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ANÁLISE AMBIENTAL DOS CEMITÉRIOS UM DESAFIO ATUAL PARA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

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Revista de C. Humanas, Vol. 6, Nº 1, p. 127-144, Jan./Jun.2006 127
ANÁLISE AMBIENTAL DOS CEMITÉRIOS:
UM DESAFIO ATUAL PARA A
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 7
RESUMO: Este trabalho tem por objetivo prin-
cipal identificar os possíveis danos ambientais
provocados pela irregularidade nas cons-
truções dos cemitérios ou pela falta de con-
servação dos mesmos. Objetivou-se,
também, fazer um estudo Histórico, jurídico e
cultural das necrópoles e sepulturas diante
dos problemas ambientais e de higiene
pública. Foram utilizados dados normativos
a fim de estabelecer a competência municipal
para as questões funerárias. A partir disso,
analisou-se a atuação da Administração
Pública Municipal em relação ao problema
da localização dos cemitérios e a organiza-
ção interna das sepulturas. Por meio de
dados geográficos observou-se, de forma
empírica, a importância de um correto
planejamento urbano antes de se instalar um
cemitério ou crematório. As fontes jornalísti-
cas, por sua vez, foram elementos práticos
que permitiram uma melhor visualização dos
problemas funerários brasileiros. Ademais,
utilizou-se o método teórico-bibliográfico no
ensejo de retratar os princípios de Direito e
os fundamentos históricos aplicáveis ao tema.
Foi realizado, ainda, um estudo em torno da
recente Resolução 335 de 03 de abril de
2003 do CONAMA (Conselho Nacional do
Meio Ambiente) que dispõe sobre o
licenciamento ambiental dos cemitérios.
Portanto, com base em um dedicado estudo
multidisciplinar, o presente artigo demonstrou
os reais danos ao meio ambiente, provocados
pelas sepulturas e cemitérios irregulares.
Ficou, pois, comprovado, de forma prática,
que substâncias cadavéricas são elementos
potenciais de contaminação de lençóis
freáticos e rios. Enfim, quando é realizado
um correto planejamento, antes da instalação
de uma necrópole, além de estar prevenindo
possíveis danos ao meio ambiente, garantir-
se-ão o conforto e direito das famílias que,
eventualmente visitam os túmulos, num ato
de lembrança ou de respeito eterno.
PALAVRAS- CHAVE: Cemitérios. Problemas ambientais. Administração Pública. CONAMA;
licenciamento ambiental. Lençóis freáticos.
1. INTRODUÇÃO
"Cemitérios e meio ambiente" ainda é um assunto pouco discutido no meio acadêmico.
Decerto, é um tema bastante delicado, haja vista envolver crenças e questões culturais, atreladas ao
1 Graduação em Direito pela Universidade Federal de Viçosa - Pós-Graduação em Gestão Ambiental -
Empresa de Assessoria Técnica e Educação Avançada EVATA (FAVAPI).
 Silvestre Sales Machado1
Revista de C. Humanas, Vol. 6, Nº 1, p. 127-144, Jan./Jun.2006128
fenômeno morte que, paradoxalmente, se encontra tão próximo das relações humanas. Atual-
mente, a maioria dos administradores municipais encontra dificuldades para resolver os proble-
mas funerários locais2. Ademais, em muitos municípios é possível observar, claramente, o descaso
para com a organização cemiterial. É, acima de tudo, um problema histórico. Não há, no Brasil, Lei
Federal que discipline o Regime dos Bens Funerários, especialmente no que tange às necrópoles e
às sepulturas. Não há, pois, Instrumento Legal que obrigue as municipalidades a darem prerrogativas
às questões funerárias. Desse modo, sendo o serviço funerário de predominante competência dos
municípios (interpretação sistemática à luz da Constituição Federal de 1988), há uma margem de
liberdade por parte dos respectivos gestores públicos, quanto à conveniência e oportunidade de
investimentos neste setor ou equipamento público. Daí tem-se, no Brasil, séria desordem em relação
às construções funerárias, cobrança de taxas mortuárias, construções de jazigos perpétuos e fiscali-
zação dos Empreendimentos e serviços Funerários. Como conseqüência dessa ineficiência adminis-
trativa, observam-se problemas relacionados à salubridade pública e ao meio ambiente. No decorrer
desse trabalho serão apresentados casos de contaminação ambiental em decorrência de sepulturas
irregulares, ou mesmo de cemitérios construídos de forma inadequada ou sem planejamento urbano.
A contaminação pelos denominados necrochorumes pode envolver, inclusive, lençóis freáticos e rios
responsáveis pelo abastecimento de água de determinada população3.
Por esses e outros fatos é que o CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente),
através da Resolução 335, de 03 de abril de 2003, modificada pela Resolução 368, de 28 de
março de 2006, dispôs sobre o Licenciamento Ambiental de Cemitérios.
Os cemitérios podem ser enquadrados no denominado meio ambiente artificial, que é
aquele resultante da intervenção humana, a exemplo das praças, ruas, edifícios. Mas, obviamente, tanto
o meio ambiente artificial como o cultural e o do trabalho têm sua origem no próprio meio ambiente natural.
Este último, portanto, sofre as conseqüências negativas das ações ou empreendimentos humanos, em
nome de um propagado desenvolvimento socioeconômico ou mesmo para satisfazer as necessidades
biológicas, psicológicas ou transcendentais da sociedade. O enterramento dos mortos é exemplo típico
dessas "necessidades" sociais, que existem desde a mais primitiva organização grupal.
O estudo que aqui se inicia, portanto, pretende, primeiramente, fazer um breve
panorama histórico dos sepultamentos e das necrópoles, haja vista a novidade do tema.
2 Um exemplo desses problemas funerários foi encontrado em Palmas (TO), conforme trechos da
seguinte notícia de Jornal:
"Falta de Cemitério Público Gera problemas. A falta de um cemitério público em Palmas tem gerado um
problema constrangedor e desgastante à população de baixa renda, impossibilitada de arcar com uma despesa
mínima de R$ 1.300,00 para enterrar seus entes queridos, preço cobrado pelo único cemitério da cidade, o Jardim
das Acácias, que é particular. A prefeitura, que arcaria com as despesas nos casos de óbitos de carentes, nem
sempre autoriza a cobertura dos custos. O problema começou com o enchimento do Lago de Lajeado, pois, com
a formação do reservatório, o lençol freático subiu e atingiu uma parte do Cemitério Municipal São Miguel, em
Taquaralto. Os sepultamentos foram cancelados no local e transferidos para o Jardim das Acácias. A prefeitura arca
com as despesas dos casos de pessoas consideradas de baixa renda, mas a situação está difícil, pois há muitos
casos recusados e as famílias têm que buscar outros meios para conseguir enterrar seus entes queridos, pois o
único cemitério do plano diretor da cidade é particular" (Jornal do Tocantins - Palmas/TO - 19/7/2005).
3 Atentos à provável contaminação do aqüífero freático, gerada pelo necro-chorume, ou seja, o líquido resultante
do processo de decomposição dos cadáveres, o geólogo Alberto Pacheco et alii realizaram uma coleta de
amostras das águas do aqüífero de três cemitérios: Areia Branca (Santos), Vila Formosa e Vila Nova Cachoeirinha
(São Paulo), em 1989. (Alberto Pacheco & Et alii, Cemiteries - A Potencial Risk Groundwater, 1991, p. 101).
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Posteriormente será realizado um estudo jurídico sobre a competência municipal para as
questões funerárias. Em seguida, por meio de um estudo geográfico e empírico será realizada
uma investigação em torno do espaço urbano e do planejamento administrativo com vistas
à correta construção de cemitérios públicos e particulares, coadunados com as exigências
técnicas e ambientais. Por fim, será analisada a recente Resolução 335 do CONAMA, que
dispõe sobre o Licenciamento Ambiental dos Cemitérios.
Enfim, sendo as necrópoles e as sepulturas obras humanas merecem um estudo sério
e científico, haja vista os efeitos que produzem no mundo dos fatos e das relações humanas.
2. ALGUNS APONTAMENTOS HISTÓRICOS DOS SEPULTAMENTOS E DOS CEMITÉRIOS
De acordo com Vitor Manuel Dias (1963, p. 19), foi com o aparecimento do
homem de Neandertal, no período do paleolítico médio (125.000 a 65.000 a.C), que
possivelmenteteve início a prática de inumações acompanhadas de ritos funerários4 .
Registra Elena Lafontaine (1995, p. 16) que o homem do neolítico (entre 7.000
e 5.000 anos a. C) retoma o culto aos mortos criando diversos tipos de sepulturas5. O que
se infere, então, é que as inumações eram praticadas nos campos, nas grutas naturais -
que também eram habitações -, nas grutas artificiais, em fossas, em sepulcros propriamente
ditos. E, segundo Jean-Pierre Bayard (1996, p. 63), a destinação dos mortos, embora
geralmente fosse a inumação, poderia também ser a cremação6.
Já os sepultamentos encontrados nos Sambaquis, litoral centro-sul do Brasil, represen-
tam para os pesquisadores uma das mais importantes fontes históricas funerárias. Lembra Schmitz
que já houve quem considerasse os Sambaquis como montículos de sepultamentos ou mesmo como
pirâmides primitivas7. Já a cultura Tupi-guarani possuía sepultamentos de dois tipos: em terra e em
urnas. Tanto um como outro podem ser encontrados num mesmo sítio. O sepultamento em urna,
resultaria da preocupação dos sobreviventes de não deixarem os ossos em contato com a terra8.
Na sistemática hebraica, os sepultamentos eram feitos, de preferência, em grutas
naturais próximas aos povoados. O exemplo mais importante relatado na Bíblia é o da Sepultura
de Sara, esposa de Abraão, na caverna de Macpela, nas terras dos Hititas (Gn 23, 1-20).
Abraão pagou pelo local quatro quilos de prata. Nessa mesma caverna foram sepultados o
próprio Abraão (Gn 25, 9), Isaac e Rebeca, Jacó e Lia (Gn 49, 30 e 50, 13).
Em Roma, como na Grécia, o enterro dos mortos era um dever sagrado. Os
romanos praticaram, simultaneamente, os dois grandes ritos funerários, a cremação e a inuma-
ção. A cremação é, desde as origens, o rito mais freqüente. A Lei Romana interditava os sepulta-
mentos no interior das cidades (salvo no caso de pessoas singulares), e os sepulcros eram
4 DIAS, Vítor Manuel Lopes. Cemitérios, jazigos e sepulturas. Porto: Coimbra Editora, 1963. 523 p.
No mesmo sentido: "É o homem de Neandertal, portanto, o criador dos primeiros ritos funerários" (SONNE-
VILLE-BORDES, Denise de. A pré-história. Lisboa: Editorial Presença, 1981. 181 p).
5 LAFONTAINE, Elena Antonieta. En La memória de la piedra. Buenos Aires: Grupo Editor
Latinoamericano, 1995. 206 p.
6 BAYARD, Jean-Pierre. Sentido Oculto dos Ritos mortuários. Morrer é morrer? São Paulo: Paulus, 1996. 321 p.
7 SCHMITZ , Pedro Ignácio. A história do velho Brasil. Ciência Hoje, n. 54, p. 47-8 (junho de 1959).
8 PROUS, André. Arqueologia Brasileira. Brasília: UNB, 1992, p. 424.
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edificados fora das muralhas e, por um sentimento natural, procurava-se situá-los num local onde
fossem vistos pelo maior número possível de pessoas. É por isso que as estradas, à saída das
cidades, estavam pejadas de sepulcros, com vários níveis de profundidade (SILVA, 2000, p. 437)9.
No que se refere à Lei das Doze Tábuas, é importante transcrever o seguinte dispositivo da Tábua
décima, referente ao tema: "Não é permitido sepultar nem incinerar um homem morto na cidade".
Nota-se que os Romanos tinham uma preocupação constante com os sepulta-
mentos fora da cidade. A propósito, a Lex ursonensis, de 44 a.C. (Lei de Osuna), de
aplicação na península Ibérica, dedicava vários capítulos às questões jurídicas do urbanis-
mo, começando pela proibição de sepultar ou cremar os corpos dentro do recinto amura-
lhado da cidade, assim como de levantar um monumento funerário neste âmbito, ordenan-
do-se que as ustrinae para a cremação se estabelecesse a uma distância mínima de 500
passos fora da Urbe, evitando-se riscos de incêndio. As infrações a estas regras eram
punidas com multas e com a demolição do monumento funerário levantado10. Era a idéia
implícita de proteção daquilo que hoje é denominado "Meio Ambiente Artificial".
Em 1348 (Idade Média) surge na Europa, vindo da Ásia, a Peste Negra, que iria
matar até 1351, um terço da população (SILVA, 2000, p. 490)11. Os cadáveres eram retirados das
residências e colocados à frente da porta da casa, onde eram vistos em quantidade inumerável
pelos que perambulavam pela cidade e que, vendo-os, adotavam medidas para o preparo e
remessa dos caixões. Tão grande era o número de mortos que, escasseando os caixões, os
cadáveres eram postos sobre simples tábuas. Um único caixão servia para o transporte comum de
dois ou três mortos. Também não sucedeu uma nem duas vezes apenas que esposa e marido, ou
dois e três irmãos, ou pais e filho fossem encerrados no mesmo féretro (2000, p. 492).
Diante desse quadro funesto, o século XV foi o auge do chamado "culto da morte",
apesar de sua fonte datar-se do século XIV. É o que descreve Bárbara Tuchman (1989, p. 461):
Quando a morte podia ser encontrada a qualquer momento, em qualquer esqui-
na, era de esperar que se tornasse banal. Em lugar disso, porém, exercia uma
fascinação soturna. A ênfase recaía nos vermes e na putrefação, em repugnan-
tes detalhes físicos. Se antes a idéia dominante da morte era a viagem espiritual
da alma, agora o apodrecimento do corpo parecia mais significativo12.
O cenário de constantes crises de mortalidade exigiu maior empenho das políticas
públicas. Na Áustria, por exemplo, foi revista, em 1774, a prática de sepultamentos. Na França
surgiram ordenanças municipais sobre cemitérios desde 1765. Como observa Silva (2000,
p.514), a questão higiênica dos sepultamentos, nos fins do século XVIII e início do século XIX iria
resultar em uma política voltada ao estabelecimento de cemitérios públicos.
Ressalta-se que, diante das pesquisas realizadas para a confecção do presente
trabalho observou-se que, durante o século XVIII, a preocupação com a localização dos cemitérios
9 SILVA, Justino Adriano Farias da. Tratado de Direito Funerário. T.I. São Paulo: Método, 2000. p. 437.
10 FERNANDEZ DE VELASCO, Recaredo. Natureza Jurídica de cementerios y sepulturas. História y
problemas jurídicos. Madrid: Editorial Revista de Derecho Privado, 1935. 301 p.
11 SILVA, Justino Adriano Farias da. Tratado de Direito Funerário. T.I. São Paulo: Método 2000. p. 490.
12 TUCHMAN, Bárbara W. Um espelho distante. O terrível século XIV. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989. 619 p.
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alcançou fatores geográficos, como relevo e densidade demográfica. As normas da época, como
a "disciplina eclesiástica e moderna, relativa ao lugar das sepulturas", datada de 1786, determina-
va que os novos cemitérios devessem ser construídos em locais ventilados e distantes das casas
de moradia e, ao mesmo tempo, preferencialmente em lugares castigados pelas epidemias e nas
cidades mais populosas, devido à maior proporção de mortes sob diversas causas. Mas a admi-
nistração pública tinha um papel menos expressivo do que as organizações eclesiásticas, no que
tange ao domínio sobre as necrópoles. Não obstante, esse poder público já pressionava a Igreja
a observar as questões de saúde pública. De fato, a fé religiosa era um grande óbice para as
execuções de salubridade das municipalidades (SILVA, 2000, p. 285-289).
Aos poucos, o caráter de obrigatoriedade de construção de novos cemitérios,
tornou-se uma realidade. Havia, pois, um fato: as constantes crises de mortalidade. Logo,
necessitava-se de normas mais modernas e condizentes com a saúde humana. Os velhos
paradigmas ou valores perderiam espaço para uma necessidade social e política. O morto
já não era tão somente um simples objeto transcendental e mítico, mas também um fator
orgânico, disseminador de moléstias e de ocupação de espaço geográfico. Sendo assim,
diversos cemitérios foram criados entre 1804 a 1814.
O século XIX caracterizou-se pela preocupação com a salubridade pública. Já nos
primeiros anos constata-se uma consciência mais lúcida dos perigos resultantes da decomposi-
ção cadavérica. As transformações químicasdecorrentes do contato do ar com os corpos mortos
originavam, segundo os estudiosos, gases nocivos à população. O avanço dos conhecimentos
de higiene pública levantava a questão do local mais adequado para o sepultamento dos
cadáveres, na medida em que era fato incontroverso, que a utilização dos espaços das igrejas
se tornara uma prática absurda e favorável à degradação do meio ambiente (SILVA, 2000, p.553).
Ao lado disso, havia outra preocupação: a resistência da população em aceitar
cemitérios longe de suas habitações e fora das igrejas. Em junho de 1811, os membros da
Irmandade do Santíssimo Sacramento da freguesia dos Anjos, em Lisboa, denunciavam a
necessidade urgente de ser construído um cemitério para inumação dos cadáveres, face à falta
de local na igreja da paróquia (SILVA 2000, p.554). Esse autor relata ainda que:
A preocupação com a salubridade pública fica patente, quando se examina as
conclusões dos médicos sobre o terreno destinado a esse cemitério: a extensão
do espaço reservado às sepulturas é maior do que o da igreja onde antes se
depositavam os cadáveres, pelo que era possível alargar o período de reabertu-
ra das covas; a qualidade da terra do novo local, ainda que não sendo de
natureza calcária, oferecia melhores condições do que o terreno pertencente à
igreja, que não era suscetível de consumir rapidamente os cadáveres; o grau de
umidade que o futuro terreno oferecia era valioso para a aceleração do processo
de eliminação dos corpos, aspecto que podia ser identificado com o lançamento
de cal nas covas; a profundidade das sepulturas eliminava a possibilidade de
aparecimento de vapores pútridos à superfície, desaparecendo assim as preocu-
pações com a higiene pública. Assim, considera-se o novo local como mais
adequado aos sepultamentos, desde que se respeitassem alguns requisitos:
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misturar a terra com cal, abrir as covas com profundidade de seis pés, não
reabrir as covas sem que todo o cemitério ficasse saturado, tudo com vistas à
inteira consumação dos corpos13.
O estudo da química interpretava os processos de decomposição cadavérica e
ao lado disso, dava a conhecer as espécies de terra mais propícias ao desenvolvimento da
putrefação. As autoridades se achavam, portanto, em condições de promover profundas
alterações nos usos e costumes da época. Os especialistas em higiene ofereciam às autorida-
des sugestões de toda espécie: localização dos cemitérios fora da zona urbana, distando,
pelo menos, 600 pés; posição em relação aos ventos de verão (v.g., os terrenos mais
adequados localizavam-se ao Norte e Noroeste, de tal modo que os ventos passassem sobre
as habitações antes de chegarem aos cemitérios); localizar-se em locais mais elevados,
imunes à inundações; afastados das fontes d'água, etc. ( SILVA, 2000, p. 555).
No século XIX localiza-se a fase mais significativa da inusitada história cemiterial. O
Decreto de 12 de junho de 1804, da França, estabeleceu regras que têm repercussão ainda nos
tempos hodiernos. Foi a ratificação definitiva da vedação de enterrar os mortos nas igrejas e nas
cidades. Ditava, ainda, que as sepulturas distassem, pelo menos, de 35-40m dos limites de períme-
tro urbano. Determinava que os corpos não fossem mais sobrepostos, mas justapostos. Fixava-se
distância mínima entre uma sepultura e outra e vedava a reutilização de valas, senão depois de
cinco anos. As concessões de jazigos perpétuos aparecem pela primeira vez, em termos legais14.
Mas o progresso e o êxodo rural são inexoráveis, implacáveis. Se por um lado os
costumes de enterrar os corpos nas cidades tinham sido banidos, não seria possível nenhuma
norma ou ideal médico impedir o avanço feroz da urbanização em direção às necrópoles. Em
1859, os mortos estavam novamente sendo enterrados no perímetro urbano de Paris. Na
Espanha e em Portugal, a situação era semelhante. Desenvolveram-se, então, diversas teorias
científicas e estudos práticos sobre a problemática do cadáver humano nas cidades. Foram
realizadas, em Portugal, análises de "ar" e "água" em necrópoles, tendo como responsável o
Professor Ricardo Jorge, que realizou experimentos nos cemitérios de Lisboa e Porto15.
No Brasil, o problema dos cemitérios seguiu essa mesma lógica. Os enterramentos
aconteciam de forma desorganizada e sem cuidados ambientais. A população, ao lado das
Ordens Religiosas, oferecia forte resistência ao controle Estatal das necrópoles. O fator cultural
e as crenças locais permitiram à Igreja administrar as necrópoles até 1890 (Decreto n. 789, de
13 SILVA, Justino Adriano Farias da. Tratado de Direito Funerário. T.I. São Paulo: Método, 2000. p. 554.
14 Citado por Justino Adriano Farias da Silva, p.293, T.II.
15 "Ao sepultar-se um cadáver, sepulta-se também a peçonha bactéria de que ele possa ser portador".
"A habitação do vivo é tremendamente mais inquinadora que a habitação do cadáver [...] o ar deve
estar separado do cadáver pútrido por uma camada suficiente de filtro purificador. Respeitadas estas
premissas, desaparece qualquer receio de perigo sanitário; o ar do cemitério é tão puro como qualquer
outro ar e as águas profundas de seu subsolo são inofensivas. Por isso, não há razões científicas para
sua expulsão para longe dos locais povoados. Tudo reside na boa escolha do terreno, bem permeável
e poroso, fácil de escavar e sem rochas, que é o terreno mais apto para o desenvolvimento dos
processos biológicos de auto purificação, que se passam nas suas camadas superficiais, comunican-
do-lhe uma vida biológica intensa." (Cf. A. da Silva Travassos. Enciclopédia luso-brasileira de
cultura, v. IV, p. 1758. Apud Justino Adriano Farias da Silva, p. 295 - com adaptações.)
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27 de setembro de 1890)16. A partir desta data concretizou-se a denominada secularização
cemiterial, ou seja, domínio administrativo das necrópoles pelo poder público. Desde então,
os cemitérios seriam laicos, assim como o Estado.
Enfim, os sepultamentos são fatos marcantes desde as primeiras civilizações huma-
nas. Sepultar sempre foi um ato de dignidade e respeito para com o próximo. Os cemitérios,
porém, como espaço organizado para as inumações de cadáveres humanos surgiram após
normas protetoras da organização urbana e da salubridade pública.
3. A COMPETÊNCIA MUNICIPAL PARA AS QUESTÕES FUNERÁRIAS
Os Municípios Brasileiros têm competência para organizar seus serviços públicos
locais. Isso está claro no artigo 30, inciso V, da Magna Carta de 198817. Tal dispositivo estabe-
lece: "Compete aos Municípios: V - Organizar e prestar, diretamente ou sob regime de conces-
são ou permissão, os serviços públicos de interesse local, [...]".
O inciso VIII desse mesmo artigo deixa claro que é competência dos Municípios
"promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e
controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo".
A competência para organizar serviços públicos de interesse local é um reflexo do
Princípio Constitucional da Autonomia Administrativa Municipal. O requisito é justamente a figura
deste "interesse específico", já mencionado. Mas não há interesse municipal que também não o
seja estadual e federal. A propósito, Hely Lopes Meirelles (1994, p. 330)18, em poucas linhas
retrata a questão da competência em relação aos serviços funerários:
O serviço funerário é da competência municipal, por dizer respeito a atividades de
precípuo interesse local: a confecção de caixões, a organização de velório, o
transporte de cadáveres e a administração de cemitérios. As três primeiras podem
ser delegadas pela Municipalidade, com ou sem exclusividade, a particulares que
se proponham executá-las mediante concessão ou permissão, como pode o
município realizá-las por suas repartições, autarquias ou entidades paraestatais.
No que tange às necrópoles de domínio privado,não pode o Poder Municipal vedar sua
implantação. Não obstante, pode a Administração Pública limitar sua ocorrência através de normas
administrativas no âmbito da competência do interesse local. É certo que a implantação destes
cemitérios está condicionada à autorização do Poder Público Municipal através do ato de permissão.
De acordo com Hely Lopes Meirelles (2004, 186-187),
permissão é o ato administrativo negocial, discricionário e precário, pelo qual o
Poder Público faculta ao particular a execução de serviços de interesse coletivo,
16 VALLADARES, Clarival do Prado. Arte e Sociedade nos cemitérios brasileiros. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1972, v. I, p. 150.
17 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 / Coord. TAPAI, Giselle de Melo. 7. ed. São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
18 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1994. Também encon-
trado: TJSP, RDA 45/110, 56/236; RT 164/630, 275/544, 280/448, 309/244;TASP, RT303/479,310/408 e 311/484.
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ou o uso especial de bens públicos, a título gratuito ou remunerado, nas condições
estabelecidas pela administração. Não se confunde com a concessão, nem com
a autorização: a concessão é contrato administrativo bilateral; a autorização é ato
administrativo unilateral. Pela concessão contrata-se um serviço de utilidade públi-
ca; pela autorização consente-se numa atividade ou situação de interesse exclusi-
vo ou predominante do particular; pela permissão faculta-se a realização de uma
atividade de interesse concorrente do permitente, do permissionário e do público.19
A permissão administrativa será outorgada contanto sejam preenchidos os requisitos
legais. E não se pode olvidar que são as Leis Municipais que especificam tais diretrizes ou condições.
Um exemplo atual do importante papel das Câmaras Legislativas Municipais é o Projeto de Lei
Municipal n° 87/2006 da Câmara Municipal de Foz do Iguaçu, no Paraná20. Tal projeto cria normas
para a instalação e funcionamento de Cemitérios Particulares. Já no artigo primeiro, estabelece:
Art. 1º A instalação e o funcionamento de cemitérios particulares no Município de
Foz do Iguaçu obedecerão além do disposto nesta Lei, as disposições constan-
tes na Lei Municipal de Zoneamento de Uso e Ocupação de Solo, no "Estatuto
da Cidade", obedecida a legislação federal, estadual e municipal.
O artigo 3º, por sua vez, vem trazer à tona o papel do Poder de Polícia Municipal: Art. 3º
- "Não será permitida a instalação de cemitérios particulares em locais considerados, pelo Poder
Executivo, inadequados, urbanisticamente impróprios ou esteticamente desaconselháveis". Já no
capítulo da Permissão, o artigo 21 do referido projeto de Lei estabelece que os atos de permissão,
interdição e cassação de cemitério são de competência do Prefeito Municipal. O artigo 22 desta
proposição legal arrola vários documentos necessários para se permitir a instalação de uma necró-
pole. O texto legal, apesar de bastante repetitivo, demonstra louvável preocupação com o tema,
principalmente em relação aos problemas ambientais oriundos das necrópoles21. O Projeto também
19 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.
20 Disponível em <http:// www.camarafoz.pr.gov.br>.
21 Art. 22. O Prefeito Municipal permitirá a instalação de cemitérios particulares a associações religiosas, entidades de
caráter assistencial, educacional, filantrópica, sindicais e empresas individuais ou coletivas, para o que devem as
mesmas apresentar: [...] IV- transcrição de matrícula no Cartório de Registro de Imóveis atualizada, no máximo de
90 dias, com averbação da Reserva Legal à margem da matrícula, se imóvel rural; V- planta do município com a
localização do empreendimento; VI- súmula com características básicas do empreendimento, dentre elas sobre: a) a
atividade; b) localização; c) bacia hidrográfica; d) nome do empreendimento; e) tipo de empreendimento; f) número de
unidade; g) tamanho das unidades; h) área construída; i) área total do imóvel; j) finalidade; k) se é servido ou não por
rede de abastecimento; l) se é servido ou não por rede de esgoto ou capacidade de absorção do solo (l/m²/d); m) nível
do lençol freático. Parágrafo único. O empreendedor, sem prejuízo das demais exigências legais, deverá apresentar
também um projeto preliminar do empreendimento, contendo o memorial descritivo, elaborado por profissionais
habilitados, acompanhado das respectivas ART's, na forma da Lei, contendo no mínimo: I- planta ilustrativa, contendo
caracterização da área quanto ao relevo, hidrografia, solos, vegetação, aspectos geológicos e geotécnicos, em
atenção ao disposto no art. 3º da Lei Federal nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, bem como indicação de infra-
estrutura existente ou a ser instalada, a saber: a) sistema de abastecimento de água; b) energia elétrica; c) esgotamento
sanitário; d) linha telefônica; e) acessos viários; f) apresentação de, no mínimo, 10 fotografias do local objeto da
solicitação; g) plantas planialtimétricas, locando as áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal. II - anuência
prévia do município em relação ao empreendimento, declarando expressamente a inexistência de óbices quanto à lei
municipal de uso e ocupação do solo urbano e toda a legislação de proteção do meio ambiente; III- prova de publicação
de súmula do pedido de Licença Prévia em jornal de circulação regional e no Diário Oficial do Município, conforme
modelo aprovado pela Resolução CONAMA nº 006, de 24 de janeiro de 1986.
Revista de C. Humanas, Vol. 6, Nº 1, p. 127-144, Jan./Jun.2006 135
evidencia o poder discricionário municipal quanto à aceitação inicial da localização e características
preliminares. A decisão do prefeito é discricionária nesses casos, podendo ou não permitir a instalação
da necrópole, de acordo com a conveniência administrativa e com os critérios legais.
A Resolução 335/2003 do CONAMA que, aliás, foi alterada pela resolução 368/2006 foi
um dos principais fatores que impulsionaram o citado projeto de Lei. A tendência, agora, é a prolifera-
ção de Leis nesse sentido, haja vista o caráter obrigatório do Licenciamento Ambiental de Cemitérios.
 A propósito, foi possível observar que em Juiz de Fora (MG), a adequação ambi-
ental dos cemitérios também é motivo de preocupação da administração municipal22.
4. PLANEJAMENTO URBANO E CEMITÉRIOS - REFLEXOS NO MEIO AMBIENTE
NATURAL, ARTIFICIAL E CULTURAL
Construir um cemitério requer, primeiramente, detalhado planejamento urbano. Caso
não haja um prévio estudo de impacto ambiental corre-se o risco de haver também problemas
estéticos e até mesmo de saúde pública. Atualmente, são raros os administradores públicos que
se preocupam com o problema da localização e manutenção das necrópoles. Infelizmente, o
problema é colocado em segundo plano. Fatores de ordem religiosa, psicológica e político-
administrativa impedem a atuação efetiva dos governos locais.
Grande polêmica é a instalação de fornos crematórios que, muitas vezes, ape-
sar de serem ambientalmente viáveis são evitados por não serem aprovados por algumas
religiões e culturas vigentes. Estas, deveras, não podem ser ignoradas. São valores mo-
rais e espirituais arraigados também na sociedade Brasileira.
Sendo assim, a inumação ainda é a regra no Brasil e, por isso, ao se escolher um
determinado sítio, destinado a um cemitério, é imprescindível que o mesmo seja corretamente
dimensionado e que se crie um programa racional de sepultamentos, tendo em vista proteger
a área contra uma rápida saturação. E, para que os sepultamentos não constituam perigo
para a saúde da população (v.g., pelo vazamento de líquidos pútridos ou produtos da coli-
quação - "necrochorumes"), devem ser observadas as normas de higiene, quando existen-
tes. As substâncias cadavéricas, resultantesdo processo de putrefação, conforme alguns
estudos realizados são portadoras de germes patogênicos (um desses estudos será analisa-
do adiante) e, quando transportadas por água de superfície, podem vir a constituir em agen-
tes de contaminação ambiental, poluindo rios, reservatórios e redes de distribuição de água.
A escolha do solo é outro fator decisivo para a implantação de uma necrópole.
Os cemitérios são, modernamente, considerados bens públicos de uso especial23.
Isso quer dizer que sua destinação é específica para fins de inumações de cadáveres humanos,
além de estar sob a fiscalização do poder público, mesmo quando for de domínio privado. No
22 "A possibilidade de construção de um cemitério vertical de 13 andares e de um crematório, em Juiz
de Fora, dependerá de mudanças no Código de Posturas. O atual não permite construções desse porte.
O projeto foi discutido ontem, em audiência pública, na Câmara Municipal. A falta de espaço nos
cemitérios locais, além de praticamente todos eles estarem inadequados ambientalmente, motiva a
construção". (Jornal Tribuna de Minas - Juiz de Fora/MG - 19-03-2004 - grifos meus)
23 FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 12. ed. Rio de Janeiro:
Lúmem Júris, 2005. p.1023.
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Área Reservada para casos de epidemias ou grandes catástrofes 15 a 20 %
Área destinada às sepulturas perpétuas 30%
Área destinada para equipamentos e avenidas 30%
Áreas para sepulturas de aluguel 20 a 25 % 
que se refere aos problemas ambientais, na prática, há bastante polêmica sobre a insta-
lação de necrópoles, principalmente quanto à proximidade de lençóis freáticos ou rios24.
A saturação dos cemitérios é outro grave problema enfrentado pelos adminis-
tradores municipais. A venda indiscriminada de jazigos perpétuos é um dos principais
motivos da saturação. Silva (2000, p. 416), citando Rigotti ("Técnicas de Urbanismo"),
apresenta as seguintes percentagens ideais para uma necrópole25:
5. MEIO AMBIENTE, CEMITÉRIOS E ESPAÇO URBANO. QUESTÕES GEOGRÁFICAS
E NORMATIVAS
Pesquisa interessante e que merece ser evidenciada foi realizada pelo geógrafo
Eduardo Coelho Morgado Rezende26. Segundo ele, "a cidade dos vivos influenciou na cidade
dos mortos" (2000, p. 18). Esse autor, fazendo um estudo crítico e prático sobre o famoso
cemitério de Vila Formosa, em São Paulo, considerado o maior da América Latina, menciona
que existe áreas destinadas a cemitérios que foram transformadas em grandes conjuntos habi-
tacionais, conhecidas como COHABs, que, na verdade, possuem uma concepção semelhante
ao cemitério popular, cuja padronização e impessoalidade são características dominantes. O
referido autor faz ainda uma denúncia social importante, quando esclarece que muitos dos
cemitérios do Município de São Paulo dividiam espaço com lixões municipais. Logicamente, tais
cemitérios eram públicos e destinados ao sepultamento de pessoas de baixa renda.
24 "Cemitério está Sobre um Lençol Freático. Técnicos da Fatma e do Ibama estiveram ontem em Governador
Celso Ramos para avaliar áreas do município para a instalação de um novo cemitério. Construído em 1746 na
Praia da Armação da Piedade, o único cemitério está sem capacidade. Outro problema, segundo ambientalistas,
é a sua localização, em uma área de Marinha com lençol freático superficial. "O problema se arrasta há anos e
agora queremos dar um basta", disse o engenheiro ambiental Ramon Daro, vice-presidente da Associação
Sócioambiental Armação da Piedade. Localizado na última praia de Governador Celso Ramos, o cemitério é um
patrimônio histórico, tombado pelo município e pelo Estado. "Se fosse projetado hoje, este cemitério seria embar-
gado por estar sobre um lençol freático", explica Daro.” [...]. (Diário Catarinense - Florianópolis/SC - 21/04/2004).
Disponível em < http: // www.sincep.com.br/ notícias>. Acesso em 06 jul. 2006.
 "A 4ª Câmara Cível do [sic] TJPR negou, por unanimidade de votos, a apelação do município de Pinhais
para implantação de um cemitério. A decisão foi anunciada ontem. A razão para a decisão foi o impacto
ambiental que decorreria da instalação do cemitério em área do município. Pinhais tem boa parte de seu
território situado em área de preservação ambiental que guarda porção expressiva dos mananciais respon-
sáveis pelo abastecimento de água da Grande Curitiba. O Instituto Ambiental do Paraná (IAP) já havia negado
a autorização para a implantação do cemitério, por representar risco de contaminação do lençol freático da
região, advertiu o relator da Câmara Cível, desembargador Wanderlei Resende. O Município alega que não
tem espaço para um cemitério municipal". ("Pinhais não pode construir cemitério" - Jornal do Estado
- Curitiba - 10/06/2004). Disponível em <http: www.sincep.com.br/ notícias>. Acesso em 06 jul. 2006.
25 SILVA, Justino Adriano Farias da. Tratado de Direito Funerário. São Paulo: Método. 2000, p. 416.
26 REZENDE, Eduardo Coelho Morgado. Metrópole da morte, Necrópole da vida: um estudo geográ-
fico do cemitério de Vila Formosa. 2. ed. São Paulo: Carthago Editorial, 2000.
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Outra crítica realizada pelo citado geógrafo e que merece destaque, por demonstrar
sensibilidade social e histórica, se refere aos denominados jazigos perpétuos:
Os cemitérios paulistanos anteriores aos de Vila Formosa possuíam áreas de
jazigos perpétuos para pessoas ilustres ou ricas; as sepulturas eram 'eternas',
propiciando a propriedade privada em cemitérios públicos. Com a explosão demo-
gráfica da cidade de São Paulo, os espaços cemiteriais ficaram escassos e a
propriedade das sepulturas agravavam essa situação. Como equacionamento
deste problema, foi construído um cemitério onde não havia nenhuma forma de
propriedade privada, onde a prática de exumação permite a retirada dos restos
mortais da sepultura e o armazenamento em ossuários verticais ocupando um
espaço menor. Esta exumação ocorre no cemitério de Vila Formosa em função do
modo de sepultamento: a inumação, onde o caixão permanece em contato direto
com a terra, gerando uma decomposição mais rápida do que na tumulação pratica-
da nos cemitérios tradicionais, onde o corpo não fica em contato direto com a terra.
Além da exumação, o cemitério de Vila Formosa apresenta suas sepulturas todas
padronizadas, promovendo um tipo único de campa; essa igualdade e a ausência
de propriedade privada geram uma nova forma de percepção espacial (p.17).
No que se refere à estética, as sepulturas das necrópoles brasileiras não obedecem a
nenhum padrão. Uma boa sugestão aos parlamentares é a criação de uma legislação que proíba os
abusos de determinados monumentos funerários, que prejudicam, inclusive, o visual urbano. A
arborização dos cemitérios seria uma saída importante, rumo à melhoria da paisagem em volta e
dentro desses lugares, sem que as raízes prejudiquem as sepulturas. Em São Paulo, O Código
Sanitário Estadual determina que, pelo menos, 20% da área dos cemitérios sejam arborizadas (artigo
157)27. Na verdade, a presença de áreas verdes, com árvores, arbustos, flores, gramados, etc.,
justifica-se não apenas por questões estéticas, mas, fundamentalmente, por questões de salubridade.
Silva (2000, p. 420) observa que uma das funções dos vegetais consiste na absorção
da água do solo, da qual se alimentam com matérias dissolvidas e que depois lançam na atmosfera
pela evaporação. Abreviam a decomposição cadavérica e a destruição da matéria orgânica através
da oxigenação realizada por intermédio das raízes. Estas são verdadeiros condutores e fazem com
que o ar e a água se infiltrem alternada ou conjuntamente no solo. Acrescenta-se, ainda, que o lençol
d'água encontrado no terreno deve estar, no mínimo, a 1 ou 2m do ponto mais profundo utilizado para
a cova. O ideal, conforme explica o citado autor, é que exista entre este ponto e o lençoluma camada
fina impermeável, ou uma camada grossa de permeabilidade média (2000, p. 426)28.
Em Portugal, o Decreto 44.220, em seu artigo 20, estabelecia: "Devem plantar-se,
nos cemitérios, árvores, arbustos e espécies herbáceas, reservando as primeiras, de preferên-
cia, para as zonas mais afastadas das sepulturas". Mas, ressalte-se que a vegetação não deve
impedir a circulação dos ventos e a penetração dos raios solares.
27 BRASIL. Prefeitura Municipal de São Paulo. Legislação. Disponível em <http://www.prefeitura.sp.gov.br>.
28 O Código Sanitário do Estado de São Paulo determina que o nível de lençol freático, nos cemitérios, deverá
ficar a 2,0 (dois) metros, no mínimo, de profundidade.
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Os muros também constituem importante fator de proteção ambiental e estético, já
que separam as sepulturas dos locais de residência, trabalho, tráfego constante, além de dificul-
tar os furtos a objetos funerários e violações de túmulos. A maioria dos Municípios brasileiros
estabelece uma altura de 2,20 m, ou 2,00m, para essa edificação. Exemplo é o artigo 2º da Lei
n. 1751, de 21/10/1976 do município de Araguari (MG)29. O Código Sanitário do Estado de São
Paulo determina que os cemitérios deverão ser isolados, em todo o seu perímetro, por logradou-
ros ou outras áreas abertas, com largura mínima de 15,00 m, em zonas abastecidas por redes
de água, e de 30,00 m, em zonas não providas de rede."
Acrescenta-se a essas sugestões a necessidade de censos demográficos ou popula-
cionais para que, numa previsão a longo prazo, seja possível inferir qual é a capacidade de cada
cemitério para as inumações. Conforme Justino Adriano da Silva (2000, p. 419), para estabelecer
os espaços adequados dos jazigos e dos ossuários, é preciso considerar o número médio anual
das concessões dos últimos anos, as tendências que a sua evolução acuse, além do nível econô-
mico das famílias e a grandeza ou a importância relativa dos aglomerados populacionais.
A localização dos cemitérios, em resumo, deve ser determinada levando em conta tanto
as condições geológicas do terreno como a sua situação geográfica (2000, p. 426). Deve-se evitar
que a área destinada aos cemitérios se situe a montante de qualquer reservatório ou sistema de
adução de água da cidade. Os terrenos arenosos (ou siliciosos), por serem leves, soltos, portanto,
porosos, permitindo o oxigênio, são ideais para os cemitérios. Os argilosos não são recomendáveis.
Os lugares de instalação das necrópoles devem ser altos e com planos inclinados30.
Não se pode deixar de registrar um importante estudo realizado por Bolívar Antunes Matos,
orientado pelo professor Dr. Alberto Pacheco, em Tese de Doutoramento pelo Instituto de Geociências da
USP (2001). O tema da pesquisa foi intitulado "A avaliação da ocorrência e do transporte de microorga-
nismos no aqüífero freático do Cemitério de Vila Nova Cachoeirinha", zona norte do Município de São
Paulo31. A metodologia aplicada foi dividida em etapas de laboratório e de campo. No laboratório
29 "Os cemitérios serão cercados por muros, com altura mínima de 2,00 metros, ao longo do qual haverá uma
cerca viva que deverá ser permanentemente tratada".
30 Código Sanitário do Estado de São Paulo, artigo 151: "Os cemitérios serão construídos em áreas elevadas,
na contravertente das águas que possam alimentar poços e outras fontes de abastecimento". Nos lugares altos,
a possibilidade da presença de terrenos arenosos e calcários é maior. Ademais, protegem os cemitérios das
inundações, e evitam que as covas estejam em uma profundidade semelhante aos lençóis d'água. Conforme
as normas funerárias, as necrópoles devem, também, ter uma declividade de 30 a 60º, para evitar, justamente,
o acúmulo de água no solo cemiterial. O Cemitério Dom Viçoso (Viçosa-MG), v.g., conforme levantamento
empírico possui uma declividade correta, e está localizado numa área elevada, mas o crescimento da cidade,
aos poucos, faz com que o cemitério fique situado em um nível abaixo dos conjuntos residenciais. Mas, em
Viçosa, o problema maior se refere ao Cemitério Colina da Saudade, conforme os seguintes trechos do Jornal
Tribuna Livre (nº 820), de 09 de março de 2007, p. 05: "[...] Os familiares tiveram que usar os faróis de um carro
e de uma moto para iluminar o túmulo do falecido [...] tiveram que enfrentar um extremo mau cheiro, oriundo dos
sepultamentos recentes. Indagado sobre o que estava provocando aquilo, o coveiro disse que estava faltando
material para vedar os túmulos". [...] "Nem um pasto é tão abandonado; aquele lugar é uma sujeira só; não tem
terraplanagem; os corredores são estreitos; não há iluminação; o portão vive quebrado; ...paisagismo nem se
fala", comentou a reclamante ao Jornal ("Cemitérios são alvos de críticas").
31 MATOS, Bolívar Antunes. Orientador: Prof. Dr. Alberto Pacheco. A avaliação da ocorrência e do transporte de
microorganismos no aqüífero freático do Cemitério de Vila Nova Cachoeirinha, Zona Norte do Município
de São Paulo. Tese de Doutoramento. Instituto de Geociências da USP (2001), 172 p. Programa de Pós-Graduação
em Recursos Minerais e Hidrogeologia. Disponível em <http://www.usp.br/teses>. Acesso em 21 jun. 2006.
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foram montadas colunas de solo do cemitério. As amostras de água do aqüífero freático do citado
cemitério apresentaram variados tipos de bactérias, além de várias espécies de vírus.
Uma das conclusões da pesquisa foi que as principais fontes de contaminação das
águas subterrâneas no cemitério são as sepulturas com menos de um ano, localizadas nas cotas
mais baixas, próximas ao nível freático. A contaminação pode atingir o aqüífero através do
chamado necrochorume - neologismo que designa o liquido liberado intermitentemente pelos
cadáveres em putrefação, que também pode conter microrganismos patogênicos - transportado
pelas chuvas infiltradas nas covas ou pelo contado dos corpos com a água subterrânea. Esse
mesmo pesquisador também observa a falta de normas federais sobre a matéria32, recomen-
dando, no final de seu trabalho, a elaboração destas. Recomenda, também, que os cemitérios
devam constar na lista de fontes potenciais de contaminação das águas subterrâneas. E exorta
que sejam realizados mais estudos sobre as necrópoles, em outras áreas do conhecimento.
Ressalte-se que a tese acima data de 2001. E em 2003 entrou em vigor a Resolu-
ção 335 de 03 de abril de 2003 do Conselho Nacional do Meio Ambiente dispondo sobre o
licenciamento ambiental de cemitérios (modificada pela Resolução 368 de 28 de março de
2006). Tal resolução representa um pequeno avanço para a consciência política nacional em
relação às implicações ambientais dos cemitérios. Ademais, serve de embasamento ao Poder
Público municipal para ditar normas locais, bem como ao respectivo Poder de Polícia ambiental,
cuja fiscalização ou controle é essencial para o bem estar da população.
6. LICENCIAMENTO AMBIENTAL DOS CEMITÉRIOS
A Resolução 335 de 03 de abril de 2003 do Conselho Nacional do Meio Ambiente,
dispondo sobre o licenciamento ambiental de cemitérios (modificada pela Resolução 368 de 28
de março de 2006)33, estabelece que os cemitérios horizontais e os cemitérios verticais deverão
ser submetidos ao processo de licenciamento ambiental sem prejuízo de outras normas aplicá-
veis à espécie. A mesma Resolução trouxe alguns conceitos técnicos da área funerária, como,
por exemplo, "produto da coliqüação"34, popularmente conhecido como necrochorume.
A Resolução estabelece (artigo 3º) que na fase de Licença Prévia do licenciamento
ambiental deverão ser apresentados, dentre outros, os seguintes documentos: I - caracterização
da área na qual será implantado o empreendimento, compreendendo: a) localização tecnicamente
32 "Na esfera federal, não há legislação específica ou norma técnica regulamentando a implantação e operaçãode cemitérios em termos ambientais e sanitários. Existem iniciativas por parte de alguns Estados brasileiros
como a norma técnica L1.040, de 1989, do órgão responsável pelo controle ambiental do Estado de São Paulo
( CETESB). Estabelece os requisitos e as condições técnicas para a implantação de cemitérios destinados ao
sepultamento no subsolo, no que tange á proteção do ambiente, em particular dos solos e das águas subterrâneas."
Também cita o Código Sanitário do Estado de São Paulo (1991). Este exige que os cemitérios sejam construídos
em áreas elevadas, na contra vertente das águas que possam alimentar poços e outras fontes de abastecimento.
Mas o pesquisador critica o texto do Código, por ser confuso, dificultando sua aplicação prática.
33 BRASIL. Resolução CONAMA n° 335, de 03 de abril de 2003. Dispõe sobre o licenciamento ambiental
de cemitérios. Disponível em: <http://www.conama.org.br>. Acesso em: 10 nov. 2006.
 BRASIL. Resolução CONAMA n° 368, de 28 de março de 2006. Modifica a resolução 335, de 03 de abril
de 2003. Disponível em: <http://www.conama.org.br>. Acesso em: 10 nov. 2006.
34 Art. 2º, VI - produto da coliqüação: é o líquido biodegradável oriundo do processo de decomposição dos corpos ou partes.
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identificada no município, com indicação de acessos, sistema viário, ocupação e benfeitorias no
seu entorno; b) levantamento topográfico planialtimétrico e cadastral, compreendendo o mape-
amento de restrições contidas na legislação ambiental, incluindo o mapeamento e a caracteriza-
ção da cobertura vegetal; c) estudo demonstrando o nível máximo do aqüífero freático (lençol
freático), ao final da estação de maior precipitação pluviométrica; d) sondagem mecânica para
caracterização do subsolo em número adequado à área e características do terreno considera-
do; e II - plano de implantação e operação do empreendimento.
A Resolução proíbe a instalação de cemitérios em Áreas de Preservação Permanente
ou em outras que exijam desmatamento de Mata Atlântica primaria ou secundária, em estágio médio
ou avançado de regeneração, em terrenos predominantemente [sic] cáusticos, que apresentam
cavernas, sumidouros ou rios subterrâneos, em áreas de manancial para abastecimento humano,
bem como naquelas que tenham seu uso restrito pela legislação vigente, ressalvadas as exceções
legais previstas35. As fases de licença Prévia e de Instalação, conforme a citada Resolução,
poderão ser conjuntas, ressalvadas as exceções previstas no mesmo corpo normativo36.
Para os cemitérios horizontais a Resolução exige que a área de fundo das sepultu-
ras mantenha uma distância mínima de um metro e meio do nível máximo do aqüífero freático.
Além disso, será preciso adotar, em regra, técnicas e práticas que permitam a troca gasosa,
proporcionando, assim, as condições adequadas à decomposição dos corpos. Outra exigência,
que confirma o que foi discutido neste trabalho, possui nítido caráter preventivo. É que, segundo
a Resolução, a área de sepultamento deverá manter um recuo mínimo de cinco metros em
relação ao perímetro do cemitério, recuo que deverá ser ampliado, caso necessário, em função
da caracterização hidrogeológica da área. Outrossim, como exigência formal a famigerada
apresentação de documento comprobatório de averbação da Reserva Legal, prevista em Lei,
além de estudos de fauna e flora para empreendimentos acima de cem hectares.
O artigo 6º trata das chamadas necrópoles "verticais". Estas possuem semelhança
com edifícios de habitação coletiva, porém, destinadas ao sepultamento de cadáveres. Atual-
mente, esse tipo de empreendimento encontra-se em expansão, principalmente por parte da
iniciativa privada. Dessa forma, economiza-se espaço urbano, além de se ter uma nova estética
cemiterial. A Resolução, atenta a essa nova forma de encarar a morte estabeleceu as seguintes
exigências ambientais: I - os lóculos devem ser constituídos de: 37 a) materiais que impeçam a
passagem de gases para os locais de circulação dos visitantes e trabalhadores; b) acessórios
ou características construtivas que impeçam o vazamento dos líquidos oriundos da coliqüação;
c) dispositivo que permita a troca gasosa, em todos os lóculos, proporcionando as condições
adequadas para a decomposição dos corpos, exceto nos casos específicos previstos na legis-
lação; e d) tratamento ambientalmente adequado para os eventuais efluentes gasosos.
35 A Resolução 368 de 2006 retirou a expressão destacada.
36 § 3º Excetuam-se do previsto no parágrafo anterior deste artigo, cemitérios horizontais que: I - ocupem área
maior que cinqüenta hectares; II- localizem-se em Áreas de Proteção Ambiental - APA's, na faixa de proteção
de Unidades de Conservação de Uso Integral, Reservas Particulares de Patrimônio Natural e Monumento
Natural; III - localizem-se em terrenos predominantemente cáusticos, que apresentam cavernas, sumidouros
ou rios subterrâneos; e IV- localizem-se em áreas de manancial para abastecimento humano.
37 Lóculo: é o compartimento destinado a sepultamento contido no cemitério vertical (Art. 2º, V).
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A preocupação ambiental em relação aos cemitérios, portanto, é uma realidade que,
agora, começa a fazer parte da agenda política nacional, pelo menos no que se refere aos temas
ambientais. A Resolução também trouxe critérios em relação aos cadáveres. Os corpos sepul-
tados, conforme se depreende da Resolução, poderão estar envoltos por mantas ou urnas
constituídas de materiais biodegradáveis, não sendo recomendado o emprego de plásticos,
tintas, vernizes, metais pesados ou qualquer material nocivo ao meio ambiente. Fica vedado o
emprego de material impermeável que impeça a troca gasosa do corpo sepultado com o meio
que o envolve, exceto nos casos específicos previstos na legislação.
Portanto, os Administradores das Necrópoles, bem como os empreendedores das
futuras necrópoles deverão firmar termo de compromisso para a adequação dos empreendi-
mentos às normas de Licenciamento ambiental. E, no caso de encerramento das atividades, o
empreendedor deve, previamente, requerer licença, juntando Plano de Encerramento da Ativi-
dade, nele incluindo medidas de recuperação da área atingida e indenização de possíveis
vítimas. Em caso de desativação da atividade, a área deverá ser utilizada, prioritariamente, para
parque público ou para empreendimentos de utilidade pública ou interesse social.
Para o cumprimento dessas normas poderá o Ministério Público intervir, até mesmo
para o firmamento de Termos de Ajustamento de Condutas. O descumprimento das disposições da
citada Resolução sujeitará o infrator às penalidades previstas na Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro
de 1998, e em outros dispositivos normativos pertinentes, sem prejuízo do dever de recuperar os
danos ambientais causados, na forma do art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981
(Política Nacional do Meio Ambiente)38. O artigo 15 remete que "Além das sanções penais e
administrativas cabíveis, bem como da multa diária e outras obrigações previstas no Termo de
Ajustamento de Conduta e na legislação vigente, o órgão ambiental competente, mediante decisão
motivada, poderá exigir a imediata reparação dos danos causados, bem como a mitigação dos
riscos, desocupação, isolamento e/ou recuperação da área do empreendimento".
Após tais análises fica claro que há uma nítida e forte relação entre a Dinâmica
Cemiterial e o meio ambiente, seja ele natural, artificial ou cultural. O papel do Poder Público,
notadamente o Municipal, é fazer valer as normas funerárias, à luz dos princípios da proporci-
onalidade e da razoabilidade, haja vista o respeito para com o sentimento ou dignidade familiar,
tão presente nesses casos. O problema ambiental dos cemitérios deve ser solucionado, mas
sem massacrar a histórica cultura ou crença da inumação e dos ritos funerários.7. CONCLUSÃO
Com base em um dedicado estudo multidisciplinar, o presente artigo demonstrou
os efeitos negativos que as sepulturas e cemitérios irregulares provocam no meio ambiente.
Ficou, pois, comprovado, de forma prática, que substâncias cadavéricas são elementos
potenciais de contaminação de lençóis freáticos e rios.
A função social das necrópoles é um aspecto que precisa ser mais discutido. Os
problemas de ocupação e divisão do solo cemiterial deveriam ser prerrogativas da administração
38 Responsabilidade Objetiva pelo dano causado, ou seja, independentemente da existência de culpa. Legitimidade do
Ministério Público para propor Ação de Responsabilidade Civil e Criminal, por danos causados ao Meio Ambiente.
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pública municipal. Ao invés de preterir as questões funerárias do município, os administrado-
res públicos deveriam utilizar parte dos recursos disponíveis para evitar o estado de abando-
no dos cemitérios, o que resulta, seriamente, em problemas ambientais, de salubridade públi-
ca e de desrespeito para com a dignidade das famílias dos falecidos.
A morte é um fato social constante. E o sepultamento é uma ação solidária ou
dever moral que os vivos tem para com os mortos. Preservar o meio ambiente não é,
jamais, retirar esse direito histórico e universal. Ao contrário, quando é feito um correto
planejamento urbano, antes da instalação de uma necrópole, além de estar prevenindo
possíveis danos ao meio ambiente, garantir-se-á o conforto das famílias que, eventualmen-
te visitam os túmulos, num ato de lembrança ou mesmo respeito eterno.
A recente Resolução do CONAMA sobre o licenciamento ambiental de cemitérios
contribuirá, pois, para que haja mais empenho e cuidado por parte dos administradores públicos e
empreendedores privados do ramo funerário, em relação às construções de necrópoles e racio-
nalização das sepulturas. Portanto, deve haver uma organização efetiva para que não haja uma
confusão entre a cidade dos vivos (metrópole) e a cidade dos mortos (necrópole). Isso não quer
dizer que seja necessário haver uma total segregação entre cidade e cemitério. Pelo contrário, é
preciso que haja certa harmonia. Por isso os administradores e os cidadãos devem juntar esforços
a fim de promover uma melhoria paisagística, histórica e geográfica das necrópoles.
Portanto, a conclusão deste trabalho só foi possível graças às reflexões iniciais em torno
da relação entre morte e meio ambiente. Um verdadeiro desafio, haja vista a escassa fonte bibliográfica
e a estranheza que o tema ainda desperta. No entanto, as tímidas notícias de Jornal que eventualmente
denunciam o problema ambiental dos cemitérios serviram de motivação à confecção desse trabalho.
Fez-se, assim, jus ao espírito crítico e transformador das Ciências Humanas.
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