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Direito Penal – Parte Geral O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 1 www.cursoenfase.com.br Sumário 1. Princípios (cont.) ..................................................................................................... 2 1.1 Princípio da insignificância ................................................................................ 2 1.2 Princípio da Humanidade .................................................................................. 2 2. Conflito de Leis no Tempo ...................................................................................... 2 2.1 Tempo do crime ................................................................................................ 2 2.1.1 Tempo do crime no crime permanente ...................................................... 3 2.1.2 Crime habitual ............................................................................................. 4 2.1.3 Crime continuado ........................................................................................ 5 2.1.4 Tempo do crime na participação e na autoria mediata .............................. 7 2.1.5 Princípios ..................................................................................................... 7 2.1.6 Lei intermédia ou intermediária .................................................................. 8 2.1.7 Normas processuais com características de penais .................................... 9 2.1.8 Autoridade competente ............................................................................ 10 2.1.9 Combinação de leis (lex tertia) .................................................................. 11 Direito Penal – Parte Geral O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 2 www.cursoenfase.com.br 1. Princípios (cont.) 1.1 Princípio da insignificância O princípio da insignificância é melhor tratado dentro do tema tipicidade, será visto na aula sobre tipicidade. 1.2 Princípio da Humanidade Fundamento constitucional: art. 5º, XLIX e XLVII da CRFB. XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; XLVII - não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis; A ideia de que o direito penal deve estar relacionado a efetivação do princípio da dignidade humana, evitando respostas desnecessárias, cruéis, que violem este princípio é o núcleo do princípio da humanidade. 2. Conflito de Leis no Tempo O presente tema trata do questionamento “Qual lei penal aplicar quando houver uma sucessão de leis penais no tempo?”. A primeira coisa a ser averiguada é o tempo do crime. Uma vez cometido determinado fato criminoso, qual a lei aplicável em princípio. Após, verifica-se o que fazer se houver uma sucessão penal. 2.1 Tempo do crime Exemplo: “A” atira em “B” no mês de março/2015. Porém “B” só morre em maio/2015, neste período surge uma lei nova mais grave. Lei X Lei Y (nova lei mais grave) Março/2015 “A” atira em “B” Maio/2015 “B” morre Momento do resultado Momento da ação Direito Penal – Parte Geral O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 3 www.cursoenfase.com.br A primeira tarefa é identificar qual a lei aplicável a este fato, basicamente é identificar o tempo do crime, porque a lei aplicável é aquela do tempo do crime. O art. 4º, CP diz que o tempo do crime é o momento da ação ou omissão, ainda que outro seja o momento do resultado, teoria da atividade. Todas as leis que regem este fato, não só o tipo penal aplicável, todas as leis são aquelas vigentes no momento da ação ou omissão. A prescrição começa a correr da data em que o crime se consuma, mas qual é a lei que trata de prescrição aplicável a este fato? A lei do momento da ação ou omissão. Hipótese1: imagine-se que no momento da ação (Lei X) existia uma causa de extinção de punibilidade e no momento do resultado (Lei Y) ela não existe mais. Esta causa de extinção de punibilidade é aplicável. Hipótese2: imagine-se que o prazo prescricional no momento da ação (Lei X) era bem maior que o prazo previsto para o momento do resultado (Lei Y). O prazo que irá regular o caso será o da Lei X, o prazo maior. Então, a princípio, a leis aplicáveis a um fato criminoso são aquelas previstas no momento da ação/omissão. “Em princípio” porque se depois advier lei mais favorável ao réu, ela poderá retroagir. O nosso CP adotou a teoria da atividade, mista ou da ubiquidade. 2.1.1 Tempo do crime no crime permanente Crime permanente: considera-se a lei vigente no momento do último ato (Zaffaroni). Crime permanente é aquele no qual uma única ação se prolonga no tempo, v.g., sequestro (art. 148, CP) e extorsão mediante sequestro (art. 149, CP). Alguns crimes que a princípio são instantâneos podem ser permanentes também, v.g., furto de energia elétrica, enquanto estiver “sugando a energia” o crime é concorrente, ação única que se prolonga no tempo. Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado: (Vide Lei nº 10.446, de 2002) Pena - reclusão, de um a três anos. Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) Direito Penal – Parte Geral O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 4 www.cursoenfase.com.br A importância do crime permanente está em suas peculiaridades. A primeira é processual, se o crime é permanente cabe flagrante a qualquer tempo. A segunda é relacionada a prescrição, a prescrição começa a correr da data que a permanência cessa (art. 111, CP). A terceira, no crime permanente, se houver lei nova mais grave no curso da ação criminosa, ela será aplicável, pois aplicável será a última lei que entra em vigor antes de cessar a atividade criminosa, pois tudo é tempo do crime permanente. Art. 111 - A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, começa a correr: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) I - do dia em que o crime se consumou; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) II - no caso de tentativa, do dia em que cessou a atividade criminosa; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) III - nos crimes permanentes, do dia em que cessou a permanência; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) IV - nos de bigamia e nos de falsificação ou alteração de assentamento do registro civil, da data em que o fato se tornou conhecido. (Redação dada pela Lei nº7.209, de 11.7.1984) V - nos crimes contra a dignidade sexual de crianças e adolescentes, previstos neste Código ou em legislação especial, da data em que a vítima completar 18 (dezoito) anos, salvo se a esse tempo já houver sido proposta a ação penal. (Redação dada pela Lei nº 12.650, de 2012) Assim, dizer que um crime é permanente tem reflexos muito importantes, v.g., no estelionato previdenciário, em que o sujeito recebe o benefício previdenciário mês a mês e a jurisprudência o entende como permanente. 2.1.2 Crime habitual Crime habitual: é uma espécie de crime. A doutrina antiga acreditava que a habitualidade era uma necessária repetição, ou seja, para ser um crime habitual é preciso que a conduta seja repetida, se a conduta for realizada uma única vez, não há crime (Fragoso). Este entendimento gerou um problema: quantas vezes é preciso repetir a conduta para gerar a habitualidade? Por exemplo, no crime de exercício irregular da medicina, quantas vezes o agente precisa atender ou receitar remédios para que haja o crime habitual do art. 282, CP? A doutrina dizia que se fizesse uma fez só não haveria crime. Não havia um critério seguro para dizer se eram três, quatro ou sete repetições. Por que três e não quatro? Por que quatro e não sete? Na verdade, este entendimento estava Direito Penal – Parte Geral O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 5 www.cursoenfase.com.br errado, habitualidade não é a repetição. A repetição é apenas um sintoma do que é a habitualidade. A habitualidade é um elemento subjetivo especial presente em alguns crimes, habitualidade é a intenção de repetir a conduta. Então, alguns crimes possuem, além do dolo (v.g., vontade de receitar um remédio – art. 282, CP), a intenção de fazê-lo várias vezes, mesmo que o agente não repita. Art. 282 - Exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites: Pena - detenção, de seis meses a dois anos. Parágrafo único - Se o crime é praticado com o fim de lucro, aplica-se também multa. Exemplo: falso médico que vai morar na cidade do interior, ele vai clinicar sem ser médico. Aluga uma sala, faz propaganda na rádio e distribui panfletos e no primeiro dia do atendimento tem uma fila na porta e ele atende o primeiro paciente (um ato só). Para a posição mais moderna o crime habitual está consumado na primeira consulta. Basta um único ato e já está clara a intenção de repetir. Se o falso médico repetir efetivamente o ato, a intenção fica ainda mais clara. A habitualidade não é a repetição, a repetição é apenas um sintoma daquilo que realmente é a habitualidade (a intenção de repetir). Pode existir um crime habitual com um único ato, se estiver clara a intenção de repetir. O mais normal é que se perceba a intenção de repetir com a repetição, por isso que a doutrina antiga confundia. No crime habitual têm-se vários atos, por isso aplica-se a mesma ideia do crime permanente. Lei nova mais grave no curso de várias condutas é aplicável. Entende-se que são vários atos de uma conduta só. 2.1.3 Crime continuado Como já visto crimes habituais e crimes permanentes são espécies de crimes, são características que alguns crimes apresentam. O crime continuado é completamente diferente, pois ele não é uma característica que alguns crimes apresentam e outros não, isto é, todos os crimes podem ser continuados. Crime continuado é uma espécie de concurso de crimes. Após praticar vários crimes, o agente pode incidir num concurso formal, ou num concurso material ou ainda num crime continuado, a depender das características praticadas nos crimes. Direito Penal – Parte Geral O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 6 www.cursoenfase.com.br No sistema brasileiro, qualquer crime pode ser praticado em continuação, até mesmo o homicídio, v.g., uma chacina é um homicídio em continuação, até o estupro pode ser continuado, desde que os vários crimes estejam unidos pelas relações do art. 71, CP. Crime continuado Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subseqüentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Porém, a mesma dúvida que surgiu em relação ao crime permanente surgiu para o crime continuado. No crime continuado cada conduta é um crime autônomo, enquanto que no crime permanente e no habitual era apenas um crime. No crime continuado há uma sequência de crimes autônomos, v.g., sequência de furtos, porém na hora de aplicar a pena, por uma ficção, imagina-se um furto único e aplica-se um aumento de pena. E então surgiu a discussão: o que fazer quando houver lei nova mais grave no curso da cadeia criminosa, em outras palavras, qual é o tempo do crime no crime continuado? Poder-se-ia trabalhar com cada crime em separado ou aplicar a ideia do crime permanente ao crime continuado. O Supremo enveredou pela segunda e na súmula 711, entendeu que se deve aplicar ao crime continuado o mesmo raciocínio aplicável para o crime permanente. Se houver lei nova mais grave no curso da cadeia criminosa, será aplicável a toda a cadeia inclusive aos fatos cometidos antes da lei nova. Para a Justiça Federal este entendimento foi relevante porque tivemos uma sucessão de leis penais envolvendo a ordem tributária que são crimes (normalmente) praticados em continuação, v.g., se o tributo é mensal ele é praticado mensalmente. Tivemos uma profusão de casos envolvendo esta discussão. STF. Súmula 711. A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência. Direito Penal – Parte Geral O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 7 www.cursoenfase.com.br 2.1.4 Tempo do crime na participação e na autoria mediata São sempre dois personagens; na participação temos o partícipe e o autor, e na autoria mediata temos o autor mediato e o instrumento. Exemplo: em março/2015 (Lei X) o participe “A” empresta a arma para “B”, advento de lei nova (Lei Y) e então “B” mata “C”, trata-se de homicídio. Tanto “A” quanto “B” são responsáveis por este crime. “A” é partícipe e “B” é o autor, para “B” aplicamos a Lei Y, é tempo da ação ou omissão dele. Mas e para o participe? Elerealizou a conduta na vigência da Lei X. Na doutrina estrangeira prevalece que o tempo do crime para o participe é o tempo da ação/omissão dele. Pois, é no momento da ação/omissão que o agente reflete (em tese) sobre as consequências de seus atos, não teria como o agente prever a mudança legal que ocorreria depois, é por isto que se adota a teoria da atividade. A ideia é a de que o agente não pode ser surpreendido com uma lei posterior mais grave e esta ideia deve valer para o partícipe também. No Brasil, os manuais quase não tratam do tema, mas então fica a reflexão da doutrina estrangeira, que vale também para a autoria mediata. Então, se o autor mediato age em um tempo e o autor em outro, o tempo do autor mediato é o tempo da ação ou omissão dele. 2.1.5 Princípios a) Irretroatividade da lei mais severa Já aprendemos qual o tempo do crime, qual a primeira lei aplicável ao caso, pode existir outra, se surgir depois uma lei mais favorável. Se advier lei mais grave, continua-se a aplicar a lei do tempo do crime que é a mais favorável. Lei X Lei Y (nova lei mais grave) Março/2015 “A” empresta arma para “B” Maio/2015 “B” mata “C” Direito Penal – Parte Geral O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 8 www.cursoenfase.com.br Uma vez que se tem a Lei X vigente ao tempo do crime, primeira lei aplicável, se houver lei posterior mais severa (Lei Y), será irretroativa. Ou seja, o juiz continuará a aplicar a lei do tempo do crime mesmo depois de revogada. b) Retroatividade da lei mais benéfica Porém se a lei posterior (Lei Y) for benigna, ela será aplicada. c) Tempus regit actum Em matéria processual vale a ideia do tempus regit actum. Ocorrendo modificação de natureza processual, ainda que mais gravosa, ela é aplicável imediatamente. Em direito penal isto é diferente. Para aplicar-se estes princípios, é preciso aferir qual é a lei melhor. É preciso comparar as duas para saber qual é a melhor e escolher aplicar a lei do tempo do crime ou aplicar a lei posterior. Via de regra, esta aferição é fácil e pode ser feita in abstrato, mas o que interessa é a solução concreta. Pode ser que na comparação entre duas leis in abstrato a lei posterior seja mais severa, mas na comparação dentro do caso concreto, a lei posterior se revele mais benéfica. Isto pode acontecer, é preciso aferir do caso concreto qual é a melhor lei. Exemplo: a lei de drogas aumentou a pena do tráfico em relação a lei anterior, na comparação abstrata era uma lei pior, porém para um grupo de casos envolvendo as “mulas” (pessoas que levam substâncias entorpecentes para fora) é aplicável a diminuição de pena do art. 33, § 4º da Lei n. 11.343/2006. Antigamente a pena mínima da “mula” era de quatro anos, com a lei nova a pena mínima é de um ano e onze meses. Em conclusão, a comparação entre a lei nova e a lei velha não pode ser feita em abstrato, é preciso fazer a comparação à luz do caso concreto. Assim, a lex mitior será ultra-ativa e retroativa. Ultra-ativa porque se a lei melhor é a do tempo do crime, ela será aplicável mesmo depois de revogada. Se a lei melhor é a posterior, esta lei nova será retroativa. 2.1.6 Lei intermédia ou intermediária Pode acontecer que entre o fato e o julgamento tenhamos uma série de leis aplicadas, uma sucessão de leis, aconteceu muito nos crimes contra a ordem tributária. Na extinção do crime pelo pagamento do tributo isto aconteceu muito também. � No caso de termos 5 ou 6 leis sucessivas entre fato e o julgamento, qual dessas leis será aplicada? Direito Penal – Parte Geral O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 9 www.cursoenfase.com.br R: Será aplicada aquela que trouxer a melhor hipótese para o réu. Isto porque a lei melhor é ultra-ativa e retroativa, pode ser aplicada depois de revogada e retroagir para fatos ocorridos antes da vigência. 2.1.7 Normas processuais com características de penais As leis processuais seguem o esquema do tempus regit actum, porém algumas leis processuais têm proximidade muito grande com o direito penal, elas têm relação direta com o direito de punir do Estado, com a punibilidade. Nestas hipóteses em que as regras processuais têm impacto muito contundente em relação ao direito de punir do Estado, são regras mistas e, portanto a elas aplicamos os princípios de direito penal no conflito de leis no tempo. Exemplo: representação nas ações penais públicas condicionadas. A representação é uma condição de procedibilidade, é uma condição especial para o exercício do direito de ação pelo Ministério Público. Além das condições genéricas, o MP precisa desta condição específica. Trata-se de um instituto que está relacionado ao processo, se o juiz reconhece a ausência desta condição, deve extinguir o processo sem julgamento de mérito. E se ainda houver tempo para oferecer a representação, essa falha é suprida pela vítima/ofendido e será proposta nova ação penal. É uma falha processual. Ocorre que esta regra tem uma relação muito próxima com o direito de punir do Estado (punibilidade), porque se a vítima não oferece a representação em seis meses ocorre a decadência (causa de extinção de punibilidade –art. 107, CP). Art. 107 - Extingue-se a punibilidade: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) I - pela morte do agente; II - pela anistia, graça ou indulto; III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso; IV - pela prescrição, decadência ou perempção; V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada; VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite; VII - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005) VIII - (Revogado pela Lei nº 11.106, de 2005) IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei. Diante deste impacto da representação na punibilidade, já que está umbilicalmente ligada à causa de extinção de punibilidade, a doutrina enxerga aí uma norma mista. A toda modificação que envolver a representação, aplica-se as regras do direito penal de conflito de leis no tempo. Direito Penal – Parte Geral O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 10 www.cursoenfase.com.br Exemplo1: a lesão corporal leve era crime de ação penal pública incondicionada, o MP ofereceu denúncia e depois adveio a Lei n. 9099/95. Entendendo esta regra como estritamente processual, a ação penal continuaria em curso. Porém, a jurisprudência da época determinou que essas ações penais fossem regularizadas com a consulta à vítima a respeito de sua aquiescência (representação posterior). Exemplo2: se um crime hoje é de ação penal pública condicionada a representação, isto é melhor para o acusado, pois é mais um obstáculo a persecução. Se amanhã o crime se torna de ação penal pública incondicionada, esta lei é pior, não se aplica aos fatos cometidos anteriormente, que continuam a ser ação penal pública condicionada a representação. De forma geral, são normas mistas todas as regras processuais que tenham esta íntima conexão com punibilidade e com formas de cumprimento da pena. Exemplo3: tudo que diz respeitoà execução penal é norma mista e, portanto, aplicam-se as regras de direito penal no conflito de leis no tempo. Regime de pena está ligado ao tempo que o sujeito ficará preso, é um problema penal, é um problema de punibilidade. Apesar do instituto ser processual, tem um grande impacto na pena/punibilidade/forma de cumprimento da pena, então a regra é penal. Existe um grupo de casos em que ainda há controvérsia, medidas cautelares ligadas à prisão. Existe visão mais progressista sustentando que qualquer norma que atinja direitos e garantias processuais será norma mista, mas ainda não é predominante na jurisprudência. Alguns acórdãos seguem pela linha mais progressista e outros entendem a natureza estritamente processual destas normas. Prazo prescricional é sempre matéria penal, se aumentou prazo prescricional não se aplica a fatos ocorridos antes de sua vigência. Exemplo4: Acabou a prescrição retroativa entre a data do fato e o recebimento da denúncia, só para os fatos ocorridos após a lei nova de 2010. 2.1.8 Autoridade competente A lei nova mais benéfica pode ser reconhecida a qualquer tempo, ou pelo juiz de primeiro grau, ou pelo tribunal, ou depois do trânsito em julgado pela vara de execuções penais. Direito Penal – Parte Geral O presente material constitui resumo elaborado por equipe de monitores a partir da aula ministrada pelo professor em sala. Recomenda-se a complementação do estudo em livros doutrinários e na jurisprudência dos Tribunais. 11 www.cursoenfase.com.br 2.1.9 Combinação de leis (lex tertia) Exemplo: Lei X Lei Y Pena de 1 a 4 anos Pena de 2 a 8 anos Com multa Sem multa � Imagine que o fato aconteceu na vigência da Lei X, quando o juiz for julgar (após a edição da Lei Y), ele poderá misturar aspectos positivos da primeira lei com aspectos positivos da segunda? R: Isto é combinação de leis. Comparando as duas leis a segunda lei é pior. � Será que um único aspecto da lei nova pode ser combinado com a lei antiga? Poderia o juiz aplicar pena de 1 a 4 anos sem multa? R: Esta discussão sempre teve a seguinte resposta: na doutrina, sempre foi amplamente predominante a ideia de que era possível a combinação de leis, pois assim estar-se-ia dando concreção àqueles princípios (ultra atividade da lei mais favorável e retroatividade da lei mais favorável posterior). Porém, na jurisprudência sempre se rechaçou a combinação de leis seguindo Nelson Hungria que defendia que se combinássemos leis o intérprete estaria criando uma lei que nenhum legislador quis.
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