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Direito Administrativo – A contratação direta (dispensa e inexigibilidade) nas licitações. Por Marcelo Henrique Soares da Cruz O tema destinado a este novo post foi escolhido em razão de (mais) uma triste notícia no meio jurídico-político. O ex-prefeito de Matozinhos foi sentenciado por realizar uma contratação direta por motivo de dispensa de licitação para o serviço de coleta de lixo da cidade. De acordo com a decisão proferida pela Juíza da 1ª Vara Cível, Criminal e de Execuções Penais de Matozinhos, embora inexistente o prejuízo ao erário, não houve situação emergencial apta a fundamentar a contratação direta ocorrida. Por não constituir o objetivo desse artigo (a conduta do ex-prefeito) – e do próprio blog –, vamos nos ater ao estudo da dispensa e da inexigibilidade nas licitações. 1 – A OBRIGATORIEDADE DE LICITAR Inicialmente, cumpre destacar que as duas situações de contratação direta constituem exceção à regra quando o assunto é licitação, isto por que a Constituição Federal exige licitação para contratos de obras, serviços, compras e alienações (art. 37, XXI), assim como para a concessão e a permissão de serviços públicos (art. 175), senão vejamos: XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. A lei 8.666/93 que regula o procedimento em tela traz em seu artigo primeiro a obrigatoriedade da licitação, inclusive para serviços de publicidade, para todos os entes federados, subordinando toda administração pública direta e indireta e as demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Nota-se que o artigo 37, XXI, da Carta Magna ressalva “os casos específicos na legislação” que não serão passíveis de licitação, deixando em aberto e a cargo de lei ordinária fixar hipóteses que a legislação não será obrigatória, o que não ocorre no artigo 175, que obriga a concessão ou permissão de serviço público ocorrer sempre através de licitação. Assim, somente poderá ocorrer a contratação direta de concessão ou permissão em caso de inviabilidade de competição. 2 – DISPENSA DE LICITAÇÃO A dispensa de licitação, segundo Marçal Justen Filho (2013), é a contratação direta fundada em disposição legal, isto é, embora seja viável a competição, razões legais ensejam a sua não realização. As hipóteses de dispensa se encontram no artigo 24 da Lei 8.666/93 e podem ser divididas e classificadas em quatro categorias: 2.1 – Em razão do pequeno valor; Em razão do pequeno valor tem-se a dispensa de licitação para obras e serviços de engenharia de até R$ 15.000,00 (valor correspondente a 10% do previsto na alínea “a” do inciso primeiro do artigo 23), desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda de obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente. Outra hipótese de dispensa diz respeito às compras, outros serviços e alienações que não ultrapassem a R$ 8.000,00 (10% de R$ 80.000,00), desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação, ou seja, não pode a Administração parcelar uma compra de um determinado equipamento em três vezes de R$ 8.000,00. 2.2 – Em razão de situações excepcionais; Em razão de situações excepcionais estão os casos de guerra ou grave perturbação da ordem; situações de emergência ou de calamidade pública; licitação deserta (não apareceu ninguém para licitar com a Administração Pública e repetir o processo é prejudicial) e fracassada (nesse caso aparecem licitantes, contudo, apresentaram propostas com preços manifestamente superiores aos praticados no mercado); de intervenção da União no domínio econômico; contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento em consequência de rescisão contratual; quando houver possibilidade de comprometimento da segurança nacional; aquisição de bens ou serviços nos termos de acordo internacional específico aprovado pelo Congresso Nacional; compras para abastecer navios, embarcações, unidades aéreas ou tropas em determinadas movimentações operacionais militares; contratação de coleta, processamento e comercialização de resíduos sólidos urbanos recicláveis e reutilizáveis, em áreas com sistema de coleta seletiva de lixo, por associações ou cooperativas formadas por pessoas físicas de baixa renda e; compra para fornecimento de bens e serviços, produzidos ou prestados no País, que envolvam, cumulativamente, alta complexidade tecnológica e defesa nacional, mediante parecer de comissão designada pela autoridade máxima do órgão. 2.3 – Em razão do objeto; Em razão do objeto temos a compra ou locação de imóvel destinado ao atendimento das finalidades precípuas da Administração Pública; compras de hortifrutigranjeiros, pão e outros gêneros perecíveis, no tempo necessário para a realização dos processos licitatórios correspondentes a esses itens, realizadas diretamente com base no preço do dia; para aquisição ou restauração de obras de arte e objetos históricos, de autenticidade certificada, desde que compatíveis ou inerentes às finalidades do órgão ou entidade. É permitida, ainda, a contratação direta quando envolver aquisição de componentes ou peças de origem estrangeira, necessários à manutenção de equipamentos durante o período de garantia técnica, junto ao fornecedor original desses equipamentos, quando tal condição de exclusividade for indispensável para a vigência da garantia; compras de materiais de uso pelas Forças Armadas, com exceção de materiais de uso pessoal e administrativo, quando houver necessidade de manter a padronização requerida pela estrutura de apoio logístico dos meios navais, terrestres e aéreos; para aquisição de bens destinados exclusivamente à pesquisa científica e tecnológica com recursos concedidos pela Capes, pela Finep, pelo CNPq ou por outras instituições de fomento a pesquisas credenciadas pelo CNPq; Por fim, quanto ao objeto, temos a dispensa na contratação realizada por Instituição Científica e Tecnológica (ICT) ou por agência de fomento para transferência de tecnologia e para o licenciamento de direito de uso ou exploração de criação protegida; na aquisição de bens e contratação de serviços para atender aos contingentes militares das Forças Singulares brasileiras empregadas em operações de paz no exterior; na contratação de instituição ou organização pública ou privada, com ou sem fins lucrativos, para a prestação de serviços de assistência técnica e extensão rural no âmbito do Programa Nacional de Assistência Técnica de Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária; na contratação em que houver transferência de tecnologia de produtos estratégicos para o SUS, inclusive por ocasião da aquisição destes produtos durante as etapas de absorção tecnológica. 2.4 – Em razão da pessoa. Em razão da pessoa temos a dispensa de licitação na aquisição, por pessoa jurídica de direito público interno, de bens produzidos ou serviços prestados por órgão ou entidade que integre a Administração Pública e que tenha sido criado para esse fim específico em data anterior à vigência da Lei 8.666/9; para a impressão de diários oficiais, formulários padronizados de uso de informática e pessoa jurídica de direito público interno, por órgãos ou entidades que integrem a AdministraçãoPública; para a contração de instituição brasileira incumbida do ensino ou desenvolvimento institucional ou de instituição dedicada à recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional. A licitação será dispensada, também, na contratação de associação de portadores de deficiência física, sem fins lucrativos e de comprovada idoneidade para a prestação de serviços ou fornecimento de mão de obra, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado; na contratação do fornecimento ou suprimento de energia elétrica e gás natural, com concessionário, permissionário ou autorizado; na contratação realizada por empresa estatal com suas subsidiárias e controladas para a aquisição ou alienação de bens, prestação ou obtenção de serviços, desde que o preço seja compatível com o praticado no mercado. No mais, a licitação poderá ser dispensada para a celebração de contratos de prestação de serviços com organizações sociais para as atividades contempladas no contrato de gestão; na celebração de contrato de programa com ente da Federação ou com entidade de sua administração indireta, para a prestação de serviços públicos de forma associada nos termos do autorizado em contrato de consórcio público ou em convênio de cooperação e; na contratação de entidades privadas sem fins lucrativos, para a implementação de cisternas ou outras tecnologias para beneficiar as famílias rurais de baixa renda. 2.5 – A DISPENSA OBRIGATÓRIA Como se sabe, a dispensa de licitação é uma faculdade atribuído por lei à Administração Pública, tratando-se de competência discricionária realizada pelo juízo de oportunidade e conveniência. Existem, no entanto, casos de dispensa que escapam à discricionariedade administrativa, por estarem já determinados por lei, o que ocorre no caso do artigo 17 da Lei de Licitações, incisos I e II. Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas: I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos: a) dação em pagamento; b) doação, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo, ressalvado o disposto nas alíneas f, h e i; c) permuta, por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24 desta Lei; d) investidura; e) venda a outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo; f) alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis residenciais construídos, destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública; g) procedimentos de legitimação de posse de que trata o art. 29 da Lei no 6.383, de 7 de dezembro de 1976, mediante iniciativa e deliberação dos órgãos da Administração Pública em cuja competência legal inclua-se tal atribuição; h) alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis de uso comercial de âmbito local com área de até 250 m² (duzentos e cinquenta metros quadrados) e inseridos no âmbito de programas de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública; i) alienação e concessão de direito real de uso, gratuita ou onerosa, de terras públicas rurais da União na Amazônia Legal onde incidam ocupações até o limite de 15 (quinze) módulos fiscais ou 1.500ha (mil e quinhentos hectares), para fins de regularização fundiária, atendidos os requisitos legais; II - quando móveis, dependerá de avaliação prévia e de licitação, dispensada esta nos seguintes casos: a) doação, permitida exclusivamente para fins e uso de interesse social, após avaliação de sua oportunidade e conveniência socioeconômica, relativamente à escolha de outra forma de alienação; b) permuta, permitida exclusivamente entre órgãos ou entidades da Administração Pública; c) venda de ações, que poderão ser negociadas em bolsa, observada a legislação específica; d) venda de títulos, na forma da legislação pertinente; e) venda de bens produzidos ou comercializados por órgãos ou entidades da Administração Pública, em virtude de suas finalidades; f) venda de materiais e equipamentos para outros órgãos ou entidades da Administração Pública, sem utilização previsível por quem deles dispõe. 3 – INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO Quanto à inexigibilidade, o artigo 25 enumera três hipóteses em que há inviabilidade de competição, sem excluir outras. 3.1 – A aquisição de materiais, equipamentos ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, sendo vedada a preferência de marca. 3.2 – A contratação para a prestação de serviços técnicos enumerados no artigo 13, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada e inexigibilidade para serviços de publicação e divulgação. Art. 13. Para os fins desta Lei, consideram-se serviços técnicos profissionais especializados os trabalhos relativos a: I - estudos técnicos, planejamentos e projetos básicos ou executivos; II - pareceres, perícias e avaliações em geral; III - assessorias ou consultorias técnicas e auditorias financeiras ou tributárias; IV - fiscalização, supervisão ou gerenciamento de obras ou serviços; V - patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas; VI - treinamento e aperfeiçoamento de pessoal; VII - restauração de obras de arte e bens de valor histórico. 3.3 – A contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública. 4 – CONCLUSÃO Visto que a contratação direta é o gênero, do qual são espécies a dispensa e a inexigibilidade, podemos conclui-se que a diferença básica entre as duas hipóteses, para Di Pietro (2013), está no fato de que, na dispensa há possibilidade de competição que justifique a licitação, de modo que a lei faculta a dispensa, enquanto na inexigibilidade não há possibilidade de competição, porque só existe um objeto ou uma pessoa que atenda às necessidades da Administração, sendo a licitação, portanto, inviável. Conforme visto ao longo do texto, as hipóteses de inexigibilidade constituem um rol bem reduzido em relação à dispensa, sendo mais fácil memorizar aquelas para não esquecer ou confundir na hora da prova. Depreende-se, por fim, que o rol do artigo 24, que apresenta as hipóteses de dispensa de licitação, é taxativo, ao passo que o artigo 25 estabelece um rol exemplificativo de situações que não exigem licitação. Marcelo Henrique Soares da Cruz é graduado em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara. Só isso por enquanto! REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Poder Executivo, Brasília, 05 de outubro de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em 09 de setembro de 2016. BRASIL. Presidente da República. Lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Poder Executivo, Brasília, 21 de junho de 1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666cons.htm. Acesso em 09 de setembro de 2016. DI PIETRO, Maria SylviaZanella. Direito Administrativo. Maria Sylvia Zanella Di Pietro. – 26ª ed. – São Paulo: Atlas, 2013, p. 392. JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 9ª ed. rev. atual. Ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 530. Veja como o tema foi proposto em concursos públicos:
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