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ReflexõessobreoHOMOSOCIOLOGICUS ElisaP.Reis(*) Asreflexõesqueseseguemtiveramumaprimeiraformulaçãodeliberadamenteesquemáticae coloquial(1).Preferiresguardar,emparte,ambosessesaspectos,jáque,dadaaambiçãodo tematratado,convertê-lasàformacanônicadeartigoenvolveriatratamentomuitomais extensoecuidadosoque,pordiversasrazões,semeafiguraimpossível.Decidimanterotom rápidoe,porquenãodizer,simplificadordotexto,conscientedosriscosdessaopção. Devoconfessar,porém,queaoincorrernessesriscos,cedotambémàtentaçãodepreservaro aspectoprovocadordotratamentoesquemáticoquedouaWebereaDurkheim,aqui invocadoscomorepresentantestípicosdeumadualidadeinerenteàsociologia. Deliberadamentefaçotábularasadequestõesque,tantoemumautorcomonooutro, aparecemmuitomaismatizadase,porvezes,maisambíguasoucontraditórias.Essaescolha reflete,porumlado,opropósitodedramatizaraquestãodafragmentaçãoanalíticadoator social,deformaarelativizarohomoeconomicusqueaosolhosdomundocontemporâneo pretendeuniversalidadeeque,comfreqüência,alogranoraciocíniodoseconomistase mesmodecientistassociais.Poroutrolado,meuesforçosimplificadorvisatambémprovocar tanto"weberianos"como"durkheimianos",naesperançadequeotompolêmicopossavira potencializarafunção"discursiva"dateoriasocial,tornandomaisestimulanteefrutíferoo diálogonointeriordasociologia(2). OutraobservaçãodecaráterpreliminardizrespeitoàescolhadeDurkheimeWebercomoos "exemplares"deumadualidadeinerenteàteoriasocial.Porqueprivilegiá-losdentreoseleto grupodosfundadoresdasociologia?Ou,paraconfrontardiretamenteafigurapaternaque pairasobretodaaciênciasocial,porquedeixardeladoMarx?Devoesclarecerqueaprópria difusãodasgrandesquestõespropostasporMarx,ofatomesmodequetaisquestões permeiemtantootrabalhodemarxistascomoodenão-marxistas,fariamuitomenos contrastantesascoresdoquadroquequeropintaraqui. Alémdisso,apolêmicanointeriordoprópriomarxismoé,ameuver,demasiadorotinizadae fluida,aopercorrertantosetãovariadosmarxismos.Querocrerqueadiscussãoemtornode WebereDurkheimpresta-semelhorameupropósitodeilustraravigênciadedoisprotótipos sociológicosparalelos.Devoreconhecer,também,quemesintodesafiadaapensarodiálogo entreDurkheimeWeber,cujadesconcertanteinexistênciaexcitaaimaginaçãodetodosos queseinteressampelosclássicosdateoriasocial(3). Oproblemadaparcialidadedasdiversasabordagensdisciplinaresnasciênciashumanasé objetofreqüentedediscussão.Assim,asabstraçõesespecíficasdohumanopostuladaspela economia,apsicologia,asociologiaetc.sãoescrutinadasesuaslimitaçõesdenunciadas.De fato,críticasàfragmentaçãodosujeitoem"fatias"analíticasvêmdelongadataehámuitoa defesadoempenhointerdisciplinarmotivacírculosacadêmicos. Contudo,devoobservarque,nessefinaldeséculo-fimdemilênio,aliás-,ainsatisfação frenteàsespecializações,frenteàtiraniadaracionalizaçãoprogressivadomundo,tornou-se muitomaisvisível.Nobojodessainsatisfação,multiplicam-seosprojetosmaisemenos felizesdeinvestigaçãotransdisciplinar,aomesmotempoqueganhacorpoummovimentode revalorizaçãodoensaísmoemesmodogeneralismoque,emnossocontextoparticular, encontrasolofértilnocaldodeculturadenossatradiçãointelectualbacharelesca. Einegávelquetodaespecializaçãoésimplificadora,restritiva,sendoporissomesmofontede frustraçãoeinsatisfação.Mas,éigualmenteineludívelquesemsimplificaçãonãohá conhecimentopossível.Nãoháconhecimentocientíficopossível,sejaelenaturaloucultural, semquearealidadecomplexaeinesgotávelsejareduzidaaumconjuntomínimode observaçõeseproposições.Qualquerproposiçãocientífica,aoformularumenunciado genérico,segmenta,simplificaeabstraidetalhesdoreal. Éprecisoteremmenteque,nestecontexto,estamosfalandodasciênciassociaisouciências daculturaenãodasciênciasnaturais.Trata-se,aqui,decomentarosefeitosda especializaçãodisciplinarentreramosdeumaciênciacujostatusésuigeneris,deumaciência darealidadesócio-cultural.Asciênciassociaisdizemrespeitoaomundodacultura,lidam comossignificadosqueoshomensemulheresatribuemasuasaçõese,portanto,são ciênciascondenadasàperpétua"imaturidade",ao"domdaeternajuventude"parausara expressãodeWeber(4). Énecessáriolembrar,porém,que,paraalguns,aidéiadeconsideraraciênciasocialcomo peculiaresubstancialmentediferentedaciêncianaturalnãoprocede.Paraesses,existiriaum modelounitáriodeciênciaeosproblemastípicosdaciênciasocialseriam,emúltimaanálise, decorrentesdeseuatrasorelativo.Suaimaturidadeatual,argumentam,serianaturalmente superadanofuturo,quando,então,elaalcançariaomesmostatusdasciênciasnaturais. Tambéméimportantelembrarque,contrariamenteameupartipris,adefesadeummodelo únicodeciênciae,portanto,anegaçãodaeternajuventudedasciênciassociaisé predominantenaeconomia,emboratambémencontremosdefensoresdessavisãoemvárias vertentesdasociologia(como,aliás,naprópriasociologiadeDurkheim),sendoa sociobiologia,provavelmente,aversãomaisextremadadelas(5). Umavezfeitasessasnecessáriasdivagaçõesiniciais,passemosagoraaquestionarqualseria a"abstraçãotípica"dasociologianaabordagemdoreal.Ou,maisespecificamente,queméo sujeito-oagentecontempladopelasociologia?Assimcomoohomoeconomicusé,por excelência,maximizadordeutilidades,eohomopsychologicuséportadorde"volições",resta saberseseriapossíveldefinir,tambémumhomosociologicus.Issofoitentado,porexemplo, porDahrendorf(1973),cujasoluçãoéumtantofrustranteporquefragmentaohomo sociologicusnointeriordaprópriasociologia;eleseriaoatordepapéissociaismúltiplos: pai/mãe;patrão(oa);empregado(a);eleitor(a)etc.Ora,talcaracterizaçãoédemasiado inespecífica,amenosqueaceitássemosqueoserhumanotípicodaimagemsociológicaé apenasumconjuntoderepresentações,umserdesprovidode"cara"portrásdasmúltiplas máscarasdospapéissociais. Seria,então,possívelenunciardeformaclaraeinequívocaqueméaabstraçãotípicada sociologia?Queméohomem/amulherqueasociologiaestiliza?Nãoexatamente,como sabemostodos.Tereideforçosamentereferir-meadoismodeloshumanosque,deforma maisoumenostensa,convivemnointeriordateoriasocial:homem-portadorde "compaixão"versushomem"egoísta";setomarmosRousseaueHobbescomobalizasdessa dualidadeconstitutivadopensamentosocial.Mas,osreferenciaismaisespecificamente sociológicosdadisputasão:homemdurkheimianoversushomemweberiano(6). Claroestáque,namedidaemqueopredomíniodalógicaeconômicacomoideologia,como valor,crençasocialmentedifundida,torna-seincontestável,todaessaquestãode"imagens dohomem"artificialmentecriadaspelasdiversasciênciassociaistambémsetorna problemática(7).Namedidamesmoemquealógicaeconômicasefaz"patronadarazão", tudosepassacomoseosdiversoshominestipificadospelasdiferentesciênciassociaisse comportassemdeformaanalógicaoureflexaaohomoeconomicus.Nessesentido,por exemplo,fala-sede"economiadasemoções"napsicanálise. Emoutraspalavras,oeconomicismoqueimpregnatodoonossoraciocínioimpõeaabstração dohomoeconomicuscomoreferencialparaasmaisdiversasdisciplinas.Todaselasteriam indivíduosmaximizantes,variandoapenasanaturezadoobjetivomaximizado.Ouseja,o homemarquetípicoseriaomesmo:oindivíduopossessivoeegoístaque,noafãderealizar suaspaixões,agedeformautilitária.Mesmoquandoaaçãoaparecedisciplinadae regulamentadaporcláusulascontratuais,ocontratoapareceapenascomoinstrumentoda vontadecalculistaesoberanadoindivíduo. Defato,asociologiaquenascenoséculoXIXé,decertaforma,umareaçãoao"imperialismo" dopensamentoeconômicoqueseconsolidava.Naverdade,elasurgetambémcomouma reaçãoàsgrandestransformaçõesdosséculosXVIIIeXIX,comoumareflexãocríticasobreas condições,oambienteemqueviveohomoeconomicus.Contraalógicaférreado comportamentoindividualmaximizante,elaafirmaaexistênciadeumreferentecoletivoque éinseparáveldopróprioindivíduo.Aidéiabásicaéaexistênciadealgoalémdaspuras motivaçõesindividuais,algoqueconformaedásentidoaessasmotivações. Seria,contudo,equivocadopensarasociologiaapenascomoumareaçãoconservadoraàs grandestransformaçõesdosséculosXVIIIeXIX.Elaétambémfrutodessastransformações, poisaposta,elamesma,noprogresso,filhaqueédoIluminismo.Maséimportanteteremcontaqueasociologia,enquantodisciplina,surgecomoumaalternativaàestilizaçãodo homoeconomicus.Éassim,porexemplo,quearevalorizaçãodacomunidade,percebidacomo dicotômicaàsociedade,confereênfaseavaloressolidários,àsmotivaçõescoletivasque transcendemcálculosegoístasetc.(8). Naverdade,pareceriaseressaduplicidademesmadeorientação,essedilemaoriginalda sociologiaentreaidealizaçãodeumsolidarismoameaçadopelaindividualizaçãodomercado, porumlado,eaidealizaçãodasprópriaspotencialidadesprogressistasdaemancipaçãodo indivíduo,poroutro,araizdaduplicidadederepresentaçõesdoprotótiposociológico.Nesse sentido,o"homemdurkheimiano"eo"homemweberiano"poderiamservistoscomoirmãos gêmeosnascidosdodifícilcasamentoentreapaixãoeacom-paixão,cujasidentidadesse afirmamporoposiçõesrecíprocas. Passemos,finalmente,aoexamedecadaumdosmodelosbásicosdehomosociologicus,aqui caracterizadoscomoodurkheimianoeoweberiano.NaperspectivadeDurkheim,asociedade temprecedêncialógicasobreoindivíduo.Aprópriaautopercepçãodoindivíduoenquantotal éumaresultantehistóricadaevoluçãodasociedade.Oindividualismo,paraele, corresponderiaàreligiãodasociedademoderna(9).Eareligião,porsuavez,corresponderiaa umarepresentaçãosacralizadadaprópriasociedade.Aanálisedurkheimianadasformas elementaresdereligiãosalientacomoastribosprimitivas,aoserepresentaremcomoanimais oucomoplantas,erigemumaidentidadetotêmicaquesimbolfizaogrupo,acoletividade (Durkheim,1968b). Aprincípio,pareceriaqueohomemsociológicodeDurkheiméumserreflexo,umatorquese conformariainteiramenteàsdeterminaçõesdosocial.E,naverdade,essatemsidoumadas leiturasrecorrentesdesuaobra.Durkheimseriaumdeterministaestreitoqueveriaosatores sociaiscomoexclusivamenteconformadoselotododequefazemparte(10).Comotemsido lembradocomfreqüência,oestilopolêmicoecontundentedeDurkheim,suapreocupaçãoem demarcarrigidamenteasfronteirasdasociologia,prestam-secomfacilidadeaessetipode interpretação. Contudo,seDurkheiminsisteemdistinguirfatoresindividuaisecoletivosparapreservara identidadedasociologia,eleestáatentoàestreitarelaçãoqueguardamentresitaisfatores, aindaqueseu"fervorsociológico"oleveaconfusõeseambigüidadesnacaracterizaçãodo "homemsociológico".Nessesentido,conformeobservaLukes(1975,p.35,traduçãominha), aoseconcentrarexclusivamente"noimpactodascondiçõessociaissobreosindivíduos,ao invésdefocalizarasmaneirascomoosindivíduospercebem,interpretamerespondemàs condiçõessociais,[Durkheim]deixasemexplicitaçãoeexameospressupostospsicológicos emqueseassentamsuasteorias". Contudo,leiturasmaisminuciosasecompreensivasdaobradeDurkheim,comoadopróprio Lukes,permitemtantomapearsupostosdeanálisequeinformamadefiniçãodeseuator sociológico,quantoidentificarosimpasseseeventuaiscontradiçõesdesuaconstrução teórica.Assim,épossívelobservarqueseDurkheimserecusaveementementeaaceitar premissasindividualistasdeanálise,eleidentificanoindivíduoumadimensão intrinsecamentecoletiva.Suadiscussãosobreanaturezahumanaressaltaodualismo constitutivodessa:elaéaomesmotemposensualemoral;sensorialeconceitual,egoístae solidária(Durkheim,1973a).Fielaseumodelodicotômicoderaciocínio,Durkheimidentifica ossegundostermosdecadapóloàsociedadeinscritanasconsciênciasindividuais. Seuproblemanãoénegaradimensãoegoístaeutilitáriadoindivíduo,masdemonstrara precedêncialógicaemoraldadimensãocoletivaesolidária.Asociedadeéumuniversomoral, umarealidadedistintaesuperioraomerosomatóriodosindivíduosqueacompõem.Umadas questõesbásicasqueDurkheimformulaéadecomoseresolveoproblemadaordemsocial. Ouseja,precisamente,comoépossívelocontratoentreagentesegoístasepossessivos?Na suavisão,ocontrato,oestabelecimentodaordemsóépossívelporqueosindivíduos compartilhamdesdesempreumrepositóriodecrençasesentimentoscomunsquepossibilita aconcordânciasobreasregrasdojogo. Parece,portanto,bastanteclaroqueasociologiadeinspiraçãodurkheimianainscreve-sena tradiçãometodológicacoletivista.Oatorsociológicoéalguémcujaconsciênciaénãoapenas informada,masconformada,geradapelasociedade.Assim,aprópriagêneseteóricae históricadoindivíduomaximizadordeutilidadeséumprodutodaevoluçãodasociedade. Nessaperspectiva,oqueseobservaéqueoshomens/mulhereschegaramadesenvolveruma consciênciadesuaindividualidadeecapacidadedelivrearbítrioporqueasociedade,aose tornarprogressivamentemaiscomplexaediversificada,permitiu-lhesodesenvolvimento dessetipodepercepção,estimulando,assim,aespecializaçãodefunçõese, concomitantemente,odesenvolvimentodenovasformasdesolidariedade(Durkheim,1973b). Comoquerqueseja,umavezqueasociedadeerigeoindivíduocomoseuvalormáximo,a defesadoindividualismotorna-seumimperativomoral.ÉnessepontoqueDurkheim pretendeencontrarajustificativaparasuaopçãoporconciliarcoletivismometodológicoe individualismoético.Seéverdadequesuasregrasmetodológicasexacerbamorealismo coletivo(Durkheim,1968a),tambéméverdadeque,emumadaspoucasdefesasqueele ensaiafrenteaoscríticosdeseurealismosocial,Durkheimsalientacomsuausual contundência: "Emtermosgerais,sustentamosqueasociologianãoatingiuplenamenteseusobjetivos enquantoelanãotiverpenetradonoforointeriordosindivíduos,deformaarelacionaras instituiçõesqueelabuscaexplicarasuascondiçõespsicológicas.Naverdade-eaquireside semdúvidaopontoquetemdadoorigematantomal-entendido-ohomeméparanós menosumpontodepartidaqueumpontodechegada.Nósnãopartimosdecertas postulaçõessobreanaturezahumanaparadaídeduzirumasociologia:aocontrário,éapartir dasociologiaquebuscamosumacompreensãodahumanidade"(Durkheim,1909,apudLukes, 1975,pp.498-9,traduçãominha). ÉigualmentecontundenteadefesaqueDurkheimfazdamoralindividualistaquecaracteriza amodernaconsciênciacoletiva,talcomoilustrado,porexemplo,naseguintepassagem relativaàsolidariedadeorgânica: "(...)senoslembrarmosqueaconsciênciacoletivasereduzmaisemaisaocultodoindivíduo, veremosqueoquecaracterizaamoralidadedassociedadesavançadas,comparadaàquela dassociedadessegmentais,équeelatemqualquercoisademaishumanae,portanto,de maisracional.Elanãocondicionanossasatividadesafinsquenãonosdizemrespeito diretamente;elanãonosfazservosdepoderesimagináriosdenaturezadistintadanossaque seguemseusprópriosdesígniossemconsiderarosinteresseshumanos.Elaapenasrequerde nósquesejamosafáveisunscomosoutrosejustos,quedesempenhemosbemnossastarefas, equetrabalhemosparaatingirumasituaçãoondecadaumseráchamadoadesempenhara funçãoquepossamelhorrealizarereceberpeloseuesforçoumpagamentojusto".(Durkheim, 1973b,pp.403-4,traduçãominha). NaperspectivadeDurkheim,ofenômenodaespecializaçãodefunçõesprodutivasapresenta interesseparaasociologianãocomodivisãoeconômicadefunções,massimcomodivisão socialdotrabalho,comofenômenosocialmentegeradoqueprovêumaformaespecíficade sociabilidade.Ressalte-setambémque,enquantonaeconomiaclássicaobem-estardecada umasseguraobem-estardetodos,nasociologiadeDurkheimascoisassepassam diferentemente:éporqueasociedadecomoumtodopressupõeaespecializaçãocrescente- emfunçãodoincrementodevolumeedensidadedemográficaemoral-queoshomens tendemàespecializaçãoprogressiva.Eéapartirdadivisãosocialdotrabalhoqueoshomens descobremasvantagensdaespecializaçãopara-todose,portanto,paracadaum.Assim,a própriaidéiadodesenvolvimentodapersonalidadeatravésdaatividadecriativadoindivíduo quepoderealizarsusvocaçãoespecializadaéumaconseqüênciadetransformaçõesnas formasbásicasdesociabilidade. Recapitulando,aquestãodeDurkheiméprovarqueexisteumarealidadesuigeneris,osocial, quenãopodeserreduzidaafundamentospsicológicossociaisouindividuais.Éasociedade quecriaosindivíduos,os"homenseconômicos",osquaisnemsempreexistirammassãoo resultadodoprópriodesenvolvimentodavidaemsociedade. Emrelaçãoàpsicologia,elesustentaque,aoidentificarinvariançasmentais,essadisciplina nãopoderiadarcontadeconfiguraçõessociaisparticulares.Oproblemadasociologiaé identificarcomoasociedadeatuasobrenossasconsciênciasdeformaacolocá-lasem consonânciacomasinstituiçõesqueasexpressam(Lukes,1975,p.499).Emrelaçãoàeconomia,aposiçãodeDurkhéiméfreqüentementeressaltadacombasenacríticaao utilitarismoqueeleempreendenaspáginasdeADivisãodoTrabalhoSocial. Durkheimseriamaisespecíficonadefiniçãodanaturezadosfenômenoseconômicosao discutirotemaemreuniãodaSociedadedeEconomiaPolítica,em1908.Nessaocasião,ele salientouque "aúnicaprimaziacorretamenteatribuídaaosfatoreseconômicos,dizrespeitoàquelesfatores queafetamprofundamenteamaneiracomoapopulaçãosedistribui,suadensidade,as formasdosgrupamentoshumanos,fatoresquemuitasvezesexercemumaprofunda influênciasobreestadosvariáveisdeopinião"(apudLukes,1975,p.500). Nomais,diziaDurkheim,oestatutodaeconomiapolíticanãoseriadiferentedaquelede outrasciênciassociais;tambémelaseriaumaciênciadaculturaou,nosseusprópriostermos, aeconomiatambémlidariacom"idéias"e"opiniões".Seuargumentoeraque"ovalordas coisasdependerianãoapenasdesuaspropriedadesobjetivas,mastambémdeopiniões relativasaelas.Porexemplo,aopiniãoreligiosaoumudançasdegostopoderiamafetaro valordetrocadecertosbens"(11).Assim,tantocomoosfatossociais,osfatoseconômicos poderiamserconsideradosquestãodeopinião,oquenãoimplicavaquenãoseprestassemà formulaçãodegeneralidadeseleis(Lukes,1975,p.499) Éinteressanteobservarque,maisrecentemente,aproblemáticadurkheimianaencontra pontosdecontatonatesedePolanyi(1957)sobreocaráterutópicodasociedadedemercado. Segundoesteautor,autopiadomercadosoberano,aconstruçãoideológicadohomo oeconomicus,constituiumaameaçaconcretaàpreservaçãodotecidosocial.Assim,todaa discussãoempreendidaemAGrandeTransformaçãodefendeoargumentodequea sociedade,otodosocial,temmecanismosautoprotetores.Taismecanismosfuncionamcomo antídotosaoímpetodestrutivodautopiademercado,utopiaessaquedesnaturalizaaterra (naturezaporexcelência)eotrabalho(atividadenaturaldohomem)paraconvertê-los tambémemmercadorias. NavisãodePolanyi,écomoseexistisseuma"mãoinvisíveldasociedade"que,emúltima análise,garantiriaacontinuidadedeumtodoorgânico,otecidosocial,expressãodeum amálgamadeinteresses.Emsuma,onaturalseriaasociedadeauto-regulada,enquantoo mercadoauto-regulado,oparaísodoindivíduoegoístamaximizadordeutilidades,seriauma ficção,umautopiadeletériaquecolocariaemriscoavidaemsociedade. Nessesentido,Polanyi,comoDurkheirn,têm"indivíduossociológicos"enão"indivíduo"no singular-dequalquerforma,umconstructológicotãoortodoxocomoéohomoeconomicus. Ouseja,oestatutoteóricodeumsujeitocoletivoemDurkheimePolanyiétãofundamentale irredutívelquantoodoindivíduomovidopelosapetitesegoístasdaeconomia.Se,emúltima análise,ohomemeconômicoguia-seporumconjuntodemotivaçõespsicológicasbastante simpleseelementares,ohomemsociológicodasociologiadeinspiraçãoorganicistaarigor nãoseguia,maséguiadoporumarealidadecoletivaquetranscendevoliçõesepaixões individuais. Contraoimperialismodoeconomicismo,oumesmodopsicologismo,essaorientaçãoteórica afirmaoprimadodaexplicaçãosocial.Éassimqueaprópriaconstituiçãodessaabstraçãoque éohomemeconômicoesuapenetraçãonoimagináriocoletivomodernopassamaser explicadoscomoumprodutosocial. Talorientaçãoteóricaencontratambémterrenobastantefecundonaantropologia contémporânea,oque,afinal,parecebastantenatural:trata-sedeverohomem/amulherde cadaumadasdisciplinassociaiscomoumprodutodetransformaçõessócio-culturais. Relativizaréapalavradeordemaqui:todososhominesdasdiversasciênciassociaissão produzidossocialmente. Comomencionadoanteriormente,oprimadológicoéodotodosocialorgânicoque evolutivamente"gera"especializaçõesdetarefas,deconhecimentos,demodeloshumanos disciplinares,comosefossepossívelabstrairosujeito,queésempreumcompósito,ou melhor,umserindivisívelentreoqueéeconômico,social,políticooupsicológico.Arigor,a "sociabilidade"équedariaunidadeecoerênciaaessetodo,ditandoinclusiveasdivisões artificiaiseabstratasqueseacentuamcomamarchadahistória.Oshomens/mulheres primitivosnãosefragmentavamaolongodedimensõesanalíticas,comotambémnãose separavamareligião,afilosofiaeaciência(12). Sintetizandoessavertentedatradiçãosociológica,ohomemnaturalseriaosocial.Contrao imperialismodoeconomicismo,propõe-seumimperialismodasociabilidade.Há,aqui,uma óbviaidealizaçãodasociedadeeumaminimizaçãodavoliçãoedoarbítrioindividualque, historicamente,chegamatéasetornarpredominantes,mascomoresultadoinequívocoda evoluçãodaprópriasociabilidade. Cabequestionarsevaleapenalevarasérioumapropostateóricaquenãoencontrarespaldo naformacomopercebemosavidaorganizadadequesomosparte.Qualaimportânciade umavisãodessetipoemummundoorganizadosegundoaprimaziadomercado?Ameuver, trata-sedeumaperspectivadeobservaçãoextremamenteestimulante,namedidamesmaem quenospérmitetranscederalógicaférreadostatusquo,possibilitandouma,percepção críticadavisãodemundoeconomicistaemqueestamostodosimersos.Essaéafontede criatividadeeriquezadeumaperspectivasociológica.orgânicaecoletivista. Écuriosonotarqueessaperspectiva,que,originalmente,naconstituiçãodasociologiacorizo ciência,teveumaembocaduradecunho"cionservador"-reativaàideologiaindividualista/ economicistaquepresideaafirmaçãodomercadocomooprincípioorganizadordavida social-,passaaterconotaçõescrítico-emancipatóriasnomundodopresente,quandoa "naturalidade"domercadoeaprimaziadosinteressesmateriaisparecemincontestáveis. Éentãoqueavelhadefesadoprimadodosocialsobreasmotivaçõesindividuaistorna-se revolucionária,chamandoatençãoparaocaráterhistórico-culturaldaspróprias generalizaçõesestabelecidáspelasciênciassociais,trazendo-nios,assim,devoltaparao reconhecimentodaespecificidadedessasciências,seucontínuoautoquestionamentoea aceitação,simultaneamenteheróicaehumilde,desuaperenerenovaçãoeinevitável caducidade. Mas,essaquestãojánostransportaparaoterritóriodaoutraperspectivateórico-sociológica anteriormentemencionada,aqueladeinspiraçãoweberiana.Defato,atradiçãodurkheimiana diriaquesóavançooargumentoacima,porquevivonessecontextohistóricoespecífico, minhaconsciênciafoisocialmenteinformada,demodoadesenvolverumentendimento particularsobreadivisãosocialdotrabalho,aindividualizaçãodosagentessociais,a especializaçãodoconhecimentocientíficoemdisciplinaspàrticularesetc.Emsuma,em consonânciacomoobservadoanteriormente,naperspectivadurkheimiana,minhaprópria interpretaçãoseriavistacomoumfatosocial,uma"coisa"produzidapelasociedadeemque vivo. Quehorizontesnospropõe,porsuavez,asociologiadeinspiraçãoweberiana?Queimagem dohomemelanosoferece?Deinício,ameuver,ocuriosoeatraenteemWeberéqueele conseguerefletircriticamentesobreo"imperialismo"doeconomicismosemrenunciaràvisão atomizada,individualizadaeegoístadosagentessociais.Comumalógicaextremamente rigorosaeumraciocíniocriativo,Webergeneralizaapsicologiarudimentardohomo economicuse,nessemesmomovimento,condenaamotivaçãoeconômicaaoterritório limitadodeumadasmuitasdimensõesanalíticasemquepodemosdecomporaaçãodos indivíduos(13). Ohomosociologicusweberianoé,naverdade,análogoaohomoeconomicus.Eleéumdos recortesanalíticospossíveisdoindivíduoatomizado,geradopelomesmomovimentode racionalizaçãoquedáorigemàciênciamoderna,aocapitalismo,àtipificaçãodoindivíduo racionaletc.Oqueosingularizaéofatodequesuasaçõesedecisõessepautampelosentido queeleatribuiaelasetambémàsaçõesdosoutros,porsuacapacidademesmadeempatiae atribuiçãodesentido.Ohomemsocialédotadodecomportamentosignificativo.Como defineWeber(1978,p.4): "ASociologia(nosentidoemqueessapalavraaltamenteambíguaéusadaaqui)éumaciência quebuscaacompreensãointerpretativadaaçãosociale,dessaforma,aexplicaçãodeseu cursoeconseqüências.Falaremosde'ação'namedidaemqueoindivíduoatuanteatribuium sentidosubjetivoaseucomportamento-sejaesseexplícitoouoculto,omissãoou aquiescência.Aaçãoésocialnamedidaemqueseusentidosubjetivolevaemcontao comportamentodosoutroseseorientanessesentido." Nessesentidoasociologiavisaexplicaçõescausais,visaoestabelecimentoderelaçõesentre conceitoseaformulaçãodegeneralizações.Masanoçãodecausalidadenasciências histórico-culturaisésempreparcialeprobabilística.Asexplicaçõeslogradassãosemprerelativasaumasimplificaçãoparticulartalcomoinformadapordadaóticadisciplinarepelos supostosdeanáliseadotadospeloinvestigador.Maisainda,aexplicaçãosociológicafunda-se napossibilidadedeidentificarprobabilidadesdeaçõesindividuaiscombasenainterpretação compreensiva. Ouniversodo"homemsociológico"édivididoemfatiasanalíticas:motivaçõeseconômicas, políticas,religiosasouideaisemgeralsãoigualmentedetectáveisnocomportamentodos indivíduos,enquantoaquestãodisciplinaréapenasumrecursoestratégicodaatividade científica,semqualquer,forodeprecedêncialógicaouontológica. "Oscamposdetrabalhodasciênciasnãoestãobaseadosnasrelações'materiais'dos'objetos', massimnasrelaçõesconceituaisdosproblemas.Aliondeseestudaumproblemanovocom ajudadeummétodonovo,comofimdedescobrirverdadesquenosabramhorizontesnovos eimportantes,alinasceumanovaciência"(Weber,1971,p.30). Nessesentido,omodeloweberianoé,também,emalgumamedida,comoohomem sociológicodeDurkheim,umavisãocríticadohomoeconomicus.Mas,enquantopara Durkheimoindivíduoéumacriaçãodasociedade,essaentidadequeconformaas consciênciasindividuais,paraWeberéopróprioindivíduoqueéresponsabilizadoperantea históriaporseusatos.Osindivíduosdotadosdeconsciênciarespondempelasconseqüências desuaspaixões,escolhaseações(14). Acoletividade,paraele,nãoéumarealidadeemsi.Asestruturaseinstituiçõessãorealidades produzidaspeloshomens,quelhesconferemsentido,significação.Osconceitoscoletivossó setornaminteligíveisapartirdasrelaçõessignificativasentrecomportamentosindividuais (Weber;1978,p.13;Aron,1967,pp.50011).Emumaformacontundentequefazlembraro tomdeDurkheim,Weberescreveria: "(...)seeumetorneiumsociólogo(...)foiprincipalmenteparaexorcizaroespectrode concepçõescoletivistasqueaindavingamentrenós.Emoutraspalavras,asociologiasópode sebasearnasaçõesdeumoumaisindivíduosseparadamenteedevedessaformaadotar métodosestritamenteindividualistas"(15). Mas,oautordeixaclaroqueaadoçãodeumaperspectivametodológicacentradano indivíduonãoenvolvequalquercompromissocomumsistemaindividualistadevalores. Conformeesclarece, “mesmoumaeconomiasocialistateriaqueserentendidasociologicamenteexatamentenos mesmostermosindividualistas,istoé,nostermosdaaçãodosindivíduos,dotipode funcionáriosatuantesnela,damesmaformaqueumsistemadelivretrocaseriaanalisado pelateoriadautilidademarginal,ouqualqueroutrateoria'melhor',massimilaraelanesse aspecto”(Weber,1978,p.18). OsupostofundamentaldeWeberésempreoindivíduodotadodevoliçãoqueescolheentre alternativasdeaçãocircunscritasporcondiçõeshistórico-estruturaisparticulares.Emcerto sentido,nãoimportaqueesseindivíduoportadordeconsciência,volição,liberdadede escolhaeresponsabilidadesejaumprodutohistórico-social:Weberdiriaqueaciência tambéméumprodutohistórico-social:seprecisodaracionalidadeparaodesenvolvimento daciênciaeseoprocessoderacionalizaçãoéquetornoupossíveloadventodo conhecimentocientífico,daíseseguequetambémprecisodosupostodoindivíduoracional paraexerceropensamentocientífico.Tudooquepossoexplicar,airracionalidadeinclusive, faço-ograçasaorecursodeusaroracionalcomopontodereferência.Éesseosuposto básicoquenospermiteelaborartiposideais,instrumentosdeanálisequepodemservistos comoracionalizaçõesutópicasdofenômenoaserexaminado(16). Webernãosubestimaaafinidadeentreoindivíduoracionalmodernoeoesboçotipológico dohomoeconomicus.Entretanto,seupassocríticoaquiconsisteemdesmascararailusãode queracionalidadeecomportamentoeconômicoracionalseriamperfeitamentesinônimos.O quesededuzdesuacríticaaoeconomìcismo(ederestoatodaequalquerexplicação unicausal)équearacionalidadedetipoeconômicoéumadaspossíveismodalidadeslógicas deracionalidade.Discutindo"opontodevistaeconômico"eleafirma: "Poisbem,odireitoàanáliseunilateraldarealidadeculturalapartirde'perspectivas' específicas(aqui,nocaso,adesuacondicionalidadeeconômica)resulta,emprimeirolugar, deformapuramentemetodológica,dofatodequeotreinamentodoolhoparaaobservação doefeitodecategoriascausaisqualitativamentesemelhantes,assimcomoaconstante utilizaçãodeummesmoaparatometodológico-conceitual,oferecetodasasvantagensda divisãodotrabalho.Talanálise,enquantoreferendadapeloêxito,nãoé'arbitrária'.Istoé, enquantoofereçaumconhecimentoderelaçõesquesedemonstremvaliosasparaatribuições causaisaacontecimentoshistórico-concretos.Dequalquerforma,a'parcialidade'e irrealidadedainterpretaçãopuramenteeconômicadohistórico,constituiumcasoespecialde umprincípioqueguardavalidezmuitogeralparaoconhecimentocientíficodarealidade cultural"(Weber,1971,pp.35-6). Amaximizaçãodopoderpolítico,oudoprestígiosocial,seriaigualmenteesclarecedoradas motivaçõesdosindivíduos:"interessestantomateriaiscomoideais,enãoasidéias diretamente,controlamaação.Masasvisõesdemundoquesãoprodutodeidéiascom freqüênciaservemdecanaisaolongodosquaisaaçãosemovepeladinâmicadosinteresses" (Schluchter,1979,especialmentepp.15-8).Aindaquesedevareconhecerquehistoricamente assistimosàprimaziaordenadoradosinteresseseconômicos,essaprimaziadeveser entendidacomoprodutosócioculturaldocapitalismoquesurgiunoOcidenteeseimpôsao restodomundo(Weber,1967,pp.1-15). Assim,aodiferenciaranoçãodeinteressedomundodaescassezedasnecessidades materiais,Weberrompeovéuracionalizantedomundoemquevivemos.Nasuaperspectiva, osinteressesideaissãoigualmenteesclarecedores(veja-seBendix,1962,caps.IVeVIII).Sua críticaaexplicaçõesmonocausais,seureconhecimentodeumatensãoconstitutivaentre idealismoematerialismo,entreaçãoedeterminaçãoestrutural(17),atestamumapercepção antitotalizantedasciênciashistórico-culturais;aomesmotempoemquepreservamo individualismocomoperspectivaanalíticafecundanoentendimentodeindivíduose coletividades. Concluindo,creioestarclaroquetantoavisãodeDurkheimcomoaweberianasão extremamenteúteis.Aconvivênciaentreelas,aindaquetensaeproblemática,éricae estimulante,semquecomissotenhamosque,necessariamente,postularaharmonizaçãode suasdivergênciasecontradições.Tantooatorsocialweberianocomoohomemsociológico deDurkheimestãolongedeesgotarsuafecundidadeanalíticaeéfácilevidenciararelevância eatualidadedessasduastradiçõessociológicas. Comoilustração,lembrariaapenasqueapostulaçãodeumtodosocial,deumtecidosocial amalgamado,persistenaspropostasdetipocorporativoounassocialistas,bemcomonas críticasneomarxistasouprogressistasdomodernowelfarestate(18).Damesmaforma, lembrariaqueaperspectivaindividualista,fundadanaquestãodacondutasignificativae intersubjetiva,fundamentaopensamentosocialcríticodopresentenoqueeletemdemais afirmativo(19).Poroutrolado,atradiçãosociológicapautadanoindividualismoinspira tambémumadascorrentesmaisfecundasdaciênciasocialcontemporânea,qualseja,aquela queexploraaspotencialidadesanalíticasdemodelosdeescolhasracionaisemgeraleda teoriadosjogosemparticular(20). Esperoqueestasnotasparadiscussãocumpramdefatoseupapel.Querocrerque,alémdo caráterdecompilaçãomaisoumenosidiossincráticadastradiçõesjáquasesecularesde DurkheimeWeber,algodenovoseinsinuenodiálogoaquiproposto.Nãoporqualquer pretensãodeinventividadedeminhaparte,massimplesmenteporque,discutindoaquie agoraasformulaçõesdeWebereDurkheim,engajamo-nosnaaventurada contemporaneidade.Afinal,quemseatreveriaasustentarqueépossívellerosclássicosda sociologiaemsua"pureza"primitiva,comosefossepossívelrestaurarsuasformulaçõespara cingi-lasaouniversodosinterlocutoresdaépoca,abstraindo,portanto,nossaprópria temporalidade?Quemnegariaqueéaprópriahistoricidadequenosevidenciaa impossibilidadede"depurar",também,ahistóriadateoria? Assim,osdesafiosteóricosehistóricosseguemdemãosdadas,enessatrajetóriaasociologia permanecefielàsuaduplicidade:dentreasliçõesdeDurkheim,elaguardaaidéiadequehá "umaformaelementar"deproblematizaçãodosocialqueédetectávelemtodasasformasde conhecimentosociológico;eque,nessesentido,avoltaaformulaçõespassadasseguesendo esclarecedora.DentreoamplolegadodeWeber,elaguardaemmenteaeternajuventudedas ciênciasdacultura,seuincessanteinacabamento.Odilemaentreaconservaçãoearenovaçãodoconhecimentosociológicorevela,assim,suaidentidadepuramenteanalítica, preservando,aofimeaocabo,ariquezaeacomplexidadedoatorsociológico. Notas (*)ElisaP.Reis-ProfessoraepesquisadoradoInstitutoUniversitáriodePesquisasdoRiode Janeiro(Iuperj)epesquisadoradoCentrodePesquisaeDocumentaçãodeHistória ContemporâneadoBrasil(Cpdoc)daFundaçãoGetúlioVargas(FGV). 1-Umaversãopreliminardestetextofoiapresentadanamesa-redondaModelosdoHomem, realizadaem29dejunhode1988,comopartedoprogramacomemorativodocinqüentenário daFaculdadedeEconomiaeAdministraçãodaUniversidadeFederaldoRiodeJaneiro. 2-Sobreacentralidadedafunçãodiscursivadateoriasocial,veja-seJeffreyAlexander(1987). 3-Veja-se,porexemplo,E.Tiryakian(1966).Passoudesapercebidoaesteautor,porém,que hápelomenosumareferênciadeDurkheimaWeberemL'AnnéeSociologique,vol.XII,1913, talcomoobservadoporStevenLukes(1975).Dequalquerforma,Lukestambémenfatiza explicitamenteacuriosafaltadeinteressequeDurkheimeWeberdemonstrampelas respectivasobras.OartigodeR.Bendiz(1971),sustentandoacoexistênciadeduas sociologiascombaseemDurkheimeWeber,étambémumaboailustraçãoaqui..Veja-se; ainda,MoniqueHirschhorn(1983). 4-Paraumaargumentaçãocontundentesobreatransitoriedadeeeternarenovaçãodo conhecimentonoâmbitodasciênciasdacultura,veja-seMaxWeber(1971,especialmentepp. 80-2). 5-ÉbemverdadequeopróprioDurkheimdefendeucomardoraidéiadeummodeloúnico deciência,válidotantoparaosfatos"materiais"comoparaos"ideais",dondesuaênfasena necessidadedetratarosfatossociaiscomocoisas.Entretanto,aoprivilegiarmaisemais "opiniões","idéias"e"representações",Durkheimreconhecequeas"coisas"estudadaspela sociologiatêmumcaráterpeculiar,aindaqueoseuestudosepautepelosmesmoscânones queinformamasciênciasnaturais.Veja-se,também,anota11. 6-ParaumconfrontoentreasvisõesdeRousseaueDurkheim,veja-seopróprioDurkheim (1960).Wolin(1960,p.372)aproximatotalmenteosdoisautores,afirmandoque"Durkheim hasbeenthemedium,sotospeak,bywhichRousseauhaslefthismarconmodernsocial science".Dawe(1980,pp.479-502),porsuavez,tratadeaproximarDurkheimantesaHobbes. Parece-mequeapercepçãodeAlanDawedecorredofatodeque,caindoeleprópriona armadilhadoutilitarismo,equacionaoproblemadaordem,reconhecidocomooproblema centraldasociologia,àformulaçãohobbesiana.Paraumadiscussãocuidadosadas convergênciasedivergênciasentreRousseaueDurkheim,veja-seStevenLukes(1975, especialmentepp.283-4).QuantoàdimensãohobbesianadaobradeWeber,elaésobretudo visívelnacentralidadedosconceitosde"combate","poder"e"dominação"nasuasociologia geral,assimcomonaimportânciacrucialdamonopolizaçãodaviolênciaparaamanutenção deumaordempolíticalegítima.Cf.MaxWeber(1978). 7-Emartigosugestivo,Dumont(1983)chamaaatençãoparaasmutaçõesdapalavra"valor" nalinguagemcomum:aexpressão,quenolatimdiziarespeitoaovigor,àforçaeàsaúde,na IdadeMédiasignificavaabravuraguerreira;jánomundocontemporâneo,ovalorsimboliza, quasesempre,acapacidadedodinheirodemedirtodasascoisas,istoé,aludeà potencialidadedetroca. 8-Sobreacentralidadedopardicotômico"comunidade/sociedade"nopensamento sociológicoclássico,veja-seRobertNisbet(1966). 9–Sobreocultoaoindividualismocomoumanovaforma,dereligião,comoo"cimento"da solidariedadesocialnomundomoderno,veja-seE.Durkheim(1969). 10-Paraumadiscussãoestimulantequediferencialogicamenteopressupostoteórico coletivista(queeleaproximaaodeterminismo)depressupostosnormativosenão-racionais deação,veja-seJ.Alexander(1982a).Eparaumadiscussãoespecíficadospressupostos sobreanaturezadaaçãoesobreanaturezadaordemsocialemDurkheim,veja-seAlexander (1982b).Esteautorvêumadescontinuidaderadicalentreossupostosmetateóricosdasobras dejuventudedeDurkheirrieseusúltimostrabalhos.Semacentuaraidéiadeuma"ruptura radical",LukeschamaaatençãoparaumaclaramudançadeênfasenaobradeDurkheim,que inicialmenteprivilegiaexplicaçõesdecunhodeterminista-estrutural,parasemover progressivamenteemdireçãoaumaorientaçãoidealistanaexplicaçãodosfenômenossociais. Conformesalientaesteautor,orealismosociológicodeDurkheimlevou-oa"reificar"oua "endeusar"asociedade,atratá-lacomoumdeusex-machina(Lukes,1975,pp.34-5). 11-AafirmaçãodeDurkheimdequeosfatoseconômicoscompartilhamalgocomosfatos estudadospelasociologia,taiscomoamoralidadeeareligião,namedidaemqueambas essasdisciplinaslidamcomidéiaseopiniões,nãoinvalidaadefesaqueelefazdeumidéias únicodeciência.Emboraanaturezados"fatos"possadiferenciarformasdeciência,todas elasoperamcomosmesmosprincípiosdecausação,asmesmasnoçõesderegularidadeelei. 12-Veja-se,apropósito,LouisDumont(1970). 13-EmboraapossibilidadedetipificaradimensãomotivacionaldaaçãoemWeber pressuponhaaoperaçãodemecanismospsicológicos,istonãosignificaqueométodode compreensãoqueeleadvogapossaserreduzidoaumpsicologismo.Conformeobserva Wrong(1970,pp.1-76,especialmentepp.22-3),oqueométodocompreensivosupõeéque osobjetivoseasavaliaçõesdoator(seusentidosubjetivo)são"causaseficientes"deseu comportamento.NãoháumapsicologiadamotivaçãoemWeber,que,naverdade,viacomo suspeitaumacertatendênciadapsicologiadeentãoaoreducionismobiológico.Veja-seMax Weber(1978,pp.18-9). 14-Aidéiadeumaresponsabilidadeindividualinalienável,deumcompromissoético, aparececomfreqüêmcianostrabalhosdeWeber.Veja-se,porexemplo,Weber(1946a).Sobre aposturaexistencialistadeWeber,vejaseR.Aron(1967,pp.497-583). 15-CartadeWeberaR.Liefmann,citadaemMommsen(1965,p.25). 16-ConformeobservaAron(1967,p.519,traduçãominha):“Oconceitodetipoidealsesitua nopontodeconfluênciadediversastendênciasdopensamentoweberiano.Otipoidealestá ligadoànoçãodecompreensão,dadoquetodotipoidealéumaorganizaçãoderelações inteligíveisprópriasaumconjuntohistóricoouaumaseqüênciadeeventos.Poroutrolado,o tipoidealestáligadoàquiloqueécaracterísticoàsociedadeeàciênciamoderna,asaber,o processoderacionalização.Aconstruçãodostiposideaiséumaexpressãodoesforçode todasasdisciplinascientíficasnosentidodetornarinteligívelamatéria,evidenciandosua racionalidadeinterna,eventualmenteconstruindoessaracionalidadeapartirdeummaterial semi-informe.Porfim,otipoidealseligaàconcepçãoanalíticaeparcialdacausalidade(...)”. 17-Acomplexainteraçãoentrefatoresestruturaisporumlado,eatitudesevalorespor outro,transparecedemaneiraexemplarnacomparaçãoqueWeber(1946b)fazentrea sociedadealemãeanorte-americana.Essapercepçãopluralecomplexadacausalidadetem contribuído,ameuver,paraadiversidadedeinterpretaçõescorrentesdasociologiade Weber.Alexanderobservaque"nenhumaliteraturadeinterpretaçãotemsidomais contraditóriaqueaweberiana".Paraumaboasíntesedasprincipaislinhasdeinterpretação daobradeWeber,veja-seJeffreyAlexander(1983,pp.129-30). 18-Offe(1983),porexemplo,retomaDurkheimePolanyiparadiscutira "desmercantilização"dotrabalhonocapitalismoavançado. 19-Veja-se,porexemplo,DouglasKellner(1985). 20-Veja-se,porexemplo,PeterOrdeshook(1986). 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