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Luz, Câmera... Educação! GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO SECRETARIA DA EDUCAÇÃO FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO São Paulo, 2009 Caderno de Cinema do Professor Dois GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO Governador José Serra Vice-Governador Alberto Goldman Secretária da Educação Maria Helena Guimarães de Castro Secretária-Adjunta Iara Gloria Areias Prado Chefe de Gabinete Fernando Padula Coordenadora de Estudos e Normas Pedagógicas Valéria de Souza FUNDAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO Presidente Fábio Bonini Simões de Lima Chefe de Gabinete Richard Vainberg Diretora de Projetos Especiais Claudia Rosenberg Aratangy Gerente de Educação e Cultura Devanil Tozzi Secretaria da Educação do Estado de São Paulo Praça da República, 53 – Centro 01045-903 – São Paulo – SP Telefone: 11 3218-2000 www.educacao.sp.gov.br Fundação para o Desenvolvimento da Educação Avenida São Luís, 99 – Centro 01046-001 – São Paulo – SP Telefone: 11 3158-4000 www.fde.sp.gov.br O vasto mundo do cinema Desde o lançamento do projeto O Cinema Vai à Escola – A Linguagem Cinematográfica na Educação, encontramos um grande desafio pela frente. Além de facilitar o acesso dos alunos e educadores da rede estadual a filmes de qualidade – objetivo principal deste Projeto –, tínhamos claro a neces- sidade de proporcionar aos professores materiais de apoio à prática docente para que todos pudessem ter mais segurança no trabalho com o cinema na escola. Dessa forma, o Caderno de Cinema do Professor – Dois foi idealizado para a equipe docente aprofundar os conhecimen- tos e promover discussões na escola sobre o cinema como ex- periência cultural e escolar. Trata-se de um meio eficaz para o professor trabalhar essa linguagem no currículo do Ensino Médio. Rememorar a história do cinema e seus principais mo- vimentos, gêneros e diretores e conhecer mais sobre o vasto mundo da linguagem cinematográfica, em especial aquele que antecede a conhecida frase “luz, câmera, ação!”, também estão presentes neste Caderno. As horas de trabalho pedagógico coletivo – HTPC, coor- denadas pelo professor coordenador do Ensino Médio, bem como as orientações técnicas promovidas pelas equipes de pro- fessores coordenadores das oficinas pedagógicas, são espaços privilegiados para que essas discussões possam ocorrer. Catalogação na Fonte: Centro de Referência em Educação Mario Covas São Paulo (Estado) Secretaria da Educação. Caderno de cinema do professor: dois / Secretaria da Educação, Fundação para o Desenvolvimento da Educação; organização, Devanil Tozzi ... [e outros]. - São Paulo : FDE, 2009. 96 p. : il. Parte integrante do Projeto “O cinema vai à escola - a linguagem cinematográfica na Educação”, que faz parte do Programa “Cultura é Currículo”. 1. Cinema e Educação 2. Recursos audiovisuais 3. Ensino médio. I. Fundação para o Desenvolvimento da Educação. II. Tozzi, Devanil. III. Título. CDU: 37:791.43 S239c Apostando na capacidade inesgotável de todos os envolvidos com o Projeto, esta Secretaria espera que cada escola construa seu percurso e encontre diferentes possibilidades de incorporar essa importante linguagem no currículo do Ensino Médio. Bom trabalho! Maria Helena Guimarães de Castro Secretária da Educação do Estado de São Paulo Os possíveis diálogos do cinema e da educação A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, por meio da Diretoria de Projetos Especiais – DPE da Fundação para o Desenvolvimento da Educação – FDE, publica mais um subsídio de apoio à prática pedagógica do projeto O Cinema Vai à Escola – A Linguagem Cinematográfica na Educação”: o Caderno de Cinema do Professor – Dois. Os textos que compõem este Caderno, cujos temas possibilitam maior aprofundamento sobre o cinema como experiência cultural e escolar, servem como meio para o professor trabalhar essa lin- guagem nas escolas de Ensino Médio. A história do cinema e seus principais movimentos, gêneros e diretores, bem como a lingua- gem cinematográfica e o papel de cada profissional que trabalha com cinema, também são temas explorados neste Caderno. Conhecer mais sobre o cinema, sua história e sua linguagem, estabelecendo o diálogo com o currículo e o cotidiano escolar, certamente é um caminho muito interessante e prazeroso, que possibilita a ampliação do repertório cultural e da formação críti- co-reflexiva dos educadores e alunos da rede estadual de ensino. Fábio Bonini Simões de Lima Presidente da FDE Claudia Rosenberg Aratangy Diretora de Projetos Especiais da FDE Prezada Professora, Prezado Professor São o romance e o filme que põem à mostra as relações do ser humano com o outro, com a sociedade, com o mundo. O romance do século XIX e o cinema do século XX transportam-nos para dentro da História e pelos continentes, para dentro das guerras e da paz. E o milagre de um grande romance, como de um grande filme, é revelar a universalidade da condição humana, ao mergulhar na singularidade de destinos individuais localizados no tempo e no espaço. Edgar Morin, A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de Janeiro, Bertrand, 2000, p. 44. Dando continuidade às ações previstas no projeto O Cinema Vai à Escola – A Linguagem Cinematográfica na Educação, este Cader- no, especialmente elaborado para você, apresenta textos de auto- res consagrados que certamente facilitarão o debate da equipe docente sobre a relação entre o Cinema e a Educação e as possibi- lidades de trabalho na sala de aula com essa linguagem. O primeiro deles, Cinema: experiência cultural e escolar, es- crito por Marcos Napolitano, orienta sobre o trabalho com filmes na sala de aula a partir de duas premissas básicas, que são: • transformar a experiência sociocultural do cinema em uma experiência aliada ao conhecimento e • entender o cinema como uma linguagem artística que tem características próprias, aparatos tecnológicos, expressão, gêneros, estilos e tradições narrativas. Sumário Cinema: experiência cultural e escolar Marcos Napolitano 10 A linguagem do cinema no currículo do Ensino Médio: um recurso para o professor José Cerchi Fusari 32 Uma história do cinema: movimentos, gêneros e diretores Eduardo Morettin 46 A linguagem cinematográfica Eduardo Ramos 72 O segundo texto, A linguagem do cinema no currículo do Ensino Médio: um recurso para o professor, de José Cerchi Fu- sari, apresenta aspectos do uso político-pedagógico da linguagem cinematográfica no currículo do Ensino Médio e seus possíveis desdobramentos no Projeto Político-Pedagógico da escola, no pla- no de ensino e na aula, esta, por sua vez, considerada como um momento privilegiado de todo esse processo. E, por se tratar de aula, ainda traz contribuições importantes para tornar essa “aula” uma experiência curricular significativa, tanto para os educandos quanto para os educadores. Uma história do cinema: movimentos, gêneros e diretores, de Eduardo Morettin, faz um panorama histórico do cinema no Brasil e no mundo, desde os irmãos Lumière até os dias atuais. Situa as principais escolas cinematográficas, os gêneros dos fil- mes, a transformação pela qual passou a sala de cinema, as prin- cipais obras cinematográficas, bem como os ícones que ajudaram a construir a sétima arte. O texto de Eduardo Ramos, A linguagem cinematográfica, nos mostra alguns conceitos e “truques” que transitam por essa linguagem, a fim de que o espectador, ao assistir a um filme, pos- sa, entre outras, ver com mais clareza algumasvariações que essa linguagem pode produzir. Além disso, o texto apresenta as pro- fissões do cinema e o papel de cada um que está por trás das câmeras. Após a leitura dos textos, professor, você certamente terá um olhar mais apurado para essa linguagem e poderá ter outras ex- periências curriculares para além de divertidas. 10 Caderno de Cinema do Professor – Dois 11Luz, Câmera... Educação! O cinema é, antes de tudo, uma das experiências sociais mais fortes da sociedade de massas, desde as primeiras décadas do século XX. A possibilidade de assistir a imagens em movimento numa tela de grandes dimensões vem impactando multidões, de diversas origens sociais, formações culturais e raízes étnicas. Fruto da sociedade industrial e de massas, o cinema nasceu junto com o século XX e seus modernismos estéticos e sociabilidades modernas (BENJAMIN, 1985; CHARNEY & SCHWARTZ, 2001). Com o surgimento da televisão, no final dos anos 40, a telinha também contribuiu para ampliar a experiência social do audiovisu- al. Tanto o cinema como a TV constituíram-se em espaços de lutas sociais, culturais e políticas, objetos de disputas econômicas, veícu- los de inculcação ideológica e de projeções de utopias e sentimen- tos. Um filme, como experiência estética e cultural, pode ser visto sob diversos ângulos e chaves de leitura, dialogando, por exemplo, com os repertórios culturais e valores dos espectadores. Sejam do- cumentários ou ficções, os filmes podem ter muitos sentidos e, num primeiro momento, apelam à emoção e à subjetividade. Por outro lado, quando entramos numa sala de cinema esta- belecemos uma espécie de pacto de realidade com os filmes a que assistimos. Mesmo que o filme seja ficcional e não tenha compro- misso algum com a “realidade objetiva”, naquelas horas em que ele é projetado, as emoções e sensações que a experiência do cinema suscita nos espectadores criam um “efeito de realidade” muito for- te. Essa característica, que é do cinema em si, se vê potencializada pela capacidade técnica da cinematografia atual, sobretudo a nor- te-americana, de criar uma encenação tão realista que nos trans- porta para o mundo projetado nas telas, seus dramas, personagens, Cinema: experiência cultural e escolar Marcos Napolitano* * Professor do Departamento de História da Universidade de São Paulo, onde leciona História do Brasil Independente. Foi professor da Universidade Federal do Paraná (Curitiba) e é autor de vários livros, entre os quais Como Usar o Cinema em Sala de Aula (Contexto, 2002), Síncope das Idéias: a Questão da Tradição na MPB (Editora Perseu Abramo, 2007), Cultura Brasileira: entre a Uto- pia e a Massificação (Contexto, 2001). É um dos organizadores do livro História e Cinema (Editora Alameda, 2007). É vice-coordenador do Grupo de Pesquisa CNPq “História e audiovisual: circu- laridades e formas de comunicação”. Também é pesquisador do CNPq, desenvolvendo pesquisa sobre a “resistência cultural” ao regime militar. 12 Caderno de Cinema do Professor – Dois 13Luz, Câmera... Educação! texto verbal que veicula (na forma de diálogos, narrações em off ou legendas). Mais importante é a maneira como se aborda e conta a história veiculada pelo filme e em que situações fílmicas os diálogos e textos verbais estão colocados na seqüência de cenas. Um exercício inicial para entender estas sutilezas é assistir a fil- mes diferentes que abordem temas iguais, recurso particularmente apropriado para a análise de filmes com tema histórico, nos quais os mesmos personagens reais são encenados e abordados sob perspec- tivas estéticas e ideológicas diferentes. Vários fatores interferem na maneira como temas semelhantes são abordados em filmes diferen- tes, tais como: a época que produziu o filme, os valores ideológicos e políticos do roteirista e do diretor, os interesses comerciais que cer- cam o filme, o gênero narrativo escolhido pelos realizadores, entre outros (RAMOS, 2002). Um exemplo de exercício para perceber o tratamento fílmico diferenciado para temas semelhantes, é assistir cenários, etc. Nas telinhas de televisão, este efeito ainda persiste, com menos intensidade e entrecortado por outras demandas senso- riais da nossa casa. Assim, a experiência do cinema pode ser ambígua. Por um lado, é subjetiva, emocional, fantasiosa. Por outro, é objetiva (pois nossos olhos vêem as imagens), racional (pois os filmes, geralmente, con- tam uma história a ser compreendida pelo espectador) e realista (pois a encenação nos transporta para outras realidades). É claro, aqui estou me referindo a um tipo hegemônico de cinematografia, no cinema e na TV, influenciada pelo chamado cinema clássico. Como veremos, a história do cinema vai bem além desta tendência, ainda que, do ponto de vista comercial, ela domine o mercado mun- dial de cinema, vídeo e TV. Comecemos por estabelecer uma premissa básica para trans- formar a experiência social e cultural do cinema, que começa antes e vai além da sala de aula, em uma experiência de conhecimen- to escolar. Todo filme, ficção ou documentário, é resultado de um conjunto de seleções, escolhas, recortes, perspectivas, que envolve um leque de profissionais e de interesses comerciais, ideológicos e estéticos. Isso implica afirmar que todo filme documental não é a representação direta da realidade, e que todo filme ficcional não está desligado da sociedade que o produziu. O trabalho escolar com o cinema deve ter em vista esta natureza da representação e da encenação cinematográficas. Outra premissa importante é entender o cinema como uma linguagem artística, com suas regras de expressão, aparatos técni- cos, gêneros e estilos, tradições narrativas. Um filme, ficcional ou documental, não se resume ao seu tema (a história contada) ou ao 14 Caderno de Cinema do Professor – Dois 15Luz, Câmera... Educação! sala de aula, nem organizar suas atividades escolares em função da exibição de filmes. À medida que o cinema tem sido cada vez mais incorporado como recurso didático e documento de análise, principalmente em disciplinas de ciências humanas e linguagens, um dos grandes desafios é subsidiar o professor para incorporar a linguagem cinematográfica na escola. Antes que algum leitor acuse este texto de cometer o pecado do “tecnicismo”, esclarecemos que a experiência cultural e estética do cinema vai além de qualquer metodologia de análise dos filmes e que o ato de assistir a um filme é uma experiência formativa em si e por si. Mas, no trabalho escolar com filmes, desde que devidamente organizado, o professor pode adensar esta experiência, para ele e para os seus alunos, exercitan- do o olhar crítico e encantado, ao mesmo tempo. No cinema, como de resto em todas as artes, quanto mais se conhece a sua linguagem e história, mais as obras se tornam encantadoras e mais nos dizem sobre o passado e sobre o presente do mundo em que vivemos. O que chamamos de “linguagem cinematográfica” é o resulta- do de escolhas estéticas dos realizadores (sobretudo o diretor que, além de coordenar todos os técnicos e artistas envolvidos, é o res- ponsável final pelo filme). Mas também é o resultado das influên- cias de outros realizadores do passado e do desenvolvimento tecno- lógico no registro e criação de imagens e sons. Os primeiros filmes. exibidos na virada do século XIX para o século XX, eram projeções de encenações muito próximas do teatro, onde uma câmera fixa e parada registrava a ação dos personagens numa espécie de palco ou cena real (BERNARDET, 2000:32). Entre os anos 1910 e 1920, vários diretores e escolas cinemato- gráficas começaram a ir além deste “teatro filmado” ao perceberem a dois filmes sobre gladiadores, como Spartacus (StanleyKubrick, 1960) e Gladiador (Ridley Scott). O primeiro lê a Roma Antiga sob a perspectiva das lutas políticas do século XX (democracia, revolu- ção, ditadura). O segundo lê a Roma antiga sob a perspectiva do individualismo e dos valores neo-liberais do final do século XX. Estas duas premissas importantes nem sempre são levadas em conta pelas audiências: todo filme é uma representação encenada da realidade social e todo filme é produto de uma linguagem com regras técnicas e estéticas que podem variar conforme as opções dos realizadores. Quando afirmamos que um filme é um documento importante para o trabalho escolar, devemos esclarecer que ele é um documen- to mediado por estas duas características básicas. Nada impede o professor e o pesquisador de utilizarem um filme como documento para pensar a sociedade, a história, as ciências, a linguagem. Mas, antes de tudo, um filme é um filme, um documento diferente do texto escrito, da iconografia, do gráfico. Um filme é um ramo da Arte que não é um livro, um quadro, uma peça musical ou teatral, embora possa dialogar com todos esses veículos e linguagens. Por- tanto, quais as regras básicas de linguagem que estão por trás de um filme? O desafio da linguagem A esta altura, professor, você deve ter percebido que o obje- tivo deste texto é ir além do uso ilustrativo ou casual do cinema como recurso didático como outros quaisquer. É óbvio que não é necessário ser um crítico de cinema para trabalhar com filmes na 16 Caderno de Cinema do Professor – Dois 17Luz, Câmera... Educação! gêneros e clichês do cinema comercial. Este é um grande desafio que pode articular a experiência do cinema como lazer à ampliação dos repertórios culturais de alunos e professores. A produção cinematográfica: etapas, recursos técnicos e estéticos Qualquer que seja a escola, estilo, qualidade ou gênero no qual o filme se situe, alguns elementos básicos constituem a linguagem do cinema. Como processo, um filme passa por algumas etapas clássicas: pré-filmagem (argumento, roteiro, escolha dos atores, escolha das locações e estúdios); filmagem (encenação e registro das cenas e seqüências previstas no roteiro ou criadas pelo diretor); montagem- edição (quando o material filmado, depois de revelado, é seleciona- do, organizado, recortado, emendado em novas seqüências, acres- cido de efeitos sonoros e de trilha musical); lançamento (nesta fase, o filme é objeto de marketing e promoção, inscrito em festivais, lançado pelas distribuidoras nas salas de cinema e na forma de DVD). Nos filmes realizados nos últimos anos, a tecnologia digital tem interferido neste processo, sobretudo na edição, que tende a ser toda computadorizada. É bom lem- brar que o audiovisual feito para a televisão, normalmente captado por câmeras de vídeo, passa por um processo diferente de registro que o cinema poderia constituir uma linguagem própria, marcada pela manipulação da imagem captada, seja da realidade (no caso do documentário), seja da encenação (no caso da ficção). Portanto, uma maneira de saber mais sobre a constituição da linguagem do cinema é assistir aos filmes desta época e buscar informações bá- sicas sobre os grandes diretores e escolas cinematográficas que se constituíram a partir dos anos de 1910 e 1920. No caso dos diretores, nomes como David Griffith e Sergei Ein- senstein, entre outros, perceberam que a alma do cinema é a edição do material filmado, obtida basicamente através de um procedimen- to chamado “montagem”. É a montagem que seleciona o material previamente filmado, que organiza a narrativa, que enfatiza situa- ções dramáticas e valores que o filme deseja passar ao espectador, que chama a atenção para uma determinada emoção ou sensação, que determina o ritmo de um filme. Basta ver os principais filmes destes diretores, disponíveis em DVD, como “O nascimento de uma nação” (1915) e “O encouraçado Potemkim” (1927), historicamen- te chamados de clássicos do cinema mudo dirigidos por Griffith e Einsenstein, respectivamente, para perceber os resultados destas inovações. O cinema comercial, com maior produção de filmes e, também, maior audiência, na verdade, é tributário de uma das escolas clássi- cas da arte cinematográfica, o chamado “naturalismo hollywoodia- no” (XAVIER, 2005). Esta escola praticamente se confunde com os gêneros do cinema comercial consagrados no mercado (melodra- ma, comédia, aventura). Para uma experiência mais ampla do cine- ma, professores e alunos devem ir além do gosto consagrado pelo mercado e buscar outros tipos de filmes, estilos, escolas, além dos 18 Caderno de Cinema do Professor – Dois 19Luz, Câmera... Educação! mente ou com baixo custo que ajudam a preparação de atividades, utilizando a linguagem do cinema. Sem mencionar que, desde a criação do DVD, muitos filmes antigos, das décadas de 1910, 1920 ou 1930, estão disponíveis nessa mídia. Sabe-se, no entanto, que a facilidade em localizar materiais de apoio e títulos de filmes va- ria conforme a cidade, a região ou o bairro e, portanto, uma dica muito simples é planejar com antecedência suas atividades de apro- fundamento e análise dos filmes. É fundamental acreditar que o cinema vai além de seus intermináveis títulos de ação violenta, co- médias adolescentes de baixo nível, dramas fáceis, e que é possível apresentar filmes mais “difíceis”, raros e pouco comercializáveis, até para que a escola possa ir além daquilo que já se sabe e já viu. Se o professor não acreditar nisso, seus alunos terão menos chances de aproveitar a atividade proposta. Tipos de abordagem do trabalho com filmes em sala de aula Além de se constituir numa experiência cultural em si, traba- lhar com filmes em situações escolares pode ter alguns tipos de abordagens básicas. O filme pode ser utilizado como um incremento de determi- nado conteúdo disciplinar, previsto nos parâmetros curriculares. Aliás, tradicionalmente, esta é a forma mais comum de tratamento do cinema em situações escolares. Vale registrar que o filme como “ilustração”, incremento e reforço de um conteúdo curricular, com exceção do ensino de línguas estrangeiras, não é a forma mais ade- quada, metodologicamente falando, de se utilizar o cinema na esco- e de edição, prescindindo da “revelação” da película fílmica em la- boratório. Como produto artístico, o filme catalisa alguns recursos técni- cos e expressivos que devem ser levados em conta na análise: cená- rios e objetos (em locação real ou estúdio); atores que interpretam personagens; luzes, sombras e texturas que incidem sobre a cena e delineiam a imagem; ângulos, movimentos e enquadramentos feitos pelas câmeras que determinam o que e como veremos a encenação; sons, ruídos e músicas que acompanham as cenas e seqüências. Tudo isto parece muito óbvio e básico, e talvez o seja. O pro- blema é que, quando se assiste a um filme, percebe-se o resultado final deste processo e destes recursos técnicos e estéticos de forma muitas vezes naturalizada, pois a atenção maior se fixa sobre a his- tória contada, nos diálogos e nos efeitos emocionais causados pela trama. A análise fílmica começa quando conciliamos o olhar que capta o resultado final de um filme e a reflexão sobre as escolhas, recursos e processos que estão por trás destes resultados. Possibilidades de trabalho com cinema em sala de aula A história e a linguagem do cinema, com mais de cem anos de existência, oferecem muitas possibilidades de filmes, estilos, temas, estéticas que tanto mais nos encantam quanto mais as conhecemos. E como dizia um grande crítico francês, “bastam quatro horas para aprender a linguagem do cinema”. Este deve ser o pontode partida, mas não o ponto de chegada do professor. Hoje em dia, além dos cursos institucionais, existem vários materiais acessíveis gratuita- 20 Caderno de Cinema do Professor – Dois 21Luz, Câmera... Educação! veicula valores, conceitos, atitudes e representações sobre a socieda- de, a ciência, a política e a história. O trabalho com o filme, visto como documento cultural em si, é mais adequado para projetos especiais com cinema, visando à ampliação da experiência cultural e estética dos alunos e de desen- volvimento de linguagem. Este é um dos importantes papéis que a escola pública pode ter, pois, muitas vezes, será a única chance de o aluno tomar contato com uma obra cinematográfica acompanhada de reflexão sistemática e de comentários, visando à ampliação do seu repertório cultural. Não é demais acrescentar que a experiência e a cultura cinematográfica do professor muito contribuem para a análise de um filme, tomado como um documento cultural e esté- tico. Mas, é importante ressaltar a articulação de alguns elementos básicos que constituem um filme: • o tema, a roteirização e representação fílmicas; • a linguagem que os realizadores escolheram para desenvol- ver o tema (gênero ficcional, recursos de câmera, monta- gem e edição, trilha sonora); • a realização do filme como produto sociocultural (marketing, recepção da critica especializada, polêmicas em torno da obra). Ao enfocar esses ângulos de análise, o filme ganhará corpo como documento de uma época, de uma sociedade, abrin- do-se para uma crítica mais profunda e reflexiva. Este tipo de trabalho, além de se adequar a projetos de ampliação do la, embora possa ser a mais comum. Mudar essa perspectiva é tarefa de cada um de nós envolvidos com essa linguagem na sala de aula. Dito isto, destacamos duas formas mais instigantes e desafiadoras para o uso do cinema em sala de aula: a) O filme pode ser um “texto” gerador de debates articulados a temas previamente selecionados pelo professor. Esta abordagem pode ser mais adequada no trabalho com os Temas Transversais: cidadania, meio ambiente, sexualidade, diver- sidade cultural, etc. Em princípio, todos os filmes – “comerciais” ou “artísticos”, ficcionais ou documentais – são veículos de valores, conceitos e atitudes tratados nos Temas Transversais, com possibi- lidade de ir além deste enfoque. Neste sentido, o cinema é um óti- mo recurso para discuti-los. O fato de ser tratado como um texto gerador não isenta o professor de problematizar o tratamento – es- tético e ideológico – que o filme desenvolve sobre os temas a serem debatidos. Os filmes, como qualquer obra de arte, comunicam e perturbam o espectador mais pela maneira, pela forma como os te- mas são desenvolvidos, do que pelos temas em si. Por isso, os vários aspectos da linguagem não devem ser menosprezados: os ângulos e enquadramentos da câmera, o tipo de interpretação imprimida pelos atores, a montagem dos planos e seqüências, a fotografia (tex- turas e cores da imagem que vemos na tela), enfim, a narrativa que conduz a trama. b) O filme pode ser visto como um documento em si. Neste caso, é analisado e discutido como produto cultural e estético que 22 Caderno de Cinema do Professor – Dois 23Luz, Câmera... Educação! Além desses procedimentos tão óbvios quanto importantes, o professor deve pensar o filme dentro do seu planejamento anual, de acordo com a Proposta Curricular oficial em consonância com a Proposta Pedagógica da Escola e seu Plano de Ensino. Planejamento do trabalho com cinema em sala de aula Apesar de toda aceitação da importância do cinema para o co- nhecimento escolar, algumas visões deformadas ainda persistem. Ao incorporar filmes em suas aulas, o professor pode enfrentar preconceitos, não apenas por parte dos seus alunos, mas também dos seus colegas. Clichês do tipo “Oba, hoje não tem aula, tem fil- minho!” ou “Quando eu não quero dar aula, eu passo um filme” são reflexos da inadequação e do mau uso do cinema na escola. O primeiro antídoto contra eles é planejar as atividades em torno do material fílmico a ser incorporado. E esse planejamento começa com duas dicas óbvias, mas nem sempre seguidas. Assistir ao filme antes de qualquer outra atividade é condição básica, pois não se trata de ver o filme levando em conta apenas a relação do seu tema ou “conteúdo”, mas de avaliar o seu potencial pedagógico e de formação cultural, bem como a adequação à tur- ma e ao trabalho que será realizado depois. Ao assistir ao filme com antecedência, o professor mobiliza o olhar mais crítico e apurado que tem para, entre outras possibili- dades, selecionar os trechos que serão analisados, anotando, por exemplo, cenas e imagens representativas do filme e do cinema como arte, do figurino e cenário de épocas históricas, dos olhares e repertório cultural dos alunos, pode ser desenvolvido em atividades de várias disciplinas. No caso específico de História, o professor deve ver o filme histórico (RAMOS, 2002; NAPOLITANO, 2005) como uma repre- sentação do passado produzida em épocas e por sociedades que nem sempre têm ligação imediata com o acontecimento histórico representado, ou, tampouco são herdeiras diretas daquela história encenada. Por isso, mais importante é ver o filme como documento histórico da sociedade e da época que o produziu, que projeta seus valores e suas questões sobre o passado representado. Enfim, todo filme é, a rigor, anacrônico e isso não deve ser um problema para o professor. Além de analisar se o filme é fiel ou não ao passado histórico nele representado, é fundamental saber o porquê dos ana- cronismos, das falsidades históricas, dos erros de cronologia e dos erros biográficos. Nesses “erros” e anacronismos é que os filmes his- tóricos ficcionais revelam sua ideologia e os valores da sociedade da época de sua produção. Mesmo os documentários históricos, neces- sariamente, não são túneis do tempo pelos quais o passado “real” se abre. Todo filme, documentário ou ficção histórica, é fruto de escolhas, de perspectivas, portanto, deve ser, assim como qualquer objeto cultural, questionado. A rigor, qualquer disciplina pode trabalhar com o cinema em sala de aula. É preciso, no entanto, que o professor comece pelas per- guntas fundamentais: O que eu quero com esse filme? Em que essa atividade se relaciona com o conjunto da minha disciplina e da área curricular? Quais são os limites e as possibilidades que essa atividade tem para o grupo de alunos em questão? Ao longo do ano, que ou- tros filmes poderiam ser trabalhados de acordo com a orientação? 24 Caderno de Cinema do Professor – Dois 25Luz, Câmera... Educação! A sociedade brasileira tem concentrado no audiovisual, sobre- tudo televisivo, boa parte das suas experiências culturais. O nú- mero de horas que os brasileiros passam diante de uma TV é bem alto e constitui uma dada experiência sociocultural e um deter- minado imaginário, ainda que muitas vezes de gosto e qualidade duvidosos1. Nos últimos anos, boa parte dos filmes de cinema nasce impreg- nada pela linguagem televisual, em termos de tratamento temático, ritmo narrativo e escolha de gêneros ficcionais. No caso brasileiro, com o chamado “cinema da retomada”, ou seja, os filmes feitos a partir de 1995, quando a indústria cinematográfica renasceu ali- mentada pelas leis de incentivo à cultura, a relação entre cinema e TV no Brasil ficou ainda mais estreita (LEITE, 2005:136). Na outra ponta, temos uma cultura propriamente cinemato- gráfica hegemonizada há décadas pelos estilos, gêneros e estéticas hollywoodianos, marcados por algumas características básicas, tais como: • Filmes enquadráveis emgêneros ficcionais que estabele- cem uma relação de familiaridade com o espectador. Ou seja, quando escolhe ou prefere uma comédia, um dra- ma, uma aventura, o espectador sabe que vai encontrar certos ritmos, situações ficcionais, temas e personagens que lhes são familiares. Alguns gêneros são direcionados especialmente para jovens e adolescentes, como certas co- médias picantes ou aventuras à base de ação e violência. • Personagens marcados por valores e ações que os divi- dem em “bons” (aqueles com os quais o espectador deve 1 Segundo uma pesquisa de 2005, a criança brasileira de 4 a 11 anos passa, em média, 3h31m diante da televisão. Entre as nações pesquisadas, foi o índice mais alto. (Fonte: Eurodata TV Worldwide) silêncios que, no conjunto, formam a linguagem típica do cinema. Além disso, o professor deve refletir sobre os conceitos e valores que o filme mobiliza, sobre o sentido simbólico do tema e dos per- sonagens, verificar o grau de dificuldade para sua compreensão e identificar eventuais cenas e conteúdos que possam ser polêmicos, especialmente para quem está fora do “clima” da sala de aula (os pais, por exemplo). Esse último ponto é particularmente impor- tante, pois mesmo com abordagens pedagógicas sérias, refinadas e necessárias para a formação do cidadão, temas como sexualidade, religião ou conflitos políticos podem causar certo estranhamento. Assim, no mínimo, é preciso preparar-se para discuti-los com os alunos.. Além de preparar-se e preparar os recursos que utilizará (fil- mes e materiais de apoio), o professor precisa, ao mesmo tempo, verificar qual a experiência dos seus alunos com o cinema e conhe- cer sua cultura, a fim de balizar a seleção dos filmes, bem como o aprofundamento das atividades e a continuidade do trabalho tendo em vista os objetivos a serem alcançados. 26 Caderno de Cinema do Professor – Dois 27Luz, Câmera... Educação! em várias partes do mundo, até como estratégia para aproveitar o público formado naquele tipo de cinematografia, hegemônica há décadas no mercado mundial. Por outro lado, nem todos os filmes feitos nos EUA são marcados por esses clichês. Em resumo, a maior parte da cultura audiovisual como um todo, e cinematográfica em particular, provavelmente está mar- cada por estas experiências, linguagens e estilos predominantes na televisão e no cinema industrial. Não apenas os alunos prova- velmente estão marcados por estas características e preferências, mas também os professores. A ampliação dos horizontes cinema- tográficos do professor é fundamental para aumentar o potencial do seu trabalho com o cinema em situações escolares, indo além do “cinemão” comercial. Isso considerado, uma providência importante, então, é conhe- cer a cultura audiovisual predominante na sala e na escola onde a atividade vai se desenvolver. Isto pode ser feito por meio de um questionário simples, com perguntas básicas: Quantos filmes você viu no ultimo ano? Quais são os filmes de sua preferência? Você assiste a filmes no cinema ou na TV? As perguntas podem variar conforme o tipo de projeto e de atividade que o professor planeja desenvolver. A experiência e o re- pertório cinematográfico não são indissociáveis do repertório cul- tural como um todo. Em geral, em grupos mais escolarizados, mais letrados e com maior acesso a produtos e equipamentos culturais (museus, salas de cinema, bibliotecas), a cultura cinematográfica tenderá a ser mais ampla e diversificada. A questão cultural não deve ser vista nem apresentada como um obstáculo para o traba- lho escolar com o cinema, mas deve ser levada em conta pelo pro- se identificar) e “maus” (aqueles que devem ser despre- zados pelo espectador). Em muitos filmes, sobretudo aqueles direcionados a adolescentes, estas tipificações de personagens ficam um tanto confusas, pois os heróis nem sempre são modelos de “bons moços”. Entretanto, se prestarmos atenção em heróis ambíguos de caráter e de valores éticos, notaremos que ou suas ações são justifica- das ao longo da narrativa, ou eles se redimem no final, através de uma “boa ação”, geralmente identificada com os valores ideológicos que regram a sociedade norte-ame- ricana. Nos filmes mais autorais e menos comprometidos com a linguagem dos gêneros estabelecidos pelo merca- do, podem aparecer protagonistas mais difíceis de serem enquadrados em modelos clássicos de heróis e vilões. Contudo, no grosso da produção norte-americana volta- da para o mercado, os clichês tendem a predominar. • A linguagem cinematográfica desses filmes tende a buscar impacto em termos de sensações e sentimentos e menos em termos de reflexão crítica e problematização da reali- dade e suas representações simbólicas. Obviamente, estas experiências podem estar juntas – a sensorial, a emotiva e a reflexiva – e não são auto-excludentes. Entretanto, os chamados filmes “comerciais” tendem a superdimensio- nar, através de técnicas de encenação, narração e efeitos especiais, a busca de sensações e sentimentos. Até porque as sensações e sentimentos são importantes canais de in- culcação ideológica. Essas características não são exclusividade do cinema comer- cial norte-americano, e hoje estão presentes nos filmes produzidos 28 Caderno de Cinema do Professor – Dois 29Luz, Câmera... Educação! ram enfatizar um determinado aspecto da seqüência. Algumas ve- zes, o professor poderá ter dificuldade em articular a análise temá- tica aos aspectos da linguagem cinematográfica propriamente dita, no entanto, progressivamente, essa perspectiva poderá ser incorpo- rada à medida que o professor se dispuser a conhecer e aprofundar seus conhecimentos nesse vasto universo chamado cinema. Informações complementares sobre a obra, o diretor, o rotei- rista, o(s) país(es) de origem do filme, se foi baseado numa peça de teatro, num livro ou é um roteiro original, sobre os atores e pro- fissionais, se são reconhecidos ou premiados, iniciantes ou pouco reconhecidos pelo seu trabalho, etc., sempre serão bem-vindas. No caso deste projeto, algumas informações já estão disponí- veis, bem como um roteiro de análise de cada um dos filmes; no entanto, é preciso sempre adaptações, aprofundamentos e atualiza- ções, pois esse campo é vasto e as turmas de alunos são únicas. Na internet é possível conseguir informações diferenciadas, mas é preciso ter cuidado com os sites nos quais irá pesquisar. A in- ternet está cheia de páginas com péssimo conteúdo e informações superficiais ou até com erros graves. Ao final deste livro, há uma lista com alguns sites mais confiáveis sobre cinema e indicações de manuais de história do cinema; dicionário de termos cinematográ- ficos e dicionários biográficos de diretores e atores; enciclopédias; biografias de diretores. O mercado editorial brasileiro também oferece muitos títulos a respeito, tais como ensaios sobre linguagem e história do cinema, livros que veiculam pesquisas mais aprofundadas e que se desti- nam ao público acadêmico, entre outros. Além disso, as bibliotecas das grandes universidades possuem revistas e periódicos acadêmi- fessor, quando ele escolher os tipos de filmes com os quais iniciará o seu trabalho. Elaboração de um roteiro de análise do filme Nas situações de trabalho escolar com cinema apresentadas an- teriormente, a elaboração de um roteiro prévio ajuda a dinamizar os debates. O roteiro não esgotará a possibilidade de os alunos de- senvolverem seu próprio olhar sobre os filmes, mas ajudará na siste- matização do debate e no alcance dos objetivos da atividade. Na medida do possível, o roteiro deve valorizar não apenas a temática, os diálogos, mas também outros elementos para os quaisjá chamamos atenção no começo do texto: cenários, figurinos, con- figuração dos personagens, enquadramentos e ângulos que procu- 30 Caderno de Cinema do Professor – Dois 31Luz, Câmera... Educação! Bibliografia citada ALMEIDA, Claudio. O cinema como agitador de almas: Argila, uma cena do Estado Novo. São Paulo: Annablume/Fapesp, 1999. BENJAMIN, Walter. “A obra de arte na era de sua reprodutibilida- de técnica”. In: Obras escolhidas, vol. 1. São Paulo: Brasiliense, 1985, 165-196. BERNARDET, Jean-Claude. O que é cinema. São Paulo: Brasiliense, 2000. CHARNEY, Leo & SCHWARTZ, R. O cinema e a invenção da vida moderna. São Paulo: Cosac & Naify, 2001. DUARTE, Rosália. Cinema e educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. LEITE, Sidney F. Cinema brasileiro: das origens à retomada. São Pau- lo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2005. NAPOLITANO, Marcos. “Fontes audiovisuais: a história depois do papel”. In: PINSKY, Carla (org). Fontes históricas. São Paulo: Contex- to, 2005. . Como usar o cinema em sala de aula. São Paulo: Contexto, 2003. RAMOS, Alcides. Canibalismo dos fracos: cinema e história do Brasil. Bauru: Edusc, 2002. XAVIER, Ismail. Discurso cinematográfico: opacidade e transparên- cia. 3. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005. cos na área de cinema e muitas delas permitem acesso ao público externo, em especial, aos professores da rede pública. Não é demais acrescentar que há cursos livres e de extensão sobre cinema, organizados por instituições, centros culturais e universidades. Geralmente, esses cursos são abertos ao público em geral e alguns têm baixo custo e procuram veicular informações sobre a história e a linguagem cinematográfica. A Cinemateca Bra- sileira, em São Paulo, por exemplo, oferece regularmente um sofis- ticado curso de história do cinema, possibilitando aos interessados o contato com filmes raros e importantes desse percurso. O trabalho com o cinema na escola muitas vezes exigirá do professor um ajuste ao contexto específico de cada turma/série/ disciplina/área, levando-se em consideração os objetivos a serem alcançados, em consonância com a temática de trabalho definida, os conceitos e as habilidades que estão em jogo, entre outros fato- res. Portanto, seja qual for a demanda de trabalho, as atividades de cinema precisam ser dinâmicas, desafiadoras, interessantes para o público jovem e jovem adulto e, sobretudo, que contribuam para a formação geral e ampliação do seu repertório cultural. O cinema, como o samba, “não se aprende no colégio”, como dizia Noel Rosa. Mas o uso escolar do cinema pode trazer para a escola a experiência de ver um filme, analisá-lo, comentá-lo, trocar idéias em torno das questões por ele suscitadas. Não se trata de “aprender cinema no colégio”, mas de aprender a pensar o mundo por uma das experiências culturais mais fascinantes e encantado- ras dentro de uma instituição que tem muito a oferecer. 32 Caderno de Cinema do Professor – Dois 33Luz, Câmera... Educação! Inúmeros autores têm-nos ensinado como o currículo, tanto formal como oculto, pode servir a objetivos repressivos ou emancipatórios [...]. Consi- derando-se que a sistematização do processo educativo escolar ocorre via [a tradução do currículo em projeto político-pedagógico...] currículo, é através dele que determinados fins são ou não alcançados. É pelo cur- rículo que o aluno entende melhor o ambiente ao seu redor, distingue mais claramente as injustiças que o cercam e, espera-se, como conseqü- ência, dispõe-se a buscar as melhores formas de lutar contra elas. É pelo currículo, em síntese, que se pode vir a formar o cidadão consciente, o que confirma o fato de que todo currículo é permeado por valores, expressando uma certa visão de mundo, de sociedade, de ser humano, de conhecimento. Não há, então, neutralidade em decisões curriculares, que necessariamente implicam compromisso com a preservação ou com o eliminação das desigualdades que marcam nossa sociedade. Antônio Flávio Barbosa Moreira Tradicionalmente, concebemos como currículo o conjunto de todas as experiências planejadas e desenvolvidas pela escola com o intuito de fazer acontecer, com sucesso, a “ensinagem” do professor e a aprendizagem dos alunos. Quando nos referimos a todas as experiências, corremos o risco de considerar que a escola é um espaço-tempo no qual pode e vale tudo, cabendo aqui indagar claramente qual é a função social da escola atualmente e, principalmente, qual é a função social do En- sino Médio brasileiro no mundo contemporâneo. Vejamos a seguir o que diz a LDB 9394/96, no seu artigo 35, em relação a esse nível de ensino. O Ensino Médio é etapa final da Educação Básica e objetiva: 1. a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos ad- quiridos no Ensino Fundamental, possibilitando o prosse- guimento de estudos; A linguagem do cinema no currículo do Ensino Médio: um recurso para o professor José Cerchi Fusari* * Mestre em Filosofia da Educação pela PUC/SP (1988), Doutor em Didática pela Faculdade de Educação da USP (1997). Professor Doutor aposentado da Feusp. Desde 2006 coordena o Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Formação de Educadores – Gepefe, na Feusp. Ao longo da carrei- ra, atuou na formação inicial e contínua de educadores em projetos estaduais e nacionais. Pro- duziu vários textos didáticos e artigos a respeito da temática da formação e do desenvolvimento profissional de educadores. Até 2010, continua orientando mestrados e doutorados na Feusp. 34 Caderno de Cinema do Professor – Dois 35Luz, Câmera... Educação! Para muitos autores e educadores a escola é uma instituição so- cial na qual podem ocorrer de forma intencional e sistemática o ensino e a aprendizagem do conhecimento produzido e acumulado pela humanidade. Para que ocorra esse processo de forma intencional e sistemáti- ca, é preciso que tenhamos um currículo formal, aquele conjunto de indicações oriundas da LDB e orientações mediadas pelos órgãos executivos e legislativos como o Ministério da Educação (MEC), o Conselho Nacional de Educação (CNE) e os Conselhos estaduais e municipais de Educação (CEE e CME). Mediante esse currículo formal, cabe aos educadores escola- res – num trabalho cooperativo e coletivo – construir aquilo que denominamos como Projeto Político-Pedagógico (PPP) da escola. Essa proposta, materializada em um documento, transforma-se em referência para que os professores construam, desenvolvam e ava- liem os seus planos e os projetos de suas respectivas disciplinas e/ou áreas de conhecimento. A tradução do currículo formal em PPP e seus desdobramentos em projetos e planos de ensino e de aprendizagem tornam-se assim um trabalho individual-coletivo permanente na vida dos educado- res escolares: professores, coordenadores pedagógicos, coordena- dores de áreas, gestores, supervisores de ensino... O PPP da escola, como esforço coletivo de trabalho dos educa- dores e sua materialização em documentos, representa os deveres de cada escola em torno do perfil de educando que essa instituição compromete-se a ajudar a formar. Em outras palavras, o referido documento responde à questão: quais são nossas intenções de for- mação em relação aos nossos educandos? 2. a preparação básica para o trabalho e a cidadania do edu- cando para continuar aprendendo de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade às novas condições de ocupa- ção ou aperfeiçoamento posteriores; 3. o aprimoramento do educando como pessoa humana in- cluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; 4. a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos relacionandoa teoria com a prática no ensino de cada disciplina. 36 Caderno de Cinema do Professor – Dois 37Luz, Câmera... Educação! do continuamente com elementos curriculares básicos: princípios educacionais, objetivos educacionais, conhecimentos curriculares, avaliação, interação educador-educando, métodos de ensino (méto- dos, procedimentos técnicos e mídias), etc. Nesse conjunto de elementos curriculares básicos, os professo- res podem conceber a utilização do filme em sala de aula como uma mídia a serviço da educação do jovem e do jovem adulto que freqüentam o Ensino Médio. Dessa forma, é inerente ao trabalho da equipe escolar, em es- pecial dos professores, o lidar com o antes/durante/depois do uso da linguagem cinematográfica, pois pensar a utilização do filme no currículo escolar significa pensá-lo a partir da função social da es- cola no mundo contemporâneo. Fica assim traduzido o caráter de intencionalidade e a sistematização do ensinar e do aprender. E é para isso que as escolas existem. No caso em questão, ou seja, a utilização dos filmes, os educadores podem propiciar situações de espaço-tempo de ensino para que os educandos adquiram e desenvolvam conhecimentos, atitudes, habilidades, isto é, saberes constitutivos para uma aprendizagem de cidadania pautada pela consciência e prática de direitos e deveres, na perspectiva do bem comum, além de facilitar vivências culturais diferenciadas. No presente texto, que focaliza o Ensino Médio regular e a Educação de Jovens Adultos (EJA), partimos da idéia de que a lin- guagem cinematográfica – sempre materializada em filmes de dife- rentes épocas, países, diretores e culturas – pode ser utilizada na e pela escola como um dos elementos que propiciam aos educadores e educandos experiências curriculares significativas. Entendemos que, se o currículo formal apresenta uma caracte- rística mais estática, como conjunto de proposições educacionais, le- gais, a serem atingidas, o PPP é dinâmico e mutável em permanente consonância com a complexa e dinâmica relação entre escola, co- munidade e sociedade. Isso significa que essa relação escola-socie- dade não é neutra, e essa não-neutralidade está representada nas diferentes concepções pedagógicas desenvolvidas pelos educadores no processo de ensino e aprendizagem que vivenciam no cotidiano escolar. Cada escola é uma escola. Por isso, cada uma deve estabelecer conexões críticas com a realidade da qual faz parte, ou seja, com a sociedade que a freqüenta e a utiliza. A escola é a comunidade que ela representa. Por esse motivo, o PPP de cada escola é permeado pela autonomia relativa que essa unidade mantém em relação ao sis- tema educacional como um todo. Em outras palavras, ela é ao mes- mo tempo única, pois pertence a uma comunidade X, e também pertence a um sistema educacional regido por uma determinada política educacional, que pode ser federal, estadual e municipal. Viabilizar um PPP implica no trabalho individual e coletivo dos educadores escolares em geral, em especial, os professores. Para tanto, é preciso que a equipe escolar discuta política e pedagogi- camente o perfil do aluno real que ela tem e aquele ideal de aluno que ela deseja formar. Isso significa que o ponto de partida é o real e o ponto de chegada o ideal possível. Sendo assim, esse é um pro- cesso contínuo e dinâmico, que envolve atividades de planejamen- to, atividades de execução e atividades de avaliação, que precisam ser percebidas e vivenciadas de forma interdependente e dinâmi- ca. Nesse movimento, encontra-se o trabalho dos educadores lidan- 38 Caderno de Cinema do Professor – Dois 39Luz, Câmera... Educação! • Preparar o ambiente para a vivência da experiência com o filme: sala de aula, sala de vídeo, agendamento, equipamen- tos e a localização do DVD. Não descartar eventuais colabo- rações de alunos nesta tarefa. • Criar alternativas para superar a dificuldade do tempo de aula com o tempo do filme, planejando, por exemplo, a ati- vidade em parceria com outros colegas, o que poderá pro- mover, principalmente, o diálogo interdisciplinar entre a linguagem cinematográfica e os conteúdos escolares. • Introduzir, sempre que possível e necessário, a experiência cinematográfica na unidade escolar, inserindo-a no proje- to político-pedagógico e nos planos de ensino: o filme seria uma linguagem, além de outras, no conjunto dos demais componentes do currículo do Ensino Médio. • Explicitar claramente, no próprio pla- no de trabalho e junto com os alunos, os objetivos previstos para a utilização daquele filme, naquele momento do curso. No entanto, podem ocorrer imprevistos e as sugestões dos alunos precisam ser consideradas na supe- ração de dificuldades ou impasses. Nesse caso, um pouco de flexibili- dade só trará enriquecimento para todos. Enfim, preparar-se significa fazer uma leitura crítica do filme e/ou trechos, bus- A seguir apresentamos sugestões para auxiliar no sucesso dessa experiência: Antes da projeção • Retomar informações básicas relativas à utilização do filme/ linguagem cinematográfica no processo de ensino e apren- dizagem no Ensino Médio na seção dos roteiros para discus- são dos filmes deste Caderno. • Rememorar experiências – bem-sucedidas ou não – de uti- lização curricular de filmes, vividas pelo professor em seu processo de formação e/ou na sua prática pedagógica. Essas experiências podem auxiliar o professor tanto em relação ao que fazer como o que evitar. • Identificar nexos e sentidos nas diferentes áreas e disciplinas escolares dos filmes em geral e, em especial, daqueles que favorecem possibilidades de diálogo com o conhecimento a ser trabalhado. • Assistir ao filme selecionado antes da experiência com os alunos, planejando sua abordagem numa determinada situ- ação, prevista no seu plano de curso e/ou aulas, garantindo, porém, espaço para as manifestações criativas que o filme poderá provocar. • Sensibilizar a classe sobre a importância da utilização de filmes no contexto do currículo escolar em ação, estabele- cendo distinção entre a experiência na esfera privada (casa, cinema, clubes, etc.) e a experiência escolar, ressaltando que neste último caso a oportunidade de explorar aspectos da ci- ência e do pensamento pode trazer ganhos para cada um. 40 Caderno de Cinema do Professor – Dois 41Luz, Câmera... Educação! mungar, opinar, comer, beber, parar o filme e voltar, largar, etc. Enfim, pode quase tudo, dependendo do bom senso, do envolvimento e do bem-estar coletivo. • Na escola: a atividade com cinema tem um caráter curricular, conseqüentemente, político-pedagógico e cultural. O filme é meio/mídia para propiciar experiências ricas, criativas e críticas nos alunos. Não se trata de entretenimento puro, apesar de este também ocorrer. A projeção está sob a regên- cia do processo de ensino e aprendizagem de determinado conhecimento curricular, sabendo, porém, que os resultados podem surpreender já que a linguagem fílmica, assim com as demais linguagens artísticas, oferecem possibilidades que fogem do previsível. Elementos como imagens, efeitos sono- ros, enquadramentos e outros podem gerar sentidos e signi- ficados inesperados e por isso é importante ficar atento no sentido de captar essas possibilidades e potencializá-las. Um aspecto importante que devemos considerar nesses dife- rentes espaços é a interação entre o público e o filme e os sentimen- tos que provoca em cada um, possibilitando uma confraternização daquilo que é mais denso e do que é mais leve no filme e ainda o sentimento que provoca em cada um, proporcionando uma troca de idéias e informações daquilo que foi sentido,visto e vivido com os colegas, parentes, etc. Em síntese, podemos pensar que tanto o espaço da sala de cinema como o da sala de aula são lugares de aprendizagem, esta como um lugar de intencionalidade e propósi- tos, e aquela como de entrenimento e diversão, e também de infor- mação e conhecimento. cando nexos com aspectos do conhecimento materializado como conteúdo escolar. Preparar-se significa lidar intelectual e emocio- nalmente com o conteúdo do filme. É preciso ter clareza da provo- cação/estimulação que vai ocorrer nos educandos e quais reações po- derão acontecer. O docente dificilmente vai conseguir prever tudo e preparar todas as respostas, mas vai estar mais seguro diante do esperado e do inesperado. Relevante seria assistir ao filme com colegas das diferentes disciplinas, pois isso enriqueceria muito uma leitura interdisciplinar e transdisciplinar da obra. Durante a exibição Devemos considerar que a experiência com o cinema pode ser diferente, mas sempre enriquecedora e prazerosa nos diferentes es- paços onde é possível ocorrer: • Na sala de cinema: as pessoas freqüentam esse espaço em busca de prazer, entretenimento e enriquecimento cultural. Essa experiência é bastante peculiar e singular, pois o en- volvimento de cada um com o filme propicia reações como silêncio, suspiros, lágrimas, risos, sustos/gritos, ansiedades, cochilos, cochichos, etc. Além disso, temos também inconve- nientes como conversa em voz alta, ruídos provocados pelo consumo de alimentos e bebidas, etc., e o abandono da ses- são por opção pessoal. • Em casa: vale tudo, pode tudo, dependendo de um acordo entre os sujeitos/familiares envolvidos na situação. É um momento de curtição, seja para uma pessoa só, seja em fa- mília ou em grupo. Não há regras fixas, pode comentar, res- 42 Caderno de Cinema do Professor – Dois 43Luz, Câmera... Educação! Após a exibição do filme Finalizada a exibição do filme, sugere-se para o(s) docente(s): • Conversar sobre as reações da classe em relação ao filme, pois é importante fazer uma leitura global deste e acolher todas e diferentes manifestações apresentadas pelos alunos: apreciações positivas, negativas, indiferentes, pertinentes e impertinentes. É importante que essa atividade seja fei- ta em forma de debate, estimulando a maioria a expressar pensamentos, emoções, reflexões livremente. No entanto, não basta falar sobre as emoções que podem decorrer a par- tir de uma exibição de filme. É preciso contemplá-las no processo educacional fazendo com que elas fluam por meio das discussões, do compartilhar experiências, emoções e sentimentos individuais e coletivos. É dando vazão a eles que cada sentimento vai encontrando o caminho para che- gar no seu lugar. Segundo Blasco (2006), “permitir no es- paço acadêmico o fluir das emoções – através da discussão, de compartilhar os sentimentos – abre caminhos para uma verdadeira reconstrução da afetividade”. Esse autor ainda alerta que “o cenário para a educação afetiva através do ci- nema está pronto”. • Analisar as opiniões dos alunos buscando uma categoriza- ção dessas manifestações, considerando a função social do Ensino Médio, os conhecimentos curriculares e textos espe- cíficos sobre Cinema e Educação. Concomitantemente, vi- venciar uma análise crítica do filme, superando tendências maniqueístas. 44 Caderno de Cinema do Professor – Dois 45Luz, Câmera... Educação! Bibliografia ARAÚJO, Inácio. Cinema: o mundo em movimento. São Paulo: Sci- pione, 1995. BERGAN, Ronald. Guia ilustrado Zahar: cinema. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. BLASCO, Pablo González. Educação da afetividade através do cinema. Curitiba: IEF, 2006. NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. 2.ed. São Paulo: Contexto, 2005. SILVA, Roseli Pereira. Cinema e educação. São Paulo: Cortez, 2007. VASCONCELOS, Celso S. Planejamento: plano de ensino-aprendiza- gem e projeto educativo. São Paulo: Libertad, 2002. • Propor atividades de desdobramentos previstas nos planos de aula (ou não previstas, pois a experiência com o filme pode despertar interesses que demandem alguns reajustes no plano), estimulando o desenvolvimento de múltiplas aprendizagens do tipo atividades de leitura, escrita, pesqui- sas, discussões, produções artísticas, etc. No âmbito do projeto O Cinema Vai à Escola, o presente texto pretendeu apresentar aspectos do uso político-pedagógico da lin- guagem cinematográfica no currículo escolar e seus desdobramen- tos no PPP, do plano de ensino e da aula considerada como momen- to mais importante de todo esse processo. Assim, levando em conta que este é um material que pode au- xiliar os professores em seu trabalho, tanto disciplinar como inter- disciplinarmente, e considerando que a escola é um espaço no qual o ensino pode ser ampliado, complementado e compreendido com outras linguagens, esperamos que as sugestões aqui oferecidas pos- sam ser incorporadas, transformadas e recriadas dentro das situ- ações específicas de cada realidade, lembrando que cada escola é única, que cada classe é única, que cada exibição é única e, por fim, que cada experiência com cinema na sala de aula é única. 46 Caderno de Cinema do Professor – Dois 47Luz, Câmera... Educação! Em 28 de dezembro de 1895, os irmãos Lumière fizeram a primei-ra exibição pública e comercial do cinema no “Grand Café” em Paris. Essa data, que geralmente define o surgimento do cinema, é controversa por alguns motivos. O primeiro deles reside na reivin- dicação do pioneirismo por diferentes pesquisadores. Nos Estados Unidos, por exemplo, Thomas Edson, inventor da lâmpada elétrica e do fonógrafo, criou, em 1893, o quinetoscópio, aparelho individu- al que permitia o acesso às imagens em movimento. Na Alemanha havia Max Skladanowsky, com seu bioscópio, e assim por diante. Essa diversidade mostra que o caminho que levou ao cinema não foi único, Mas fez parte de um processo constituído por muitas idas e vindas. O meio que então surgia conciliava desde as primeiras proje- ções à dimensão econômica, ligada à exploração comercial, e cien- tífica, que permitia o aprimoramento técnico das máquinas e das películas. O fato é que, independente das controvérsias em torno da paternidade do invento, o cinema se espalhou rapidamente, pe- las mãos dos Lumière e demais cinegrafistas. A violenta sensação de realismo e a impressão de maravilhamento causadas pela nitidez das imagens em movimento atraía, em ritmo crescente, o público das cidades, interessado em vivenciar novas experiências sensoriais e corpóreas. O cinema produzido e comercializado entre o final do século XIX e a primeira década do século XX é conhecido hoje como “primeiro cinema” ou ”cinema dos primeiros tempos”. De 1894 a 1903 predominaram filmes de duração reduzida – de um ou dois minutos –, constituídos, em sua maioria, por um único plano. Em termos práticos, podemos definir plano, no filme terminado, como Uma história do cinema: movimentos, gêneros e diretores Eduardo Morettin* * Graduado em História (1988), com Mestrado em Artes (1994) e Doutorado em Ciências da Co- municação (2001), ambos pela Universidade de São Paulo. Atualmente é professor doutor da Universidade de São Paulo, responsável pelas disciplinas de História e do Audiovisual. Publicou artigos em revistas nacionais e estrangeiras, principalmente sobre os temas cinema e história, cinema brasileiro, história do Brasil, história do cinema e filme histórico. É um dos organiza- dores de História e Cinema: Dimensões Históricas do Audiovisual (São Paulo, Alameda, 2007). É conselheiro da Cinemateca Brasileira e da Sociedade de Amigos da Cinemateca; Membro doConselho Consultivo do Núcleo Regional São Paulo – Anpuh, da Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual (Socine) e também da diretoria da Associação Nacional de História. É um dos líderes do Grupo de Pesquisa CNPq “História e audiovisual: circularidades e formas de comunicação”. 48 Caderno de Cinema do Professor – Dois 49Luz, Câmera... Educação! espaço e também a despertar maior interesse em um público cada vez mais afeiçoado ao novo meio. Nesse momento, sinal desse maior interesse, surgiram os nickelodeons, ou “empoeirados”, lugares amplos onde o cinema era atração exclusiva. As pessoas se dirigiam a esses espaços com o intuito de consumir única e exclusivamente filmes. O ingresso aumentou de valor e a forma industrial típica da atividade, centrada no tripé produção, distribuição e exibição, foi instituída. Nesse processo, o cinema se tornou cada vez mais narrativo, interessado em atrair as classes médias a partir da adaptação de romances, peças e poemas bem típicos de um certo gosto burguês desse período. Essa narratividade era marcada por histórias pau- tadas por uma seqüência de situações ligadas entre si de maneira clara e direta. No período que corresponde aos anos 1908 e 1915, assistimos a diferentes projetos estéticos de constituição de um cinema narra- tivo. Na França, havia o cineasta Louis Feuillade, autor dos seria- dos Fantômas (1914) e Les Vampires (1915). Na Itália, encontramos Cabiria (1914), de Giovanni Pastrone. O diretor americano David Griffith, no entanto, é o nome associado à formação e consolida- ção desse tipo de cinema, modelo narrativo hegemônico que, em linhas gerais, predomina até hoje em nossos cinemas e aparelhos de televisão. Em 1908, Griffith, homem de carreira precária no teatro, traba- lhou como diretor em uma empresa produtora de filmes nos Esta- dos Unidos, a Biograph Company. Naquela época, os filmes tinham duração maior (10 a 15 minutos), mas ainda não existia a noção de autoria, tal como é empregada hoje, sendo desconhecidos do público, por exemplo, os nomes da equipe técnica responsável pela a imagem captada pela câmera entre um corte e outro. Se tomar- mos um dos primeiros trabalhos de Lumière, exibido em 28 de de- zembro de 1895, A Saída das Fábricas Lumière, vemos, como o título indica, o portão de uma fábrica sendo aberto. Em seguida, muitos trabalhadores atravessam o portão, até o momento em que a saída é fechada. Acompanhamos essa ação sem cortes, ou seja, o que ve- mos, grosso modo, corresponde ao que foi registrado pela câmera no momento em que a manivela foi acionada até o instante em que o registro foi interrompido. Nesse sentido, são filmes que sempre procuravam mostrar algo (a queda de um muro, um elefante sendo eletrocutado, uma vista de um barco, um trem partindo ou chegando, acidentes, as ondas se chocando contra um píer, danças, lutas de boxe, um panorama de uma cidade, etc.), marcados pela falta de preocupação em contar histórias, dado que o interesse estava nas próprias imagens, pen- sadas como “atrações”. O termo “atrações” é derivado do contexto onde esses pequenos filmes eram consumidos. Espetáculos de feiras populares, parques de diversão, teatros onde eram encenados dife- rentes números de magia, música e dança, enfim, o cinema naquele período estava inserido em uma atividade artesanal e quase circense, sendo um dos números a serem desfrutados pela audiência. A marca desses filmes era, portanto, a ênfase na performance, no improviso e na consciência de que existia um público, consciência manifesta pelos constantes olhares dos atores em direção à câmera, como se quisessem compartilhar sua experiência com o espectador. Atualidades e pequenos números cômicos, dentro de uma tra- dição circense, representaram a maior parte da produção até 1906. A partir desse ano, os filmes de ficção começaram a ocupar maior 50 Caderno de Cinema do Professor – Dois 51Luz, Câmera... Educação! Griffith na Biograph realiza mais de quatrocentos curta-metra- gens entre 1908 e 1913. Essa quantidade indica que para o diretor o processo de articulação dos elementos visuais com o intuito de contar uma história fez parte de um aprendizado, ou seja, as solu- ções não estavam dadas, mas foram sim construídas em cima de uma experiência praticada semana a semana, por meio de erros e de acertos nesse diálogo nem sempre tranqüilo com o público e com os produtores. Dentro desse quadro de tensão, Griffith rompe com a Biogra- ph, reivindicando a paternidade e o que considerava suas inova- ções. Entre os motivos da ruptura, havia, por exemplo, a recusa da empresa em comercializar Judith de Betúlia (1913), por considerar que o público na época não permaneceria sentado uma hora, tem- po de duração do filme, assistindo a uma obra nas poltronas de um cinema. realização de uma obra. A partir de 1911, sempre em virtude de uma maior demanda do público e do empenho dos produtores em ampliar seus lucros, os filmes aumentaram sua duração, chegando a 30 minutos. O diretor trabalhava nesse anonimato. Cabia a ele, então, dar continuidade ao filme, ou seja, contar uma história de maneira cla- ra, sem confundir o espectador. Por um lado, do ponto de vista da relação entre as informações visuais que permitiriam essa compre- ensão, tratava-se de articular todos os elementos partícipes dessa narrativa. No momento da filmagem, importava a escolha do ce- nário, o tipo de iluminação a ser empregado, o posicionamento da câmera e dos atores, a alternância das tomadas, a velocidade das cenas, etc. Depois do material captado, impunha-se por meio da montagem determinar a ligação entre os planos filmados, marcan- do seu ritmo, construindo um espaço e um tempo próprios. Além disso, no chamado cinema silencioso, recorria-se aos intertítulos entre um plano e outro, com o intuito de fornecer ao espectador as informações complementares necessárias ao entendimento da história. Tudo isso a fim de prender o público da maneira a mais intensa possível na história, lançando-o na ficção, aumentando sua emoção para criar a impressão de que na sala de cinema ele está diante de um mundo autônomo. Como disse Griffith em um depoi- mento posterior, “um bom filme tende também a fazer com que as pessoas pensem um pouco, sem deixar que elas suspeitem que es- tão sendo levadas a pensar”. Todo o seu trabalho, portanto, consis- tia em evitar que as pessoas se dessem conta de que estavam diante de um filme, constatação sempre muito freqüente no “cinema dos primeiros tempos”. 52 Caderno de Cinema do Professor – Dois 53Luz, Câmera... Educação! inteiro eram americanos, refletindo um domínio que se mantém até os dias atuais. O cinema brasileiro, assim como diferentes cinematografias produzidas em contexto econômico menos desenvolvido, enfren- tava essa presença com dificuldades. As primeiras imagens de que se tem notícia feitas no Brasil são de autoria do médico, advogado, bicheiro e empresário teatral José Roberto da Cunha Salles, que em 27 de novembro de 1897 solicitou a patente de um invento denomi- nado “fotografias vivas”, juntando à solicitação dois fragmentos de filmes, 24 fotogramas no total, correspondendo a um pouco mais de um segundo de projeção. A maior parte da produção brasilei- ra até o final dos anos 20 era constituída por documentários e re- portagens cinematográficas, em sua maioria retratando nossa elite política e econômica ou as nossas belezas naturais. O período que compreende os anos 1908 e 1911 correspondeu a uma participação mais significativa em nosso mercado exibidor de filmes de caráter ficcional. Predominavam reconstituições de crimes, adaptações de revistas musicaise melodramas. Um dos gêneros de muito sucesso nesse momento foram os cantantes, assim chamados porque artis- tas ou cantores se colocavam atrás da tela para falar ou cantar em sincronia com as imagens silenciosas apresentadas. Nesse quadro de domínio econômico e de hegemonia estética dos EUA, as chamadas vanguardas artísticas (futurismo, dadaísmo, surrealismo e construtivismo) solicitaram novas demandas ao cine- ma, procurando construir alternativas consideradas mais apropria- das ao meio visto como fruto e parte integrante da modernidade. Nos anos 1910 e 1920, esses artistas queriam afastar o cinema de uma tradição cultural considerada passadista (representação calca- Em 1914 as salas de exibição tornam-se luxuosas, distanciando- se dos antigos “empoeirados”. Verdadeiros palácios, esses lugares eram suntuosos, ricamente ornamentados e mobiliados de maneira especial, destinados a milhares de consumidores. Assim, retirando a suntuosidade, esse espaço se consolida dentro de um tipo de ex- periência já bem próxima da atual. Nesse quadro, enfim, o cinema se torna um entretenimento de massa. O marco nesse processo de consolidação do chamado cinema narrativo clássico foi Nascimento de uma Nação (1915), de Griffith, filme racista que fazia apologia à Ku Klux Kan. Em suas duas horas e meia, gastou à época mais de cento e vinte mil dólares em sua produção, e foi visto por milhões de pessoas desde seu lançamento. Tornou-se centro dos debates da época, forçando a manifestação de diferentes grupos sociais. Foi o primeiro longa-metragem de ficção assistido na Casa Branca, sede do governo norte-americano, sinal de que o cinema ganhava outro estatuto cultural e social, sendo reconhecido como portador de questões a serem discutidas pela sociedade. É o momento de consolidação do cinema na chave do melodrama, pautado pela tônica do espetáculo. Seu filme poste- rior, Intolerância (1916), custou um milhão de dólares, chegando a três horas de duração. O final da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) trouxe a vitó- ria dos Estados Unidos, fato que teve conseqüência direta na forma pela qual esse país consolidou seu poderio econômico em relação ao mundo. No que diz respeito ao cinema, esse domínio se mani- festou pelo controle dos mercados de exibição de filmes. É sabido que ao final da guerra cerca de 85% dos filmes exibidos no mundo 54 Caderno de Cinema do Professor – Dois da na realidade e na aproximação feita à arte dramática, entre ou- tros elementos criticados), supervalorizando a visualidade em seu poder revelador e superando as convenções da linguagem verbal. Artistas como Hans Richter, Man Ray, Marcel Duchamp e Fernand Léger, por exemplo, se envolveram com a realização de filmes, pro- curando encontrar soluções fílmicas para questões apresentadas pelo campo artístico. De maneiras diferentes, buscavam um novo sentido para a realidade, enfatizando o movimento, o ritmo e a plasticidade dos objetos. O primeiro momento desse encontro entre cinema e vanguar- das artísticas é, curiosamente, um filme que guarda pouca relação orgânica com seu movimento de origem. Trata-se do alemão Gabi- nete do Dr. Caligari (1920), de Robert Wiene, associado ao expressio- nismo pelos seus cenários, pela interpretação de algumas persona- gens, como Cesare e Caligari, e pelo efeito de luz e sombra obtido para ressaltar a distorção da forma, impregnada por uma subjetivi- dade marcada pelo excesso e desequilíbrio. Feito em um momento em que o expressionismo já não mais existia como tal e realizado dentro de um aparato industrial por pessoas que não eram a ele vinculadas, Gabinete propiciou um maior vínculo entre cinema e artes plásticas a partir de uma relação diferenciada entre filme e artes gráficas, ator e representação, imagem e narrativa. Outro momento significativo dessa tentativa de ruptura com o cinema clássico ocorreu na antiga União Soviética por meio da obra de Sergei Eisenstein. Preocupado em construir um cinema novo, equivalente ao pretendido status conferido ao homem e à sociedade criadas pela Revolução Russa de 1917, Eisenstein, homem de teatro engajado politicamente, realizou Greve (1925), Encouraçado Potemkin 55Luz, Câmera... Educação! 56 Caderno de Cinema do Professor – Dois 57Luz, Câmera... Educação! afirmar o específico cinematográfico pelo entendimento de que é na montagem que reside seu elemento singular. Em relação ao tra- balho de celebrar este específico, Vertov, nos letreiros de abertura de seu filme, diz que buscou “uma cinemática comunicação de ele- mentos visíveis sem a ajuda de intertítulos, roteiro e teatro”. Assim, a obra operou no sentido de “criar uma linguagem internacional e absoluta do cinema baseada na total separação entre cinema e tex- to e literatura”. Tal qual vemos neste filme, tratava-se de descortinar os mecanismos de construção das relações sociais, apresentando o processo de fabricação da imagem/realidade por meio da câmera “autônoma”. De qualquer forma, a questão que era colocada por todos esses artistas e cineastas modernos nos anos 1910 e 1920 recaía na crença do poder revolucionário da arte dentro de um contexto em que a revolução social se mostrava como uma alternativa concreta de mu- dança da sociedade. Nesse período, o documentário mais próximo daquilo que hoje conhecemos como tal se consolidou com o trabalho de Robert Flaherty, americano que, com os filmes Nanook, o Esquimó (Nanook of the North, 1922) e Moana (1926), instituiu um padrão para o tra- tamento conferido ao outro, pautado pela tentativa de recuperação das experiências primordiais da sociedade e da cultura retratadas. É assim que em Nanook, o Esquimó, Flaherty teve como proposta de trabalho conviver e observar a vida dos esquimós in loco, com o intui- to de entender sua dinâmica de vida para selecionar os momentos que melhor a expressariam. Do ponto de vista fílmico, o trabalho era fazer com que o espectador se aproximasse desse universo de maneira a criar empatia com ele, compartilhando as dificuldades e (1925) e Outubro (1928) pautado pela idéia de que os processos, não os eventos, deveriam ser representados. Assim, procurava conferir um estatuto outro à montagem, por meio da interrupção do flu- xo dos acontecimentos e da intervenção do sujeito no discurso por meio da inserção de planos que destroem a continuidade espaço- temporal do cinema clássico (lembrar o que foi dito anteriormente por Griffith sobre continuidade e os termos que definem um bom filme). O que interessa a Eisenstein é, como ele mesmo diz, o con- flito. Para ele, O plano não é um elemento da montagem. O plano é uma célula da montagem. Exatamente como as células, em sua divisão, formam um fenômeno de outra ordem, que é o organismo ou embrião, do mesmo modo no outro lado da transição dialética de um plano há a montagem. O que, então, caracteriza a montagem, e conseqüentemente, sua célula – o plano? A colisão. O conflito de duas peças em oposição entre si. O conflito. A colisão. Sua ambição maior, nunca realizada plenamente em virtude dos rumos adotados pela Revolução quando Stalin assume o po- der e institui no campo estético o realismo socialista como norma, seria a adoção da chamada montagem intelectual, uma montagem pautada pela associação entre processos de pensamento, expressa a título de ensaio na seqüência referente aos deuses de Outubro. Entre as ricas experiências elaboradas nesse contexto revolu- cionário, vale ressaltar O Homem da Câmera (1929), de Dziga Vertov, que também recorre à dialética materialista para pensar sua arte e tem igualmente uma atitude militante em relação ao seu meio de expressão. O Homem da Câmera constituiu
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