fica pensando assim: “pô”, parar a
conversa que o povo tá gostando fica um pouco autoritário, a gente não gosta muito disso.
Claro que num momento a gente tem que parar, mas fica um pouco autoritário, a gente recitou
poemas que tentassem dialogar com a temática, que era homoafetiva. Então, acabou realmente
que o espaço para literaturas africanas ficou realmente restrito neste sarau, a gente não
pretende fazer isso não.
Paulo: Qual é o público alvo do sarau?
David: Público alvo. São escritores que, às vezes não são escritores de literatura negra, outros
sim, e tem o grupo de licença poética que geralmente frequenta o sarau, pessoas que dialogam
com a cultura brasileira, pessoas que fazem turbante, pessoas que fazem....
Lidiane: Rap...
David: Ah! Rap, que fazem arte... o artesanato é o meu.... “artesanato” eu tenho um problema
com essa palavra porque, geralmente, na sociedade artesanato é algo menor, a pintura e a
escultura são feitas com as mãos também e são arte por que aquela... por isso a gente coloca:
“traga sua arte, qualquer tipo de arte”, poesia, o que chamam de artesanato, qualquer coisa
que tenha a ver com a cultura afrodescendente.
Paulo: Como manter o engajamento ético e estético do sarau com o microfone aberto, já que
alguém pode declamar poesias que não dialogam com as questões que vocês pretendem
discutir no Sarau.
David: Acho que ficaria muito autoritário a gente restringir, “ah somente esse tipo de
literatura”. O escritor que tem seus poemas que não tenham um recorte racial, que não falam
de cultura africana, afro-brasileira, dizer para ele “não você não pode recitar”, ficaria muito
autoritário e a gente quer justamente que essas pessoas que não conhecem a literatura afro-
brasileira e africana conheçam. Então se a gente tomar essa medida autoritária, as pessoas vão
sair, vão se isolar, vão sair do sarau, então não vão mais frequentar...
Lidiane: É muito interessante depois. As pessoas que não estão neste meio, elas falam: “poxa
eu gostei, eu vou vim da próxima vez, não sei o que, eu vou ver se... vou tentar escrever
alguma coisa sobre isso” então é assim.
David: Se a gente pensa em expandir e restringe, então não está expandindo a literatura afro-
brasileira porque não estará restrita a somente escritores de literatura afro-brasileira ou
africanas ou pessoas ligadas a e essa área, entendeu? Está restrito. Então, não tem como: a
gente não pensa em restringir a esse público. Seria escrever para nós mesmos, e a gente não
pode escrever para nós mesmos.
Gonesa: Se a gente restringir também a gente acaba perdendo um monte de autor negro que
tem outros recortes porque não é porque o autor é negro que ele vai falar só sobre o racismo
na poesia dele. Como eu, por exemplo, falo de homoafetividade, falo de feminismo. Eu não
tenho um recorte tão racial. Então, se chega uma pessoa pra recitar e recitou um poema
erótico e a gente acaba, depois, tentando excluir a pessoa do sarau, a gente tá excluindo a
poesia que justamente a gente quer divulgar, que é dos nossos irmãos negros.
David: A literatura negra não somente como um escritor que trata sobre a denúncia, na
literatura negra, os escritores falam de suas vivências. Então, falar sobre sexualidade negra é
literatura negra pra gente.
Lidiane: Como Conceição Evaristo, a “escrevivência”. Em alguns momentos, você percebe
que quem fala é uma mulher negra, mas não é em todos os poemas que você vai perceber isso,
não são todos. 
Gonesa: Cotidianamente isso é dito na literatura. Hoje fala-se muito em solidão da mulher
negra. Então, em alguns poemas, em algumas obras literárias, a pessoa não vai se declarar
negra através das palavras, mas você vai entender aquilo ali por saber quem é o autor, então
tem um recorte racial só que não divulgado...
David: Não explicito.
Gonesa: Não explícito, exatamente.
David: até porque a gente precisa de uma representação positiva, representar somente o negro
em posição subalterna de denúncia está imobilizando socialmente aquele negro. Então, é
necessário denúncia, mas a representação positiva também é importante.
Paulo: como se dá a escolha dos poemas a serem recitados no sarau? 
David: Poemas que falem sobre cultura, no caso poemas africanos sobre a cultura africana,
poemas afro-brasileiros sobre a cultura afro-brasileira; poemas que fazem denúncias, que é
também importante, mas não somente isso, como a gente estava falando. Então, é justamente
isso, poemas que falam sobre as vivências de mulheres negras, de homens negros, então que
nos representem realmente: mulheres e homens negros, que representam a sua cultura e
representem a sua luta contra o racismo. 
Paulo: Vocês procuram criar poemas em função das temáticas adotadas para cada sarau?
David: Sim
Lidiane: Sim. Eu não procuro criar poemas porque, tem aquele caso... eu fico assim
pensando, de maneira que surge.. mas pesquisamos poemas
David: Sim, por isso que, no último sarau, foram vários poemas homoafetivos. Gonesa
também escreve poemas homoafetivos e eróticos. Então, ela expôs o dela. A gente quer expor
de outros autores, então, tem o de Ari Sacramento, que ele tem também poemas homoafetivos.
Então, a gente pensa justamente em dialogar com o convidado. A literatura não está isolada da
sociedade, então, dialogar com a discussão é necessário.
Paulo: Onde o Sarau Enegrescência pretende chegar?
David: Pretende chegar?
Lidiane: Ao infinito.
David: é por isso que, na realidade, é o Projeto Enegrescência.A gente faz o Sarau
Enegrescencia, mas é uma coisa mais ampla, é um projeto, porque o diálogo intercultural
pode modificar a sociedade brasileira, esses valores sociais, entendeu? A gente quer galgar
mais espaços...
Lidiane: Até porque acho que tá tomando outras proporções que a gente não imaginou que
iria tomar.
David: É, houve uma divulgação pelo Geledés, do nosso blog. E o projeto em si, houve um
aumento de curtidas, em poucos dias, um aumento considerável, cerca de quatrocentas
curtidas na página do facebook. Então, assim, como esse diálogo pode modificar a sociedade,
ajudar a combater o racismo e a compreender a especificidade da cultura afro-brasileira.
Porque se fala muito em inclusão do negro, se fala em inclusão do negro em uma sociedade
estabelecida e não em o negro trazer sua cultura, as suas culturas, para modificarem a
sociedade. Estou falando de inclusão, inclusão é uma coisa já estabelecida, e não uma
interculturalidade que seriam valores civilizatórios diferentes que se aproximam, as vezes são
antagônicos e constroem uma sociedade.
Gonesa: a gente teve até uma discussão sobre isso porque a pessoa disse não tinha o interesse
em assinar a carteira, que o interesse era viver de arte e uma outra disse que a pessoa estava
errada, não era assim. Então, eu acho que a divulgação deste tipo de arte faz com que a gente
renuncie esse lugar que é dado à gente. Porque o negro sempre teve um lugar, só que é um
lugar escolhido, ele nunca teve o direito de escolher como é que ele quer aquele lugar. Então,
onde a gente quer chegar é criar cada vez mais vias de quebras de paradigmas e desconstrução
desses lugares que nos são impostos, socialmente. Então, o interesse da gente é esse. A gente
não tem um lugar de fato onde a gente queira chegar, porque a gente vai querer ir cada vez
mais longe, onde a gente conseguir desconstruir um certo lugar que nos foi imposto, a gente
vai descobrir outro. A gente percebe hoje que os movimentos sociais têm que conversar sobre
a contemporaneidade. Antigamente, o movimento negro não tinha um recorte voltado ao
negro com questões homoafetivas, hoje você já percebe, tem páginas da mulheres negras e
lésbicas. Talvez, amanhã a demanda seja outra, então a gente corre atrás de atender aquela
demanda futuramente, é isso.

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