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TECNOLOGIA Buscas na internet revelam interesse de idosos por sexo CORPO Traços psicológicos que fazem um campeão olímpico ESTUPRO Como lógicas psíquicas e sociais "autorizam" a violência O que a ciência sabe sobre o tipo mais comum de demência e as maneiras de preveni-la N E U R O E D U C A Ç Ã O l NEUROCIÊNCIA • PSICOLOGIA • PEDAGOGIA ESPECIAL E D U C A Ç Ã O I N F A N T I L O q u e é u m a b o a c r e c h e ? O c é r e b r o d a s c r i a n ç a s E s p a ç o p a r a a i m a g i n a ç ã o COGNIÇÃO A relação entre emoção e aprendizagem DICASA DA NEUROCIÊNCIA p a r a a s a l a d e a u l a Conheça estratégias fundamentadas na psicologia cognitiva e na neuropsicologia que podem aprimorar (e muito) o trabalho do professor CÉREBRO EM FORMA: Exercícios físicos melhoram o desempenho dos alunos A neurociência tem feito descobertas importantes sobre os processos cerebrais envolvidos na aprendizagem. A sétima edição de NeuroEducação detalha e apresenta o significado dessas pesquisas e como elas podem ser aplicadas em sala de aula. NEUROEDUCAÇÃO _ _ _ i — Instituto ( FIESC r s MEUROCIÊNCIA • PSICOLOGIA • P F. D A G O C I A segmento www.lojasegmento. „om.br ^ carta da editora Na corrida contra a demência lorte daqueles que não têm de mor- d e r " , diz um pro- vérbio t ibetano que volta e meia me v e m à cabeça. A frase - l igeiramente irónica, já que a finitude é inevitável - t em como contexto a cren- ça na lei de causas e conse- quênc ias , segundo a qual teremos de nos haver com as reper- cussões de nossos atos, intenções e palavras - nesta ou e m outras existências. E não porque tenhamos de ser cast igados , mas s im porque prevalece a ideia de que nada nos acontece sem que, em algum momento , te- nhamos cr iado as causas para isso. Fazendo uma releitu- ra do ditado oriental , tomo a liberdade de dizer ter íamos sorte se não t i véssemos de envelhecer. Esse desfecho não é inevitável, c laro, mas a alternativa t ambém não parece nada atraente. Na maioria absoluta, ans iamos pela v ida . O problema é que com o aumento dessa expectativa che- gam t a m b é m os " m a l e s " dos desgastes impostos pelo tempo. A demênc ia , que nos rouba de nós m e s m o s , tal- vez seja u m dos mais temidos . O ma i s prevalente desses quadros , é a doença de A lzhe imer . A patologia pode ter evolu ído concomi tan- temente c o m a intel igência h u m a n a . E m artigo publi- cado há a l g u m a s s e m a n a s no per iódico científ ico bioR- x/V, c ient i s tas a f i rmaram ter encontrado ev idênc ias de que há entre 50 mi l e 200 mil anos a se leção natural impu l s ionou m u d a n ç a s em seis genes envolv idos no desenvo lv imento cerebra l , o que pode ter contr ibu ído para aumenta r a conect iv idade neurona l , to rnando os h u m a n o s mode rnos ma i s intel igentes à medida que evo lu í ram de seus ancest ra i s homin ídeos . E s sa nova capac idade inte lectua l , p o r é m , não veio s e m cus to : os g m e s m o s genes estão imp l i cados no A lzhe imer . O ge- | net ic ista Kun Tang , do Inst i tuto de C iênc ias B io lógicas 1 de Xanga i , na C h i n a , que l iderou a pesqu i sa , especu la •. • . • . . que o d is túrb io de memór i a se desenvo lveu à med ida que cérebros e m processo de enve lhec imento lu tavam c o m novas d e m a n d a s metaból icas impos ta s pela cres- cente inte l igência . Mas essa é só uma parte da história: se a capacidade de aprender e memor izar nos penaliza, é ela t ambém que acena com a possibil idade de afastar a manifestação do Alzheimer, às vezes por vários anos ou até por toda a v ida . Nesta edição, o neurocientista David A. Bennett , diretor do Centro Rush da Doença de Alzheimer em Chicago, um dos mais renomados pesquisadores na área, revela uma descoberta surpreendente: pessoas com a m e s m a condi- ção cerebral podem apresentar estado mental completa- mente diferente, enquanto uma perde a memór ia , outra se mostra lúcida e capaz. O u seja, mais importante do que o estado físico dos tecidos, é o uso que se faz deles, apesar dos danos . Para ganhar a corr ida contra a demênc ia , duas a rmas são fundamenta i s : afeto e exercício intelectual . Apostar no que faz bem, manter pessoas quer idas por perto, cult ivar relações de int imidade, cuidar de an ima i s e se divertir, mov imentar o corpo, passear, falar ma i s de u m id ioma e aprender coisas contribui para postergar o sur- gimento do A lzhe imer e d iminui r o número de anos que se passa doente no f im da v ida . Cur iosamente , parece que a prevenção está justamente no que tende a nos tor- nar ma is fe l izes . Boa leitura! G L Á U C I A LEAL , editora-chefe glaucialeal@editorasegmento.com.br ^ sumário | julho 2016 capa 20 Criando reservas para resistir ao Alzheimer por David A. Bennett Por que algumas pessoas desenvolvem sintomas de demência e outras não, embora tenham o mesmo nível de lesão? A genética influi, mas não é sempre determinante. A ciência tem pistas úteis sobre como evitar a demência 32 Quando a demência chega mais cedo por Gary Stix O acompanhamento de um grupo de famílias colombianas com mutação genética rara pode ser a esperança de encontrar formas eficientes de prevenção 14 A violência de todos nós por Susana Muszkat A marca do estupro é o submetimento do corpo alheio, o que subtrai do outro sua condição de sujeito, transformando-o em um corpo-objeto sem alma 18 A geração da tela sensível ao toque por David Pogue Dispositivos móveis prejudicam o desenvolvimento das crianças? Estudos ainda são recentes, mas há comprovação de que de fato há riscos - e também benefícios 42 Quase todos do mesmo lado por Sandra Upson Com que mão você escreve? A pressão social em prol da homogeneidade pode explicar por que há seis vezes mais pessoas destras do que canhotas 60 A cabeça dos superatletas por Rachel Nuwer Características psicológicas são importantes para obter ótimos resultados; determinação, persistência e até traumas estão associados ao desempenho Sim, vovó também se interessa por sexo Falar sobre o tema pode ser tabu para idosos e até para os profissionais que cuidam deles, mas a internet pode ajudar a desmistif icar o assunto 4 seçoes CARTA DA ED ITORA PALAVRA D O LE ITOR 8 A S S O C I A Ç Ã O LIVRE Notas sobre atualidades, psicologia e psicanálise 1 1 NA REDE O que há para ver e ler na internet 5 2 / 6 2 N E U R O C I R C U I T O Novidades nas áreas de psicologia e neurociência 5 4 PS ICOLOGIA NA EMPRESA O psicopata na mesa ao lado por Senya Muller 6 4 L IVROS-LANÇAMENTOS colunas 1 2 PS ICANÁLISE Em algum lugar do passado por Christian Ingo Lenz Dunker 6 6 LIMIAR Lusarcas sem luz p o r Sidarta Ribeiro nas bancas Neurociência na sala de aula A edição n° 7 de NeuroEducação apresenta em lingua- gem acessível , voltada para educadores, maneiras efi- cientes e cientificamente comprovadas de ajudar os alunos a aprender, por meio da motivação e do est ímu- lo do interesse pelo conteúdo das discipl inas. Pesqui- sadores reconhecem que não existem "receitas infalí- ve is" , mas a neuropsicologia da aprendizagem oferece orientações val iosas para aprimorar e valorizar o traba- lho do professor. Nos artigos sobre educação infantil, especialistas discutem temas como critérios para avaliar uma boa creche e a importância de darespaço aos pequenos para que possam soltara imaginação. Nas bancas e no site lojasegmento.com.br. no site Pornografia virtual e violência A internet se institucionalizou como forma prática de encontrar parceiros - e posteriormente conectar-se "cara a cara", sem a mediação da rede. Porém, sob muitos aspectos esse meiotambém oferece respaldo para sintomas psicopatológicos, alguns capazes de prejudicar o próprio internauta e também terceiros. É o que ocorre no caso da pedofilia, que obviamente não está restrita ao mundo virtual, mas é inegável que esse recurso favorece a localização de possíveis vítimas. Pensando em uma situação talvez menos grave, a pessoa pode usar a tecnologia para se esconder, evitando o comprometimento afetivo. Pesquisas recentes sugerem que o excesso de pornografia de forma geral - e pela internet em particular - pode trazer riscos à saúde psíquica. Embora seja hipocrisia atribuir a essa mídia tamanha "responsabilidade", é indiscutível que a grande quantidade de material disponível e o aparente conforto do anonimato apresentam facilidades. Alguns cientistas receiam que a busca por esse tipo de conteúdo esteja associada à violência contra as | mulheres, reforce a insatisfação com a aparência e dúvidas sobre o valor do l relacionamento afetivo estável - o que pode causar prejuízos para as relações I da "vida real". Leia no site: www.mentecerebro.com.br Acompanhe a (amentecerebro no Instagram Saiba c o m antecedência qual será o t e m a da capa da próxima edição m www.mentecerebro.com.br N O T Í C I A S Notas sobre fatos relevantes nas áreas de psicologia, ps icanál ise e neuroc iênc ia . A G E N D A Programação de cursos , congressos e eventos . A localização das estruturas cerebrais nas imagens desta edição é apenas aproximada Os artigos publicados nesta edição são de responsabilidade dos autores e não expressam necessariamente a opinião dos editores julho 2016 • mentecérebro 5 mente cérebro www.mentecerebro.com.br Presidente: Edimilson Cardial Diretoria: Carolina Martinez, Mareio Cardial, Rita Martinez e Rubem Barros Diretor editorial: Rubem Barros Editora-chefe: Gláucia Leal Editora de arte: Fernanda do Val Estagiária: Paula Mesquita (redação) Colaboradores: Fernanda Teixeira Ribeiro (redação), Maria Stella Valli e Ricardo Jensen (revisão) Processamento de imagem: Paulo Cesar Salgado Produção gráfica: Sidney Luiz dos Santos Analista de vendas avulsas: Ana Paula Reis COMUNICAÇÃO E EVENTOS Gerente: Almir Lopes almir@editorasegmento.com.br Escritórios regionais: Brasília - Sónia Brandão (61) 3321-4304/ 9973-4304 sonia@editorasegmento.com.br Paraná - Marisa Oliveira (41) 3027-8490/9267-2307 parana@editorasegmento.com.br TECNOLOGIA Gerente: Paulo Cordeiro Analista programador: Diego de Andrade MARKETING/WEB Diretora: Carolina Martinez Gerente: Ana Carolina Madrid Eventos: Lila Muniz Desenvolvedor: Jonatas Moraes Brito Analistas web: Lucas Carlos Lacerda e Lucas Alberto da Silva Coordenador de criação e designer: Gabriel Andrade ASSINATURAS Gerente: Cristina Albuquerque Loja Segmento: Mariana Monné Eventos assinaturas: Ana Lúcia Souza Vendas telemarketing ativo: Cleide Orlandoni FINANCEIRO Contas a pagar: Siumara Celeste Faturamento: Weslley Patrik Planejamento: Cinthya Muller Supervisão: Ta mires R. Santos Mente e Cérebro é uma publicação mensal da Editora Segmento com conteúdo estrangeiro fornecido por publicações sob licença de Scientific American. Spektrum der Wissenschaft Verlagsgesellschaft, Slevogtstr. 3-5 69126 Heidelberg, Alemanha Gehiri^Geist Editor-chefe: Carsten Kõnneker Gerentes editoriais: Hartwig Hanser e Gerhard Trageser Diretores-gerentes: Markus Bossle e Thomas Bleck MENTE E CÉREBRO ON-LINE Visite nosso site e participe de nossas redes sociais digitais. www.mentecerebro.com.br facebook.com/mentecerebro twitter.com/mentecerebro Instagram: @mentecerebro REDAÇÃO Comentários sobre o conteúdo editorial, sugestões, críticas às matérias e releases. redacaomec@editorasegmento.com.br tel.: 11 3039-5600 fax: 11 3039-5610 Cartas para a revista Mente e Cérebro: Rua Cunha Gago, 412 I o andar - São Paulo/SP CEP 05421-001 Cartas e mensagens devem trazer o nome e o endereço do autor. Por razões de espaço ou clareza, elas poderão ser publicadas de forma reduzida. PUBLICIDADE Anuncie na Mente e Cérebro e fale com o público mais qualificado do Brasil. almir@editorasegmento.com.br CENTRAL DE ATENDIMENTO AO LEITOR Para informações sobre sua assinatura, mudança de endereço, renovação, reimpressão de boleto, solicitação de reenvio de exemplares e outros serviços São Paulo (11) 3039-5666 De segunda a sexta das 8h30 às 18h, atendimento@editorasegmento.com.br www.ed itorasegmento.com .br Novas assinaturas podem ser solicitadas pelo site www.lojasegmento.com.br ou pela Central de Atendimento ao Leitor Números atrasados podem ser solicitados à Central de Atendimento ao Leitor pelo e-mail atendimentoloja@editorasegmento.com.br ou pelo site www.lojasegmento.com.br MARKETING Informações sobre promoções, eventos, reprints e projetos especiais. marketing@editorasegmento.com.br Editora Segmento Rua Cunha Gago, 412 - I o andar São Paulo/SP - CEP 05421-001 www.editorasegmento.com.br Edição n° 282, julho de 2016, ISSN 1807156-2. Distribuição nacional: DINAP S.A. Rua Dr. Kenkiti Shimomoto, 1678. ANER anatec palavra do leitor BEBÉS IMPERDÍVEIS Está ót imo o texto sobre a maneira como os bebés compreendem o mundo (como se fossem pequenos cientistas , muito mais inteligentes do que se imaginava há alguns anos ) , tema da edição 281 de Mente e Cérebro. Acredito que não deveria ser lido apenas por psicólogos, pessoas que trabalham com cr ianças , pais e mães ou interessados no desenvolv imento infantil em geral , mas por qualquer um que tenha a consciência de que é fundamental cuidar da infância, olhando com respeito para os primeiros anos de v ida . É desse período que, em grande parte, depende a forma como os adultos vão lidar com os desafios pelo resto da v ida . A lém de muito bem escrito, o artigo é informativo e atraente. Já indiquei para meus alunos e reafirmo agora: imperdível ! Parabéns a toda a equipe de Mente e Cérebro. Patrícia F. Souza - São Paulo, SP ORDEM E PROGRESSO Quero parabenizar o neurobiólogo Sidarta Ribeiro pelo excelente artigo "Canto do povo de u m lugar" , publ icado na edição 280 de Mente e Cérebro. A elegância da d issertação sobre um intr incado tema que para mui tos de nós brasi le iros se t raduz em desesperança e descrédito . S o m o s um país j o v e m , cuja contribuição para o mundo ainda mal c o m e ç o u . Sou brasi leira, moro na Su íça , país que se t raduz e m pura democracia e estado de consc iênc ia . O n d e durante quatro meses úteis tira-se o sustento agrícola da nação. Falta-nos consc iênc ia da abundânc ia da nossa terra , água, r iqueza e alegria. Carcaça mais rica no mundo não há! Falta trabalho e ser iedade. O que todo c idadão brasi leiro precisa é ter a consc iênc ia do que t emos cravado em nossa bandeira : O R D E M . Pois daí v i rá nosso P R O G R E S S O . Mãos à obra! Cristiane Georges Zommerfelds - Novo Horizonte, SP SOBRE DINHEIRO O assunto de "Armadi lhas do d inhe i ro" , na edição 280 de Mente e Cérebro, veio na hora cer ta . O dinheiro é o centro de muitas preocupações , conversas , d i s cus sões , gerando ans iedade e incertezas . . . Aparece nas sessões de terap ia , gera angúst ia e sof r imento ps íquico , provoca t ranstornos , desconstró i va lores e crenças . Concordo p lenamente com a autora , a editora e psicanal ista G láuc ia Leal . Estar atento às ci ladas A r m a d i l h a s d o d i n h e i r o que envolvem esse tema nos ajuda a lidar melhor com vár ias questões pessoa is , sufocadas pela necess idade de atender a tantas expectat ivas . Paula Rezini - Petrópolis, RJIDENTIDADE DE REFLEXÃO A revista de n ú m e r o 280 está excepc iona l . Mente e Cérebro retrata, por meio de seus ar t igos , t e m a s i n te re s san t í s s imos . E s se t ipo de conteúdo nos faz refletir sobre a soc ia l i zação e a const rução da ident idade socia l coletiva e ind iv idua l , nos a judando na fo rmação cr í t ica e na autorref lexão. Pa rabéns aos editores envolv idos nesse belo t rabalho . Aguardare i a n s i o s o a próx ima edição, e enquanto i s so , vou reler essa obra espetacu lar . Luciano Henrique Moreira Santos - Uberaba, MG CONCURSO CULTURAL: ESCREVA E GANHE UM LIVRO! Mande sua opinião sobre um dos artigos desta edição para o e-mail redacaomec@editorasegmento.com.br ou uma sugestão e concorra a um livro. Por limitação de espaço, tomamos a liberdade de selecionar e editar as cartas recebidas. A premiada deste mês é Patrícia F. Souza - São Paulo, SP. o o o • o oo o o o o o Conteúdo de qualidade seja qual for o assunta. Na Loja Segmento você encontra informação sobre os mais variados assuntos em revistas, livros, DVDs, eventos e cursos. Acesse e confira. • o • o o o o o 10E]seqmento w w w . l o j a s e g m e n t o . c o m . b r WXIQ |VPVe$RR T R A B A L H O S E M B L E M Á T I C O S : mortalha Manto da apresentação (à direita, abaixo) e fardão Eu vim (à direita, acima). A primeira peça, que Bispo costurou ao longo da vida para, segundo afirmava, vestir no juízo final, traz bordados nomes das pessoas que ele acreditava dignas da misericórdia de Deus; o casaco revela a data que ele considerava seu verdadeiro nascimento: dia e hora em que teve um surto psicótico e foi internado com diagnóstico de esquizofrenia. Acima, colagem com botões e fichas de ônibus - o uso de objetos descartados no lixo era uma maneira de representar "o material existente na Terra de uso do homem", dizia • EXPOSIÇÃO Um passeio pela vida e obra de Bispo do Rosário MOSTRA EM MUSEU DA COLÓNIA JULIANO MOREIRA, NO R IO DE JANEIRO, TRAZ 60 PRODUÇÕES E FOTOS INÉDITAS DO ARTISTA PLÁSTICO, EX-I NTERNO DO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO QUE FUNCIONOU NO LOCAL, PÚBLICO PODE VISITAR AS DEPENDÊNCIAS DA INSTITUIÇÃO ONDE ELE VIVEU uai a co rda minha aura?" - e r a uma das perguntas que Arthur V j C Bispo do Rosário (1911-1989) fazia para testar quem tentava visitar a cela que ocupava sozinho em um dos pavilhões da Colônia ju l iano Moreira , centro psiquiátr ico onde viveu por meio século , diagnosticado como "esquizofrênico-paranoico" depois de, durante um surto psicótico, ter invadido um mosteiro dizendo-se enviado de Deus . Aos poucos que ele permitia entrar em seu "castelo", como chamava sua cela-ateliê, apresentava suas assemblages (colagens com objetos t r id imensionais , como embalagens de plástico, garrafas e outros resíduos descartados nos arredores da colônia) , estandartes e roupas feitos com a linha de uni formes , bordados com palavras, nomes e textos de conteúdo míst ico. U m desses escritos - "Que venham as virgens em ca rdumes" - e a pergunta-senha de Bispo dão título à exposição Das virgens em cardumes e da cordas auras, reunião de 60 trabalhos do artista aberta para vis itação até 2017 no Museu Bispo do Rosário de Arte Contemporânea , que funciona em um dos prédios da colônia. A lém das obras de B ispo - dentre as quais se destacam oito estandartes que foram exibidos juntos pela últ ima vez há mais de 30 anos - , a exposição traz instalações e apresentação de perfor- mances de art istas contemporâneos que de a lguma forma se rela- | c ionam com Bispo. A performance que abriu a most ra e m junho , f de Eleonora Fabião, cons is t iu num cortejo pelas dependênc ias da J co lônia , levando trabalhos emblemát icos de B ispo n u m a caixa de ° 8 Jk* associação livre acrí l ico: começou com o Manto da apresentação - uma mortalha que ele bordou ao longo da vida para, d iz ia , vestir quando encontrasse Deus no ju ízo final - , e te rminou com o fardão Eu vim, que traz bordada a data que ele considerava seu verdadeiro nasc imento : hora, dia e ano do surto psicótico que resultaria em sua internação, em 1938. Dentre as insta lações , destaca-se o Materializador de sonhos, de N a d a m Guer ra : dezenas de placas de cerâmica que retratam sonhos contados ao art ista . De acordo com a curador ia , a arte performática dialoga diretamente c o m a obra de Bispo - ele, em s i , um performer que circulava pela colônia usando suas uções . Esse aspecto é evidenciado pelas fotos feitas pelo rafo francês Jean Manzon em um ensaio com B ispo para a revista O Cruzeiro nos anos 40, que estão sendo expostas pela pr imeira vez . As performances ocorrerão no úl- t imo sábado de cada mês e serão filmadas e exibidas nos demais d ias . O s materiais usados nas apresenta- ções , em vez de descartados , serão acumu lados até o últ imo dia da exposição - uma referência c lara ao tra- balho de B ispo, que uti l izava o lixo c o m o matér ia-pr ima para, segundo af i rmava, representar "o mater ia l existente Terra de uso do h o m e m " . O s cenár ios das per formances serão as galerias do m u s e u , dependências do antigo hospi- psiquiátr ico e áreas externas da colônia , hoje tombada Patr imônio Histór ico . A curadoria criou um mapa com reas da colônia que podem ser v is i tadas para conhecer or o lugar onde viveu B ispo, caso o espectador queira ex- r os prédios de forma independente ou por vis i ta guiada . Das virgens em cardumes e d a cordas auras. Museu B ispo do Rosár io de Arte Contemporânea . Colônia Jul iano More i ra . Est rada Rodrigues Ca ldas , 3400, Taquara , Jacarepaguá , Rio de Janeiro . De terça a sábado , das lOh às 17h. In formações : (21) 3432-2402. G rá t i s . Aos sábados , há ôn ibus direto do Museu de Arte Moderna ( M A M ) até a colônia , por R$ 20. Até jane i ro de 2017 . julho 2016 • mentecérebro 9 associação livre • TEATRO Amor e culpa na perspectiva de um homem com esquizofrenia Inspirada em conto homónimo do escritor britânico Lawrence Durrell, a montagem As cerejas traz recortes da rotina de um interno de uma instituição psiquiátrica que acredita ter assina- do a mulher por quem se apaixonou. Como na obra original, o diagnóstico que levou o protagonista ao confinamento não é explícito, mas ele apresenta s intomas característicos de esquizofrenia, como delírios e sensação de perseguição - as cerejas mencionadas no título são, a propósito, ilustrações de um papel de parede que o paciente crê serem frutas reais e que pode ser punido por tê-las lambido. Uma única atriz, Stefi Braucks, interpreta todas as personagens femininas do texto, que se confundem nas alucinações do protagonista, vivido por Alexandre Leal. O ponto de partida do espetáculo é a paixão do protagonista por uma desconhecida, o que o deixará ansioso e mais propenso a surtos psicóticos e delírios. O mistério em torno da morte da mulher permeia o texto. De acordo com o diretor Roberto Alv im, a intenção não é trazer ao público um "olhar voyeurístico sobre um doente mental" , mas s im estimular a alteridade, a possibilidade de se colocar no lugar de uma pessoa em intenso sofrimento mental, como, segundo ele, ocorre no conto de Durrell. PACIENTE de centro psiquiátrico acredita ter assassinado a mulher por quem se apaixona em As cerejas, adaptação de conto do escritor britânico Lawrence Durrell As cerejas. Teatro Jardim Sul - Shopping Jardim Sul . Avenida Giovanni Gronchi , 5819, Morumbi , São Paulo. Sexta, às 22h. Infor- mações: (11) 3779-3965. R$ 30. Até 29 de julho. • ENCONTRO Coletivo propõe troca de olhares entre desconhecidos Centenas de pessoas que não se conhecem reunidas >em um parque ou praça com o propósito de olhar fixamente nos olhos de a lguém por umminuto. Essa é a proposta do projeto Entreolhares, organizado através de redes sociais , que tem ocorrido periodicamente em várias capitais brasileiras. É inspirado no Eye contact experiment (Experimento de contato v isual ) , do coletivo internacional The Liberators, que ocorreu em várias c idades do mundo , envolvendo no total mais de 100 mil participantes. Vídeos da inter- venção no canal do coletivo na web - que partiu do tema "Para onde foi a conexão humana?" - já têm mais de 100 milhões de v isual izações . "Dec id imos criar o evento em São Paulo e centenas de pessoas conf i rmaram em poucas horas. Muitas outras entraram em contato perguntando como podiam organizar em suas c idades" , conta Carolina Nalon, que articula edições do movimento no Brasi l . Ela considera a iniciativa atraente para um público que vive I M A G E N S D E V Í D E O da primeira edição do Entreolhares em São Paulo, no final de 2015. Movimento já foi realizado em 12 capitais brasileiras e 156 cidades do mundo, envolvendo mais de 100 mil participantes "em tempos de aumento do relacionamento digital e pou- co contato olho no olho" . A organização dos encontros é feita no grupo público do Facebook Entreolhares - Expe- rimentando conexões humanas, em que são divulgados as datas e os locais das próximas edições. 10 o que há para ver e ler | T l â rede Vítimas exibem cartazes com frases dos agressores i # K T i nguém vai acreditar se você contar." "Você na J N verdade gosta d i sso . " Essas são duas das frases ma/s frequentes do projeto Unbreakable - centenas de fotografias de v í t imas de abuso sexual e de violência do- mést ica segurando cartazes com frases ditas pelos agres- sores . A iniciativa é da fotógrafa amer icana Grace Brown. "A intenção é dar voz a sobreviventes" , explica Grace , que decidiu começar a série depois de ter ouvido relatos de agressões sofr idas por amigas próximas - desde 2 0 1 1 , ela tem recebido milhares de e-mails de v í t imas de vários lugares do mundo . Interessados em compart i lhar sua experiência po- dem enviar a própria fotografia para o endereço projec- tunbreakab lesubmiss ions@gmai l . com. As imagens são reunidas notumbl rp ro jec tunbreakab le . tumbl r . com. Leia mais sobre o tema na pág. 14. A 'MõHVK WH AT MAM . t)U TH INk TOU m « KJGHT Tc S\y W t o w? I f\M AN APULT «u ^ ' CHILO' F O T O S da série Unbreakable, da fotógrafa Grace Brown: "Você é linda (em um e-mail 3 meses depois). Agradeço a Deus por você" (à esquerda). "Meu bem, o que faz você pensar que tem o direito de dizer não? Sou um adulto e você uma criança" (à direita) Adolescente cria aplicativo para mapear assédio nas ruas ASaiPraLó A ssov ios , palavras ofensivas, ou mes-mo toques invasivos, principalmente nos transportes públ icos, são tipos de as- sédios corriqueiros às mulheres e vistos com certa indulgência em nossa cultura. A estudante Catharina Doria , de 17 anos , porém, decidiu colocar em prática uma ideia para ajudar as mulheres a circular com mais segurança nas cidades - o apli- cativo Sai pra lá, que permite um mapea- mento anónimo do tipo e local de assé- dio sofrido, como forma de alertar outras usuárias e press ionar os órgãos públicos para reforçar o policiamento em locais determinados. Disponível para Android e IOS , a ferramenta é gratuita. A denúncia é feita rapidamente, cl icando no botão "Fui assediada" , que permite marcar o local específico, horário e tipo de agres- são (f ísica, verbal ou sonora) . Também é possível conferir o mapa de assédios em alguma cidade ou bairro, criado com in- formações de outras usuár ias . FERRAMENTA Sai pra lá é grátis, disponível para Android e IOS; usuárias podem fazer denúncias ou conferir informações sobre a segurança em determinada cidade ou bairro <3> $ | 36 asséd os indefinidos registrados julho 2016 • mentecérebro 11 V psicanálise inconsciente a céu aberto Em algum lugar do passado INCLUÍDA ENTRE AS TERAPIAS PSICODINÂMICAS DE L O N G O PRAZO, A PS ICANÁLISE NÃO É UMA T E O R I A SOBRE O CÉREBRO, MAS UM MÉTODO DE TRATAMENTO PELA PALAVRA; HÁ, PORÉM, G R A N D E D E S C O N H E C I M E N T O DE PESQUISAS Q U E DEMONSTRAM SUA EF ICÁCIA CHRISTIAN INGO LENZ DUNKER E m 27 de outubro de 1924 Freud foi capa da Time como u m dos maio- res cientistas de sua época. E m 1993, a mesma revista anunciava: "Freud está morto". De lá para cá , a ps icanál ise desenvolveu um interessante e con- troverso debate com a neurociência . Com é próprio das c i ênc ia s , certas ideias, que parecem obviamente equi- vocadas em um momento , depois são redescobertas, ass im como métodos e fatos promissores ganham e perdem relevância em razão da osci lação entre modelos concorrentes. Uma síntese possível do atual esta- do do debate diria que a neurociência , menos do que refutar a psicanál ise , a demonstra - conforme a opinião de psicanalistas de diferentes tendências , como Gerard Pommie re Peter Fonágy. Inversamente , pesqu isadores c o m o Eric Kandel, ganhador do Nobel , e o sul-africano Mare So lms a f i rmam que o método psicanalítico de tratamento pela palavra encontra fortes subsídios nas descobertas obtidas pelas novas tecnologias de neuroimagem e mapea- mento cerebral . A psicanál ise não é uma teoria sobre o cérebro, mas um método de t ratamento pela palavra. Não há nenhuma incompatibi l idade, apenas a que é própria da ciência, para reunir achados de diferentes origens. Mas há sempre cientistas que vi- vem fora de sua época, seja ela 1924 ou 1993. Ivan Izquierdo é um caso paradigmático deste tipo de burocra- ta da ciência que extrapola as regras do jogo científico querendo levar sua autoridade para além de onde ela foi estabelecida. Em entrevista publicada pela Folha de S.Paulo, em 18 de junho, ele afirma que "a psicanálise hoje é um exercício estético, não um trata- mento de saúde. Se a pessoa gosta, tudo bem, não faz mal , mas é uma pena quando alguém que tem um problema real, que poderia ser trata- do, deixa de buscar um tratamento médico achando que a psicanál ise seria uma alternativa". U m a ót ima síntese de como é possível alguém que, por posição e ofício na Acade- mia Brasileira de Ciências , deveria representar o conjunto da pesquisa efetivamente praticada no país, mas , em vez disso, deixa-se levar pelo inte- resse em valorizar sua própria área de investigação. O espírito de corrupção, que do- mina nosso país, não é imune aos ór- gãos de controle e representação da ciência. Primeiro: há um desconhe- cimento soberbo das pesquisas que demonst ram a eficácia da psicanál ise como método de tratamento, incluí- da entre as terapias ps icodinâmicas de longo prazo. Segundo: existe uma ignorância inaceitável com relação ao fato de que todo tratamento possui potenciais efeitos iatrogênicos, logo, a psicanál ise t ambém. Terceiro: em defesa das terapias cognitivas, ele argumenta , na m e s m a matéria, que "mudar uma palavra ressignifica toda a memór ia " , exatamente como a psi- canál ise sempre postulou. Mudanças na experiência de l inguagem afetam todas as funções psicológicas: me- mória , atenção, emoção e percepção. Quarto: fazer uma afirmação envol- vendo a noção de "ressignif icação", conceito l inguístico, amplamente apropriado pela psicanál ise, é empre- gar uma noção externa às ciências do cérebro, real izando uma autocontra- dição flagrante entre o que se quer dizer e os meios argumentativos em- pregados para tal . Tolice vem do lat im, stultos, ou seja, "obtuso , lento e embotado". Obtuso é aquele que incorre em falta de rigor, como se vê em juízos gené- ricos sobre áreas tão extensas como psicanál ise e neurociência.Lentidão é atraso e fixação no passado, talvez em algum ponto entre 1924 e 1993. Embotado é aquele que perdeu o fio, a sensibi l idade ou a energia, deixan- do de ler as últ imas pesquisas cien- tíficas. Izquierdo, deixe de ser tolo e "ressignif ique" sua entrevista, agindo como um cientista de verdade. ® CHRISTIAN INGO LENZ DUNKER, psicanalista, professor livre-docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). L 2016 2018 I N F L U E N C I A Ç A O 15 a 18 de A G O S T O Traasamerica Expo Cerrter São Paulo-SP Gestão que irtspijra pessoas que conquistam. .O E o Saúde em destaque no maior evento de Gestão de Pessoas da América Latina A s e m p r e s a s e s t ã o c a d a u e z maii c o n s c i e n t e s e m r e l a ç ã o a o b e m - e s t a r d o s f u n c i o n á r i o s . O C O N A R H 2 0 1 6 p r e p a r o u p a l e s t r a s e x c l u s i u a s s o b r e o t e m a , c o m f o c o n a m e l h o r i a d a q u a l i d a d e d e u i d a , e m n o u a s 1 o r m a s d e u i a b i l i z a r b e n e f í c i o s e m u i t o m a i s . CONFIRA ALGUMAS PALESTRAS JÁ CONFIRMADAS: PORQUE OS INDIVÍDUOS ADOECEM NAS ORGANIZAÇÕES? L I A D I S K I N - J O R N A L I S T A E C O F U N D A D O R A D A P A L A S A T H E N A J O Ã O R O N C A T I - S Ó C I O - D I R E T O R D A P E O P L E + S T R A T E G Y Foto: Klko Ferrlte 1 DESAFIO DOS PLANOS DE SAÚDE NAS EMPRESAS - EXTENSÃO DO BENEFÍCIO T H É R A D E M A R C H I - S Ó C I A D O E S C R I T Ó R I O P I N H E I R O N E T O A D V O G A D O S R O D R I G O A R A Ú J O - F U N D A D O R D A A R A Ú J O , C O N F O R T I E J O N H S S O N A D V O G A D O S A S S O C I A D O S Confim a grade completa de palestras em w w w . c o n a r h . c o m . b r l n s c r e u a - s e 3 1 3 1 Programação sujeita à alteração. ( n ) 3 i á 8 - 3 c o a g r e s s i s t a 2 0 1 6 @ c o n a r h . c o m . b r VEÍCULO OFICIAL REVISTA OFICIAL PROOUTORA OFICIAL D A B R H B R A S I L D A B R H S P ^ESTADÃO Melhor J a b u T i c a b a COPASTUR ^LATAM io Brasileira de Recursos Humanos AIRLINES I Bradesco iguros ^ SLAC BRASILEIRO DE ISO 9001 I l M A S T E R • psicanálise A violência ta de todos nós O E S T U P R O , A T O C U j A M A R C A É O S U B M E T I M E N T O D O C O R P O A L H E I O , S U B T R A I D O O U T R O S U A C O N D I Ç Ã O D E S U j E I T O , T R A N S F O R M A N D O - O E M U M C O R P O - O B j E T O S E M A L M A , A S E R V I Ç O D A B R U T A L I D A D E por Susana Muszkat ãk v i ra l i zação de u m v ídeo postado nas redes sociais repercutiu de forma bombást ica , inicial- MÊÊÊÊÊL mente chocando a opinião pública estrangeira. m m Como efeito, despertou as autoridades e a po- pulação em geral por aqui . Tratava-se do estupro coletivo de uma menina carioca de 16 anos . O episódio, brutal e revoltante - para usar apenas dois dos inúmeros e insufi- cientes adjetivos possíveis - , reacendeu o tema do estupro de mulheres, praticado de forma endémica e assustado- ramente alta no Brasi l . De quando em quando, diante de algum novo episódio e de forma que poderíamos chamar e spasmód ica , ressurge , para e m seguida desaparecer (como assunto, que fique claro, e não como prática) - tal qual a dengue ou a Z ika , em tempos de pico epidêmico. Não foi diferente desta vez : a mídia , em todas as suas modalidades, vem incansavelmente abordando o assun- to. Grupos feministas , intelectuais, jornal istas , políticos, a polícia e a população de maneira geral, dentro e fora da mídia , vêm se pronunciando. Es tamos em tempos de pico epidêmico novamente. Entenda-se aqui a falta de um real interesse em pensar, de forma consistente e permanente, políticas públicas eficazes para promover a equidade entre os géneros. Cada vez que há um novo A AUTORA SUSANA MUSZKAT é psicanalista, membro efetivo da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, autora de Violência e masculinidade, Casa do Psicólogo, 2011. episódio, o que se vê são promessas de acirramento das leis, aliadas a medidas punit ivas: sempre algo feito a pos- teriori, como são os casos de polícia. Procura-se apurar os fatos, dá-se andamento a intermináveis processos, eventualmente punem-se os cu lpados , até que apareçam novas v í t imas e a roda volte a girar na mesma vergonho- sa direção. Não existem programas de caráter preventivo, duradouros , de longo e amplo alcance para toda a popu- lação, especialmente voltado para as cr ianças e os jovens. A mudança de um tipo de mental idade e, consequente- mente, de comportamento só é possível com um trabalho permanente formulado e posto em prática com diversos setores de uma sociedade. A maneira como o estupro e a violência contra as mulheres são tratados em nossa socie- dade é reveladora da ideologia subjacente: estupro é um tema que diz respeito exclus ivamente às mulheres! Não é pensado como assunto que nos implica a todos! Que nos agride eticamente como cidadãos e nos envergonha e ofende como seres humanos . Do ponto de vista da teoria psicanalít ica, pode-se dizer que o desejo de apoderar-se ou adentrar o interior do cor- po da mãe/mulher é largamente descrito por fundadores do pensamento psicanalít ico, como Melanie Klein, Do- nald Meltzer e outros. O desejo refere-se a forças muito primitivas do bebé ou da cr iancinha pequena, de nature- za pré-verbal, que expressam o desejo de retorno a um estado fantasiado de plenitude, completude e poder. U m 14 estado originário em que não haveria falta, frustração, necess idades. . . enf im, o paraíso. Até aqui descrevo o que se dá no plano da fantasia e dos desejos inconscientes. Tudo certo quando se trata de desejos fantasiados da cr iança ou até m e s m o dos desejos infantis que perduram no adulto, com os quais depa- ramos em nossa cl ínica psicanalítica e que é fonte de sofr imento. Também uti l izamos os mitos , os contos de fadas, as histórias bíbli- cas , a literatura e as artes em geral como ins- t rumentos para compreender a vasta gama de sent imentos e vivências humanas . O mito bíblico da expulsão de Adão e Eva do paraíso, metáfora fundadora da condição humana , aponta para a dupla implicação do evento do nascimento: a expulsão de todo ser humano do paradisíaco ventre materno e, ao mesmo tempo, fator imprescindível para a existência da vida! A s s i m , a ferida narcísica, marca da nossa incompletude, é nosso passa- porte para a vida. Nesse, e unicamente nesse plano em nossa cultura, podemos afirmar que se verifica uma real equidade entre os géneros! g Somos todos incompletos , assustados , | ameaçados por nossa própria fragilidade, | pela morte, pelo poder dos outros, pelo fra- casso , pelas doenças , pela imprevisibil idade da natureza em suas manifestações. Enfren- tar todos os desafios da vida requer muita co- ragem, não é fácil . Neste ponto já verif icamos uma primeira contradição, um paradoxo mesmo : para que tenhamos condição de enfrentarmo-nos com nossas fragilidades e incompletudes, há que admit i rmos a existência delas em nós mes- mos . A violência é manifestação de falta de poder, ou seja, a recusa violenta em aceitar- se l imitado e frágil. Desde sempre , nas tribos mais primitivas de que se tem notícia, pro- curaram-se meios que pudessem controlar a força, a imprevisibil idade e a impiedade da natureza sobre nós, humanos , a fim de dri- blarmos nossa condição de vulnerabil idade. Foram criados deuses , a quem se faz iam ofe- rendas, instituíram-se religiões, na i lusão de que alguém olhasse por nós em nossa peque- nez e fragilidade. E, caso fôssemos vit imados por sofr imentos, isso se explicaria como von- tade divina ou como algo que nos houves- se indisposto contra Deus , por erro nosso. Desse modo, poder-se-ia pensar que alguma lógica divina nospouparia ou orientaria, pro- tegendo-nos das terríveis forças do universo. julho 2016 | ^ psicanálise Do ponto de vista da teoria psicanalítica, pode-se dizer que o desejo de apoderar-se ou adentrar o interior do corpo da mãe/mulher é largamente descrito por fundadores do pensamento psicanalítico, como Melanie Klein, Donald Meltzer e outros Predomina em nossa cultura, ainda forte- mente patriarcal , uma forma binária de do- tação de valores, em que pares de opostos def inem os lugares dos sujeitos. Essa manei- ra de classif icação atribui valores positivos e negativos às diferenças, estabelecendo ass im lugares hierarquizados de poder. Pensamos em termos de categorias dualistas que têm por finalidade regular as relações de poder. A lguns dos sem-número de pares de opostos são: homem/mulher , superior/inferior, incluí- do/excluído, poderoso/submetido, forte/fra- co, heterossexual/homossexual , mascul ino/ femin ino , certo/errado, e ass im por diante. A ingerência social sobre a sexualidade, o comportamento e o corpo feminino é de cará- ter moral e regulatório e se dá inserida nessa formulação binária em que mulheres "natu- ralmente" devem ser orientadas e protegidas, dada sua condição de "maior fragilidade". De- v e m , portanto, submeter-se à lei do patriarca- do, obedecendo ao desejo mascul ino. Nessa lógica, o desejo da mulher de ser objeto do desejo mascul ino compreende-se como movimento-de-i lusão de saída do lugar de exclusão e submet imento . De maneira per- versa , podemos entender a inversão na quase totalidade dos casos de estupros, em que fica a cargo da vít ima provar sua inocência como possível incitadora do ato que a brutaliza. A ideia popular, aceita de forma naturaliza- da, de que a mulher enlouquece o homem e, portanto, é responsável pelo comportamento deste evidencia como, sustentado pelas desi- gualdades de género, aquilo que é do âmbito das fantasias originárias infantis de apoderar- -se do interior do corpo da mãe torna-se "auto- rizado" como ato, justificado pela "qualidade feminina" de "enlouquecer um homem" . O estupro, ato cuja marca é a do subme- t imento do outro, subtrai à mulher sua con- dição de sujeito, transformando-a em um corpo-objeto sem a lma , a serviço do desejo e prazer em ser brutalizada e dessubjetivada por aquele que a estupra. Inúmeras vezes , durante os anos em que trabalhei com grupos de homens envolvidos em violência familiar, surpreendia-me ver como tratavam ou fa lavam de suas mulhe- res - mães de seus filhos - em comparação com suas mães , mulheres santificadas, idea- lizadas e naturalmente dessexual izadas. He- roínas sofredoras, que tudo suportavam por amor aos filhos, maltratadas por seus com- panheiros brutos (muitas das vezes, os pais desses mesmos homens ) . A impossibi l idade que eu verificava de que pudessem pensar em suas companhei- ras também como mães (mães de seus fi- lhos) e em suas mães como mulheres de outros homens (e não s implesmente santas dessexual izadas) sempre me surpreendeu. A violência sádica e destrutiva contra um outro - já dizia Freud - dá-se à custa de uma cisão radical entre as pulsões de vida e morte. Po- der unir essas mulheres cindidas - a puta e a santa - talvez levasse alguns desses homens a sentir dor por seus atos, ao identificarem essas mulheres a quem dirigem sua violência com suas tão amadas mães (ou com suas fi- lhas mulheres ) . Reflexões desse tipo, de inte- gração, e não de oposição binária, poderiam dar início a programas de questionamento e transformação de mental idades, em ações com os jovens , por exemplo. GRUPOS SELVAGENS E o que dizer sobre o estupro coletivo? Como ato realizado em grupo, não tem autoria. Não é, em princípio, sentido por seus inte- grantes como sendo de responsabil idade de n inguém, não se personal iza. A característica do grupo é o anonimato criado pela homoge- neidade da não discr iminação entre os mem- bros: não há singularidades no grupo. Este, imbuído de uma ideia, ganha força e vo lume, não só pelo número de participantes como fundamentalmente por seu caráter de funcio- namento mental regressivo e primit ivo, em que o sujeito se sente com força e coragem 16 de fazer aquilo que individualmente não faria. Grupos podem ser selvagens! Evidentemente, nem todos. Grupos podem ter força para concretizar mudanças importan- tes, como, por exemplo, lutar contra injustiças ou realizar transformações sociais - como em situações como esta mesma da qual falamos aqui, o estupro e a desigualdade entre os gé- neros. O estupro coletivo como fenómeno não é novo. É t ipicamente mascul ino e recorrente em situações de guerra ou dominação de ter- ritórios, em que os vitoriosos tripudiam sobre os vencidos, usurpando e destituindo-os não apenas de suas posses, mas de sua dignida- de e humanidade. O sujeito vencido é tratado como não humano, um não sujeito. Nessas condições , o estupro coletivo de mulheres é exibido como troféu, como prova de dominação e poder! Mas que fique claro: o poder que esses homens desejam evidenciar não é o poder sobre as mulheres! É, isso s i m , uma demonst ração de dominação e poder sobre os homens cujas mulheres são estu- pradas. A necess idade de exibição de poder desses homens é para os outros homens , e não para as mulheres . Homens se exibem e medem força com ou- tros homens - quem não conhece as brincadei- ras entre homens de "quem mija mais longe" ou quem tem o pênis maior? As mulheres "do- minadas" são os troféus, as provas por meio das quais homens fracos e inseguros sentem que se tornam poderosos. Trata-se mesmo da necessidade narcísica primitiva de resgate ou vivência de um sentimento de poder e força. Mas qual é a força e o poder em conse- guir violentar em grupo uma única moça , in- defesa e desacordada? Acertou! Não é poder; ao contrár io, evidencia a extrema fraqueza e impotência , sent imentos radicalmente recu- sados, uma vez que se opõem ao desejo de plena potência. É essa a verdadeira cara do sujeito que brutaliza outra/o em grupo. O grupo primitivo não pensa , age. Transforma o outro em nada, em n inguém. O outro vio- lentado não é humano e, a s s i m , está lá para ser usado e abusado, conferindo-lhes iluso- riamente o lugar vitorioso. Exibem o troféu, replicam pela internet como se isso lhes ga- rantisse fama e notoriedade de celebridades! Quanta inversão! Esse é um ato brutal e vergonhoso. Brutal e vergonhoso para todos nós, não somente para a menina contra quem essa barbárie foi praticada. Atos de barbárie desumana não são episódios cujo efeito recai exclusivamen- te sobre os perpetradores ou os v i t imados. Penso que qualquer ato de barbárie social diz respeito a todos nós, c idadãos, homens e mulheres , seres humanos . Que esse tipo de prática se dê em nossa sociedade, com nossos jovens , nos implica a todos. Nós so- mos essa sociedade onde esse tipo de prá- tica endémica não é verdadeiramente tema de relevância (como tampouco são nossas cr ianças! ) , na qual relações desiguais de po- der "autor i zam" ou " just i f icam" que homens possam desejar provar sua mascul inidade e/ ou poder à custa de nossas mães , filhas, ir- mãs , amigas , cr ianças! Numa sociedade em que a dignidade e o respeito por seus cidadãos não são assunto de principal relevância, somos todos cúmpl ices , e todos deveríamos nos envergonhar. O estupro é contra todos nós. Citando o escritor Ernest Hemingway: "Nunca pergunte por quem os sinos dobram; eles dobram por t i ! " . £ PARA SABER MAIS Violência e masculinidade. S u s a n a Muszka t . Casa do Ps icó logo, Coleção Cl ín ica Ps icana l í t i ca , 2 0 1 1 . Género y família: poder, amor y sexualidad en la construcción de la subjetividad. M. Bur in , I. Meier. Paidós , 2006. A mínima diferença: masculino e feminino na cultura. Mar ia Rita Kehl . Imago , 1996. julho 2016 • mente 17 tecnologia A geração da tela sensível ao tocfue O S D I S P O S I T I V O S M Ó V E I S P R E J U D I C A M O D E S E N V O L V I M E N T O D A S C R I A N Ç A S ? O S E S T U D O S A I N D A S Ã O R E C E N T E S , M A S A C I Ê N C I A JÁ M O S T R A Q U E D E F A T O E X I S T E M R I S C O S - M A S T A M B É M B E N E F Í C I O S Q U E N Ã O P O D E M S E R D E S P R E Z A D O S por David Pogue V ocê já deve ter ouvido alguém dizer algo como "essas engenhocas u l t ramodernas destroem nosso cérebro e arru ínam o desenvolvimento das cr ianças" . A preocupação é compreensível , e não apenas porque todas as gerações anteriores tendem a desaprovar os comportamentos das seguintes. Sob vários aspectos os aparelhos digitais estão (pelo menos aparente- mente) minando nossa juventude, da m e s m a forma como O AUTOR DAVID P O G U E é jornalista especializado em divulgação científica e temas relacionados a tecnologia. É apresentador do Yahoo Tech e das minisséries NOVA, na rede pública de TV PBS, nos Estados Unidos. o rock "prejudicou" os jovens da década de 60, a televisão "comprometeu" a formação de nossos avós e os carros colocaram em risco nossos bisavós. Segundo essa lógica, estamos sendo arruinados há gerações. Mas o que a ciência diz sobre os efeitos nocivos da mais recente tecnologia? Parte da resposta depende de sua definição de "arrui- nar" . É verdade que as coisas são diferentes agora. Mui- tas cr ianças moradoras das grandes c idades não " s a e m para br incar" , pelo menos não desacompanhadas . Mas t ambém não prec isam mais decorar nomes de presiden- tes e a tabela periódica, pois estão a apenas u m a tecla de distância do Google . E s tamos perdendo ve lhas destre- 18 zas , é verdade. Poucos sabem agora como usar u m papel-carbono ou cuidar de cava- los; escrever à mão e dirigir podem ser as próx imas habi l idades a desaparecer. Po rém, diferente não é s inón imo de pior. E, por ma is que psicólogos, educadores e pais se p reocupem, a inda é surpreendentemente difícil encontrar estudos l igando aparelhos modernos à ruína da juventude. A pesquisa leva tempo e a era das telas sens íve is é muito recente. O iPad , por exemplo, surgiu em 2010. Mas as pesqu isas já começaram - e lan- çam a lguma luz sobre como esses repenti- namente onipresentes disposit ivos podem afetar as c r ianças . E m 2009, um estudo na Univers idade Stanford relacionou hábitos de adolescentes modernos de executar mul- titarefas no computador (que parecem ter se estendido a telefones e tablets) à perda da capacidade de concentração - um resultado um pouco preocupante . U m estudo publ icado na edição de feve- reiro de Pediatrics revelou que cr ianças que têm aparelhos de tela pequena em seus quartos d o r m e m em média 21 m inu tos a menos que as que não têm . Quanto à razão, os c ient istas supõem que as cr ianças ficam acordadas até tarde para usar seus disposi- tivos ou , ta lvez , que a luz das telas produza atrasos no r i tmo c i rcadiano. E quanto às habi l idades sociais? No ano passado , e m u m estudo da Univers idade da Cal i fórnia e m Los Angeles , foram acompa- nhados dois grupos de a lunos do sexto ano (com idade média de 11 a 12 anos ) , O pri- meiro , fo rmado por 51 jovens , passou cinco dias e m u m acampamento na natureza sem eletrônicos ; o segundo grupo, dè controle, com 54 part ic ipantes , não acampou . Depois d isso , foram real izados testes e foi constata- do que aqueles que hav iam passado a tem- porada no campo se sa íam signif icat ivamen- te melhor na leitura de emoções humanas em fotografias. E o que há de concreto sobre ^câncer ce- rebral e celulares? B e m , em pr imeiro lugar, não é preciso um estudo para dizer que ra- ramente os jovens estão com o telefone na orelha; eles ma is d igi tam mensagens do que fazem l igações. De qualquer fo rma , os es- Estudo na Universidade Stanford associou hábitos de adolescentes modernos de executar multitarefas em computadores, telefones e tablets à perda da capacidade de concentração tudos não comprovaram nenhuma relação entre o uso de celular e câncer. Pelo menos não a inda . É hora de começar a reclamar? Não neces- sar iamente; nem todos os estudos chegaram a conclusões a larmantes . Em 2012 o grupo sem fins lucrativos de estudos sobre mídias e tecnologia C o m m o n Sense Media desco- briu que mais da metade dos adolescentes dos Estados Unidos acreditam que as mídias sociais - agora acessíveis em qualquer lugar graças às telas sensíveis ao toque - ajudaram em suas amizades (apenas 4 % acham que prejudicaram). Em 2014 pesquisadores do National Literacy Trust , do Reino Unido, des- cobriram que cr ianças pobres com aparelhos de tela sensível ao toque têm o dobro de pro- babilidade de ler todos os dias . U m estudo publicado na Computers in Human Behavior revelou que enviar mensagens é benéfico para o bem-estar emocional dos adolescen- tes - especialmente os introvertidos. Prec i samos c laramente de estudos mais amplos e de mais longo prazo antes de co- meçar uma nova rodada de rec lamações . E eles estão a caminho ; por exemplo , os re- sultados de uma grande pesquisa britâni- ca com 2.500 cr ianças chamada Estudo de Cognição, Adolescentes e Telefones Móveis ( Scamp , na sigla em inglês) , do Reino Uni- do, com 2.500 cr ianças , sairão em 2017. Enquanto isso, os s inais de alerta das pesquisas iniciais não são altos o suficiente para t i rarmos aparelhos de nossas cr ianças e m u d a r m o s para território a m i s h . Por outro lado, o bom senso sugere que não é o caso de deixar a tecnologia ocupar todo o tempo dos jovens . O s achados até agora são sufi- cientes para sugerir a prática de uma mui- to sábia e antiga precaução: a moderação. O excesso de qualquer coisa é ru im para as c r ianças , sejam eletrônicos modernos , tele- v isão ou esporte . ® julho 2016 • mentecérebro 19 capa Criando reservas para resistir ao 0 tt % J Uí t =5==2 tU \ tM M í t 4 • ^ 4 4 ^ 4 4 4 4 M 4 # 4 4 - 4 4 n t * < *- ÍU* 11 t\ut— » M 4 0 t H t ( W M í t * Wf t f t / « t t * W—* *—4 4-44 4- tU i tiU * \ttU i tiU * \t—è. 4-4 4«»t » W-U-44444 * W t t m t 1—* t t h I M J l Hf—*- 4444-4-444<444444-*444 * f ií i H t t * *4 -4-UÍÍÍ » Í U Í í tf t Í(H \ av. t \ t í Htt * \ttu i tn\ * 1 V t \ X X POR QUE ALGUMAS PESSOAS DESENVOLVEM SINTOMAS DE DEMÊNCIA E OUTRAS NÃO, EMBORA TENHAM O MESMO NÍVEL DE LESÃO? A GENÉTICA INFLUI, MAS NÃO É SEMPRE DETERMINANTE, A N DA HÁ CURA, MAS A CIÊNCIA JÁ TEM UMA SÉRIE DE PISTAS ÚTEIS PARA EVITAR QUE NOSSO CÉREBRO SEJA AFETADO PELOS EFEITOS NOCIVOS DO ENVELHECIMENTO E SE TORNE MAIS RESISTENTE por David A. Bennett O A U T O R DAVID A. . B E N N E T T é diretor do Centro Rush para Doença de Alzheimer, em Chicago, e professor de ciências neurológicas naquela instituição. Atua em numerosos conselhos nacionais e internacionais editoriais e de consultoria e é autor de mais de 600 artigos sobre o tema. capa Especialistas acreditam que é possível postergar o surgimento da demência e diminuir o número de anos que se passa incapacitado no fim da vida. A possibilidade de "comprimir" a morbidade é fundamental, tanto em termos emocionais quanto económicos -4 Desde o ensino fundamental , sem-pre amei a arqueologia e passei muitas férias com minha mulher e meus filhos vis itando ruínas an- tigas pelo mundo - desde as kivas, câmaras cer imonia is dos anasaz i , no sudoeste ame- ricano, até as "cidades perdidas" de Machu Picchu e Petra e os moais , estátuas gigan- tescas da ilha de Páscoa. Em algum lugar pelo caminho , a faculdadede medicina e a residência em neurologia fizeram com que esse meu namoro com o assunto tomasse outro rumo. Mas mesmo hoje me imagino a lgumas vezes como um arqueólogo do cére- bro - selecionando del icadamente espécimes preservados, catalogando artefatos biológi- cos e buscando alinhar meus achados com as histórias singulares das pessoas . T ive sorte em ter muitas oportunidades para satisfazer esse devaneio. No Centro Rush para a Doença de Alzheimer, em Chica- go, onde sou diretor, cerca de 100 cientistas procuram formas de tratar e prevenir uma gama de doenças neurodegenerativas co- m u n s . Por quase um quarto de século condu- zi duas investigações longitudinais - o Estu- do de Ordens Religiosas e o Projeto Rush de Memór ia e Envelhecimento - que contaram com mais de 3.200 adultos de meia-idade em diante, nos Estados Unidos . Todos os nossos voluntários, com idade entre 50 e 100 anos , iniciaram a participação sem apresentar si- nais de demência e, por incrível que pareça, concordam em se submeter a a lgumas horas de exames e testes a cada ano. Passam por consultas médicas abrangentes, entrevistas detalhadas, aval iações cognitivas, oferecem amostras de sangue e, em alguns casos , são submetidos a tomograf ias cerebrais. O mais importante é que todos têm o compromisso de doar seu cérebro após a morte para nossa pesquisa . O acervo resultante ocupa vários gabinetes e duas estações de freezers com área de 370 metros quadrados, mantidas a menos de 80 graus e protegidas por s is temas de backup e a larme. Até agora, rea l i zamos dezenas de milha- res de aval iações c l ín icas e mais de 1.350 autópsias e obt ivemos um conjunto inédito de dados que compar t i lhamos com pesqui- sadores em todo o mundo . Como arqueó- logos em campo , vascu lhamos os vestígios que estão aos nossos cuidados na esperan- ça de compreender por que algumas pesso- as cont inuam lúcidas na segunda metade de sua trajetória enquanto outras começam a perder suas faculdades já quando comple- tam 60 anos . L igamos os fatores de risco e escolhas de v ida à função cognitiva e a marcas biológicas da doença . É um traba- lho demorado . Talvez a maior ia das pesso- as imagine que, quanto maior a lesão real encontrada no cérebro, maiores os desafios cognit ivos exper imentados pelo paciente - e isso cos tuma ser verdade. Mas não sempre . A lgumas vezes , se ana l i sa rmos duas pesso- as com quant idades comparáve i s de danos cerebrais , descobr i remos que somente uma 2 2 delas apresenta os efeitos adversos (veja quadro na pág. 26). Na verdade, é raro envelhecer com um cé- rebro completamente saudável . Praticamente todos os cérebros que examinamos apresen- tam pelo menos alguns dos emaranhados destruidores de neurónios associados à do- ença de Alzheimer , de longe a cfeusa mais c o m u m da demênc ia . Em cerca de metade, encontramos as cicatrizes de um acidente vascular cerebral anterior, grande ou peque- no. E em quase um quinto descobrimos os aglomerados anormais de proteína que são a marca da doença de Parkinson e da demên- cia dos corpos de Lewy. Porém, qjuando co- tejamos esses achados laboratoriais aos his- tóricos de cada indivíduo, percebemos que só correspondem à metade das ialterações cognitivas medidas em testes de i memór ia , velocidade de processamento e s imi lares . Em outras palavras , a condição post mortem do cérebro de alguém nos dá uma mostra somente parcial de seu funcionamento nos anos precedentes à morte. A grande pergunta que nos intriga: por que a lgumas pessoas desenvolvem s intomas da demência de Alzheimer e outras não? Até certo ponto, a genética constitui um fator im- portante: a lgumas pessoas têm o infortúnio de herdar genes de alto risco associados à doença. Mas esse não é o único determinan- te. Pesquisadores que trabalham com nossos dados já identif icaram muitos fatores cruciais de estilo de vida que moldam a saúde de nos- so cérebro, em especial na idade avançada (veja quadro na pág. 30). Alguns deles - como dieta saudável - provavelmente ajudam a re- tardar o acúmulo de material tóxico que pode danificar a memór ia e o pensamento crítico. Por exemplo: a epidemiologista Martha Cla- re Morr is , pesquisadora em Rush , constatou que a dieta da mente (rica em frutas verme- lhas, legumes, grãos integrais e nozes) dimi- nui radicalmente o risco de uma pessoa de- senvolver Alzheimer. Outras escolhas de vida t ambém parecem de fato reforçar a habilidade do cérebro de li- dar com a doença, ajudando a pessoa a com- pensar eventuais perdas da capacidade men- tal . Em especial , constatamos que, quanto mais engajados - e m termos f ísicos, sociais e intelectuais - nossos voluntários permane- c iam ao longo de sua vida, mais resistentes eram à demência ao final da vida. Estamos começando a entender exata- mente de onde vem essa resiliência em alguns indivíduos, o que nos traz a esperança de que possamos ser capazes de prevenir muito mais a doença de Alzheimer - ou pelo menos retardar sua aparição de modo que a morte a preceda. Desde os primórdios da raça hu- mana até aproximadamente meio século, isso costumava acontecer, pois a maioria de nós não vivia o suficiente para se preocupar com doenças neurodegenerativas. À medida que a expectativa de vida aumentou, o Alzheimer se tornou cada vez mais prevalente e agora afeta mais de 5 milhões de americanos com idade superior a 65 anos - um em cada nove nessa faixa etária. No Brasi l , a estimativa do Minis- tério da Saúde é que exista aproximadamente 1,2 milhão de homens e mulheres com o diag- nóstico, mas só metade recebe tratamento e, a cada ano, há 100 mil novos registros da do- ença. O prognóstico é que os casos em todo o mundo tenham triplicado até 2050. Nossa pesquisa sugere que possamos ser capazes de impedir, ou pelo menos abrandar, essa crise iminente. De fato, há coisas que todos podemos fazer desde a infância para tornar o próprio cérebro menos vulnerável às degrada- ções do envelhecimento. A POUPANÇA DA MENTE A demência não foi sempre um problema tão urgente. Minha avó nasceu em outubro de 1906, quando as pessoas t inham mais razões para se preocupar com as patologias t ransmiss íve is do que com aquelas relaciona- das à idade. U m mês após seu nascimento, o neuropatologista alemão Alóis Alzheimer apresentou um caso inédito em uma reunião médica , e seus colegas ficaram tão atónitos que não fizeram uma única pergunta. A pa- ciente, uma mulher de meia- idade chamada Auguste Deter, não tinha tido sífil is, conside- rada na época a causa principal da demência . Alzheimer atribuiu seus s intomas a placas rígidas alojadas entre as células neurais e a estranhos emaranhados de fibras dentro das células, que ele observou durante a autópsia do cérebro da paciente. julho 2016 • mentecérebro 2 3 capa Hoje sabemos que essas características c láss icas são acúmulos de proteínas disfun- c ionais , em sua maior parte formados por f ragmentos mal dobrados de beta-amiloide nas placas e tau anormal . Por várias décadas após a descoberta de Alzheimer, a doença mister iosa permaneceu em grande parte es- quecida. Só entre 1968 e 1970, o neuropato- logista s/r Bernard Toml inson e seus colegas da Univers idade Newcastle , na Inglaterra, re- a l izaram uma série de estudos que levaram a uma percepção importante: as pessoas idosas sem demência cos tumavam também apresentar placas e emaranhados no cére- bro. Aquelas com demência s implesmente ti- nham mais desse material e também sofr iam acidentes vasculares cerebrais (AVCs) com maior frequência. As descobertas sugeriram que o quadro poderia ser bem mais c o m u m do que até então se imaginava. Evidências dessa percepção começaram a aparecer nos anos seguintes. Em abrilde 1976, o neurologista Robert Katzman (já fa- lecido) , então chefe da cadeira de neurologia na Faculdade de Medicina Albert E instein, escreveu um editorial divisor de águas nos Arquivos de Neurologia da Associação Médica Americana, declarando a doença de Alzhei- mer como a "principal causa de mortes" . As comportas se abriram e um pequeno fluxo de verbas começou entrar nos laboratórios nos Estados Unidos . Entre 1984 e 1991, o inci- piente Instituto Nacional do Envelhecimento fundou 29 centros ativos de pesquisas , in- cluindo o nosso. Desde o início, o interesse principal era encontrar formas de prevenir a doença . Esforços nessa direção estavam ainda começando, mas esperávamos adotar uma abordagem original: em vez de limitar nossa investigação à conexão entre os fato- res de risco potenciais e o Alzheimer, como outros estavam fazendo, decidimos levar em Talvez um dos primeiros passos mais cruciais no sentido de assegurar uma melhor saúde do cérebro seja a educação - e não só a formal mas outros tipos de aprendizagem. 2 4 conta também as alterações físicas associa- das ao envelhecimento e à doença. U m grande desafio era poder dispor de cé- rebros suficientes, especialmente de pessoas sem demênc ia . É relativamente fácil conse- guir doações de órgãos de pacientes trazidos a uma clínica de Alzhe imer por membros de famíl ia interessados, mas obter esses órgãos de pessoas idosas saudáveis - que também terão de consentir na realização de múltiplos exames antes de sua morte - costuma ser muito mais difícil . No entanto, sabíamos que as pessoas ass intomát icas constituíam uma parte vital do quebra-cabeça. Em um estudo revelador de 1988, Katzman fez autópsias em 137 idosos que foram residentes de um asilo, aproximadamente metade deles diagnostica- dos com Alzheimer. Na outra metade, porém, ele identificou dez com lesões cerebrais signi- ficativas relacionadas a Alzheimer - que esta- vam também entre os residentes que haviam obtido as melhores avaliações nos testes de desempenho cognit ivo. Katzman observou que esse grupo apresentava cérebro com maior peso e mais neurónios do que o dos outros com cérebro em condições muito si- milares. Então, a título de explicação, propôs que talvez essas pessoas s implesmente tives- sem mais cérebro para perder - uma ideia que ativou nosso interesse naquilo que agora é chamado de reserva neural ou cognitiva. Quantas pessoas como essas havia mais? Seria possível a lguém estocar esse tipo de "superávit poupador de mente"? Planeja- mos nossa investigação para desvendar essa questão nos inspirando no que se tornou co- nhecido como "estudo das freiras", iniciado em 1986 pelo epidemiologista David Sno- wdon , agora aposentado pela Universidade de Kentucky. A pesquisa monitorou aproxi- madamente 700 membros da Congregação das I rmãs de Notre Dame , com idade supe- rior a 75 anos - uma grande porcentagem delas doou o cérebro após a morte. Nosso plano era complementar , e não copiar, o estu- do das freiras. Com o auxílio da Arquidiocese de Chicago e da falecida i rmã Katie M c H u g h , estabelecemos uma rede de contatos com or- dens católicas em todo o país . Em 1993 tínha- mos garantido o financiamento para lançar o Estudo de Ordens Rel igiosas, solicitando a doação de órgãos de todos os participantes que se candidatavam. Quatro anos depois , recebemos um financiamento adicional para começar o Projeto Rush de Memória e Enve- lhecimento a fim de estudar idosos aposen- tados leigos. Deliberadamente, projetamos nosso ex- perimento de modo que estivesse isento do maior número de premissas possíveis sobre envelhecimento e Alzheimer. Por exemplo, não há nenhum critério de inclusão ou exclusão além de ser idoso o suficiente e concordar com a doação de órgãos. Perguntamos aos nossos participantes não só sobre sua dieta, sono e exercícios - fatores que sabidamente afetam a saúde e o envelhecimento - , mas também sobre sua educação, treinamento musical , ha- bilidades de língua estrangeira, personalidade, atividades sociais , experiências traumáticas, status socioeconómico quando crianças etc. Anal isamos como todas essas variáveis se re- lacionam a alterações no cérebro 6 s intomas da doença, ignorando rótulos convencionais de diagnósticos. Monitoramos como a cogni- ção das pessoas muda , algumas vezes melho- rando, mas com demasiada frequência decli- nando. E observamos o ritmo: alguns passam pelo curso da doença rapidamente, enquanto outros decl inam devagar. Ou simplesmente não decl inam. Nossa questão-chave: como fa- zer parte desse último grupo? O TRUNFO DA FLEXIBILIDADE Minha avó viveu até quase os 100 anos e gos- tava de repetir "Envelhecer não é para os fra- cos!" . Concordo com ela. Nos casos em que surge a demênc ia , a situação pode ser devas- tadora. Ao longo do tempo, a doença seques- tra as memór ias , o uso da l inguagem, a aten- ção e a independência . Costumo comparar o agravamento da incapacidade de manter as lembranças à perda de páginas de um álbum de fotos cronológico de sua vida de trás para a frente - as recordações de infância são as últ imas que s o m e m . Ao final, os pacientes perdem a possibi l idade de funcionamento em qualquer nível essencia l . Misericordio- samente talvez, muitos morrem em razão de outras condições médicas bem antes de chegar aos estágios finais da doença. A boa notícia é que, à medida que o quadro progri- de, o cérebro resiste. Como todos os órgãos do corpo, o cérebro não fica de braços cruza- dos, como mero espectador. Na verdade, o s istema cerebral é o mais plástico e adaptável (só para lembrar, é ass im que aprendemos) . E essa flexibilidade parece constituir grande parte de nosso estoque cognitivo. Para melhor compreender isso, examina- mos minuciosamente o cérebro das pessoas que mant inham a capacidade cognitiva - ou que só apresentavam uma degeneração lenta - apesar da presença de placas, evidência de AVCs e outros danos . Como Katzman, cons- tatamos que esses indivíduos tendem a ter mais neurónios - especialmente no locus coe- ruleus, uma região azulada do tronco cerebral normalmente envolvida em nossas respostas ao estresse e ao pânico. O achado faz senti- do: a maioria dos pacientes com Alzheimer acabava por perder até 7 0 % dos neurónios nessa região. Trabalhando com o psiquiatra B E N N E T T R E A L I Z O U , nas últimas duas décadas, grandes pesquisas longitudinais sobre a doença de Alzheimer; todos os participantes doam o cérebro após a morte. O acervo, armazenado em freezers especializados (esquerda), tem revelado pistas importantes sobre como prevenir a doença julho 2016 • mentecérebro 2 5 O mistério sobre a lucidez de Marge Conhec i Marjorie Mason Heffernan e m janeiro de 2003 , quando comecei a recrutar part ic ipantes para o Projeto Rush de Memór ia e Envelhec imento e m u m a comunidade de aposentados , agora c h a m a d a Presence Bethlehem Woods , a 40 minutos da Univers idade Rush . Não sei por que levamos tanto tempo para nos cadas t ra rmos lá , já que é prat icamente v i z inha da Congregação das I rmãs de St. Joseph , nosso pr imeiro local de pesquisa de Ordens Rel igiosas , onde t ínhamos ana l i sado part ic ipantes de estudo por uma década . U m mês após ter se registrado para nosso estudo, Marge - como era conhecida pelos amigos e famí l ia - veio para sua aval iação inic ial . Durante a pr imeira s e m a n a de março , sentei-me com ela para anal i sar os resultados . Aos 79 anos , estava mui to bem. No Mini-Exame do Estado Mental ( M M S E ) , teste mais amplamente usado para medir as capacidades cognit ivas tota is , t inha obtido a pontuação máx ima de 30. Na verdade, ela teve desempenho ext remamente bom em quase todos os 21testes cognit ivos que lhe ap l i camos . Ao longo de sete anos Marge mostrou- se u m a voluntár ia d inâmica do estudo. Ela part ic ipou de uma série de subestudos - inc lu indo um de neuro imagem e outro de economia comportamenta l e tomada de dec isões . Ava l iamos sua cognição oito vezes , e cada vez ela obtinha a pontuação máx ima de 30 no M M S E - excluindo u m teste aos 80 anos , e m que ela quase pontuou 30 , e u m aos 84 , quando caiu para 28 pontos . Ao final de 2010, Marge morreu t ranqui lamente e m sua casa , aos 87 anos , confortada por seu fi lho e duas sobr inhas . Como todos os participantes de nossa pesquisa, Marge havia generosamente doado seu cérebro. Durante a autópsia, constatamos que o órgão pesava 1.246 gramas, praticamente a média para mulheres. Havia uma perda leve de tecido generalizada, o que é típico da doença de Alzheimer, e outras doenças neurodegenerativas que também podem ser observadas em cérebros saudáveis mais velhos. Sob o microscópio, seu cérebro apresentava o número suficiente de placas de beta-amiloides e emaranhados de tau compatíveis aos critérios patológicos da demência de Alzheimer. Não havia sinais de enfarte (áreas de tecido morto que podem indicar acidente cerebral) ou corpos de Lewy (marcas da doença de Parkinson e da demência dos corpos de Lewy). Em suma , os achados eram consistentes com um Alzheimer moderado, o que levantou a pergunta: Por que a cognição de Marge era tão boa? A resposta pode ser encontrada em sua história de v ida , que apresentava muitos dos fatores que nossos estudos indicam c o m o capazes de incrementar a reserva cognit iva e manter a demência a uma distância segura . Por exemplo, ela Acompanhando as mudanças cognitivas o em Avaliações Globais de _^ Cognição -2 81 82 83 84 85 86 87 Idade Durante o estudo, as duas participantes foram submetidas a testes anuais de funcionamento intelectual. Embora ambas tivessem níveis semelhantes da doença, as pontuações de Marge permaneceram altas e as de Mary decaíram r t inha bom grau de instrução forrr a l , havia frequentado a escola por 22 anos o que era muito para u m a mulher nascida < m 1923. Ela e sua i rmã mais nova , Betty B ) rman , que ingressou e m nosso estudo após a morte de Marge , t inham se gradu ado no Chicago Teachers College nos anc s 40 . Marge era cognit iva e socialrm mte at iva. Betty ma i s tarde descreveu sua i rmã como uma leitora voraz , capaz de termi lar um livro e m u m dia . Ela me contou q le Marge t inha fundado u m clube do livro e que ela part icipara de u m a companhia de teatro local . Marge t a m b é m mant inha u na atitude posit iva , apesar das muitas adver: idades: havia enterrado dois de seus três i lhos e dois mar idos . Testes da personal idade e bem estar de Marge cor roboraram a descr ição de Betty. Ela t inha obtido uma pontuação e evada em "propósi to na v i d a " e consc ienc ios idade e baixa e m ans iedade , s in tomas dep ressivos e o que c h a m a m o s de evitação de danos (traço que engloba a t imidez , preocupação excessiva e p e s s i m i s m o ) . Apesar c e suas dores nas cos tas , Marge não era nada caseira e obteve a pontuação máx ima em "espaço de v i d a " - uma medida d< > âmbito geográfico da pessoa . É interessante contrastar Marg Í com outra de nossas part ic ipantes mui leres , a quem c h a m a m o s aqui de Mary. :1a t ambém se registrou aos 79 anos , como Marge, e conc lu iu oito aval iações < l ínicas anuais antes de sua morte aos 87 mos . O resultado de Mary na aval iação inicial eram firmes 28 pontos , mas decaiu para a metade em sua aval iação final. E a foi d iagnost icada com prejuízo cognit vo moderado aos 81 anos , demênc ia los 84 e A lzhe imer aos 85 . Na autóps ia , o cérebro de Mary pesava 1.088 g ramas , bem menor que o d< Í Marge. O órgão t inha cicatr izes provenien* es de três pequenos enfar tes , embora não t ivesse nenhum histór ico de acidentes cembrais . Porém, como Marge, Mary revelava leve perda de tecido e lesões suficientes compat íve is aos critérios patológicos da doença de Alzheimer . E, cur iosamente , seu cérebro apresentava menos beta-amiloide e emaranhados do que o de Marge. Embora t ivesse menos indícios anatómicos da patologia em comparação co m Marge, Mary sofria de uma perda progressiva de cognição, que resultou na incapacidade de cuidar de si m e s m a no momento de sua morte . Apresentava s inais de pequenos enfartes e um pouco de beta-amiloide em seus vasos sanguíneos , e pode ter havido diferenças genéticas que a tornaram mais vulnerável . Mas , novamente , encontramos pistas para o seu decl ínio cognitivo em sua história de v ida : Mary t inha 10 anos a menos de escolar idade do que Marge, tendo somente concluído o ens ino médio . Obteve pontuações baixas em medidas de atividade cognit iva, propósito e espaço de v ida . E marcou muitos pontos em quesitos como evitação de danos , ansiedade e s intomas depress ivos . Todos os esforços para desenvolver terapias para prevenir A lzhe imer fa lharam até então, mas a comparação dessas duas mulheres tornou bastante vis íveis os efeitos protetores potenciais dos hábitos de vida - indo desde a escolar idade inicial a engajamento social numa fase mais avançada da v ida . Marge e Mary apresentavam níveis semelhantes de lesões relacionadas a Alzheimer , mas m e s m o a s s i m , seus cérebros func ionaram em níveis muito diferentes durante os anos finais de suas v idas . AS IRMÃS Betty Borman (esquerda) e Marge Mason Heffernan (direita) participaram do estudo de Bennett. Embora cientistas tenham encontrado sinais de Alzheimer no cérebro de Marge após a sua morte, ela nunca mostrou sintomas da demência julho 2016 • mentecérebro 2 7 capa PARA SEMPRE ALICE (2014), com julianne Moore, ganhadora do Oscar de melhor atriz: filme retrata drama de especialista em neurociência diagnosticada com a demência. Embora o exercício intelectual seja um "protetor cerebral" poderoso, não há garantias de que a doença seja evitada (leia mais sobre Alzheimer precoce na pág. 28) Wil l iam Honer, da Universidade Columbia , descobr imos também que os que apresen- tam degeneração mais lenta normalmente têm quantidades mais elevadas de proteínas específ icas, como a proteína de membrana associada à vesícula (VAMP) , complexina-l e complexina- l l , que ajudam a transmit ir men- sagens através das s inapses , ou lacunas, en- tre as células cerebrais. Uti l izando nossas amostras , o neurocien- tista Bruce A. Yankner, da Universidade Har- vard , descobriu ainda outra proteína que aju- da a preservar ativamente nossas capacida- des mentais . Níveis dessa proteína, chamada repressor elemento 1 - fator de transcrição ligado à diferenciação neuronal (REST, na si- gla em inglês) , são mais elevados no cérebro de pessoas idosas que vivem entre 90 e 100 anos . Talvez não surpreenda que Yankner te- nha constatado em estudos com animais que R E S T protege os neurónios da morte causada por estresse oxidativo ou beta-amiloide, entre outras ameaças . Sua pesquisa demonstra que uma melhor cognição se correlaciona a níveis elevados de REST no córtex e no hipocampo, áreas normalmente vulneráveis à doença de Alzheimer. E, quando os pesquisadores de- sat ivaram REST nos ratos, os animais come- çaram a mostrar s inais de neurodegeneração típica da doença de Alzheimer. Nós e outros pesquisadores continuamos a buscar fatores bioquímicos adicionais que nos ajudem a proteger nossa mente à medi- da que envelhecemos - e mais outros meca- n ismos que a prejudiquem. Recentemente, a neurologista Julie Schneider, em nosso grupo em Rush , revelou o fato de que mais de
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