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JM COPlADORA PROF.: fI?//'/hfZO IPAGS.: t&5Z(t~5r~··1 o TEATRO DAS OLiGARQUIAS uma revisao da "poHtica do cafe com leite" Lima Barreto, indo aIem dos limites de seu proprio tempo, abusou do oficio, intrinsecamente nacional, de caricaturar seu proprio pais, ao caracterizar a Primeira Republica Brasileira, com a metafora de urn pais inexistente, 1/A Republica dos Bruzundangas". Para Assis Barbosa, 0 termo expressaria urn pais de trapalhadas e encrencas, confusamente manifestadas, atraves da constrU<;aode urn sistema institucional, lnspirado no modelo norte-americano, e exercido pelos grandes estados: 0 dos bois (Minas Gerais), 0 dos rios (Rio de Janeiro), 0 da cana (Pernambuco) e 0 do Kaphet (Sao Paulo).1 aautor retrata ironica e comicamente uma realidade vivida por ele e narrada pelos historiadores: urn pais, cuja marca polftica principal era a hegemonia polftica dos grandes estados. Reproduz criticamente seu modelo de Federalismo; zomba do falseamento das institui<;6es pretensamente democraticas; ri da elite de seu tempo. E sobre este modelo politico de Republica que pretendemos aprofundar a analise. Escolhemos como foco primordial a chamada polftica do cafe com leite, expressao que inspira a hegemonia politica dos dois estados cafeeiros:Minas e SaoPaulo, durante toda a Republica Velha. Nossa inten<;aoe questionar 0 carater hegemonico, permanente e isento de conflitosdessa alian<;a. a que ora apresentamos ao leitor euma versao resumida de nossa tese de doutorado, defendida em 1999 na Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob orienta~ao da Profa. Dra. Marieta de Moraes Ferreira. Para esta versao foram excluidas, entre outras, referencias espedficas a politica intEimamineira, as quais venho paulatinamente publicando sob a forma de artigos.2 A origem da expressao cafe com leite ainda reina no campo das hipoteses. Armelle Enders afirma que a expressao tomou-se popular, provavelmente, ao final dos anos vinte. Cita a divulga~ao de urn maxixe datado de 1926, que continha referencias aproximadas a expressao. 0 mesmo se deu com 0 samba de Noel Rosa, que e de 1934, onde se fazia alus6es ao fato de Minas produzir leite e Sao Paulo 0 cafe. 3 Antes mesmo das can~6es citadas, a imprensa divulgou urn cartoon (reproduzido adiante), no ana de 1929, que contem referencias indiretas a expressao. Mas nao se sabe ao certo, exatamente 0 periodo em que ela tomou-se difundida. Na pesquisa que fizemos, em grande parte das fontes testemunhais dos 'acontecimentos do periodo, nao encontramos nenhuma referencia a expressao. Muito embora a imprensa nao tenha sido nossa fonte prioritaria de pes qui sa, tivemos acesso a parte considenivel da me sma, sem naturalmente esgota-Ia. Igualmente nao encontramos qualquer referencia a rela~ao cafe com leite. Sugerimos a hipotese, a ser comprovada em eventuais pesquisas futuras, acerca do periodo pos 30, de que a expressao tenha sido divulgada pelo regime Vargas, com 0 Hm de desqualificar a Republica Velha,em fun~ao da ruptura pretendida por seu govemo, em rela~aoaos eixosbasicos do regime pregresso. Segundo Pedro Fonseca5, foi durante 0 periodo que intermediou a divulga~ao dos resultados eleitorais e a deflagra~ao do movimento revolucionario, que Vargas come~ou a alterar 0 seu discurso quando se referia ao regime republicano. Talmudan~a do discurso, que se deu no sentido de desqualificar 0 regime anterior, seria fundamental para 0 projeto politico varguista nos anos vindouros. Para justificar a implanta~ao de urn estado mais centralizado e autoritario, Vargas precisaria, necessariamente, romper com 0 passado e com 0 regime federativo. Acreditamos que tenha sido, por esta ocasiao, que se produziu, no discurso, a ideia de que a Primeira Republica fora monopolizada pela alian~a cafe com leite. Com 0 fim de desprestigiar 0 carater liberal do regime predominante na Velha Republica, Vargas denunciaria as distor~6es de seu Federalismo, a partir dai, enfocado como urn mero revezamento entre dois estados poderosos. Como os ultimos anos da Republica Velhahaviam sido, de fate, dominados por esta alian<;a- conforme sera visto - 0 discurso produzido foi hem aceito e incorporado pel a historiografia. . A estrategia escolhida para a contesta<;aoda tese da politica do cafe com leite foi a analise das sucess6es presidenciais. Elas consistiam nos arranjos politicos mais importantes da Prinleira Republica. Atraves delas, e possivel perceber como se compunham e se decompunham parcerias politicas entre as unidades federadas, tomadas autonomas, a partir da Constitui~ao de 1891. \\', l. - Caf~ com leite ' • JI C.\ .• - Essa historia de: caf~ com leite ja csti p:io! traga-me urn dJllrrlls~o ... 2 VISCARDI. Claudia M.R. Minas Gerais no Convenio de Taubate: uma abordagem diferenciada. CD-RON dos Anais do 11/Congresso Brasi/airo de Hist6ria Econ6miea e IV Confert§neia Internaeional de Hist6ria de Empresas. Curitiba: ABPHE.1999; VISCARDI. Claudia M. R. Minas de dentro para fora: a polltica intema mineira no contexto da Primeira Republica. Locus, Revista de Hist6ria, Juiz de Fora: EDUFJF, volume 5, numero 2, 1999; VISCARDI, Claudia M. R. Elites politicas mineiras na Primeira Republica brasileira: um levantamento prosopografico, CD-RON dos Anais das Primeiras Jomadas de Hisf6ria Regional Comparada, Porto Alegre: 2000. 3 ENDERS, Armelle. Pouvoirs et federa/isme au Bresi/:1889-1930. Tese de doutorado. Paris: Universile de Paris IV- Sorbonnellnstilut d'histoire, 1993, p. 46 (nota 40). • GUIMARAES, Manoel L. S. et alii.(orgs.). A revolu~ao de 30: texlos e documentos, Brasilia: UNB, 1982, volume 1, p, 91. 5 FONSECA, Pedro C. D. Vargas: a capitalismo em construcao: 1906-1954, Sao Paulo: Brasiliense, 1989, p. 133. Ao contestar a existencia de uma abordagem que, para a quase totalidade dos historiadores, serviu de fundamento a estabilidade do regime politico da Primeira Republica, qual seja, o da alianc;amineiro-paulista, torna-se imprescindivel apresentar urn novo arranjo alternativo, que tenha conferido ao sistema, urn grau minima de funcionalidade. Dessa forma, sugerimos uma hip6tese central a nortear a presente pesquisa. Ela diz respeito ao modele politico em vigor no periodo em foco. Afirmamos que ele teve a sua estabilidade garantida pela instabilidade das alianc;as entre os estados politicamente mais importantes da Federac;ao, impedindo-se,a urn s6 tempo, que a hegemonia de uns fosse perpetuada e que a exc1usaode outros fosse definitiva. Tal instabilidade pode conter rupturas internas, sem que 0 modelo politico fosse ameac;ado, ate 0 limite em que as principais bases de sustentac;ao desse modelo deixaram de existir, ocasionando a sua capitulac;ao. Para a comprovac;ao dessa hip6tese central, partiremos de dois pressupostos basicos. a primeiro diz respeito a Minas Gerais. a estado viveu internamente, durante todo 0 periodo em foco, arduas disputas intra-elitistas, que interferiram na luta por sua projec;aonacional. Assim, a sua importancia politica no periodo nao derivou do apaziguamento interno de suas divergencias, mas, sobretudo, de seu poder economico, condicionado por ser 0 segundo maior exportador nacional de cafe, aliado ao fato de possuir 0 maior contingente eleitoral. a segundo se refere as relac;6esentre 0Estado Republicano e a cafeicultura. a fato de a economia agro-exportadora, predominante no periodo em foco,estar condicionada a ascensao de prec;os do mercado internacional para a ampliac;ao de seus lucros, a tornava refem das politicas cambial, fiscal e monetaria estabelecidas· nacionalmente. Portanto, a esfera da politica se constituia de importancia fundamental para que os interesses economicos dos cafeicultores fossem contemplados. Dai, 0 interesse premente, dos estados cafeicultores, em manterem-se no poder. Ao mesmo tempo, a necessaria alianc;acom estados nao cafeicultores, aliada a luta constante por hegemonia limitarama ac;aodessas elitesna defesa de interesses exc1usivistas,garantindo aoEstadoRepublicano a detenc;aode certa margem de autonomia, em se tratando dos interesses do cafe. No decorre.r da leitura, 0 leitor percebera 0 enfoque privilegiado sobre uma das unidades f~de~ativas a comp~: a alianc;acafe com leite,qual seja,Minas GeraISe IStOse deve a.van~s raz6es. Minas desempenhou fundamental papel na orgam~ac;ao e _implementac;ao do modelo politico em vigor ~o per,lOdo. Participou com a mesma enfase .em sua des~~regac;ao.Alem de possuir a maior representac;aoeleltoral no cenano f~deral,durante toda a Primeira Republica, era 0 segundo malOr estado em importancia economica, atraves de sua pro~uc;aode cafe.. . Dividimos 0 trabalho em oito capltulos. No pnmelfo, fizemos uma discussao historiografica relativa a alianc;apoHtica do cafe com leite e de seus fundamentos economicos. Foi apresentada, igualmente, uma abordagem alternativa ~c:rca ~as bases das alianc;aspoHticasprocess adas no contexto ohgarqUlco. a segundo capitulo tratou da instalac;ao das bases. de urn modelo de relac;aoentre os estados na Primeira Repubhca que perduraria ao longo dos anos. a foco central. foi a analise do processo sucess6rio ocorrido no governo Rodngues Alves. ~s~a sucessao teve como marco principal a quebra do monopoho paulista sobre 0 cargo presidencial, que vigorava desde a sucessao de 1894. ~ .a terceiro capitulo tratou especificamente do COnVe~l?de Taubate. Procurou-se, atraves da analise das relac;6esP?httc..as, ocorridas em torno da primeira politica de. valonz~c;ao, desmistificar que seu fundamento estivesse na ahanc;anaclOnal entre Minas e Sao Paulo.a quarto capitulo tratou da sucessao de Afon~o Pena. Procurou-se comprovar que, muito embora tivesse ocorrl~o uma tentativa de aproximac;aodos paulistas em relac;aoa candldatura mineira de David Campista, 0 candidato nao P?ssuia? respaldo dos politicos mais importantes do PRM, lmpedmdo-se a concretizac;ao de uma alianc;aem torno de seu nome. a quinto capitulo tratou do ~overno H~rme.s e de. sua sucessao. Procurou-se conferir uma mterpretac;ao dlferen~la?a acerca da poHticas de "salvac;6es", realc;ando0 papel do Exe~c~to como ator poHtico.Ao mesmo tempo, destacou-se uma anahse do "Pacto de auro Fino", desmistificando as ~esesque apon~aram o evento como 0 simbolo formal de uma ahanc;aentre Mmas e Sao Paulo. o sexto capitulo tratou das duas sucess6es ocorridas, £indo o governo de Wenceslau Bras. A primeira delas, de carater consensual, teve uma analise menos delongada. A segunda, que deu origem a escolha de Epitacio Pessoa, buscou comprovar as dificuldades existentes nas tentativas de composi<;ao de uma alian<;amineiro-paulista. Foi abordada, tambem neste contexto, a segunda politica de valoriza<;ao do cafe, de forma menos aprofundada, ja que, em fun<;aodo contexto em que foi projetada - 0 da I Guerra Mundial - nao ofereceu muitos subsidios que contribuissem com as analises pretendidas pela pesquisa. o setimo capitulo tratou da Rea<;aoRepublicana, evento ocorrido por ocasiao da escolha de Bernardes a Presidencia da Republica. Este capitulo se reveste da maior importancia. Foi 0 evento marcado por duas inova<;6esfundamentais. A primeira diz respeito a concretiza<;aode uma alian<;amineiro-paulista, de carMer conjuntural e eivada de conflitos. A segunda refere-se a emergencia de novos atores polfticos, formados nao s6 pelas oligarquias regionais renovadas, como pela presen<;ade setores medios, militares e trabalhadores. Foram abordados tambem neste capitulo a terceira politica de valoriza<;ao do cafe e os problemas politicos dela advindos e de sua rela<;ao com 0 processo sucess6rio. o ultimo capitulo trata de duas sucess6es (a de Bernardes e a de Washington Luiz) e da Revolu<;aode 1930. A primeira sucessao, em razao de seu carater consensual, mereceu uma abordagem tambem breve. A segunda foi abordada com maior profundidade, identificando-se as raz6es da rapida ruptura da alian<;amineiro-paulista. Para isto, foram enfocadas as politicas economicas relativas ao cafe, que foram empreendidas naquele contexto. Por fim, analisou-se a rea<;aoarmada contra a elei<;aode Julio Prestes, identificando 0 seu impacto sobre 0 desgaste do pacto politico republicano, que se consumaria a posteriori. Como 0 leitor podera perceber, este trabalho se constitui em uma narrativa segundo a pensa Lawrence Stone. Para 0 autor, tal estilo consiste em organizar materiais em seqiiencia cronol6gica, concentrando 0 conteudo em uma tinica hist6ria coerente, embora envolvendo sub-tramas. Volta-se sobre 0 homem e menos sobre as circunstancias; trata do particular e 24 nao do quantitativo.6 Mesmo assumindo 0 risco de envolver 0 leitor em um mundo de atores, interesses e circunstancias hist6ricas, os mais diversificados, acreditamos ter sido esse 0 melhor caminho de exposi<;aode nossos argumentos. Alem de ser uma narrativa, este trabalho esta inserido no c~mpo da Hist6ria Politica. Como ~ leitor tambem p.od,e~a perceber, ele se encontra a meio carmnho entre uma Hlstona Politicausualmente produzida no contexto da "segunda gera<;ao" dos Annales e de sua recente renova<;ao.Isto implica em assumir que, ao tratarmos de fatos hist6ricos predominantemente de carater politico, buscamos sempre relaciona-Ios ao contexto economico, social e, commenos incidencia, ao ambiente cultural no qual foram gestados. Para que tal objetivo pudesse ser atingido, recorremos a um "velho" conceito, recentemente retomado sob nova 6tica por R. Remond,7 qual seja, 0 concei to de autonomia relativa do politico, de autoria de Antonio Gramsci. Este conceito serviu de parametro norteador de toda a nossa abordagem acerca das rela<;6es entre as elites politicas e economicas. De Gramsci tambem nos apropriamos do conceito de hegemonia, que consiste numa constru<;aode grupos alia~os que exercem uma dire<;ao politica, intelectual e ide.o16.glca durante determinado periodo de tempo, podendo prescmdlr de uma domina<;aoeconomica, nao existindo uma correspondencia direta entre a infra-estrutura economica e a superestrutura politica. 0 vinculo entre as duas e organico ~e ~o ~eioda esm:~ra juridico-politica que se resolvem as pnnCIpals contradl<;oes economicas.8 Pode parecer estranho ao leitor 0 fato de nos utilizarmos de parte das prerrogativas metodol6gicas gramscianas, ao mesmo tempo que optamos pelo uso do conceito de elite e nao de dasse, categoria adotada por Gramsci. Acreditamos que 0 conceito de elite - 0 qual parte do pressuposto de que em toda a sociedade existe uma minoria que detem 0 poder em • STONE. Lawrence. 0 ressurgimento da narrativa: reflexoes sobre uma nova velha Hist6ria. Revista de Historia: dossi6 hist6ria narrativa. Campinas: IFCH. Unicamp. 1991. p. 13 e 14. 7 REMOND, Rene. Por que a Hist6ria Politica? Revista Estudos Hist6ricos. Rio de Janeiro: FGVI CPDOC. jan-jun.1994. n. 13. p. 16. . ., • A este respeito nos utilizamos dos trabalhos de: PORTELLI. Hugu~s. Gr~~scl e 0~/oc~ h/stonc? Rio de Janeiro: Paz eTerra. 1983; GRAMSCI. AntOnio.A concep~ao dla/etlca da Hlstona. 4~~.RIO de Janeiro: Civilizacao Brasileira, 1981; SADER. Emir (org.). Gramsci: sobre poder. pohllca e partido. 2ed. Slio Paulo: Brasiliense. 1992. contraposic;ao a uma maioria que dele esta privada - seja mais apropriado para 0 entendimento das relac;oes de poder que queremos analisar na Republica Velha. Por estarmos mais interessados nos conflitos que se dao no interior da propria elite e nao nas relac;oesentre elite emassa, a teoria das elitesnos oferece instrumental te6rico mais propfcio.9 Ao iniciarmos a volumosa pesquisa que resultou em nossa tese de doutorado, tfnhamos por objetivo realizar uma revisao historiografica sobre urn modelo de federalismo republicano bastante consolidado pela historiografia nacional. Ele foi cumprido. Agora, ao trazer a pesquisa a urn publico maior, em forma de livro, nossoobjetivo tambem se ampliou rumo a consolidac;aode nossa proposta revisionista. Talobjetivo, porem, bem mais ambicioso, s6 sera realizado na medida em que pesquisas complementares acerca do tema possam proliferar. Assim, esperamos que este livro contribua para 0 despertar de novas duvidas, novas questoes e, sobretudo, novos interesses. Os que clamam por observarfatos sem pressupostos intelectuais enganam-se a si mesmos. Algumas generalizafoes antecipadamente aceitas, em cujos term os julgamentos de importiincia podem ser formulados, sao necessarias para 0 historiador, se nao quiser ser envolvido pela enorme massa de detalhes que confronta.1 Este capitulo tern por objetivo discutir as bases do Federalismo Brasileiroque vigorou durante a Primeira Republica. A partir da analise das contribuic;oes de varios autores que trataram do tema, de forma direta ou indireta, e da pesquisa empfrica realizada, procuramos definir as bases de urn modelo que perdurou intacto, durante boa parte do regime republicano. Aomesmo tempo, procuramos identificar as causas responsaveis pela sua progressiva erosao, ao longo do proprio regime. Conforme afirmamos na Introduc;aodesse trabalho, 0nosso objetivo primordial e contestar a exisb~nciada alianc;acafe com leite, como 0 eixo de sustentac;ao da Republica Velha.a objetivo proposto remete a duas contingencias. A primeira e abordar, de forma critica, como 0 referido eixo foi tratado pela historiografia, de modo a justificar a sua desconstruc;ao. A segunda e prop or . uma analise alternativa a que estava em vigor. 1.1- Federalismo Brasileiro: Parametros Atuais de Discussao Historlografica 1.1.1- A "GEOGRAFIA" DAS OLIGARQUIAS Nos trabalhos acerca da Primeira Republica, produzidos a partir do seu termino, ou seja, no pos 30, e comum encontrarem- • Para 0 conceito de elite adotado ver BOBBIO, Norberto et alii. Dicionario de politica, Brasilia: UnB, 1986, p.385 a 391. Acerca da teoria das elites ver: AlBERTONl, Ettore A. Doutrina da c/asse politica e teoria das elites, Rio de Janeiro: Imago. 1990; DAHL. Robert A. Uma crftica do modelo de elite dirigente IN: PARSONS, Talcott et alii. Socio/ogia politica II, Rio de Janeiro: zahar, 1970, p-p.90-100; MARTIN, Roderick. Soci%gia dopoder. Rio de Janeiro: lahar, 1978; BOnOMORE, T. As elites e a sociedade, Rio de Janeiro: lahar. 1965; MillS. Wright C. A elite do poder. Rio de Janeiro: lahar, 1962. 1MENDEL. A. r. Historical Objectivity. a "Noble Dream"? IN:WEHLING.Amo. A invenr;iio da Hist6ria: estudos sobre 0 historicismo. Rio de Janeiro: UGF/UFRJ. 1994. p. 129. spud. se algumas tendencias recorrentes.2 Aprimeira delas diz respeito a hierarquia dos estados na Federa~ao. Barbosa Lima Sobrinho foi responsavel pela dissemina~ao de urn esquema que dividia as oligarquias estaduais em tres classes ou grandezas: Minas, Sao Paulo e Rio Grande do SuI pertenceriam a primeira; Rio de Janeiro, Pernambuco e Bahia, a segunda grandeza; os demais estados brasileiros, a terceira grandeza. Asoligarquiasdominantes tinham seu poder fundamentado em uma economia dinfunica,na uniao interna de suas elites e na sua grande representa~ao no Parlamento, em fun~ao do grande mlmero de eleitores de que dispunham. As demais caminhavam ao reboque da Hist6ria, disputando, entre si, as migalhas de soberania, distribufdas pelo "triunvirato" hegemonico: Os quarenta anos de jederalismo brasileiro resumem-se a uma [uta continua contra a supremacia de a[~uns estados. Temos os estados lideres e os estados satelites; os estados de primeira, de segunda, de terceira dasse, segundo podiam candidatar-se ii presidencia, a vice-presidencia da Republica, ou a coisa nenhuma.3 foi sempre associado ao cumprimento de urn papel desagregador sobre a ordem est~vel do regime. Todas as vezes que a alian~a Minas-Sao Paulo vivenciava uma crise, 0 RioGrande do SuI era apresentado como urn tertius.s _ Na busca de elementos que levariam osgauchos a terem uma posi~ao relativamente autonoma no quadro nacional, os pesquisadores costumavam reladonar talpostura as especificidades de seus interesses economicos. Alegava-se que, por estar 0 Rio Grande do SuI voltado para uma economia de mercado interno, seus interesses seriam necessariamente distintos daqueles estados voltados para a economia agro-exportadora.6 Nao cabe aqui contestar, com profundidade, a diversidade entre os interesses economicos dos estados e de sua rela~ao com 0 desempenho nacional dos mesmos. Mas 0 que anunciamos, por hora, a ser abordado no decorrer da pesquisa, e que 0 desempenho politico do Rio Grande do SuI, na esfera federal, nao esteve necessariamente condicionado a defesa de politicas nacionais voltadas para a prote~ao das economias de mercado interno. Ao mesmo tempo, Minas Gerais dispunha de uma dinamica economia de mantimentos que, embora nao fosse hegemonic a no estado, abarcava a maior parte de seus munidpios rurais. Caso este argumento fosse valida, 0 carater da produ~ao economica gat1cha, ao inves de afastar gauchos de mineiros, contribuiria para a sua aproxima~ao. Urn outra referencia comum ao desempenho federal dos gauchos relaciona-se a sua parceria estabelecida com osmilitares. Na condi~ao de elementos desagregadores, 0 Exercito e os a elo comum entre os varios trabalhos encontra-se na ideia de urn "triunvirato", composto pelos estados de Minas Gerais, Sao Paulo e Rio Grande do SuI, responsavel pela condu~ao politica do regime.4 Uma segunda tendencia recorrente na historiografia tern a ver com 0 papel do Rio Grande do SuIna Federa~ao. a estado 2 Dada a extensilo dos trabalhos produzidos, oplamos por fazer recortes. sem os quais a larefa proposta ficaria inviabilizada. Nao serilo tralados os trabalhos produzidos antes de 1930. Pela pesquisa que nos foi possivel realizar, nile encontramos nenhuma referl'lncia <11 alianca caf6 com leite neste perfodo. Acerca do p6s-30, optamos por realizar uma escolha obedecendo a criterios qualitativos. Selecionamos os autores que trataram, com determinado nivel de prioridade, 0 tema do Estado Republicano ou que contribufram, de alguma forma, com sugest6es em prol da construc;:ao ou desconstruc;:ilo do modelo em vigor. 3 BARBOSA, Francisco de Assis. Juscelino Kubitschek: uma revisilo na politica brasileira, Rio de Janeiro: J0s6 Olympia, 1960, p. 324-325- apud. Edgar Carone esboc;:ou uma ·geografia das oligarquias·, dividindo-as em oligarquias partidarias (Minas. Silo Paulo e Rio Grande do Sui) - marcadas por rigidas estruturas partidarias - e oligarquias pessoais (demais eslados)· fragilizadas pelas facc;:oes relacionadas <11 politica de parentela. CARONE, Edgar. A Republica Velha: institui¢es e classes sociais (1889-1930), 5ed, Rio de Janeiro: Bertrand, 1988, p. 273 a 287. Iglesias fala de oligarquias de primeira a quarta classe segundo seus potenclals de intervenc;:ao sobre a politica IGLESIAS, Francisco. Trajet6ria politica do Brasil (1500-1964), Silo Paulo: Cia das Letras, 1993. p. 209. • Varios autores defendem a ideia de hegemonia do ·triunvirato·. Entre eles destacamos LOVE, Joseph. 0 regionalismo gaucho, Silo Paulo: Perspectiva, 1975. p. 115 e 117 LOVE, Joseph. A locomotiva: Sao Paulo na federac;:ao brasileira: 1889-1937, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 189; FRANCO. Afonso A. de M. Rodrigues Alves: apogeu e declinio do presidencialismo, Rio de Janeiro: Jose Olympio, 1973, p.236; ENDERS, Armelle. Pouvoirs eLop.cit. p. 329. Para Campelo e Souza, 0 triunvirato hegem6nico era formado pelo PRM, pelo PRP e por Pinheiro Machado SOUZA, Maria do Carmo C. de. 0 processo politico-partidario na Primeira Republica, IN: MOTA, Carlos G. (org.). Brasil em perspectiva, 15ed., Sao Paulo: Difel, 1985, p.188. Steven Topik afirma que, nao obstante 0 fato dos trl'ls estados juntos nile controlarem 0 Congresso, eles controlavam o Executivo Federal. TOPIK, Steven. A presen~a do estado na economia politica do Brasil de 1889 a 1930, Rio de Janeiro:Record, 1989, p. 27. • MARTINS FILHO, A. A economia politica do caf6 com leite: 1900-1930, Belo Horizonte: UFMG. 1981, p.33 e 119. LOVE, Joseph. 0 regionalismo...op.cit. p. 131 e 144. FRANCO. AfonsoA. de M. Umestadista na Republica, Rio de Janeiro: Jose Olympio, 1955, p. 479. PERESSINOTTO. Renato M. Classes dominantes e hegemonia na Republica Velha,Campinas: Unicamp, 1994. p. 204. • PERESSINOTTO, Renato M. Classes dominantes...op.cit. p. 214. Esla concepc;:iio esta presente tambem em: MARTINS FILHO. Amflcar. A economia politica ...op.cit. p.126 e LOVE. Joseph. 0 regionalismo ...op.cit. p. 143. gauchos costumavam se unir para fazer contraposi<;ao a hegemonia Minas-Sao Paulo? Ao longo deste trabalho, se percebera que 0 poder de interven<;ao do Rio Grande do SuI sobre 0 regime republicano foi muito consideravel. Atraves do exame de sua atua<;ao,nos process os sucessorios, perceberemos que nem sempre ela se deu de forma desagregadora ou mesmo alternativa a crise de hegemonia mineiro-paulista. E de que 0 Exercito nem sempre atuou ao seu lado, guardando uma relativamargem de autonomia. Vma outra tendencia recorrente na historiografia diz respeito aos papeis dos diferentes atores politicos do regime. Ao conferir aos estados-atores 0 poder de vida e morte sobre os destinos do Estado Nacional, a participa<;ao de outros agentes foi subestimada ou relegada ao mero papel de espectadores. Aqui nos referimos ao Exercito e ao proprio Estado Nacional. De ator principal dos primeiros dez anos da Republica, 0 Exercito passou a ser abordado como mero coadjuvante nos demais period os, so voltando a ter a sua a<;aodestacada, na decada de vinte, quando sua participa<;ao, em prol da desestabiliza<;aodo regime, foi real<;ada.Em geral, 0 papel a ele atribuido foi 0 de caixa de ressonancia de interesses oligarquicos ou urbanos emergentes, sem conferir-Ihe autonomia. E comum tambem encontrarem-se referencias ao controle que as oligarquias tiveram sobre 0 govemo militar de Hermes da Fonseca.s o mesmo problema pode ser encontrado nas referencias ao Estado Nacional. De ator fundamental nos periodos monarquico e do pos-3D, 0 interregno da Primeira Republica foi visto como 0 perfodo de sua ausencia ou fragiliza<;ao. Sua autonomia como ator politico durante 0 regime foi, por algumas 7 LOVE, Joseph. 0 reg/onalismo ... op. c/t. p. 115 e 116. LOVE, Joseph. A locomot/va ... op. c/t. p. 278. SCHWARTZMAN. Simon. Um enfoque te6rico do regionalismo politico, IN: A politica tradicional brasileira: uma interpretacao das relacoes entre 0 centro e a periferia. IN: BALAN, Jorge (org.) Centro e periferia no desenvolvimento brasile/ro, Sao Paulo: Difel. 1972, p. 106. B FRANCO, Afonso A. de M. Um estad/sta ... op.c/t. p. 653. Souza tambem relega os militares ao dominio das oligarquias hegem6nicas. SOUZA, Maria do Carmo C. de. 0 processo politico- partidario na Primeira Republica, IN: MOTA, Cartos G. (org.). Brasil em ... op.cit. p. 203 e 224. 0 mesmo pode ser dito acerca de Faoro. para 0 qual 0 afastamento total do Exercito da polltica conferiu ao regime oligarquico um tom imobilista, sob 0 domlnio hegemOnico da alianee oligarquica entre Minas e Sao Paulo. FAORO. Raymundo. Os donos do poder. formacao do patronato politico brasileiro, 6ed. Rio de Janeiro: Ed. Globo, 1984, volume 2, p. 542. Para Joao Cruz Costa 0 Exercito, afastado pelas oligarquias do poder, passaria a atuar como um 'Poder Moderador". agindo todas as vezes em que se fizesse necessario estabilizar as instituiCOes COSTA, Joao C. Pequena H/st6ria da Republica, 2ed, Rio de Janeiro: CivilizaCao Brasileira, 1972, p. 67 e 68. vezes, negligenciada. Partiu-se do pressuposto de que 0 Estado Nacional constituiu-se em mero instrumento, sob 0 contrale das oligarquias mineiro-paulista, atuando em prol do atendimento das reivindica<;6esdas mesmas.9 Ao inserirmos 0 Catete e 0 Exercito no conjunto de atores mais proeminentes do regime republicano, esperamos resgatar o papel relativamente autonomo desses dois agentes politicos. Ao mesmo tempo, ao relativizarmos 0 grau de interferencia dos setores cafeicultores sobre 0 controle das polfticas publicas, esperamos resgatar os nfveis de autonomia do Estado Nacional, o que sera feito na analise das politicas de prote<;aoao cafe. 1.1.2- 0 PAPEL "ESTABILIZADOR" DE CAMPOS SALES Vma outra tendencia, encontrada nos trabalhos, diz respeito ao papel desempenhado pelo govemo Campos Sales sobre 0 regime republicano. As referencias ao seu governo estiveram voltadas para 0 exito do presidente paulista em conferir estabilidade ao regime, atraves das mudan<;as institucionais por ele realizadas.lO A "politica dos estados" de Campos Sales tratou-se de uma expressao, atribufda por ele mesmo, a uma nova forma do Executivo Federal relacionar-se com os estados-atores. Segundo avalia<;aopropria do regime republicano, Campos Sales achava que as instabilidades da Republica tinham por fundamento as dificuldades de rela<;ao existentes entre 0 Executivo e 0 Legislativo Federais e as lutas partidarias que dividiam 0 Parlamento. 0 contexto a que ele se referia era 0 dos primeiros anos do regime, assolados, principalmente, por uma conjuntura de crise, provocada pela cisao do Partido Republicano Federal (PRF), que dividiu 0 Congresso entre republicanos e concentrados. Esta divisao havia contribufdo para fragilizar 0 • Muito em bora esta ideia esteja disseminada no decorrer de muitas obras citadas. encontra-se explfcita em: FRANCO, AfonsoA. de M. Um estadista ...op.cit. p. 477. PANG, Eul-Soo. Coronelismo e oligarquias (1889-1943): a Bahia na Primeira Republica brasileira, Rio de Janeiro: Civilizacao Brasileira. 1979, p. 23. 1.LESSA, Renato. A invencllo republicana, Rio de Janeiro: Vertice, 1988, p. 142; CARONE, Edgard. A primeira republica (1889-1930). Sao Paulo: Difel, 1975. p. 101. Afonso Arinos afirma que a polltica dos govemadores foi a concretizacao do Federalismo no Brasil. FRANCO, Afonso A. de M. Um estadista ...op.cit. p. 474 e 475. Para Iglesias, a estabilidade do periodo e vista como sinOnimo da conciliacao entre as oligarquias. IGLI:SIAS, Francisco. Trajet6ria polftica ...op.cit. p. 207 e 208. Catete, tornando a gestao de Prudente de Morais totalmente esteril, segundo sua avaliac;ao.ll A soluC;aoapontada por ele implicava em conferir ao Executivo Federal urn maior grau de autonomia em relac;aoao Parlamento, palco das principais disputas. Ao mesmo tempo, pretendia desatar osn6s g6rdios geradores das disc6rdias no ambito do Legislativo,atraves da realizac;aode urna ac;aoconjunta com os estados, denominada por ele de "polftica dos estados", a qual consistia emmante-Ios em harmonia com 0 ExecutivoFederal, sem que abrissem mao de sua autonomia constitucionaLI2 Pelo que se encontra impHcito em seu trabalho, a hegemonia do governo federal nao seria repassada aos estados- atores. Caberia a eles apoiarem 0 Catete, fortalecido em seu poder de arbitrio. Dessa forma, 0modelo de Estado Nacional praposto por Campos Sales pairava nas alturas, distante dos conflitos regionais, relegados aos estados-membros. Dai as referencias que fazia a necessidade de erigir-se urn Executivo Federal de carater meramente administrativo, infenso as disputas e interesses regionalistas. A despolitizac;ao do Estado Nacional seria contraposta a politizac;ao dos estados-atores, resguardando-se 0 poder soberano e autonomo do Catete. Para a resoluc;ao dos conflitos que perturbavam a ordem do Congresso, C. Sales propos algumas mudanc;as no Regimento Interno da Camara. Taismodificac;6esvisavam conter as disputas partidarias no ambito do Parlamento, que tanto amea~aram a ordem da gestao Prudente de Morais. Elas tiveram urn impacto politico fundamental para a estabilizac;ao do regime, naquele momento. Esta modificac;aoocorreu atraves de duas medidas. A primeira, relativa a eleic;ao da Presidencia da Camara, e a segunda, relativa ao envio das atas eleitoraispara 0 Congresso. A partir das reformas de Campos Sales, 0 Presidente da Camara Federal deixou de ser 0membra mais idoso, passando a ser 0 mesmo Presidente da legislatura finda. Esta mudanc;a foi fundamental, na medida em que cabia ao presidente da Camara nomear os cinco membros que compunham a IIcomissao de verificac;aode poderes", ou seja, em suas maos, estava 0 controle sobre a renovac;aodo Poder Legislativo. Atraves dessa f6rmula, a Pres~den<;jada Camara derivaria da indicac;aodo situacionismo eo Executivo Federal garantiria 0 seu contra Ie sobre a renovac;ao do Congresso. Ela, porem, nao durou muito. Como sera vis to, em func;aode press6es polfticas sobre 0 governo Afonso Pena, 0 Regimento foi novamente alterado, voltando a funcionar como antes. Portanto, esta primeira alterac;ao regimental teve breve durac;ao. Ja a segunda mudanc;a teve urn impacto muito maior sobre o regime, nao s6 pelas suas conseqiiencias, como pela sua permanencia. Atraves dela, 0 diploma do deputado eleito passou a ser a ata de apurac;ao da eleic;ao, assinada pela maioria da comissao apuradora, no ambito do municipio. Com esta medida, impediu-se que fossem enviadas ao Congresso, duplicatas de atas, para que 0 mesmo optasse pel a veracidade de uma e a falsidade da outra. 0 resultado mais imediato dessa medida foi a transposic;ao dos conflitos do Congresso para fora dele. Cabia as facc;6eslocais a escolha dos deputados eleitos que comporiam o Legislativo Federal. Nao obstante a vota~ao se desse no municipio, a filtragem final ficaria sob a responsabilidade dos partidos regionais que, atraves de suas comiss6es executivas, definiriam a composic;ao de suas bancadas. Como dissemos, 0 conflito deixava as fronteiras federais e se imiscuia nos estados. Renato Lessa afirmou que esta medida contribuiu tambem para 0 esvaziamento da soberania do Legislativo Federal, na medida em que as eleic;6esja vinham decididas, esvaziando-se o poder da comissao de reconhecimento sobre as mesmas.13 Mas na pratica, conforme sera visto, 0 esvaziamento da comissao de reconhecimento nao ocorreu. A despeito do envio de uma Unicalistapelos estados, a comissao tinha 0poder de contestar o diploma. Perdera 0poder de escolha, mas mantivera 0 seu poder de veto. Tanto e que, ao longo desse trabalho, serao observadas divers as situac;6es de ardua disputa, nao s6 pela Presidencia da Camara, como principalmente pela composiC;aoda comissao de reconhecimento. E,por diversas vezes, os destinos das bancadas estiveram nas maos da "comissao dos cinco". o exemplo mais veemente que denota 0 nao esvaziamento do Parlamento, enquanto locus de hegemonia, encontra-se no 11 SALLES. Manuel Ferraz de Campos. Da propaganda ~ presicllmcia. Brasnia: UNB. 1983. p. 115 a 119. 12 Idem. p. 120. poder de decisao sobre as interven~6es federais nos estados. As conseqiiencias das lutas entre fac~6es no interior dos estados eram: a duplicidade de atas eleitorais, de assembleias legislativas e ate de presidencias de estado. Taisduplicidades eram resolvidas no ambito do Parlamento e do Judiciario Federais. Cabia ao Poder Judiciario julgar os pedidos de habeas corpus - instituto normalmente usado para esteHm - e ao Poder Legislativo aprovar ou nao a intervenc;aofederal sobre 0 estado, vitima da dissidencia intra-oligarquica. Dessa forma, ambos os poderes mantiveram- se razoavelmente fortalecidos. Muito embora estivesse preocupado com sua pr6pria sucessao, C. Sales nao propos uma f6rmula permanente, que conduzisse a renova~ao do Executivo Federal. Certamente porque este ainda nao era urn problema visivel naquela conjuntura. A unica referencia encontrada a este respeito esta na alusao de que as sucess6es deveriam resultar da competic;ao partidaria. Mas de partidos organizados em tomo de ideias e nao de interesses personalisticos ou meramente regionais. Na ausencia desses partidos, segundo Campos Sales, caberia ao Catete conduzir 0 processo sucess6rio.14 Em seu governo, isto foi possivel. A partir do apoio conferido por urn seleto grupo de estados-atores - Minas, Sao Paulo e Bahia - 0 Catete fez de Rodrigues Alves 0 seu sucessor, sem contar com muitas resistencias e a revelia do Partido Republicano Federal (PRF). Esta ac;ao, porem, nao poderia repetir-se na sucessao seguinte, conforme sera visto. a modelo de Campos Sales, com a pretensao de conferir a Republica consideravel grau de estabilidade, havia deixado de regular 0 principal elemento disfuncional do regime republicano, qual seja o fundamento de sua pr6pria renova~ao. Isto implica em dizer que 0 grau de estabilidade conferido pela "politica dos estados" a ordem institucional brasileira precisa, no minima, ser relativizada. Esta tarefa, de fundamental importancia, escapa, porem, aos limites desse trabalho. Mas acreditamos poder contribuir para esta necessaria renovac;ao, a partir das referencias que estarao presentes nos pr6ximos capftulos. Amais sedimentada das tendencias entre os historiadores foi construida em tomo da aceita~ao da hegemonia da alian<;a mineiro-paulista sobre 0 regime oligarquico. Muito embora existam divergencias acercade alguns aspectos relativos a alian<;a entre ambos, todos concord am que, ate 1930,a estabilidade do regime foi garantida pela associac;aohegem6nica entre os dois maiores estados da Federac;ao. Partiu-se do pressuposto de que a construc;ao da alianc;a mineiro-paulista veio conferir ao regime republicano a estabilidade politica que the faltava, desde a extinc;aodo Poder Moderador. Dessa forma, os persona gens desestabilizadores da ordem foram afastados da cena politic a, em troca de uma monopoliza<;ao do poder, por parte de uma alian<;aque, muito embora nao fosse isenta de conflitos, era inquestionavel. a) as eventos fundadores da alian~a Existem divergencias entre os historiadores acerca dos eventos-fundadores da citada alianc;a.A este respeito, quatro gropos podem ser delimitados. as primeiros afirmam que a alianc;a foi construida na primeira decada republicana, justamente com 0 fim de conferir urn novo ordenamento institucional ao regime que se iniciava.15 Taistrabalhos nao atentaram para 0 fatode queMinasGerais encontrava-se imersa em ferrenhas lutas intemas, que impediam que 0 estado tivesse uma efetiva participa~ao nos principais acontecimentos nacionais, naquele perfodo. Lembre-se, aqui, a posi<;aode neutralidade convenientemente assumida por Minas, durante 0govemo PIorlano,quando serviu, inclusive, de op~aode exiliopara os degredados do regime.Mesmo os historiadores, que se dedicaram prioritariamente ao estudo de Minas no periodo, reconhecemque 0 estado permaneceu amargem da politicafederal ate 1898, perfodo que marcou a a~ao do presidente Silviano ,. Helio Silva afirma que a alianca cafe com leite fora projetada na Convencao de Itu. ou seja. antes do pr6prio advento da Republica. muito embora tenha se tomado eficiente a partir do govemo de Prudente de Morais. SilVA, Helio. 0poder civil. Porto Alegre: lPM. 1985. p. 74. Para Souza. a alianca mineiro-paulista surgiu ap6s 0 governo de Floriano Peixoto SOUZA, Maria do Carmo C. de. 0 processo polltico-partidario na Primelra Republica. IN: MOTA. Carios G. (org.). Brasil em... op.cit. p. 190, 191 e 212. Para Boris Fausto foi a partir da eleicao de Prudente de Morais em 1894. FAUSTO. Boris. A revolur;iio de 1930: historiografia e hist6ria. 14ed. sao Paulo: Brasiliense. 1994. p. 89. Brandao, em prol da efetiva<;aode urn acordo interno entre as elites mineiras, habilitando-as para urna a<;aonacional mais real<;ada.16 Os segundos afirmam que a alian<;a surgiu no governo Campos Sales. Para estes, a alian<;a foi resultante do pacto oligarquico ou serviu de fundamento para sua consecu<;ao. Nestes casos nao e raro encontrar-se uma confusao de conceitos, provocada pela associa<;aoda "polftica dos estados" de autoria de Campos Sales a polftica do cafe .com ~eite, de aut~!"ia dos pr6priospesquisadores. Para os ailahstas citados, 0 acordo inferestadual conferia ao regime a sua estabilidade, da mesma forma que 0 fazia a "polftica dos estados" de Campos SalesY Como sera visto no segundo capitulo desse trabalho, 0 que proporcionou relativa estabilidade ao regime republicano foram as medidas tomadas por Campos Sales, apoiadas pelos maiores estados da Federa<;ao.0 fato de Minas Gerais ter composto a chapa presidencial, que sucedeu 0 governo de Sales,nao implicou que ja existisse uma alian<;aentre os dois estados, na medida em que houve resistencias de ambos em torno da indica<;ao de Afonso Pena para 0 cargo de vice-presidente. Alem disso, se no periodo houvesse uma alian<;apreferencial, por parte de Sao Paulo, ela deveria ser com a Bahia, estado que desempenhava urn papel polftico muito mais ativo do que 0 desempenhado por Minas, na ocasiao. Tais considera<;oes serao retomadas, com maior profundidade, no pr6ximo capitulo. Ha urn terceiro grupo de historiadores que atestam a origem da alian<;aMinas-Sao Paulo entre os governos de R.Alves eAfonso Pena (1902-1909).Muito embora nao se refiram ao fate, provavelmente 0 que motivou 0 marco foi a ocorrencia, no ,. Podemos citar,dentre outras: WIRTH. John. 0 fief da ba/ant;a: Minas Gerais na federa~o brasileira (1889-1937), Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982; RESENDE, Maria E. L. de. Forma~iio e estrutura de domina~iio em Minas Gerais: 0 novo PRM, 1889·1906, Belo Horizonte: UFMG. 1982; FRANCO, Afonso A. de M. Urn estadista ... op.cit. 17Os autores que tem por marco 0 govemo Campos Sales sao: MARTINS FILHO,Amflcar.A economia poJitica ...op. cil. p. 53. WIRTH. John. 0 fiel da ...op.cit. p. 232. LOVE, Joseph. A locomotiva ...op. cit. p. 277 BELLO, Jose M. Hist6ria da republica, 6ed,Sao Paulo: Cia Editora Nacional, 1972, p. 167 e 168. IGL~SIAS, Francisco. Trajet6ria poJitica ... op.cit. p. 208. 30. CASTRO, Sert6rio de. A Republica que a revolu~iio destruiu, Brasilia: UNB, 1982. p.119.Jose Maria Bello deixa transparecer a citada confusao, ao tratar as mudan~s regimentais operadas por Campos Sales ao mesmo tempo em que atesta a origem da alian~ entre Minas e Sao Paulo, p. 167 e 168. Martins afirma que a politica do cafe com leite foi uma exacerba~o da polltica dos govemadores. Surgiram no mesmo per/odo e parecem estar incluldas no ambito do mesmo pacto, p.32, 33 e 127.Cintra afirma que a polltlca dos governadores foi um mecanisme centralizador, engenhado pelas periodo, do Convenio de Taubate, evento que tera uma analise destacada no capitulo terceiro, do presente trabalho.18 Conforme veremos - nos capitulos dois e quatro, respectivamente - em ambas as sucessoes citadas, Minas e Sao Paulo encontravam-se trilhando dire<;oesopostas. Procuraremos re~l<;ar,tambem, que 0primeiro programa de valoriza<;aodo cafe nao resultou de uma alian<;a polftica nacional entre os dois estados da Federa<;ao. Ha urn quarto grupo que atrela a emergencia da alian<;aa sucessao de Hermes da Fonseca, ou seja, ao chamado "Pacto de Ouro Fino", ocorrido em 1913. Tais autores partern do pressuposto de que, ate entao, vencidos vinte e quatros anos de regime (mais de 50% dele), a alian<;aentre Minas e Sao Paulo aind~ nao havia ocorrido. Para-a emergencia do acordo, eles se basearam em urn evento real, ocorrido na cidade de Ouro Fino, Minas Gerais, entre representantes de cada urn dos dois estados, com 0 fim de interferirem sobre a sucessao de Hermes da Fonseca.19 Concordamos com Enders acerca do carater circunstancial da aproxima<;ao entre os dois estados, a ser tratada no capitulo cinco desse trabalho. Conforme sera visto, tal aproxima<;ao nao chegava a constituir-se em uma alian<;ae logo se romperia no pr6ximo evento sucess6rio. Por fim, ha autores que chegaram a falar em "rotativisrno", como se tivesse havido urn planejado revezamento entre Minas e Sao Paulo na ocupa<;aodos cargos presidenciais e na efetiva<;ao da alian<;acafe com leite. Para esses trabalhos, 0 principal fator, oligarquias dominantes, para garantir-Ihes 0 controle sobre 0 Estado Nacional. Estes es~ados eram Minas e Sao Paulo que, unidos, conseguiram transformar seus in!eresses reglonals em nacionais. CINTRA,AntOnioOctavio.A politics tradicional brasileira: uma interpretayao das relaeces entre 0 centro e a periferia. IN: BAlAN, Jorge (org.) Centro eperiferia no desenvolvimento brasileiro, Silo Paulo: Difel. 1972, p. 38 e 39. •• Para Edgar Carone, a polltica do cafe com leite se inicia em 1906, no govemo Afonso Pena. CARONE, Edgar. A Republica velha ...op.cit. p. 305. Afonso Arinos parece nao ter chegado a um acordo consigo mesmo a respeito do evento fundador da alian~ mineiro-paulista. Ele fal~ de tres ocasioes que .deram origem a alian~: a primeira foi na sucessao de R. Alves, referenc/ada em FRANCO, Afonso A. de M. Urn estadista ...op.cit. p,457; a segunda fol na sucessao de Car:npos Sales e a terceira no govemoAfonso Pena, referenciadas em FRANCO,AfonsoA. de M.Rodngues Alves ... op.cit. p. 174 e 627. respectivamente. . .. 10 Enders afirma que a alian~ surgiu no Pacto de Ouro Fino, por razoes meramente ClrCunsta.nclals, ligadas a intenyao de barrar a ascensiio de Pinheiro Machado. ENDERS, Arrnelle. Pouvolrs et. .. op.cit. p. 416 e 450. 0 mesmo afirrnam Daniel de Carvalho e Assis Barbosa em CARVALHO, Daniel de. Capltulos de mem6rias. Rio de Janeiro: Jose Olympio, 1957. p. 141 e BARBOSA. Francisco de Assis. Juscelino Kubitschek ...op.cit. p. 218, respectivamente. responsavel pela ocorrencia da Revolu~ao de 30, foi a quebra, por parte de Sao Paulo, desse revezamento.20 A despeito da diversidade dos marcos originarios da alian~a, e comum aos autores a referencia a dois momentos de exce~ao.aprimeiro foi a sucessao de Afonso Pena, que separou paulistas e mineiros em duas candidaturas diferentes, dando origem a disputa entre hermistas e civilistas. a segundo foi a sucessao de Washington Luiz, que marcou 0 encerramento da referida alian~a. a fato de contestarmos a alian~a cafe com leite nao implica em contestar a ocorrencia de alian~as conjunturais entre Minas e Sao Paulo, ao longo da Republica Velha. Pelo que sera visto, os dais estados tiveram momentos que iam da aproxima~ao desconfiada a oposi~aoveemente. amesmo se deu com outros tipos de alian~as estabelecidas por parte de Minas com outros estados. a que secontestaeque a alian~aentremineiros epaulistas tenha sido preferencial,permanente e isenta de conflitos. Assim, apontamos que os eventos da Campanha Civilista e da Revolu~ao de 1930, em que as elites mineiras opuseram-se as paulistas, nao foram eventos excepcionais,mas apenas rotineiros. b) os pHares e 0 sentido da alian~a Ahegemonia mineiro-paulista, segundo os pesquisadores, era fundamentada em pHares bastante solidos. Reconhece-se pelos menos dois deles. a primeiro era 0 grande potencial economico, representado pela produ~ao cafeeira de ambos os estados. a segundo era a uniao interna de suas elites, em torno de partidos monoliticos regionais. Em geral, Minas Gerais foi colocada na alian~a como urn parceiro paradoxa!. Ao mesmo tempo em que se constituiu no elo £ragHda mesma, por nao possuir uma economia tao dinamica e avan~ada como ados paulistas, foi 0 estado que mais obteve ganhos politicos resultantes dessa parceria. 20 Love fala em "alternancia" entre os dois eslados, apenas como tendencia e nAo como regra. LOVE, Joseph. 0 regiona/ismo ...op.cil. p. 128. Tambem fala que a revolu~o de 30 resultou da recusa de SAoPaulo em manter a altemanda com Minas Gerais. LOVE, Joseph. A /ocomoliva ... op. cil. p.118.Carone fala em revezamento: CARONE. Edgar.A Republica ve/ha ...op.cil. p. 305.Afonso Arinos abusa desse conceito. Fala em "rotativismo", em "movimento pendular" e em "binOmio espontaneo". FRANCO.AfonsoA. de M. Um esladisla ...op. cil. p.457, 914 e 1013, respeclivamente. Helio Silva tambem fala em revezamento entre os presidentes de Minas e sao Paulo. SILVA, Helio.0 poder ...op.cil. p. 74. Tal paradoxo foi resolvido, para uns, pela recorrencia a explica~6es que real~avam a uniao inter~a do P~, como tendo sido responsavel pela obten~ao de malS beneftclos do Estado Nacional do que, de fate, os mineiros mereceriam. Para outros, pelo realce de suas habilid~,des poli.?cas natur~is, com~ ~od.e ser observado pela cita~ao: Esta polttlca, graras a predomtn~ncta incontrastavel do cafe,( .. .> derivou naturalmente para uma .altanra mineiro-paulista, onde Silo Paulo ent:av~ co~ 0 ?e~o da su~ ,:qu~za e Minas com 0 da sua sabedoria, prudencta e dtsctplma tradtClOnatS no campo de manobras. "21 .' . A tese predominante afirma que os dlferen_~esnt.v.:~lsde desenvolvimento de suas economias~i:il_9aelaram .um cfeter~n~do tipo cfe rela~ao com 0 Estado Nacional. Ml~as Gerais, porTer uma-ecbnomia-det'adente ~u de "relattva estagnac;ao", tendia a relacionar-se co~ a .Unl.aoem busca do atendimento de reivindica~6es maJontanamente .extra- economicas. Ja SaoPaulo, em fun~ao do amplo desenvolvlmento de sua economia, teria uma postura diferente. Ou de mera indiferen~a, resguardada a sua autonomia econ?n:uca: ou_o seu contrario, lutando em prol do atendimento de relvmdlca~oes de carater eminentemente economico: Mas a alianra cafe com leite nlio se baseava numa g:nuina reciprocidadede interesses, porque Minas eraa parte mats ft:~ca e tinha de se submeter a vontade de Slio Paulo na polltlca economica. (...) A medida que esse hiato aumentava, ficavam mais daros seus objetivos diferentes na arena fed:ral. A parte da politica monettiria do cafe,SlioPaulo niiodependzadogoverno federal (ate a decada de 1930) parafavores economicos. Minas, ao contrario, tinha uma grande lista de compras.22 21 FRANCO. Afonso A. de M. Um esladisla ... op. cil. p. 478. Para Mart~nsa concilia~o intern a d~s elites mineiras ocorrida a partir do governo de Silviano BrandAo, fOIrespons3vel ~ela a~~nsao federal de Min~s e nAo0 seu poder econOmico.MARTINS FILHO,Amllcar. A economla pohtlca ...op. 22 ~~':':~,8JOhn. 0 fie/ da ...op.cil. p.252. Wirth insiste muito na tese do clientelism~ mineiro em rela~o AFedera~o. ParaWirth, Minas enlrou na alianc;:aem func;:aode seu poder politico. 9~ranlldo por sua unidade interna. Uma vez na alianc;:a.colocava-se como urn fiel executor das dlretnzes econOmicas impostas por Sao Paulo. Ver tambem as paginas: 154.232,241,249 e 309. 39 o que fica patente nesta cita<;aoe 0 realce conferido ao nivel de autonomia dos paulistas em rela<;aoao Estado Nacional. Para tais abordagens, Sao Paulo havia trilhado uma postura minimalista em rela<;aoa disputa de cargos e prote<;aodo Estado, por prescindir deles. Dotado de uma economia dinamica e forte, pode abrir mao, deliberadamente, de uma postura mais hegemonica sobre 0 Estado Nacional, sem que isto resultasse em prejuizos economicos, que nao pudessem ser resolvidos internamente.23 Caminhando nesta mesma dire<;ao,alguns estudos tenderam a destacar a ac;aonacional mineira como conservadora ou obsoleta, contraposta a a<;aopaulista, considerada mais aberta, dinamica e modernizadora. Estes diferentes comportamentos tinham clara rela<;aocom 0 grau de desenvolvimento de suas economias.24 Estas considera<;5es nao deixaram de estar presentes em obras mais recentes. Tendo por referencia as teses de Azevedo Amaral, Renato Lessa tambem associou Minas Gerais ao conservadorismo, ao nao contesta-Ias: A classificar;ao de Azevedo Amaral distingue, pois, dois estilos antagonicos de condur;ao da coisa publica. De um lado a 'politica paulista 'associada a eficiencia administrativa e a modernizar;ao; por outro 0 padrao governado pela politica obsoleta, marcado pelo predominio de 'orientar;l5es diferentes'.( ...) No entanto, e incontornavel a evidencia de que de 1906 a 1926 a chamada politica obsoleta tern um inequivoco tom mineiro.25 A respeito das considera<;5es arroladas acima, 0 presente trabalho pretende propor algumas ressalvas. A primeira delas diz respeito aomyel de desenvolvimento economico diferenciado entre os dois estados, como condicionador de sua rela<;aocom a Vniao. 23 Love tambem compartilha dessa visao. Aeha que Minas atuava em busea de tavores de elientela e Sao Paulo nao 0 tazia, por nao preeisar desses tavores. Ao mesmo tempo, destaca que, para atingir seus objetlvos econOmicos, Sso Paulo nso preeisava controlar diretamente os postos presideneiais ou ministeriais. LOVE, Joseph. A locomotiv8 ...op.cit. p.250. 2A A raiz de tal pensamento. sem duvida alguma, eneontra-se nas interpreta¢es do patrimonialismo brasileiro. a serem tratadas posteriormente. eujo maior representante para 0 caso mineiro toi Amflear V. Martins. MARTINS FILHO. A. The white collor Republic: patronege and interest representation in Minas Gerais. 1889-1930. Tese de doutorado. Illinois: 1987, p. 3, 4. 8, 111 e SCHWARTZMAN, Simon. Um enfoque te6rico do regionaJismo polftico IN: BALAN, Jorge (org.) centro e ...cp. cit. p.97 e 98. Vertambem: WIRTH, John. 0 tiel da ...op.cit. p. 39, 309 e 312. 25 LESSA, Renato. A inven~ilo ...op.cit. p.148. Muito embora seja incontestavel a superioridade economica de Sao'Paulo em rela<;aoa Minas Gerais, nao se pode atribuir 0 distanciamento paulista do governo federal, ocorrido durante alguns governos da Primeira Republica, a falta de interesse de suas elites em interferirem sobre os rumos do Estado Nacional. Conforme veremos, por estar atrelado a uma economia altamente dependente do mercado internacional, Sao Paulo ficava refem das politicas cambial, fiscalemonetaria, controladas pela Vniao. Conforme tambem sera visto, as vezes em que se ausentou do controle do Executivo Federal nao 0 fez obedecendo a uma estrategia deliberadamente minimalista, mas por ter sido derrotado politicamente, por alian<;asque 0 excluiram. Aqui nos referimos a participa<;ao de Sao Paulo nos governos de Afonso Pena ao de Wenceslau Bras. Conforme sera demonstrado, entre 1906 e 1914, Sao Paulo esteve excluido das principais articula<;5es politicas nacionais. Vma segunda ressalva refere-se as rela<;5esde coopta<;ao que supostamente Minas Gerais teria mantido com 0 Estado Nacional, em busca de benesses exc1usivamente extra- economicas. Ao longo desse trabalho, teremos oportunidade de nos referir a pesquisas mais recentes que apontaram para urn maior myel de dinamicidade da cafeicultura mineira, isentando- a de relacionar-se com 0 Executivo Federal apenas com 0 Hm de auferir do mesmo prebendas politicas. Pretendemos comprovar que seu nivel de rela<;aocom 0 Estado era mais semelhante ao paulista, do que seu oposto. Vma terceira ressalva diz respeito aos motivos que garantiram a Minas Gerais 0 exerdcio da hegemonia politica sobre 0 regime. Muito embora seja incontestavel 0 grau de coesao interna de suas elites, principalmente quando comparadas as elites baianas e fluminenses, teremos oportunidade de, no minimo, relativizar as bases dessa concilia<;aointra-oligarquica, apontando para ocasi5es,em que tais dissidencias comprometeram uma efetiva participa<;aodo estado na politica federal. Partimos do pressuposto de que a for<;apolitica de Minas nao se baseava exc1usivamente no relativo grau de coesao interna, mas na existencia de uma economia forte, associada ao seu grande contingente eleitoral, responsavel por projetar 0 estado 41 nacionalmente, atraves dos trinta e sete deputados e tres senadores que possufa. Vma terceira e ultima res salva refere-se ao canHer conservador e obsoleto dos mineiros, que derivou das concep<;oes em debate. Ao compararmos a atua<;ao federal de Minas com outros estados, nada autoriza a caracteriza-Ia dessa forma. Nos raros momentos em que os setores oligarquicos atuaram no sentido de "modernizar" as rela<;oes polfticas vigentes, os mineiros estiveram presentes, a exemplo da a<;aodos intelectuais do "jardim da infancia" ou da a<;ao de jovens oligarcas no contexto da Alian<;aLiberal, objetosde abordagem nos capftulos quatro e oito, respectivamente. Contrapondo-se a estabilidade mineiro-paulista, foram relevadas as instabilidades proprias a estados como Bahia e Rio de Janeiro, normalmente al<;adoscomo focos de disputas intra- oligarquicas, prejudiciais a urn desempenho polftico nacional satisfatorio. Muito embora fossem unidades economicas dinamicas e dotadas de consideravel representa<;ao polftica parlamentar, tiveram ressaltadas as suas atua<;oesdiscretas no cenario nacional, exatamente por nao terem conseguido romper com a luta entre suas fac<;oesinternas.26 Nao se trata aqui de contestar que a uniao interna entre as elites era uma condi<;ao indispensavel para 0 exerdcio da hegemonia federal. Os estados que, nas conjunturas sucessorias, se encontravam mais unidos, eram aqueles que tinham melhores condi<;oes de interferirem sobre 0 rumo dos acontecimentos. Porem 0 fato de a Bahia e Rio de Janeiro estarem constantemente assolados por divisoes internas nao impediu que estes estados tivessem uma participa<;aoativa, enquanto atores, nos processos sucessorios. Marieta Ferreira, em sua analise do Rio de Janeiro, procurou dar urn tratamento diferenciado as dissensoes internas do estado. Segundo a autora, as elites fluminenses tentaram supera-Ias atraves de duas safdas. A primeira foi a tentativa de afastamento estrategico, em rela<;aoa polftica federal e a segunda foi a de construir eixos alternativos as situa<;oesdominantes. Em 26 WIRTH, John. 0 fiel da ... op. eif. p. 237. Existem importantes considerac;oes explicativas para tais dissid6ncias em: ENDERS. Annelle. Pouvoirs et ...op. eit. p. 332 a 336. ambos os casOS0 estado colheu resultados positivos, tendo sua, . presen<;adestacada no cenario federal. 27 Quanto ao sentido da alian<;amineiro-paulista, os autores sac prodigos em criarem situa<;oesque a tornaram contingentes. Para Peressinotto ela teria surgido em fun<;ao da nao institucionaliza<;aodosmecanismos responsaveis pelo arbitramento das sucessoes presidenciais. Para Gontijo, ela fora 0 equivalente funcional ao Poder Moderador, conferindo ao sistema 0 mesmo grau de estabilidade que detinha 0 regirr.'"~monarquico. ~a aqueles que afirmam que ela decorrera da fragilidade da democraCla brasileira, incapaz de apoiar-se na livre competi<;ao polftico- partidaria. 0 ponto de convergencia entre estas abordagens ~sta no fato de que a alian<;amineiro-paulista conferiu ao regIme razoavel grau de estabilidade, resolvendo 0 seu maior "Ca1canhar de Aquiles", qual seja, 0 das sucessoes presidenciais.28 A partir do momenta em que se estabelece urn novo olhar sobre 0 regime polftico republicano, pode-se perceber q~e sua estabilidade derivava muito mais da ausencia de ahan<;as permanenteS" e ~;~oifticas do que do seu contr.ario: ~o l?ngo desse trabalho, procurar-se-a demonstrar que a mexlsten~Ia da .alian<;aMinas-Sao Paulo nao impediu que 0 regime repubhcano adquirisse consistencia e relativa estabilidade. Conforme afian<;amos, na Introdu<;ao desse trabalho, a instabilidade das alian<;as e que conferiam ao regime a estabilidade necessaria, na medida em que impedia a monopoliza<;aodo poder, deixando sempre aberta a possibilidade de sua renova<;ao,mesmo que dificilmente ocorresse. c) rompendo com 0 monolitismo da alian<;a Nao obstante a proeminencia da alian<;amineiro-paulista, encontrada na totalidade dos trabalhos analisados, alguns autores romperam com 0 seu monolitismo e apo~taram para situa<;oesem que a citada alian<;afora colocada em ~lSCO.Outros aproximaram-se mais de nosso argumento, sugenndo que os termos da propria alian<;afossem revisados. 27 FERREIRA. Marieta M. Em busca da idade do ouro. Rio de Janeiro: UFRJ, 1994, p. 1~1. .. 26 PERESSINOTTO, Renato M. Classes dominantes ...op.cit. p.212 e 2.13CAR~ALHO:~t~mo GontiJo de. Uma conspira~jjo contra a intelig{Jncia: vida e obra de Da~ld Campista. Vlt6na. Artenova, 1968. p. 44. LOVE, Joseph. A locomotiva ... op.eit. p.277, respectivamente. Faoro, em seu classico trabalho, muito embora defendesse a ideia de que uma alian<;acafe com leite tivesse sido formulada a partir do governo Campos Sales, destacou os inconvenientes resultantes desse acordo para Sao Paulo, ao dar destaque as rivalidades predominantes entre os dois estados. Segundo Faoro, ao estabelecer urn acordo comMinas, SaoPaulo teria que amargar urn ostracismo de doze an os e ter condicionada a sua prosperidade ao apoio mineiro.29 J. Love, Martins e Peressinotto, em momentos diferentes e de forma divers a, destacaram que os elos de liga<;aoentre Minas e Sao Paulo foram constitufdos pel a economia exportadora. No entanto, entre ambos os estados nao houve uma compatibilidade absoluta de interesses, em fun<;aodas diferencia<;oes internas, decorrentes do nfvel de desenvolvimento de cada modelo agro- exportador. No entanto, os autores nao aprofundaram no estudo dessas incompatibilidades e de seu impacto sobre a alian<;a.30 Eul-Soo Pang afirmava que a polftica do cafe com leite deveria chamar-se polftica do "cafe contra 0 leite", pois PRM e PRP eram rivais em seus interesses economic os distintos e, na maioria das vezes, adversos: "Contrariamente as interpretar;oes existentes, a alianra 'cafe com leite' entre Slio Paulo e Minas nlio foi urn born casamento polftico. Deveria ser chamada, mais apropriadamente, cate contra leite. "31 Apesar de reconhecerem as rivalidades entre Minas e Sao Paulo e de apontarem a sua alian<;acomo problematica, estes autores nao chegaram a questionar a sua existencia. Estudos mais recentes procuraram relativizar a hegemonia da alian<;amineiro-paulista sobre a na<;ao.Entre eles destacaram- se trabalhos ja citados, que tentaram resgatar a importancia polftica das oligarquias de "segunda grandeza", real<;ando seu poder de interven<;ao sobre 0 jogo oligarquico. Introduzindo a no<;aode "eixo alternativo" ao poder dominante de Minas e Sao Paulo, foram resgatadas as atua<;oes do Rio de Janeiro e do pr6prio Rio Grande do SuI, como estados que cumpriram urn papel desestabilizador sobre a ordem oligarquica, conduzida pela alian<;ahegem6nica. Ao mesmo tempo, identificou-se uma serie de dificuldades irierentes ao exerdcio da hegemonia por parte de SaoPaulo, muito embora 0 poder do estado nao fossecontestado.32 E comum encontrarem-se nesses trabalhos sugestoes de revisao dos termos da alian<;aMinas-Sao Paulo, com 0 fim de romper com esquematismos. A referencia de Kugelmas e urn exemplo dessa preocupa<;ao: A instabilidade constante dos sistemas de alianras tornava cada sucessao presidencial urn even to traumatico, como se 0 regime necessitasse de uma peri6dica recomposirao; mesmo a alianra Slio Paulo-Minas jamais se formalizou e nao foi permanente. Seria mais adequado pensa-Ia como condirao necessaria mas nao suftciente para canalizar e conter 0 potencial conflitivo das disputas.33 Steven Topik, aproximando-se ainda mais em dire<;ao ao nosso argumento, apontava para a alian<;acomo uma fic<;ao,sem base empfrica que a comprovasse. No entanto, limitou-se a sugerir a hip6tese, sem fazer parte de seu objeto de estudo, aprofunda-Ia. A imagem de urn bem- sucedido acordo cate com leite entre Slio Paulo e Minas, urn acordo de alternancia de presidencia entre os dois estados, nlio passa de uma idealizarlio de urn processo muito mais ca6tico e cheio de conflitos.( ...) Se for a excerlio que prova a regra, 0 acordo cafe com leite estaria provado. Quatro dos cinco presidentes paulistas nlio tiveram mineiros como sucessores.( ...) Profundas divergencias politicas colocava-os em confronto por causa de diferentes graus de envolvimento no comercio exterior. 34 32 Para 0 caso do Rio de Janeiro. ver. FERREIRA, Marieta M. Em busca ...op.cit. p. 7. 8, 24.112, 143 e 144; MENDONCA, SOnia R. de. 0 rura/ismo brasileiro (1888-1931), Sao Paulo: Hucitec. 1997, p. 61, 62 e 178. Com 0 destaque para 0 Rio Grande do Sui ver: ENDERS,Armelle. Pouvoirs et... op.cit. p. 7, 8, 350 a 390. Acerca de Sao Paulo ver: KUGELMAS, Eduardo. Dificil hegemonia: um estudo sobre Sao Paulo na Primeira Republica. Tese de doutorado. Sao Paulo: USP. 1986. p. 3, 76, 77 e 99. Enders destacou que muito embora a alianl;:a parecesse estavel. na prollica. uma serie de outras articulal;:oes e muitos acordos tiveram que ser realizados para mante-Ia, p. 451. 33 KUGELMAS, Eduardo. Dificil hegemonia ... op.cit. p.77. :w TOPIK, Steven. A presen~a do ...op.cit. p. 28. 2lI FAORO, Raymundo. Os donos op.cit. p. 584 e 585. 30 LOVE, Joseph. 0 reglonalismo op.cit. p. 129. Martins chega a sugerir que novos estudos sejam feitos neste sent/do, por encontrarem-se ainda lacunas. MARTINS FILHO, Amllcar. A economia po/itica ...op.cit. p.61-113. PERESSINOTTO, Renato M. Classes dominantes ...op.cit. p. 212. 31 PANG, Eul-Soo. Corone/ismo e ...op.cit. p. 55. Ver tambem pagina 100. Enders destacava, na conclusao de sua tese, que a polftica do cafe com leife merecia passar por uma seria revisao. E Jerry Weiner, em urn estudo biografico anterior, afirmava que a alianc;a entre Minas e Sao Paulo so se dava quando outras altemativas faziam-se inviaveis, constituindo-se mais em uma excec;ao do que em uma regra.35 Como se po de perceber, 0 principal argumento desse trabalho se insere mais em uma linha de continuidade do que de ruptura, em relac;ao as pesquisas mais recentes. d) bases economicas da alianc;a Urn outro pilar que serviu de base aos estudos da alianc;a Minas-Sao Paulo foi 0 de sua relac;aocom 0 cafe. Visando a facilitar o acompanhamento do debate que se travou a este respeito, separamos os autores em tres gropos distintos de analise. a primeiro grupo incorpora trabalhos que, na relac;aopublico- privado, privilegia 0 segundo em detrimcnto do primeiro, ou seja, na amllise entre Estado e gropos de interesse, 0 aparelho estatal aparece como urn instrumento de expressao de interesses de classe. Englobam-se, neste grupo, os trabalhos associados as vertentes interpretativas marxista e liberal para 0 Estado Republicano.36 Em ambas as vertentes, torna-se visfvel a apropriac;ao do Estado Republicano pelas unidades federadas cafeicultoras, que conseguem fazer valer seus interesses sobre os dos demais estados da Federac;ao. a resultado imediato dessa interpretac;ao e 0 de conferir a alianc;a Minas-Sao Paulo, incontestavel hegemonia polftica e a de subestimar 0 papel de 35 ENDERS, Armelle. Pouvoirs et ...op.cit. p. 450 WEINER, Jerry T. Afonso Pena: Minas Gerais and the transition from empire to republich in Brazil. Tese de doutorado. City University of New York, New York: 1980, p.175. 3. Entre os varios autores destacamos: BARBOSA, Francisco de Assis. Juscelino Kubitschek ...op. cit.; BASBAUM, LeOncio. Hist6ria sin cera da Republica, (1989-1930), 4ed. sao Paulo:Alfa-6mega, 1975-76; BELLO, Jose M. Hist6ria da ...op.cit.; BESSONE, Darcy. Wenceslau: urn pescador na presidencia, Sociedade de Estudos Hist6ricos Pedro 11,1968; CAL6GERAS, Pandia. Forma~ao historica do Brasil, 5ed, Rio de Janeiro: Bibliex, 1957; CAMMACK. Paul. State and federal politics in Minas Gerais, Brazil. Tese de doutorado. Oxford: 1980; CARONE, E. A Republica ...op.cit.; COSTA. Joao C. Pequena Hist6ria ...op.cit.; FAUSTO. Boris. Expansao do cafe e politica cafeeira IN: -Hist6ria geral da civiliza~80 brasileira. 5ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 1989. Torno III, volume 1. Iivro segundo. capitulo 1; FRANCO, Afonso A. de M. RodriguesAlves ...op.cit.; FURTADO, Celso. Forma~80 econ6mica do Brasil, sao Paulo: 19 ed, Cia Editora Nacional, 1984; IGL~SIAS. Francisco. Trajet6ria politica ...op.cit.; LACOMBE, Americo J. Afonso Pena e sua epoca, Rio de Janeiro: Jose Olympio, 1986; LOVE, Joseph. A locomotiva ...op.cit.; LOVE, Joseph. 0 ragionalismo ...op.cit.; SILVA, Helio e CARNEIRO, Maria C. R. Hist6ria da Republica brasileira. sao Paulo: Editora Tres, 1975. outros atores, a exemplo das oligarquias nao cafeeiras, dos militares e os do proprio Estado Nacional. As vis5es presentes neste grupo resultaram em determinados esquematismos. aprimeiro foi perceber 0Estado como urn bloco monolitico, a servic;o dos interesses dominantes, clesconhecendo a vastidao de seus atores e a complexidade de suas relac;5es com os diferentes setores da sociedade. a segundo esquematismo decorreu da analise das. re~ac;5es de sse ESAta~oe classes dominantes, vistas em sua malOna, como harmomcas, omitindo-se perfodos em que 0 Estado nao atuava obedecendo a logica proposta e as classes dominantes divergiam entre si, em suas reivindicac;5es. a segundo grupo e composto por trabalhos que privilegiam 0 papel do Estado na relac;aoEstado-Sociedad~, s~bestimand~ 0 ~eu carater classista, hem como 0 potencial orgaruzativo das assoaac;oes de classe, no encaminhamento e na defesa de suas aspirac;oes. Este grupo e representado pelas "teoricos patrimonialistas" do Estado Brasileiro, que construfram suas analises em torno de uma leitura crftica das vers5es que predominavam, desde a decada de 30, na historiografia nacionaP7 a que pretendiam contestar era a tese de que 0 Estado Republicano era refem dos interesses das oligar~uias cafeicul~oras, e de que as politicas publicas, por ele empreendldas, respondlam a interesses privados dos setores cafeicultores organizados. a elo comum entre as pesquisas em foco pode ser encontrado na tentativa de resgatar a forc;a do Estado, mesmo em urn perfodo historico em que a descentralizac;a?, result~te do Federalismo implantado pela carta de 1891, tena esvazlado parcialmente os seus atributos. Para estes autores, mesmo durante os "interregnos que dissimulam"38, a Uniao manteve as suas 37 Para os fins dessa pesquisa, nao abarcaremos a totalidade dos trabalhos de inspira~o palri~ia~ista. Interessa-nos apenas analisar os autores que mais se destacaram n.o esludo dos.casos mlnelro ~ paulista na Primeira Republica, nos ullimos vinle anos. Aqui nos refenmos as se~U1ntes produ?'5es. SCHWARTZMAN Simon. Representa~o e cooptac;ao polflica no Brasil, ReV/sta Dadas. RIO de Janeiro: lupe~, 1970; SCHWARTZMAN, Simon. Urn enfoque te6rico do regionalismo ~olitico IN: BALAN, Jorge (org.) Centro e...op.cit; Schwartzman. Simon. Slio Paulo e 0 estado nacJ?nal. sao Paulo: Difel, 1975; MARTINS FILHO. Amllcar. Clienlelismo e representa~o em MI~as Geral~ durante a Primeira Republica: uma critica a Paul Cammack, Revista Dados. RIO de Janeiro: 27 (2). 175-97. 1984' MARTINS FILHO, A. The white collor ...op.cit. • 36 Expr~ssao usada por Faoro para designar a Primeira Republica como urn penodo t::m que 0 Estado esteve mais fragilizado e descentralizado. FAORO. Raymundo. Os donos do ...op.cit. Volume 2. p. 725. prerrogativas, reservando-se 0 poder de coopta<;aoe de controle para 0 acesso as sinecuras, tao disputadas pelos agentes da politica. Nao se percebem, pOl'parte desses trabalhos, os diferentes setores que comp6em 0 Estado Nacional e nem a diversidade de interesses que nele se inserem. 0 poder regional das unidades federadas, 120nhecidas como de "segunda grandeza" foi subestimado e a alian<;acafe com leite foi posta em novos termos. SaoPaulo possufa for<;aeconomica, mas nao tinha poder polftico. Minas Gerais tinha for<;a politica, mas nao tinha poder economico. A alian<;afoi resultante dessa soma conveniente de vantagens e carencias. A Minas caberia usufruir do Estado Nacional as prebendas polfticas. E Sao Paulo, atraves da alian<;a, teria, a seu favor, a garantia de sua autonomia e a promessa de urn Estado que nao imporia obstaculos ao desenvolvimento de sua forte e dinamica economia. o terceiro grupo, no qual este trabalho se insere, engloba pesquisas, em sua maioria produzidas a partir da decada de 80, que trazem como ponto comum a autonomia relativa do Estado, em rela<;ao aos interesses economicos hegemonicos, sem desconsiderar a forte presen<;a desses setores, na defini<;aodas politicas publicasimplementadas.39 Este grupo e formado pOl' trabalhos que buscaram redimensionar as rela<;6esentre Estado Nacional e interesses economicos privados, resguardando-se a autonomia relativa do primeiro, sem desmerecer 0 potencial organizativo e reivindicativo dos segundos. Conferiram aos setores cafeeiros a hegemonia sobre 0 regime, mas puderam, ao mesmo tempo, garantir ao Estado urn papel dinamico no mercado polftico. Para eles, 0 Estado na Primeira Republica, mesmo atuando em prol dos setores mais hegemonic os, nao perderia a sua identidade. Ao contrario, ganharia dinamismo e poder, ampliando, significativamente, as suas estruturas burocrciticas, o que the serviu .de base indispensavel para 0 subseqiiente processo de centraliza<;ao e autoritarismo.40 A a<;aodireta do Estado em prol do desenvolvimento da cafeicultura nao implicava, pois, numa adesao direta do mesmo aQSinteresses corporativos do setor, na medida em que ele proprio atuava em fun<;aode motiva<;6es e logicas espedficas, as quais, nem sempre, coincidiam com os interesses dos cafeicultores. o que ha de comum nos trabalhos desse grupo e a relativiza<;aoda autonomia do Estado Republicano, em rela<;aoaos interesses dos cafeicultores. Para eles, 0 Estado na Primeira Republica nao foi, 0 tempo todo, refem dos grupos agro- exportadores na implementa<;ao de polfticas de seu interesse, mantendo uma margem de autonomia propria. POl'outro lade, isto nao implicou em afirmar que 0 setor cafeeironao fossepoliticamente hegemonico e que as unidades federativas produtoras de cafe estivessem fora do controle do Executivo Federal. 0 que estes trabalhos pretenderam atestar e que esta hegemonia, embora incontestavel, foi diffcilde ser construfda e, pOl'nao ser monolitica, teve que abrir espa<;opara abrigar outros setores, em seus diferentes interesses. Alem do mais, 0 proprio Estado era urn ator em jogo, com interesses especfficos, nem sempre coincidentes com os dos setores economicamente dominantes. o que se conc1ui das diferentes abordagens desse grupo e que nelas nao so 0 Estado teve a sua for<;aresgatada, como tambem os setores privados. 0 Estado, diante de proprietarios com razoavel nfvel de organiza<;ao, em defesa de interesses "racionais", tornou-se permeavel as suas reivindicac;6es, atendendo-as majoritariamente, mas mantendo certo grau de autonomia, expressa atraves de atitudes e comportamentos que, pOl'divers as vezes, foi de encontro aos interesses desses mesmos proprietarios. o resultado politico foi a relativizac;ao da hegemonia, nao so cafeeira, como paulista, sobre a na<;ao. 0 resultado subseqiiente foi 0 resgate da importancia de outras oligarquias, ate entao, tidas como minoritarias e desimportantes na defini<;ao do jogo polftico. " ENDERS. Armelle. Pouvoirs et... op.cit.; FERREIRA. Marieta M. Em busca...op.cit.; MENDONCA, Sonia R. de. 0 ruralismo ...op.cit.; REIS. Elisa P. Interasses agro-exportadores e construciio do estado: Brasil de 1890 a 1930. IN: SORJ. Bernardo et alii (orgs.). Economia amovimantos sociais naAmerica Latina.Sao Paulo: Brasiliense. 1985. p-p.194-217; PERESSINOTTO. Renato M.Estado a capital cafeeiro: burocracia e interesse da classe na conduciio da politica econornica (1889/ 1930). Tede de doutorado. Carnpinas: Unicamp. 1997; TOPIK. Steven. A presant;a ...op.cit.; FRISTCH. Winston. Extamal constraints on aconomic policy in Brazil. 1889·1930. Hong Kong. University of Pittsburgh Press. 1988; KUGELMAS. Eduardo. Dificil hegemonia ...op.cit. 4. Esta analise e de REIS. Elisa P. Interesses agro-exportadores a constrUl;;iiodo estado: Brasil de 1890 a 1930. IN: SORJ. Bernardo et alii (orgs.) Economia e...op.cit. p.196 a 206. 1.2- Federalismoem Corda-bamba:UmaPropostaAlternativa Este item consiste em uma analise conjunta dos processos sucess6rios da Primeira Republica. A partir dela, pretende-se propor uma abordagem altemativa acerca desses process os, a ser testado ao longo dos capitulos seguintes. Considerando as sucess6es presidenciais como epis6dios recorrentes de desconstru~ao e reconstru~ao de alian~aspoliticas, travadas entre os atores hegem6nicos, na identifica~ao dos principios recorrentes que nortearam estes eventos, e possivel encontrar-se a 16gicaresponsavel pela estabiliza~ao do regime. Claro que tais principios nao foram explicitados e muito menos formalizados pelos seus principais executores. A despeito de terem sido encontradas, eventualmente, referencias explicitas, por parte de alguns agentes da politica, acerca da normatiza~ao dos eventos sucess6rios, os principios que serao expostos aqui derivaram, majoritariamente, da observa~ao das fontes, que souberam expressar parte da complexidade desses eventos. A pesquisa que empreendemos sobre os jogos sucess6rios nos levou a percep~ao de alguns principios que orientaram a atua~ao dos atores politicos nestes eventos. Percebeu-se, tambem, que tais principios foram sendo progressivamente formulados, ao longo do tempo, como resultado de experiencias acumuladas. E que as tentativas de ruptura desses mesmos principios foram responsaveis pelo esgotamento do modelo, gerando 0 seu fim. Pelo que observaremos, os principios estabilizadores do regime em vigor foram definidos por ocasiao da sucessao de R. Alves. Mantiveram-se ao longo dos process os sucess6rios posteriores. a iniciode seu progressivoesgotamento sedeu apartir da decada de vinte. Seudesgaste final,ao longoda decada de trinta. A abordagem altemativa proposta e constituida de tres principios norteadores, a saber: 1) as atores politicos republicanos saD desiguais e hierarquizados entre si; 2)Existe uma renova~ao parcial entre os atores, rejeitando- se atitudes monop6licas; 3)As raizes da dissolu~ao do regime se encontram na sua incapacidade de manter as bases da hierarquia e de preservar a sua parcial renova~ao. 1.2.1- PRINClp,IoS NORTEADORES DOS PROCESSOS SUCEss6RIOS a)primeiro principio norteador: Os atores politicos republicanos silo desiguais e hierarquizados entre si. A estabilidade do regime republicano baseou-se, sobretudo, na garantia de que seu elemento motor estivesse nas maos das oligarquias regionais, cujopeso politicoera diretamente proporcional ao tamanho de suas bancadas ~ ~as s~as potencialidades econ6micas. Esta mo.d~l~dadede decIslOn m~k~ng passava pela diminui<;ao das posslb;l.ldades de ~ompet1~ao, reduzindo os marcos do mercado pohtico a uma dlsputa entre atores mais e menos iguais. . Tal formato foi se definindo ao longo do regime, ate atingir niveis de estabiliza<;aocompativeis com as aspira~6es de seus novos condutores. A primeira medida implementada, quando do estabelecimento da Republica, foi garantir a exclusao da participa<;aodos setores populares, nao s6 pelo estabeledmento normativo do "voto alfabetizado", como, sobretudo, pel a formaliza<;ao da fraude eleitoral, viabilizada por mecanismos aparentemente ingenuos, mas eficazes na red~~ao ~o grau de competitividade entre os atores. A segunda medlda fO!resuI:a.nte da primeira. Referia-se aos criterios de recrutament? polItico, nao formalmente institudonalizados, mas colettvamente assirnilados. Minas Gerais comp6e urn modelo exemplar dessa prerrogativa. Para fazer parte da elite politica rnineir~, eram necessarios os seguintes requisitos: ser do genero masculmo, ser branco, ter cursu superior, ter la<;osde parentesco com ou~os membros da elite politica e ser originario de uma das reglOes politicamente importantes do estado.41 Esses pre-requisitos, indispensaveis ao recrutamento, afastaram do exercicio do poder a grande maioria do povo rnineiro cabendo a urn reduzido grupo de elite 0 controle sobre os destinos politicos do estado. a exemplo mineiro, co~ pequenas altera<;6es, pode ser generalizado para os demals estados brasileiros. Segundo constamnas aneilisesda composi<;ao da Camara Federal de 1909,formada por deputados de todos os estados, leitambem predominavam
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