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NEUROCIÊNCIA 1 - Esculturas Cerebrais - REVISTA MENTE CÉREBRO, ESPECIAL N 49

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Esculturas 
cerebrais 
N O V O S E S T U D O S R E V E L A M C O M O AS C I R C U N V O L U Ç Õ E S D O C É R E B R O S Ã O F O R M A D A S , O 
Q U E P O D E SER Ú T I L N O D Í A G N Ó S T I C O E T R A T A M E N T O DE A U T I S M O , E S Q U I Z O F R E N I A E 
O U T R O S D I S T Ú R B I O S M E N T A I S 
por e 
CLAUS C. H I LCETAC é diretor e professor do Departamento de 
Neurociência Computacional do Centro Médico da Universidade 
de Hamburgo-Eppendorf, na Alemanha. HELEN BARBAS é doutora 
em neurociências, professora da Universidade de Boston. 
I g ' ma das pr imeiras coisas que se percebe ao H observar o cérebro humano é u m emaranhado • de elevações e depressões. Essas c ircunvolu-ções fazem parte do córtex cerebral, chamado, 
às vezes, de massa cinzenta - uma camada de 2 a 4 m m 
de espessura, composta de u m tecido gelatinoso rico em 
neurónios, que age como mediadora de nossas percepções, 
emoções, pensamentos e ações. O córtex dos mamíferos, 
cujo cérebro é maior, como baleias, cães e nossos parentes 
antropoides, também é enrugado-cada um com seu padrão 
característico de circunvolução. Já o de outros vertebrados 
dotados de cérebro menor é relativamente liso. O córtex dos 
mamíferos de cérebro maior se expandiu consideravelmente 
durante a evolução - mu i to mais que o crânio. Na verdade, 
a superfície de u m córtex humano achatado - equivalente 
ao tamanho de uma pizza gigante - é três vezes maior que 
46 I mentecérebro I Neurociência 1 
a superfície interna da caixa craniana. Portanto, a única ma-
neira de o córtex dos seres humanos e de outras espécies 
inteligentes caber dentro do crânio é dobrado. 
Mas essa dobragem não é aleatória, como aconteceria 
em um pedaço de papel amassado. Há u m padrão regular 
nas dobras do cérebro de todas as pessoas. Como elas se 
formam? E o que a topografia resultante pode revelar sobre 
a função cerebral? Novos estudos indicam que durante o 
desenvolv imento, uma rede de fibras nervosas empurra 
f isicamente o córtex, que é maleável, e depois mantém sua 
posição durante a vida inteira. Distúrbios causados a essa 
rede por pancadas ou lesões, antes ou depois do desenvol-
v imento, podem ter grandes efeitos no formato do cérebro e 
na comunicação neural. Portanto, essas descobertas podem 
gerar novas estratégias para o diagnóstico e t ratamento de 
pacientes com certos distúrbios mentais. 
Cientistas estudam a forma complexa do cérebro há sé-
culos. No início do século 19, o físico alemão Franz Joseph Gall 
sugeriu que o formato do cérebro e do crânio das pessoas 
dizia mu i to sobre sua inteligência e personalidade - teoria 
conhecida como frenologia. Essa ideia respeitada, embora 
não provada cientif icamente, resultou na coleta e no estudo 
do cérebro de " c r im inosos " , "degenerados" e "génios". 
Depois, no final do século 19, o anatomista suíço Wi lhe lm 
His af i rmou que o cérebro humano se desenvolve como 
uma sequência de eventos guiados por forças físicas. O 
pesquisador inglês D'Arcy Thompson baseou-se nessa ideia 
e most rou que as formas de muitas estruturas, biológicas e 
inanimadas, resultam da autoorganização física. 
Apesar de polémicas, essas suposições iniciais caíram 
no esquec imento . A f reno log ia f i cou conhec ida c o m o 
pseudociência, e as teorias genéticas modernas supera-
47 
ao nascimento 
As ondulações da camada mais extema do cérebro, o córtex cere-
bral, surgem no ventre materno. Estudos sugerem que a dobradu-
ra é causada por forças mecânicas geradas pelos neurónios que 
conectam diferentes regiões do cérebro, como pode ser visto nas 
representações simplif icadas do córtex (abaixo à esquerda). 
Nas 25 primeiras semanas do desenvolvimento fetal, 
o córtex permanece relativamente liso enquanto novos 
neurónios enviam fibras (linhas coloridas) para se 
conectarem com neurónios de outras regiões do cérebro, 
onde ficam aderidos. 
' À medida que o córtex continua crescendo, 
, as regiões conectadas por inúmeras 
fibras (amarelo) começam a se 
: aproximar por causa da tensão 
' entre elas, produzindo ali uma 
protuberância, ou giro. Regiões 
com conexões mais fracas 
(verde) se separam, criando uma 
depressão, ou sulco. 
Antes do nascimento, praticamente 
todas as dobras já estão completas. 
ram os métodos biomédicos de compreensão 
da e s t ru tu r a cerebra l . Mas a combinação 
de técnicas recentes de imagens cerebrais 
e anál ises c o m p u t a d o r i z a d a s t r o u x e r a m 
novas ideias que reforçam algumas noções 
do século 19. 
Os indícios de que H i s e T h o m p s o n 
estavam no cam inho certo ao dizer que as 
e s t r u t u r a s biológicas são m o l d a d a s p o r 
forças físicas surg i ram em 1997. O neurobi-
ólogo David van Essen, da Univers idade de 
Wash ington , em Saint Louis, pub l i cou uma 
hipótese na Nature suger indo que as f ibras 
nervosas que l i gam d i fe rentes regiões do 
córtex, p e r m i t i n d o que elas se c o m u n i q u e m 
entre si, p roduzem pequenas forças de tensão 
que puxam o tec ido ge la t inoso. O córtex de 
u m feto h u m a n o é l iso nos pr ime i ros seis 
meses de desenvo lv imento . Nesse período, 
os neurónios recém-formados e s p a l h a m 
suas f ibras de lgadas, ou axônios, para se 
conec ta rem aos c o m p o n e n t e s receptores , 
ou dend r i t o s , do neurônio-alvo em out ras 
regiões do córtex. Depois , os axônios ade-
rem aos dendr i tos . À med ida que o córtex se 
expande, os axônios crescem cada vez mais 
firmes, d is tendendo-se c o m o u m elástico. 
O córtex só começa a se dobrar no final do 
segundo t r imes t re de gestação, quando os 
neurónios ainda estão surg indo , m ig rando e 
se conectando. Antes do nasc imento , ele já 
está pra t i camente desenvolv ido e apresenta 
sua f o rma enrugada característica. 
Van Essen a rgumen tou que duas regiões 
fo r temente l igadas - ou seja, conectadas por 
inúmeros axônios - juntam-se durante o de-
senvolv imento por causa da tensão mecânica 
ao longo dos axônios que estão ader idos , 
p roduz indo entre eles uma protuberância, ou 
giro. Em paralelo, u m par de regiões com uma 
conexão fraca se distancia, ficando separadas 
por u m a depressão, ou sulco. 
O teste da hipótese de que o s is tema de 
comunicação do córtex também é respon -
sável pela formação do cérebro fo i possível 
graças a técnicas modernas de ras t reamento 
de vias neurais. De acordo c o m u m m o d e -
lo mecânico s imp les , se u m único axônio 
exercer u m a força bem pequena, a c o m b i -
nação da força dos axônios que l igam áreas 
fo r t emente conectadas deverá d is tender as 
48 I mentecérebro I Neurociência 1 
vias dos axônios. Usando u m a fe r ramenta 
chamada rast reamento retrógrado, no qual 
os axônios carregam em suas extremidades 
u m corante in jetado numa pequena área do 
córtex e depois o t razem de volta para o corpo 
celular p r inc ipa l , é possível mos t r a r quais 
regiões env iam axônios para os pontos da 
injeção. O método também pode revelar se 
as conexões de uma área são densas, e as 
fo rmas que as vias dos axônios a s sumem. 
Usando o método de ras t reamento retrógra-
do para estudar inúmeras conexões neurais 
de macacos resos, concluímos que, conforme 
previsto, a maior ia das conexões segue vias 
retas ou levemente curvas. Essa tendência é 
proporc iona l à dens idade das conexões. 
O poder mode lador das ligações neurais 
é pa r t i cu l a rmen te ev idente nas diferenças 
de f o rma entre as regiões da l inguagem nos 
hemisférios d i re i to e esquerdo do cérebro. 
Podemos t o m a r c o m o exemplo a f o rma da 
f issura de Sylvian - u m sulco p roeminen te 
que separa as regiões da l inguagem, a f ronta l 
e a poster ior. A f issura do lado esquerdo do 
cérebro é só u m pouco mais superf ic ia l que a 
do d i re i to . A ass imetr ia parece estar relacio-
nada à anatomia de u m grande feixe de f ibras 
chamado fascículo arqueado, que passa ao 
redor do sulco para conectar as duas áreas da 
l i nguagem. Part indo dessa observação e do 
fato de queo hemisfério d i re i to é p r e d o m i -
nantemente responsável pela l inguagem na 
maior ia das pessoas, pub l i camos u m art igo, 
em 2006, c o m a hipótese de que o fascículo 
arqueado da esquerda é mais denso que o da 
dire i ta . Uma série de estudos c o m imagens 
de cérebros humanos c o n f i r m o u essa dens i -
dade da f ibra assimétrica. Teor icamente, os 
nervos dever iam ter força de atração maior, 
e por isso ser mais est icados que o feixe do 
lado d i re i to . Mas essa hipótese ainda deve 
ser testada. 
Forças mecânicas não são responsáveis 
somente pela mode l agem das característi-
cas gerais do córtex cerebral . Elas também 
afetam sua est rutura em camadas. O córtex 
é f o r m a d o por níveis hor izonta is de células, 
empi lhados em mul t i camadas . A maior ia das 
áreas t e m seis camadas, e cada u m a exibe 
espessura e composição variáveis. Regiões 
do córtex que c o n t r o l a m os sent idos bási-
cos têm u m a camada de 
espessura 4 (ueja quadro 
na pág. 50), e a região que 
cont ro la as funções m o t o -
ras voluntárias t e m u m a 
camada de espessura 5. Já 
as áreas de associação do 
córtex - que c o n s t i t u e m 
a base d o p e n s a m e n t o , 
da memória e de o u t r o s 
aspectos - m o s t r a m u m a 
camada de espessura 3. 
Essas variações na es-
t ru tu ra laminar f o r am usadas para demarcar 
o córtex em áreas especial izadas por mais 
de 100 anos, divisão que se t o r n o u famosa 
graças ao ana tomis ta alemão Korbin ian Bro-
d m a n n , que cr iou u m mapa do córtex, usado 
até ho je . As d o b r a s m u d a m a espessura 
relativa das camadas, c o m o aconteceria se 
uma p i lha de esponjas fosse press ionada. 
Nos g i ros , as camadas super iores do córtex 
são d is tendidas e mais finas, enquanto nos 
sulcos as camadas de c ima são compr im idas 
e mais grossas. Essa relação se inverte nas 
camadas mais p ro fundas do córtex. 
Part indo dessas observações, alguns c ien-
tistas suger iram que, embora as camadas e os 
neurónios t enham sua fo rma alterada quando 
se est icam ou se c o m p r i m e m , a área tota l do 
córtex e a quant idade de neurónios que ele 
contém são as mesmas. Se for verdade, as 
regiões espessas do córtex (como as camadas 
profundas dos giros) devem ter menos neu-
rónios que as regiões delgadas. Esse mode lo 
isométrico, c o m o é conhecido, presume que, 
du ran te o d e s e n v o l v i m e n t o , os neurónios 
m ig r am para o córtex antes de ele se dobrar. 
Como analogia, imag ine u m saco de arroz 
dobrado. A fo rma muda , mas a capacidade e 
a quant idade de grãos são as mesmas. 
Nossas investigações sobre a dens idade 
dos neurónios em áreas do córtex pré-frontal 
de macacos resos revelam que o mode lo iso-
métrico está equivocado. A part i r de es t ima -
tivas baseadas em amostras representat ivas 
do córtex f ron ta l , descobr imos que a quan t i -
dade de neurónios das camadas profundas 
dos giros é tão grande quan to nas camadas 
profundas dos sulcos. E c o m o as camadas 
p ro fundas dos g i ros são mais grossas, na 
A maioria das 
conexões segue vias 
retas ou levemente 
curvas; apenas 
os neurónios das 
camadas profundas 
têm as laterais 
comprimidas e 
parecem alongados 
verdade há mais neurónios sob uma unidade 
de área nos giros que nos sulcos. 
Nossa descoberta sugere que as forças 
físicas que m o l d a m giros e sulcos também 
in f luem na migração neurona l . Estudos evo-
lut ivos c o m seres humanos reforçaram essa 
ideia. Em vez de sequencial , a migração dos 
neurónios para o córtex é gera lmente s i m u l -
tânea. Como consequência, quando o córtex 
se dobra , o a l o n g a m e n t o e a compressão 
das camadas podem afetar a passagem de 
novos neurónios que m i g r a m para o córtex 
no f ina l do desenvo lv imento , o que afetaria 
sua composição. 
Além disso, as fo rmas dos neurónios ind i -
v iduais são di ferentes, dependendo do local 
onde estão a lo jados no córtex. Neurónios 
s i tuados nas camadas profundas dos g i ros , 
por exemplo, têm as laterais c o m p r i m i d a s e 
parecem a longados , já aqueles local izados 
nas camadas internas dos sulcos são d is -
t end idos e parecem achatados. As f o rmas 
dessas células são coerentes c o m o fato de 
terem sido modif icadas por forças mecânicas 
oifictriuu utíííi ue períO 
Forças físicas m o l d a m múltiplos aspectos do córtex cerebral, desde características de larga escala 
c o m o a espessura dos giros e sulcos (A) até a es t rutura das camadas den t ro do córtex (B) e a f o r m a dos 
próprios neurónios (C). 
O córtex nos giros é mais 
grosso (vermelho) que o 
córtex escondido nos sulcos, 
como vemos no cérebro de 
u m macaco reso (acima). As 
regiões corticais finas (azul) 
ficam visíveis depois que as 
circunvoluções são desdo-
bradas e inf lam como u m 
balão (abaixo). 
A maior ia das áreas do córtex contém seis 
camadas de neurónios. As dobras mod i f i c am 
a espessura relativa das camadas de m o d o 
que as mais pro fundas (abaixo da linha 
vermelha) são mais largas nos giros e mais 
finas nos sulcos. 
GIRO SULCO r T 
Os neurónios localizados 
nas camadas profundas 
dos giros têm as laterais 
comprimidas e parecem 
alongados (em cima). Os 
que estão nas camadas 
profundas dos sulcos são 
distendidos e parecem 
I achatados (embfl/xoj. Ain-
^ da é preciso descobrir 
se essas diferenças 
, sistemáticas na for-
* ma das células afe-
•'^ Y t am a função celular. 
Neurônio 
1 < 
SULCO 
50 I mentecérebro I Neurociência 1 
enquanto o córtex se dobrava. Será u m desa-
f io descobrir se essas diferenças sistemáticas 
nas fo rmas dos neurónios nos giros e nos 
sulcos também afetam sua função. 
MÁ INFLUÊNCIA? 
Nossas simulações computador izadas suge-
rem que s im . Por exemplo, c o m o a superfície 
cort ical é m u i t o mais grossa nos giros que 
nos sulcos, os sinais que afetam dendr i tos de 
neurónios na parte inferior dos giros precisam 
percorrer uma distância maior até o corpo 
celular do que os sinais que afetam dendr i tos 
dos neurónios na parte infer ior dos sulcos. 
Pesquisadores podem testar o efeito dessas 
diferenças físicas na função dos neurónios re-
gistrando a atividade de neurónios individuais 
por toda a sinuosa configuração cortical - u m 
traba lho que ainda precisa ser fe i to . 
Para entender inte i ramente a relação entre 
fo rma e função, os cientistas precisarão exa-
minar uma quant idade enorme de cérebros. A 
boa notícia é que agora que podemos observar 
o cérebro h u m a n o vivo usando técnicas de 
imagem não invasivas, c o m o a ressonância 
magnética, e reconstruí-lo no computador em 
três dimensões, somos capazes de coletar 
imagens de u m grande número de cérebros -
mu i to mais do que existe em qualquer coleção 
clássica de órgãos obt idos depois da mor te 
do su je i to . Para anal isar a f o r m a cerebral , 
pesqu isadores e s t u d a m s i s t ema t i c amen te 
extensas bases de dados por me io de sof is t i -
cados programas de computador . 
U m a das p r inc ipa i s descobertas dessa 
pesquisa é a existência de diferenças nítidas 
entre as dobras cort icais de pessoas sadias 
e de pacientes c o m doenças menta is , que 
começam quando se f o r m a m os neurónios, 
as conexões e as circunvoluções. A relação 
mecânica entre as conexões das fibras e as 
circunvoluções pode explicar esses desvios 
do padrão. 
A pesquisa sobre essa ligação potencia l 
está só no início. Mas, nos últimos anos, 
diversos grupos de pesquisa relataram que 
o cérebro de pacientes esquizofrênicos apre-
senta uma dobragem cort ical , de m o d o geral, 
reduzida em relação ao cérebro de pessoas 
no rma i s . As descobertas são controversas 
porque a localização e o t i p o de desvio nas 
dobras var iam cons iderave lmente de pessoa 
para pessoa. N o en t an to , p o d e m o s d ize r 
c o m certeza que a f o r m a do cérebro cos-
t u m a ser d i ferente entre esquizofrênicos e 
pessoas norma is . É c o m u m os especial istas 
atribuírem a esquizofrenia a uma espécie de 
desequilíbrio neuroquímico.O novo t raba lho 
sugere a existência adic ional de uma falha 
nos c i r cu i tos do s i s tema de comunicação 
cerebral, embora a natureza dessa ocorrência 
seja desconhecida. 
Pessoas diagnosticadas com aut i smo t a m -
bém apresentam desvios nas circunvoluções 
cort icais. Mais precisamente, alguns dos su l -
cos parecem ser mais p ro fundos e levemente 
fora do lugar q u a n d o compa rados aos de 
pessoas sadias. Com base nisso, pesquisa-
dores começaram a encarar o au t i smo c o m o 
u m desvio na rede cerebral. Estudos sobre 
a função cerebral dão suporte a essa ideia, 
most rando que, nos autistas, a comunicação é 
maior entre áreas corticais próximas, e menor 
entre áreas distantes. Como resultado, esses 
pacientes têm di f iculdade de ignorar coisas 
irrelevantes e mudar o foco de atenção. 
Distúrbios mentais e dificuldades de apren-
dizagem também podem estar associados a 
desvios na composição das camadas corticais. 
Por exemplo, no final da década de 70, o neu-
rologista Albert Galaburda, da Escola de Me-
dicina da Universidade de Harvard, descobriu 
que, na dislexia, os neurónios p i ramidais , que 
f o r m a m o sistema de comunicação principal 
do córtex cerebral, m u d a m sua posição nor-
mal nas camadas das áreas do córtex f ronta l , 
responsáveis pela l i nguagem e audição. A 
esquizofren ia também pode deixar marcas 
na arquitetura cort ical : a lgumas áreas frontais 
d o cór tex de p e s s o a s 
afetadas são anómalas em 
sua d e n s i d a d e neu ra l . A 
distribuição i r regular dos 
neurónios nas c a m a d a s 
c o r t i c a i s d e s o r g a n i z a 
seu padrão de conexões, 
p r e j u d i c a n d o a função 
f u n d a m e n t a l do s i s t ema 
nervoso na comunicação. 
Neste m o m e n t o , porém, 
pesquisadores estão apenas 
começando a investigar as 
A distribuição 
irregular dos 
neurónios nas 
camadas corticais 
desorganiza seu 
padrão de conexões, 
prejudicando a função 
fundamental do 
sistema nervoso na 
comunicação 
Considerar que 
distúrbios afetam 
redes neurais, em vez 
de áreas específicas, 
pode levar a novos 
diagnósticos e 
tratamentos 
anormal idades estruturais 
do córtex em pessoas c o m 
aut ismo, o que futuramente 
pode esclarecer esse distúr-
bio enigmático. 
É p r e c i s o m a i s e s t u -
dos para averiguar se o u -
tras doenças neurológicas 
o r ig inadas du ran te o de-
s e n v o l v i m e n t o t a m b é m 
p r o v o c a m mudanças na q u a n t i d a d e e na 
posição dos neurónios nas camadas corticais. 
Considerar a esquizofrenia e o au t i smo c o m o 
desordens que afetam as redes neurais, em 
vez de partes específicas do cérebro, pode 
levar a novas estratégias de diagnóstico e t ra -
t amento . Por exemplo, tarefas para diferentes 
partes do cérebro podem ser compensadoras 
em pessoas que sof rem desses distúrbios, 
ass im c o m o o uso de ferramentas visuais e 
m u l t i m o d a i s durante o aprend izado é bené-
fico para pacientes disléxicos. 
Métodos m o d e r n o s de n e u r o i m a g e m 
também p o s s i b i l i t a r a m que os c i en t i s t as 
t es tassem a noção frenológica de que as 
circunvoluções cort ica is ou a quant idade de 
massa c inzenta em diferentes regiões cere-
brais p o d e m revelar os ta lentos ind iv idua is . 
Nesse con tex to , assoc iar f o r m a e função 
também é bastante problemático. A cone-
xão é mais clara em pessoas que prat icam 
co t id i anamente exercícios físicos e menta is 
coordenados e bem def in idos . 
U m exemp lo pode ser encon t r ado nos 
músicos prof iss ionais que prec isam exerci-
tar-se cons t an t emen te . Seu cérebro di fere 
s i s t e m a t i c a m e n t e d o de o u t r a s pessoas 
em regiões m o t o r a s do córtex responsá-
veis pelo cont ro le dos i n s t rumen tos m u s i -
cais. A inda ass im, os padrões das dobras 
que d i s t i n g u e m t a l e n t o s m e n t a i s m a i s 
a m p l o s p e r m a n e c e m incompreens íve is . 
A inda t e m o s m u i t o que descobr i r . Por 
exemplo , a inda não en t endemos c o m o os 
giros de u m indivíduo a t ingem sua f o rma e 
t a m a n h o específicos, do m e s m o m o d o que 
não en tendemos a base evolut iva da varia-
ção na f o rma do nariz ou da orelha entre as 
pessoas. A variação é u m prob lema bastante 
complexo . Mode los computado r i zados que 
s i m u l a m a divers idade das interações físicas 
entre os neurónios durante o desenvolv imen-
to cort ical podem esclarecer essa questão no 
fu tu ro . Até agora, no entanto , os mode los 
são m u i t o pre l iminares por 
causa da complex idade das 
interações físicas e da quan-
t i d a d e l i m i t a d a de dados 
evolut ivos disponíveis. 
FORMA E FUNÇÃO 
Os académicos t ambém 
querem saber mais sobre o 
desenvolv imento do córtex. 
A l istagem do que queremos 
descobrir representa u m es-
quema da formação de m u i -
tas conexões diferentes que 
compõem o extenso sistema 
de comunicação do córtex. 
Pesquisar neurónios em 
animais poderá de te rminar 
quando diferentes partes do 
córtex se desenvo lvem no 
ventre materno , o que, por 
sua vez, permitirá que os 
cientistas mod i f i quem expe-
r imen ta lmen te o desenvol -
v i m e n t o neural . O conhec i -
mento sobre a sequência do 
desenvo lv imento ajudará a 
deSscobrir os eventos que resu l tam na anor-
mal idade de funções e mor fo log ia cerebral. 
A var iedade de doenças neurológicas c o m 
s intomas extremamente diferentes - como os 
encontrados na esquizofrenia, no aut i smo, na 
síndrome de W i l l i ams , na epi lepsia in fan t i l , 
e em out ros distúrbios - pode ocorrer pelo 
fa to de a pa to log i a su rg i r em m o m e n t o s 
d i s t i n t o s . Além d i s so , ela pode afetar de 
m o d o a l ternado as regiões, camadas e g r u -
pos de neurónios que surgem, m i g r a m ou 
estabelecem conexões no m o m e n t o em que 
o processo dá errado. 
Certamente, as forças mecânicas não estão 
sozinhas nesse processo de modelagem. Com-
parações do f o rma to neural demons t r a r am 
que cérebros de parentes próximos são mais 
parecidos entre si que os de pessoas sem 
parentesco, indicando a influência dos progra-
mas genéticos. Talvez os processos genéticos 
cont ro lem o andamento do desenvolv imento 
do córtex, e forças físicas s implesmente m o -
delem o cérebro. As células nervosas nascem, 
m ig r am e se interconectam de m o d o auto-
-organizado. Essa combinação pode ajudar a 
explicar a incrível regularidade das principais 
circunvoluções entre as pessoas, além da 
d i ve r s idade de circunvoluções pequenas , 
diferentes até m e s m o em gémeos idênticos. 
M u i t o s dos conce i tos v igentes sobre a 
f o rma do cérebro g i ram em t o r n o de ideias 
propostas pela pr ime i ra vez há mais de u m 
século, i nc lu indo a noção de ligação entre o 
f o r m a t o e a função. Comparações sistemáti-
cas feitas com grupos de pessoas sadias e pa-
cientes c o m distúrbios cerebrais c o n f i r m a m 
que a configuração cerebral está relacionada 
à função e à disfunção menta is . 
Mas mesmo com os métodos avançados de 
imagem para avaliar características neurais, es-
pecialistas ainda não conseguem reconhecer o 
córtex de um génio ou de um cr iminoso quando 
observam um deles. Novos exemplos de dobra-
gem do córtex que comb inam princípios gené-
ticos e físicos nos ajudarão a combinar o que 
sabemos sobre morfologia, desenvolvimento 
e conectividade para que, no fim, possamos 
desvendar esses e outros segredos. 
PESSOAS C O M AUT I SMO 
apresentam diferenças 
neuroanatômicas 
Cenet ic influences on brain 
developmental trajectories 
on neuroimaging studies : 
from infancytoyoungadult-
hood. Vanessa Douet , Linda 
C h a n g , C h r i s t i n e C loak e 
T h o m a s E rns t , e m Brain 
imaging and behavior, vo l . 8, 
ed. 2, págs. 234-250, j u n h o 
de 2014. 
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E p i Ç Ã O E S P E C I A L 
SCIENTIFIC AMERICAN ^^o^^^ '̂ mente coreoro 
psicologia • psicanálise • neurociência 
segmento 
NEUROCIÊNCIA 
O QUE HA DE NOVO SOBRE SEU 
MEMÓR IA • HORMONIOS PARA F ICAR MAIS F E L I Z • 
AVANÇOS C O N T R A PARKINSON E ALZHE IMER

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