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Capítulo 5 Micorriza Arbuscular – Papel, Funcionamento e Aplicação da Simbiose Orivaldo José Saggin Júnior Eliane Maria Ribeiro da Silva Introdução Os problemas globais de degradação ambiental e de necessidade de produção agrícola sustentável e ecologicamente correta enfatizam a necessidade de estudos sobre os processos microbiológicos do solo, pois estes são parte essencial do funcionamento de todos os ecossistemas terrestres. Os microrganismos do solo desempenham um papel essencial na produtividade de ecossistemas agrícolas e no funcionamento dos ecossistemas naturais, podendo esse papel ser benéfico ou danoso (SIQUEIRA; FRANCO, 1988). Entre os microrganismos do solo com papel benéfico estão os fungos micorrízicos arbusculares, que incrementam o estabelecimento e a nutrição vegetal na maioria dos ecossistemas terrestres (ALLEN, 1996). A contribuição desses fungos para a agricultura e para os ecossistemas naturais tem chamado a atenção dos pesquisadores Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32101 102 Capítulo 5 nos últimos 30 anos e, atualmente, também do público em geral, em virtude do aumento da importância dos processos naturais na produção agrícola e da necessidade de se reabilitar ecossistemas destruídos pela atividade humana. Este capítulo enfocará os fungos micorrízicos arbusculares (FMAs), sua associação simbiótica com as raízes das plantas, denominada de micorrizas arbusculares (MAs), e sua importância como estratégia disponível para a agricultura ecológica e a recuperação ambiental. Micorrizas Micorrizas, palavra composta pelos radicais gregos mykes, fungo, e rhizae, raízes, designa associações simbióticas não patogênicas entre fungos do solo e raízes de plantas, evoluídas em conjunto desde os primórdios da ocupação terrestre pelos vegetais. Essas associações são praticamente universais nos ecossistemas terrestres, pois a condição de raiz não associada é exceção na natureza (HARLEY, 1989). O não estabelecimento dessa simbiose é considerado um evento de evolução recente entre os vegetais, pois está restrito a poucas famílias ou divisões taxonômicas de nível inferior a família (TRAPPE, 1987). Entre essas exceções estão as famílias Brassicaceae, Caryophyllaceae e Chenopodiaceae e alguns representantes das famílias Commelinaceae, Juncaceae, Proteaceae, Cuprecaceae, Cyperaceae, Polygonaceae, Resedaceae, Urticaceae, Amaranthaceae e Portulareaceae (HARLEY; SMITH, 1983). A maioria das angiospermas, gimnospermas e pteridófitas e numerosas briófitas formam micorrizas. Entretanto, as micorrizas formadas por combinações de diferentes filos de fungos com diferentes grupos plantas hospedeiras são distinguíveis morfologicamente, formando tipos anatômicos e funcionais de micorrizas conhecidas como micorrizas arbusculares, ectomicorrizas, ectendomicorrizas, micorrizas arbutóides, micorrizas ericóides e micorrizas orquidóides. Um resumo das características mais importantes desses tipos de micorrizas encontra- se na Tabela 1. Neste capítulo, serão consideradas apenas as micorrizas arbusculares, em virtude de sua grande importância para os ecossistemas tropicais, onde são as mais comuns, e também por serem as mais Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32102 103Micorriza Arbuscular – Papel, Funcionamento e Aplicação da Simbiose encontradas entre as plantas com uso agrícola ou entre as plantas de forma geral. Micorrizas arbusculares Conceito e importância das MAs As MAs são simbioses entre raízes de plantas e fungos do solo do filo Glomeromycota (SCHÜßLER et al., 2001) caracterizadas pela presença endógena de arbúsculos nas células do córtex radicular. São as mais comuns micorrizas da natureza, sendo encontradas na maioria das plantas e na maioria dos ecossistemas terrestres, desde os polares até os tropicais úmidos ou desérticos. Em torno de 60% das angiospermas formam MAs (TRAPPE 1987, estudando 3% das angios- permas), além de também se associarem a gimnospermas, pteridófitas e briófitas. Isso se deve ao fato de as MAs terem se originado quando as primeiras plantas colonizaram o ambiente terrestre, há pelo menos 460 milhões de anos (REDECKER et al., 2000a), e os dois parceiros da simbiose terem evoluído em conjunto (REMY et al., 1994). Em contraste com as ectomicorrizas, segunda micorriza em importância, que possuem muitas espécies de fungos para relativamente poucas espécies hospedeiras vegetais (Tabela 1), as MAs apresentam um pequeno grupo de fungos que colonizam sem especificidade a maioria das plantas terrestres do Planeta. Estabelecimento da simbiose O estabelecimento da simbiose micorrízica arbuscular resulta de uma seqüência complexa de interações entre as hifas fúngicas e as células das raízes que levam ao estabelecimento da simbiose funcional e mutualista. Entre essas interações estão estímulos químicos e quimio- tropismo para germinação e direcionamento das hifas no solo; reconhecimento de sinais moleculares para a formação de apressórios na superfície das raízes; regulação funcional e compatibilidade entre a planta e o fungo, envolvendo, provavelmente, hormônios e proteínas Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32103 104 Capítulo 5 Tabela 1. Características mais importantes dos diferentes tipos anatômico-funcionais de micorrizas. Micorriza arbuscular • Microssimbiontes fúngicos: fungos asseptados, Glomeromicetos (< 200 espécies). Exemplo de gêneros: Glomus, Acaulospora, Gigaspora, Scutellospora • Macrossimbiontes vegetais: mais de 80% das plantas terrestres • Colonização da raiz: hifas penetram nas células do córtex radicular tanto entre as células como intracelularmente. Formam no interior das células haustórios característicos denominados arbúsculos. Não modificam visualmente a morfologia da raiz • Estruturas características: arbúsculos, vesículas e esporos • Ecossistemas predominantes: é cosmopolita, mas predomina nos ecossistemas tropicais e são raros nos ecossistemas polares Ectomicorriza • Microssimbiontes fúngicos: fungos septados, Basidiomicetos e Ascomicetos (> 5.000 espécies). Exemplo de gêneros: Amanita, Russula, Lactarius, Laccaria, Cortinarius, Inocybe • Macrosimbiontes vegeta: Gimnospermas, Angiospermas (> 2.000 espécies) • Colonização da raiz: hifas não penetram nas células do córtex radicular. Crescem entre e ao redor das células, formando a Rede de Hartig. Formam um manto fúngico que envolve a raiz. A morfologia da raiz é visualmente muito modificada • Estruturas características: Rede de Hartig, manto e rizomorfos • Ecossistemas predominantes: florestas temperadas e em algumas tropicais Ectendomicorriza • Microssimbiontes fúngicos: fungos septados, Basidiomicetos, raramente Ascomicetos. Exemplo de gênero: Wilcoxina (Ascomiceto) • Macrossimbiontes vegetais: Gimnospermas, Angiospermas • Colonização da raiz: hifas penetram inter e intracelularmente nas células do córtex radicular, formando hifas enoveladas no interior das células. Formam a Rede de Hartig e um fino manto fúngico que envolve a raiz. A morfologia da raiz é visualmente muito modificada • Estruturas características: hifas enoveladas, Rede de Hartig e manto • Ecossistemas predominantes: florestas temperadas e em algumas tropicais Micorriza orquidóide • Microssimbiontes fúngicos: fungos septados, Basidiomicetos. Exemplo de gêneros: Rhizoctonia, Armillaria • Macrossimbiontes vegetais: plantas da família Orquidaceae Continua... Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32104 105Micorriza Arbuscular – Papel, Funcionamento e Aplicação da Simbiose específicas, para a colonização do córtex radicular e formação de estruturas fúngicas específicas, como arbúsculo, vesículas e esporos (SIQUEIRA et al., 1991). Todos esses passos são modulados pelo ambiente, particularmente pela disponibilidade de nutrientes no solo (KOIDE; SCHREINER, 1992). Quando tudo está de acordo, ocorre uma perfeita integração morfológica, fisiológica, bioquímicae funcional, resultado da evolução conjunta dos genomas da planta e do fungo, havendo uma Tabela 1. Continuação. Micorriza orquidóide • Colonização da raiz: todas as orquídeas, durante a germinação, têm uma fase não- fotossintética em que são dependentes de suprimento externo de carbono, o qual é suprido pela associação. Na planta adulta, a natureza e a extensão da colonização é bastante variável. Hifas enoveladas e pelotões são formados no interior das células do córtex radicular. Como Rhizoctonia é um potente patógeno, é possível que as orquídeas tenham metabólitos secundários capazes de controlar o fungo • Estruturas características: hifas enoveladas e pelotões • Ecossistemas predominantes: ecossistemas tropicais Micorriza ericóide • Microssimbiontes fúngicos: fungos septados, Basidiomicetos e Ascomicetos. Exemplo de gênero: Hymenoscyphus (Ascomiceto) • Macrossimbiontes vegetais: plantas da ordem Ericales e da família Monotropaceae • Colonização da raiz: algumas formam verdadeiras ectomicorrizas, mas a superfície das raízes possui menos hifas do que uma típica ectomicorriza. As hifas crescem entre as células e invadem-na, formando hifas enoveladas • Estruturas características: hifas enoveladas • Ecossistemas predominantes: ecossistemas polares ou de grande altitude Micorriza arbutóide • Microssimbiontes fúngicos: fungos septados, Basidiomicetos. Exemplo de gêneros: Cortinarius, Cenococcum • Macrossimbiontes vegetais: descrita em plantas do gênero Arbutus, ordem Ericales • Colonização da raiz: similar a ectomicorrizas na morfologia radicular, formando a Rede de Hartig. O manto pode ser bem organizado, como nas ectomicorrizas. As células da epiderme são colonizadas, formando hifas enoveladas no interior, as quais desintegram sem afetar as células, que podem ser colonizadas novamente • Estruturas características: hifas enoveladas, Rede de Hartig e manto • Ecossistemas predominantes: ecossistemas polares ou de grande altitude Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32105 106 Capítulo 5 dependência essencial do fungo pela planta (biotrofismo obrigatório) e uma dependência em diferentes graus da planta pelo fungo (dependência micorrízica). A Fig. 1 ilustra as partes de uma MA funcional. Uma hifa infectiva, originada de qualquer esporo que germinou ou mesmo de um pedaço de micélio fúngico ligado a algum fragmento de raiz, forma um apressório na superfície da raiz, que é por onde a penetração ocorre (ponto de infecção). A hifa então cresce entre as células e dentro delas, criando enovelamentos dentro das células (hifas enroladas), e finalmente se diferenciando em arbúsculos e vesículas. Arbúsculos são espécies de haustórios originados de ramificações dicotômicas sucessivas das hifas, num grau de subdivisão em que a hifa fica com aparência de uma pequena árvore, daí a origem de seu nome. Os arbúsculos são formados exclusivamente dentro das células do córtex radicular, invaginando a plasmalema sem a romper, o que caracteriza uma simbiose sem estado patogênico. Essas estruturas são os principais pontos de troca de carboidratos e nutrientes minerais entre os parceiros da simbiose, pois é o ponto onde existe maior superfície de contato entre os dois. Esse ponto micélio extra-radicular se espalha pelo solo e auxilia a planta na absorção de nutrientes. Ocorrem as infecções secundárias através de novos pontos de entrada das hifas do micélio externo nas raízes. As vesículas são estruturas globosas e não são formadas pelos fungos da família Gigasporaceae. São formadas após o surgimento dos arbúsculos dentro ou entre as células corticais. Acredita-se que servem como órgãos de armazena- mento e, possivelmente, também como propágulos. Os esporos são formados tanto dentro como fora das raízes e são típicos propágulos, apresentando estrutura resistente e, às vezes, dormência. As estruturas fúngicas formadas no interior das raízes, genericamente chamadas de colonização micorrízica, não ultrapassam a endoderme, portanto não atingem os vasos condutores das raízes, característica essa que também evidencia o caráter não patogênico da simbiose. Classificação dos FMAs A taxonomia destes fungos recentemente tem sofrido sensíveis alterações, pelo avanço do uso de técnicas moleculares no estudo de Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32106 107Micorriza Arbuscular – Papel, Funcionamento e Aplicação da Simbiose sua filogenia. Os fungos micorrízicos eram até o ano passado classifi- cados como pertencentes à ordem Glomales (MORTON; BENNY, 1990) e ao filo Zygomycota. Todos os fungos dessa ordem eram fungos micorrízicos, portanto, fungos que obtêm carbono pela sua simbiose obrigatória com as raízes de plantas, sem fase sexual conhecida, e que produzem arbúsculos nas células corticais da raiz. Atualmente, esses fungos foram classificados em um novo filo, Glomeromycota, juntamente com um fungo não micorrízico, Geosiphon pyriformis, que também forma simbiose obrigatória com cianobactérias do gênero Nostoc. Neste caso, o fungo é o macrossimbionte, e a alga verde-azulada é o microssimbionte. (SCHÜßLER et al., 2001). Na história da taxonomia desses fungos, o primeiro gênero a ser descrito foi Glomus (TULASNE; TULASNE, 1845), contendo duas espécies: Glomus microcarpum e Glomus macrocarpum. Esse gênero foi considerado pelos irmãos Louis René e Charles Tulasne como bastante similar aos fungos do gênero Endogone, que pertencia à família Fig. 1. Partes de uma micorriza arbuscular. Ilustração: Orivaldo José Saggin Júnior Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32107 108 Capítulo 5 Tuberaceae na época (http://invam.caf.wvu.edu). O segundo gênero a ser descrito foi Sclerocystis (BERKELEY; BROOME, 1875). Numa revisão taxonômica, Thaxter (1922), baseado na simples semelhança morfológica dos zigosporos, esporos sexuais dos fungos do gênero Endogone formados pela união de dois gametângios, os quais lembram vagamente os esporos assexuais de FMAs, transferiu todas as espécies de Glomus para o gênero Endogone, família Endogonaceae, classe Mucorales, filo Zygomycota, mas manteve o gênero Sclerocystis. Uma primeira classificação, que forneceu uma base taxonômica para os FMAs, foi feita por Gerdemann & Trappe, em 1974, mantendo-os dentro da família Endogonaceae. Nessa classificação, os FMAs foram novamente trazidos para os gêneros Glomus e Sclerocystis e foram criados dois novos gêneros, Acaulospora e Gigaspora, além dos gêneros não micorrízicos dessa família, Endogone, Glaziella e Modicella. Estes dois últimos gêneros foram posteriormente excluídos da família Endogonaceae (TRAPPE; SCHENCK, 1982; GIBSON et al., 1986) e o gênero Acaulospora foi subdividido, com a criação do gênero Entrophospora (AMES; SCHNEIDER, 1979), assim como o gênero Gigaspora, com a criação do gênero Scutellospora (WALKER; SANDERS, 1986). No final da década de 80, apenas o gênero Endogone, com fungos não micorrízicos, pertenciam à mesma família dos FMAs, de modo que Pirozynski e Dalpé (1989) criaram a família Glomaceae de FMAs. Em 1990, Morton e Benny estabeleceram nova classificação, baseados em dados morfológicos dos FMAs, removendo-os da ordem Endogonales e colocando-os em uma nova ordem, Glomales, ainda dentro do filo Zygomycota. Todos os fungos dessa ordem formavam simbioses mutualistas com as raízes das plantas e formavam arbúsculos, razão pela qual acreditava-se terem um ancestral comum, tendo origem monofilética. Dentro dessa ordem, Morton e Benny (1990) criaram duas subordens: Gigasporineae e Glomineae. A subordem Gigasporineae, composta pela única família Gigasporaceae, continha os gêneros Gigaspora e Scutellospora, cujos esporos são formados sobre uma hifa suspensora bulbosa e formam vesículas extra-radiculares denominadas células auxiliares, mas não formam vesículas intra-radiculares típicas. A subordem Glomineae era formada por duas famílias, Glomaceae, com os gêneros Glomus e Sclerocystis e a Acaulosporaceae,com os gêneros Acaulospora e Entrophospora. Os fungos dessa subordem formam Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32108 109Micorriza Arbuscular – Papel, Funcionamento e Aplicação da Simbiose vesículas intra-radiculares típicas e apresentam esporos de paredes grossas denominados clamidosporos. Em 2000 e 2001, novas modificações ocorreram na classificação desses fungos, porém agora baseadas nas informações filogenéticas obtidas com dados moleculares e em dados morfológicos da ontogenia dos esporos desses fungos. Morton (2000) coloca em dúvida o carácter monofilético de Glomales, sugerindo que as subordens Gigasporineae e Glomineae não teriam ancentrais comuns, mas apenas características morfológicas e simbióticas convergentes no processo evolutivo. Redecker et al. (2000b) extinguiram o gênero Sclerocystis, concluindo a transferência das espécies deste gênero para o gênero Glomus, a qual tinha sido iniciada por Almeida e Schenck (1990), criando-se um gênero bastante numeroso em relação aos demais, e acreditando-se que este gênero tenha uma origem monofilética. Morton e Redecker (2001) criaram duas novas famílias em Glomales, Archaeosporaceae e Paraglomaceae, cada uma com um gênero, Archaeospora e Paraglomus, respectivamente. As espécies dessas novas famílias apresentam características de ontogenia dos esporos e características moleculares que não as encaixam dentro das famílias Glomaceae e Acaulosporaceae. As novas famílias são consideradas por terem uma posição filogenética ancestral às famílias Glomaceae e Acaulosporaceae (Fig. 2). Em 2001, Schwarzott et al., baseados na análise de seqüenciamento quase total de pequenas subunidades do gene rRNA (SSU-rRNA), verificaram que o gênero Glomus não é monofilético e provavelmente poderá ser subdividido em vários gêneros (WALKER, 1992) ou até mesmo em várias famílias (SIMON et al., 1993). Entretanto, esses autores sustentam a hipótese de que os FMAs tenham uma origem monofilética, possuindo um ancestral comum. Eles propõem a divisão da família Glomaceae em pelo menos três famílias, sendo uma delas mais próxima filogeneti- camente de Acaulosporaceae e Gigasporaceae, denominada de Diversisporaceae. Propõem também a classificação da família Archaeosporaceae como parafilética e a inclusão da família Geosipho- naceae, contendo o fungo não micorrízico Geosiphon pyrifomis. Essa nova divisão de famílias entra em conflito com o esquema existente de divisões taxonômicas em níveis superiores a famílias (MORTON; BENNY, 1990; MORTON; REDECKER, 2001). Além disso, a posição Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32109 110 Capítulo 5 taxonômica desses fungos dentro do reino Fungi nunca foi questionada, embora o filo Zygomycota seja considerado incapaz de sustentar uma classificação filogenética, em virtude de seu agrupamento não natural, onde foram colocados artificialmente os fungos mais primitivos. Assim, Schüßler et al. (2001), baseados na análise de seqüências de SSU-rRNA, verificaram que os FMAS não se relacionam com nenhum membro do filo Zygomycota, mas que provavelmente dividem um ancestral comum com os filos Ascomycota e Basidiomycota. Esses autores colocam os FMAs juntamente com a família Geosiphonaceae (não micorrízica) dentro de um novo filo, Glomeromycota, composto por fungos simbiontes obrigatórios que formam endomicorrizas arbusculares ou endocitobioses com organismos fotossintéticos (Fig. 3). Pararelamente, os autores propõem uma correção ortográfica para designações taxonômicas derivadas do genitivo de Glomus, que, segundo eles, é Glomeris. Assim, a nomenclatura proposta pelos autores usa o prefixo “Glomer” em vez do prefixo “Glom” usado até então. O filo Glomeromycota possui quatro ordens: Paraglomerales, Archaeosporales, Diversisporales e Glomerales (Fig. 4). A ordem Paraglomerales possui uma única família, a Paraglomeraceae, antiga família Paraglomaceae. A ordem Archaeosporales tem a família Geosiphonaceae (não micorrízica) e a família Archaeoporaceae, com Fig. 2. Hipóteses filogenéticas dos FMAs. Notar na hipótese mais recente a origem polifilética e o caráter mais ancestral de Paraglomaceae e Archaesporaceae. Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32110 111Micorriza Arbuscular – Papel, Funcionamento e Aplicação da Simbiose uma possível futura divisão em duas famílias, não nomeadas por serem parafiléticas. A ordem Diversisporales engloba as famílias preexistentes Acaulosporaceae e Gigasporaceae e uma família inédita, a Diversiporaceae, formadas com membros da antiga família Glomaceae. A ordem Glomerales inclui a maioria dos membros da antiga família Glomaceae, mas deverá ser dividida em pelo menos duas famílias ainda não nomeadas, chamadas de Glomeraceae Grupo-Glomus A (composta pelos fungos agrupados com a Glomus mosseae), e Glomeraceae Grupo- Glomus B (composta pelos fungos agrupados com a Glomus etunicatum). Fig. 3. Filogenia do reino Fungi baseado em seqüências SSU rRNA. Notar a possibilidade de um ancestral comum entre Glomeromycota, Ascomycota e Basidio- mycota. Zygomycota e Crytridiomycota não são mono- filéticos, sendo representados por várias setas. A extensão das setas não indica distância genética entre os grupos taxonômicos. Baseado na Fig. 1 de Schüßler et al. (2001). Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32111 112 Capítulo 5 É evidente que modificações tão drásticas e recentes na classificação dos FMAs deverão passar por um período de ajustes e de aceitação no meio científico, mas é irreversível o processo de mudança. A classifi- cação proposta por Schüßler et al. (2001) ajuda-nos a compreender alguns aspectos antes considerados sem ligação. Ignorava-se, por exemplo, a possibilidade de um ancestral comum entre fungos que formam outros tipos de micorrizas (Basidiomicetos e Ascomicetos) e os FMAs. Também a inclusão do fungo Geosiphon pyrifomis, que forma uma endosimbiose com cianobactérias, no mesmo agrupamento dos FMAs, mostra a possibilidade de tipos ancestrais de simbiose entre fungos e organismos fotoautotróficos, talvez refletindo um estágio evolucionário primitivo da associação micorrízica arbuscular quando as plantas ainda não colonizavam a terra e as cianobactérias eram prevalecentes no Planeta (SCHÜßLER et al., 2001). Fig. 4. Estrutura taxonômica proposta do filo Glomeromycota baseada na análise de seqüências SSU rRNA. A extensão das setas não indica distância genética entre os grupos taxonômicos. Baseado na Fig. 2 Schüßler et al. (2001). Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32112 113Micorriza Arbuscular – Papel, Funcionamento e Aplicação da Simbiose Papel nutricional das MAs O papel das MAs na nutrição de plantas em solos de baixa fertilidade ou em ambientes estressantes é uma das mais excitantes áreas de pesquisa e com grande potencial para aplicação prática em agricultura ecológica e recuperação de ambientes. Um dos estudos pioneiros com FMAs mostrou que a inoculação de maçãs com esporo- carpos retirados do solo promovia benefícios nutricionais à planta (MOSSE, 1957). Posteriormente, outros estudos mostraram a importância dos FMAs em aumentar a absorção de nutrientes, particularmente de fósforo, em solos de baixa fertilidade (GERDEMANN, 1964; DAFT; NICOLSON, 1966). O aumento do interesse sobre o papel nutricional desses fungos ocorreu a partir da década de 70, quando Kleinschmidt & Gerdemann (1972) mostraram que mudas de citros dependiam do benefício nutricional dos FMAS para crescer. Esses autores comprovaram que o raquitismo que mudas de citros apresentavam quando se fumigava o solo dos viveiros não era e decorrência de um efeito tóxico do fumigante, como se pensava na época, e sim, em virtude da eliminação dos FMAs pela fumigação. Os benefícios nutricionais das MAs resultam de interações dinâmicas e complexas entre as raízes e o micélio fúngico moduladas pelo ambiente. Essas interações não são totalmente claras, mas resultam de alguns mecanismos básicos que melhoram a nutriçãodas plantas: • Aumento da absorção de vários nutrientes. • Sinergismo, aumentando a fixação biológica de N2. • Alterações fisiológicas nas raízes. • Alterações rizosféricas. Aumento da absorção de nutrientes O aumento da absorção de nutrientes, especialmente de P, é considerado o fator primário do benefício nutricional das MAs, pois muitas vezes o efeito dos FMAs sobre o crescimento das plantas pode ser substituído pela aplicação de nutrientes, principalmente aplicação de fósforo (CLARK; ZETO, 2000). O papel primário do aumento de Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32113 114 Capítulo 5 absorção de nutrientes deve-se ao micélio externo às raízes, apesar de, na maioria dos estudos com FMAs, ser quantificada a colonização intra- radicular desses fungos. O quanto que os diferentes fungos diferem quanto ao volume e extensão de seu micélio externo e quanto que a planta hospedeira e o ambiente afetam esses fatores são questões que ainda permanecem em aberto. O micélio externo contribui para o aumento de absorção basicamente por dois mecanismos físicos: • Aumento da superfície de absorção em contato com o solo. • Aumento do volume e extensão do solo explorado em busca de nutrientes. O aumento da superfície de contato com o solo é o mecanismo mais importante, pois a absorção ativa é um processo químico de fluxo de nutrientes que depende do contato entre a membrana plasmática e os íons em solução (SMITH & SMITH, 1990). As hifas aderem e seguem o contorno das partículas do solo moldando-se a elas mais facilmente que as raízes e pêlos radiculares (O´KEEFE & SYLVIA, 1992). Não apenas a proximidade às partículas do solo é importante para aumentar a absorção. Temos que considerar principalmente o aumento de superfície específica de absorção que as hifas promovem. Hifas finas de FMAs possuem aproximadamente entre 2-10 µm de diâmetro, alcançando pouco mais de 20 µm naquelas consideradas grossas (SYLVIA, 1992; BALÁZ; VOSÁTKA, 2001), enquanto pêlos radiculares geralmente tem diâmetro superior a 10 µm e as raízes geralmente tem diâmetro superior a 100 µm (BAYLIS, 1975). O fato de as hifas serem muito mais finas que as raízes faz com que elas tenham uma superfície muito maior quando se compara volumes iguais de raízes e hifas. Portanto, as hifas são muito mais eficientes na criação de superfície de contato, pois o fazem com um gasto de carbono (energia) muito menor que as raízes. Torna-se lógico porque, para a planta, é muito melhor investir em micorriza do que em produção de raízes. O comprimento de hifa no solo pode chegar até a mais de 500 m por cada 1 cm de raiz (SYLVIA, 1992). Isso representa uma enorme contribuição para a área superficial de absorção. Tomemos como exemplo um pequeno segmento de 1 cm de raiz com 1 mm de diâmetro ligado a segmentos de hifas de 20 µm de diâmetro, totalizando 6 cm de comprimento de hifa (Fig. 5). Essa modesta quantidade de hifa representaria um aumento de 12% na superfície de absorção desse Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32114 115Micorriza Arbuscular – Papel, Funcionamento e Aplicação da Simbiose segmento de raiz. Pedersen e Sylvia (1996) relatam a possibilidade de um aumento de até 1.800% na superfície de absorção e que, em média, 1% de aumento na superfície de absorção aumenta em mais de 150% o influxo de P. O aumento do volume e extensão do solo explorado pelo micélio externo também tem grande importância no aumento da absorção. Hifas podem se estender além da zona de depleção de nutrientes que se forma ao redor das raízes absorventes. Nesta região, ocorre a redução de concentração, particularmente de fósforo, por ser o nutriente que apresenta menor velocidade de transporte na solução do solo e pouca disponibilidade em comparação com a demanda da planta. As raízes absorvem rapidamente os íons fosfatos que estão na sua proximidade, e a solução do solo não consegue equilibrar a concentração nesta região em virtude do transporte lento e da baixa concentração de P na sua Fig. 5. Exemplo de contribuição do micélio extra-radicular para aumento da superfície de absorção. Um segmento de hifa com um volume mais de 400 vezes menor que o segmento de raiz possui uma superfície apenas oito vezes menor e pode representar mais de 12% de aumento de superfície de absorção, quando somado com a raiz. Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32115 116 Capítulo 5 composição. Dessa forma, os FMAs podem auxiliar grandemente na absorção deste nutriente, indo absorvê-lo além da zona de depleção, e explorando um volume maior de solo em sua busca (Fig. 6). Hifas de FMAs podem se desenvolver até distâncias bastante grandes das raízes, tendo sido medido em até 11 cm de distância após quase 50 dias de crescimento (PEDERSEN; SYLVIA, 1996). Esses dois mecanismos principais de auxílio à absorção de nutri- entes, ao aumento de superfície de absorção e ao aumento do volume de solo explorado são importantes para a absorção de qualquer nutriente, principalmente para aqueles que estão em baixa concentração na solução do solo ou que apresentam lentidão de transporte no solo. A absorção do nutriente na hifa dos FMAs promove sua proteção contra lixiviação, adsorção ou outro fenômeno que poderia levá-lo a ficar não disponível para as raízes. Sempre que o transporte do nutriente da solução do solo para as raízes seja mais rápido via micélio micorrízico do que via solo, os FMAs estarão promovendo benefício nutricional para as plantas (PEDERSEN; SYLVIA, 1996). Sinergismos com sistemas biológicos fixadores de N2 Diversos estudos têm mostrado que os FMAs têm papel significativo também na absorção de N, particularmente na forma do íon NH4 +, menos Fig. 6. Figura representando a zona de depleção de P (cor-de-rosa) formada em torno das raízes absorventes em um solo com pouco P disponível (verde). A extensão do micélio externo dos FMAs ultrapassa essa zona de esgotamento nas raízes micorrizadas (amarelo), favorecendo a absorção desse nutriente. Ilustração: Orivaldo José Saggin Júnior Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32116 117Micorriza Arbuscular – Papel, Funcionamento e Aplicação da Simbiose móvel no solo (veja a revisão de CLARK; ZETO, 2000). Contudo, nos estudos envolvendo sistemas biológicos de fixação de N2 tem-se costumeiramente verificado uma relação sinergística, particularmente naquelas que envolve a formação da simbiose tripla FMA-leguminosa- rizóbio. Foi demonstrado que em leguminosa mutante com gene não micorrízico (myc-) a expressão desse gene estava associada ao gene nod-, que expressa a não nodulação (DUC et al., 1989; GIANINAZZI- PEARSON, 1996). Esse fato mostra a proximidade das relações entre a formação de micorrizas e a formação de nódulos, provavelmente havendo partes do controle genético comum entre os mecanismos (BORISOV et al., 2000). As interações que existem na formação da simbiose tripla ocorrem em termos do padrão nutricional da planta e seu fornecimento de energia para os simbiontes, e em termos da interação direta entre os simbiontes na formação desenvolvimento e funcionamento da simbiose tripla. O benefício nutricional dos FMAs permite que as plantas estejam melhor nutridas com P e micronutrientes essenciais para a formação dos nódulos e para o funcionamento da fixação biológica de N2. Sabe-se que, além do P, também a absorção de Cu, Zn e Mo favorecem a nodulação e a fixação de N2 (PACOVSKY, 1986). Além disso, a atividade da redutase do nitrato (RN), da sintase da glutamina (GS), da sintase da glutamato- ferredoxina (Fd-Gogat) e da carboxilase fosfoenolpiruvato (PEPC) é maior em plantas bem nutridas de P, de modo que plantas micorrizadas em solo deficiente de P podem apresentar uma maior atividade dessas enzimas, favorecendo a assimilação do N (PEREIRA et al., 1996). A respeito da interação direta entre os simbiontes na formação e funcionamento da simbiose tripla, sabe-se que tanto a formação da simbiose com rizóbios quantoa com FMAs são governadas por extensa sinalização molecular, o que induz a mudanças na expressão de genes e nos processos celulares entre a planta e os microssimbiontes. Entretanto, a natureza da sinalização molecular e a percepção de sua ação sobre o processo de estabelecimento e funcionamento da simbiose com FMAs são ainda desconhecidas. Evidências sugerem que o processo de sinalização nos FMAs seja próximo da sinalização existente entre rizóbios e raízes (GIANINAZZI-PEARSON, 1996) e isso pode tornar os Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32117 118 Capítulo 5 processos na simbiose tripla dependente dos mesmos sinalizadores tanto para FMAs quanto para rizóbios. Pesquisas futuras poderão elucidar mais esse aspecto da interação entre FMAs e rizóbios. Outros efeitos interativos na simbiose tripla são aqueles que são mediados pela planta hospedeira, como, por exemplo, uma economia de carbono e uma maior eficiência do uso de fotossintatos na planta com a simbiose tripla (ver revisão de BAREA et al., 1992), e aqueles em que os microssimbiontes podem se auxiliar (VAZQUEZ et al., 2001b) ou competir (REINHARD et al., 1992) no funcionamento da simbiose tripla e até mesmo no processo de colonização da planta hospedeira. Modificações fisiológicas nas raízes A cinética de absorção de nutrientes pode ser bem diferente entre plantas micorrizadas e não micorrizadas (PEDERSEN; SYLVIA, 1996). As informações sugerem que os parâmetros km (concentração do nutriente na solução do solo na qual a taxa de absorção é metade da taxa de influxo máximo), Imax (taxa de influxo máxima do nutriente na raiz) e C min (mínima concentração na solução do solo em que o nutriente possa ser absorvido) podem ser modificados nas plantas micorrizadas. Plantas com FMAs podem exibir maior taxa de absorção atribuída a maiores taxa de Imax e podem apresentar menor Km, indicando maior eficiência na absorção (SHARMA et al., 1999). Podem também absorver nutriente numa menor Cmin na solução do solo, como já observado nas ectomicorrizas (PACHECO; CAMBRAIA, 1992). Essa influência pode ser direta sobre a fisiologia das raízes absorventes ou indireta, em virtude dos próprios parâmetros cinéticos de absorção das hifas que provavelmente são diferentes dos das raízes. As MAs, embora não provoquem alterações morfológicas visuais no sistema radicular, podem alterar a fisiologia do sistema radicular, provocando modificações na arquitetura, taxa de crescimento e extensão e longevidade das raízes. A maioria dos trabalhos que estima a relação raiz/parte aérea mostra uma diminuição nessa relação, o que indica um sistema radicular mais desenvolvido nas plantas micorrizadas e, possivelmente, mais ramificado e bem distribuído no solo. Alguns trabalhos demonstraram que a inoculação micorrízica aumenta a Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32118 119Micorriza Arbuscular – Papel, Funcionamento e Aplicação da Simbiose ramificação, bem como o número e a extensão das raízes secundárias (BERTA et al., 1995; SCHELLENBAUM et al., 1991). A inoculação de milho com Glomus intraradices resultou em significante aumento na percentagem de raízes laterais finas apenas 10 dias após a inoculação, apesar de não haver modificações no peso das raízes em relação ao controle não inoculado (KALDORF; LUDWIG-MÜLLER, 2000). Esse efeito coincidiu com o aumento da síntese de ácido indol-butírico (IBA). Alterações rizosféricas A maior parte de informações indica que os FMAs têm acesso às mesmas fontes de P que a planta, porém certamente exploram essas fontes mais eficazmente (BOLAN, 1991). Apenas o fato de aumentarem sensivelmente a absorção de P, abaixando a sua concentração na solução do solo, já implica maior solubilização de P da fase sólida, para que o equilíbrio químico entre as fases sólida e líquida do solo seja mantido. Porém o aumento na disponibilidade de fontes menos solúveis de P também tem sido atribuída aos FMAs. Alguns estudos mostram que plantas micorrizadas conseguem crescer melhor na presença de fontes inorgânicas insolúveis de P, como hidroxiapatita, (PARASKEVOPOULOU- PAROUSSI et al., 1997) e até mesmo de fontes orgânicas de P, como farinha de osso (KAHILUOTO; VESTBERG, 1998). As hifas de FMAs pode exsudar substâncias orgânicas que podem auxiliar na disponibilização de nutrientes que estão na forma insolúvel ou orgânica (MARSCHNER, 1998). A disponibilidade de nutrientes, particularmente P, pode ser alterada pelas mudanças de pH na rizosfera. Essa mudança pode ser causada pela maior absorção de cátions promovida pelo fungos micorrízicos e pela exsudação de ácidos orgânicos, sendo este último efeito bastante relatado nas ectomicorrizas (HINSINGER, 2001). Um efeito solubilizador indireto provavelmente é obtido pelo estímulo dos FMAs a outros microrganismos com capacidade de solubilizar nutrientes em formas insolúveis (MUTHUKUMAR et al., 2001), porém, existem poucos estudos que atestam um efeito solubilizador direto dos FMAs. Por exemplo, muitos trabalhos vêm mostrando um aumento da atividade de enzimas extracelulares, como as fosfatases, na rizosfera de plantas micorrizadas, sem comprovar o efeito solubilizador dos FMAs, tendo sido comprovado, em trabalho recente (KOIDE; KABIR, 2000),o efeito direto das hifas extra- Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32119 120 Capítulo 5 radicais de Glomus intraradices na hodrólise de fosfatos orgânicos por meio de enzimas. Papel não nutricional das MAs A presença de fungo nas raízes altera a bioquímica do carbono na planta (SCHWAB et al., 1991; SMITH & GIANINAZZI-PEARSON, 1988), o que pode resultar em várias modificações fisiológicas e metabólicas como: • Aumento do número de organelas celulares. • Modificação da atividade enzimática. • Aumento da abertura estomatal. • Maior taxa de respiração e absorção de CO2. • Aumento de exsudatos radiculares. • Mudança no conteúdo de aminoácidos e ácidos graxos, bem como de metabólitos secundários. Tais modificações podem afetar as relações hídricas da planta, aumentando a sua tolerância aos estresses causados pela seca (VAZQUEZ et al., 2001a) e a eficiência fotossintética (ACOSTA-AVALOS et al., 1996). Embora os mecanismos fisiológicos exatos dessas modificações induzidas pelos FMAs não sejam conhecidos, eles têm grande importância agrícola e ecológica. Os FMAS também influenciam grandemente a microbiota associada à rizosfera das plantas, tanto os patógenos quanto aqueles benéficos. Em muitos casos, os FMAs reduzem os danos causados por patógenos radiculares, melhorando o vigor e a nutrição das plantas. O controle de doenças pelos FMAs não ocorre pela indução de resistência. O efeitos mais comuns são o aumento da tolerância das plantas e a amenização dos danos provocados por patógenos radiculares (AZCON-AGUILAR; BAREA, 1996). Esses mesmos efeitos podem produzir reações antagônicas em patógenos, sendo isso relatado particularmente no ataque de nematóides (PANDEY, 2000). O aumento da produção de metabólitos secundários pode induzir a antagonismo a pragas e patógenos também da parte aérea (PAIVA et al., 1994). Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32120 121Micorriza Arbuscular – Papel, Funcionamento e Aplicação da Simbiose Funcionamento da simbiose A simbiose micorrízica comporta-se como uma mistura heterogênea trifásica, onde todos os componentes, o solo, a planta e o fungo, estão em contato sem se misturar. Porém, nas MAs, ocorre uma íntima interação entre as fases da mistura, e o sistema se torna complexo, com cada componente afetando o outro de diversas formas (Fig. 7). Cada componente afeta a micorriza de diferentes maneiras, porém o que vai mais influenciar o funcionamento da simbiose é a dependência micorrízica da planta, a eficiência simbiótica do fungo e a disponibilidade de fósforo do solo. Fig. 7. Representação esquemática da interação entre os componentes de uma micorriza. Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32121122 Capítulo 5 Dependência micorrízica da planta hospedeira É de grande importância para a aplicação prática das MAs conhecer o quanto a planta de interesse depende desta associação simbiótica para o seu crescimento normal. Para algumas espécies, conhece-se sua dependência, como por exemplo, os citros (MENGE et al., 1978a) e o cafeeiro (SAGGIN JÚNIOR; SIQUEIRA, 1996). Porém, para a maioria delas, principalmente as nativas de interesse em reflorestamento, não se tem noção de quanto dependem das MAs. A dependência micorrízica (DM) em relação às micorrizas arbusculares foi comprovada pela primeira vez no trabalho histórico de Kleinschmidt & Gerdemann em 1972 (Fig. 8), onde verificaram que plantas de limão não conseguiam se desenvolver em solo fumigado com brometo de metila sem a adição de esporocarpos de Glomus mosseae. Fig. 8. Comprovação da dependência micorrízica de citros. Da esquerda para direita: plantas inoculadas com Glomus mosseae, plantas não inoculadas com adição do filtrado do inóculo micorrízico e sem adição do filtrado. Fonte: Kleinschmidt e Gerdemann (1972). Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32122 123Micorriza Arbuscular – Papel, Funcionamento e Aplicação da Simbiose A DM foi definida pela primeira vez por Gerdemann (1975) como sendo “o grau que a planta depende da condição micorrízica para obter seu crescimento e produção máxima, em um certo nível de fertilidade do solo”. Essa definição foi baseada no conhecimento, já existente na época, de que a maioria das espécies vegetais pode crescer sem micorrizas caso seja bastante fertilizada, principalmente com fósforo (GERDEMANN, 1968; MOSSE, 1973). Posteriormente, Janos (1988) redefiniu DM como “a incapacidade da planta hospedeira de crescer sem micorrizas em um dado nível de fertilidade do solo”. Essa definição desvincula o conceito de DM da resposta à inoculação com FMAs. Nesse conceito, a planta não precisa mostrar seu crescimento e produção máxima (resposta máxima a inoculação) para mostrar seu grau de dependência, ligando a dependência à incapacidade de a planta crescer sem micorriza em uma certa condição de fertilidade. Hoje, sabe-se que a DM é uma característica que depende exclu- sivamente do genoma da planta, sendo, portanto, uma característica herdável (HETRICK et al., 1992a; 1993; 1995; 1996). Essa característica varia de acordo com a influência de outras características genéticas da planta, como exigência nutricional, eficiência de absorção das raízes, taxa de crescimento, reserva de nutrientes da semente e abundância, distribuição e morfologia do sistema radicular (GRAHAM; SYVERTSEN, 1985; JANOS, 1987). Dentre essas características a primeira a ser relacionada com a DM foi a morfologia das raízes (BAYLIS, 1975), porém tem-se verificado que as diferenças de DM devido às características morfológicas das raízes são mais sutis do que foi previsto por Baylis (HETRICK et al., 1991; 1992b), sendo essa relação mais importante quando a planta cresce em ecossistemas temperados que possuem solos de alta fertilidade. Isso indica que as outras características genéticas que influenciam a DM são importantes, e que a morfologia do sistema radicular não pode ser empregada como boa indicadora da DM das plantas, principalmente em solos tropicais de baixa fertilidade (SAGGIN JÚNIOR, 1997; SIQUEIRA; SAGGIN JÚNIOR, 2001). Tentativas de quantificar a DM expressando a por relações percentuais entre as massas das plantas micorrizadas e plantas não Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32123 124 Capítulo 5 micorrizadas (MENGE et al., 1978a; PLENCHETTE et al., 1983) não obtiveram sucesso, pois tais relações exprimem a resposta da planta à inoculação em um certo nível de fertilidade do solo (JANOS, 1988), não refletindo o que seria a característica genética de DM da planta, a qual independe da fertilidade do solo (SIQUEIRA; SAGGIN JÚNIOR, 2001). A resposta das plantas à micorrização reflete a eficiência do fungo inoculado, o funcionamento da simbiose e o potencial de produtividade da planta em função da inoculação em uma dada condição de fertilidade do solo. Aparentemente, a distinção entre resposta às micorrizas e DM é tênue, mas tem grande importância para o uso prático da inoculação de FMAs, pois a sobrevivência da planta depois da germinação, sua adaptação a ambientes novos após transplante e sua competitividade no ecossistema são fatores relacionados com sua DM, enquanto a produtividade resultante da inoculação, a escolha do inoculante mais apropriado e a dosagem correta de fertilizantes estão relacionados com sua resposta à micorrização. Diante disso, pode-se redefinir dependência micorrízica como sendo o grau de necessidade da simbiose micorrízica que a planta apresenta para sobreviver e crescer, independente do nível de fertilidade do solo, enquanto resposta à micorriza é o quanto que uma planta micorrizada cresce ou produz mais que uma não micorrizada, em virtude de seu estado simbiótico, em determinado nível de fertilidade. A depen- dência dificilmente pode ser quantificada, mas pode ser estimada pelo nível de P na solução do solo necessário para “substituir” a micorriza (Fig. 9), conforme proposto por Janos (1988). Quanto maior esse nível, mais dependente de micorrizas a planta é. Também pode ser categorizada em diferentes graus conforme proposto por Habte & Manjunath (1991), baseando-se na resposta à inoculação em diferentes condições de disponibilidade de P (Fig. 10). A categorização desses autores, embora apresente imperfeições, particularmente para algumas espécies nativas (SIQUEIRA; SAGGIN JÚNIOR, 2001), pode ser melhorada e servir como um bom e prático indicador de DM. A resposta à micorri- zação pode ser quantificada pelas expressões de Menge et al. (1978a) ou Plenchette et al. (1983), apesar de estas originalmente terem sido imaginadas quantificar DM. Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32124 125Micorriza Arbuscular – Papel, Funcionamento e Aplicação da Simbiose Fig. 9. Proposta de Janos (1988) para a estimação da dependência micorrízica. O nível de P na solução do solo equivalente ao início da resposta ao P de plantas sem micorrizas (T) ou o nível de P na solução que não haja diferença de crescimento entre plantas micor- rizadas e sem micorrizas (T´) indicam a DM da planta. Fig. 10. Categorias de DM propostas por Habte e Manjunath (1991) baseadas na resposta às micorrizas em dois níveis de P na solução do solo. Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32125 126 Capítulo 5 Eficiência simbiótica do FMA Os FMAs não têm especificidade à planta hospedeira, mas diferentes combinações de fungos e hospedeiros têm o funcionamento da simbiose bastante diverso. Isso basicamente se deve ao fato de os FMAs apresentarem diferentes capacidades de promover o crescimento de uma mesma espécie de planta (SMITH; GIANINAZZI-PEARSON, 1988). A capacidade do FMA de beneficiar a planta é muitas vezes chamada de efetividade simbiótica (do inglês effectiveness) ou eficácia simbiótica, mas, conforme sugerido por Lígia Abramides Testa, ex- revisora de vernáculo da Revista Brasileira de Ciência do Solo, devemos tratar mais corretamente essa habilidade dos FMAs por “eficiência simbiótica” (SAGGIN JÚNIOR; SIQUEIRA, 1995). Características que levam um FMA a ser eficiente dependem de uma ampla faixa de condições ambientais, principalmente de disponi- bilidade de P no solo. Essas características podem ser exemplificadas como a capacidade de colonizar rápida e extensivamente as raízes e de competir com outros FMAs e microrganismos pelos sítios de infecção e absorção de nutrientes; de formar rapidamente um extenso e ramificado micélio extra-radicular; de absorver nutrientes mais rápida e mais eficientemente que as plantas; de transferir eficientemente os nutrientes absorvidos para a planta; de promover benefícios não nutricionais à planta, como agregação e estabilização do solo, modificações fisiológicas, alívio de estresses,entre outras. Para uma avaliação direta da eficiência simbiótica (ES) de um FMA, seria necessário avaliar mecanismos fisiológicos e bioquímicos envolvidos na absorção e no funcionamento da simbiose. Avaliações dos parâmetros cinéticos de absorção do micélio externo, do consumo de fotossintatos pelo fungo ou quantificação dos nutrientes absorvidos via micélio seriam formas de medir a eficiência de diferentes FMAs. Entretanto, são variáveis ainda não inteiramente estudadas e de difícil avaliação prática (SMITH et al., 1994), de forma que, na maioria dos estudos, a ES é avaliada indiretamente por meio das respostas da planta à inoculação de diferentes fungos. Diante da intenção de uso dos FMAs na agricultura, deve-se priorizar a seleção de fungos com elevada ES para condições específicas Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32126 127Micorriza Arbuscular – Papel, Funcionamento e Aplicação da Simbiose de clima, solo e manejo cultural nos quais eles deverão ser utilizados. Quanto mais ampla a adaptação dos FMAs a essas condições maior a sua ES. Fungos que apresentem elevada ES em diferentes avaliações podem ser utilizados em condições menos específicas de clima, solo e cultura. Na busca de FMAs de alta ES, adaptados a condições edafo- climáticas e culturais, tem-se isolado fungos indígenas do próprio ecossistema em que se pretende aplicá-los (MENGE, 1983; SAGGIN JÚNIOR; SIQUEIRA, 1996). Os diferentes isolados devem ser avaliados quanto à resposta que sua inoculação promove na planta de interesse, preferencialmente sob diferentes condições. Sieverding (1991) sugere que os testes de ES devam ser feitos primeiramente sob competição com outros organismos do solo, incluindo outros FMAs. Depois, os isolados selecionados, por competirem eficientemente, serão avaliados sob diferentes condições edáficas (pH, P, N, K, salinidade, temperatura e estresse hídrico), a fim de se obter isolados que tenham características compatíveis com o objetivo da seleção. A capacidade de esporular é tida com um importante critério de seleção de FMAs (ABBOTT; ROBSON, 1981; 1985), pois a esporulação é ligada à capacidade de persistência do FMA após a inoculação. A persistência é considerada uma vantagem, pois, na maioria das vezes, a inoculação das mudas é a única oportunidade de introdução de FMAs em uma cultura. Além disso, o fungo selecionado deve produzir bastante propágulos para produção de inoculantes, e esses propágulos devem ser resistentes ao ressecamento e às técnicas de armazenamento e aplicação do inoculante. Assim, além da avaliação da ES em diferentes condições, a persistência tem sido utilizada também como critério de seleção de FMAs. A persistência é resultado da competição, tolerância a fatores do solo e do ambiente, e da capacidade do fungo de se espalhar no solo, de esporular e produzir propágulos. Entretanto, pode-se estar causando o mesmo problema que hoje se verifica em relação a rizóbios no Brasil. As seleções de rizóbios buscaram estirpes competitivas e agressivas de modo que a maioria dos inoculantes comerciais de rizóbios para soja no Brasil contém estirpes de Bradyrhizobium japonicum e B. elkanii. Porém, quando se busca a introdução de outras estirpes eficientes em fixar nitrogênio, como as estirpes de crescimento rápido de Sinorhizobium fredii, estas não competem com a estirpe B. elkanii Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32127 128 Capítulo 5 SEMIA 5019 em solos ácidos, inviabilizando sua recomendação para uso em inoculante comercial (HUNGRIA et al., 2001). Como a disponibilidade de fósforo no solo é um dos fatores mais importantes sobre o funcionamento da simbiose, é ideal que a ES de diferentes isolados fúngicos seja avaliada sob diferentes níveis desse nutriente no solo (SAGGIN JÚNIOR; SIQUEIRA, 1995). Estes autores sugerem que quanto mais ampla a faixa de P no solo onde o fungo micorrízico mantém a simbiose com natureza mutualista, maior é o seu potencial de uso na agricultura. Essa faixa foi denominada pelos autores por “faixa de mutualismo” (Fig. 11). Saggin Júnior e Siqueira (1995) propuseram uma metodologia para avaliar a ES de isolados de FMAs, avaliando a mesma na presença de FMAs indígenas do solo. A ES de cada isolado é estimada pela relação percentual entre o benefício que este promove à planta e o benefício que a planta sem o fungo obtém da adição de fósforo, denominados Fig. 11. Representação das áreas de benefício micorrízico e benefício do P passíveis de serem estimadas por cálculo integral a partir de curvas de plantas micorrizadas e não micorrizadas. A faixa de mutualismo representa a faixa de P aplicado no solo onde o fungo mantém a natureza mutualista da simbiose. ES (%) é uma estimativa percentual da eficiência simbiótica do fungo micorrízico baseada nas áreas de BM e BP. Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32128 129Micorriza Arbuscular – Papel, Funcionamento e Aplicação da Simbiose benefício micorrízico (BM) e benefício do P (BP). Esses valores são estimados matematicamente pela integração das curva de resposta ao P das plantas micorrizadas e sem micorrizas, respectivamente. Tais valores são representados pelas áreas verde e laranja na Fig. 11. Essa estimativa de ES permite a diferenciação de isolados de FMAs pertencentes a uma mesma espécie (SAGGIN JÚNIOR; SIQUEIRA, 1996). Além disso, os valores de ES possibilitam a categorização dos FMAs quanto ao grau de eficiência, que varia de baixa a alta. Isolados fúngicos com alta ES se adaptaram a condições edáficas com grande variabilidade de P disponível, como ocorre geralmente nos ecossistemas agrícolas, e promoveram o crescimento da planta tanto com alta quanto com baixa disponibilidade de fósforo no solo. Isso é importante para haver mais segurança na recomendação da inoculação do isolado em diferentes áreas. Também a adaptação do fungo em diferentes condições de P é importante quando se inoculam mudas onde freqüentemente empregam- se elevadas doses de P nos substratos, mas são transplantadas para solos de menor fertilidade. Disponibilidade de fósforo no solo A disponibilidade de P no solo é o fator edáfico mais importante sobre o funcionamento da simbiose micorrízica. Partindo-se de um solo extremamente deficiente em P, uma pequena aplicação desse nutriente pode levar a um aumento de colonização micorrízica, mas o efeito mais consistente e comum é o da aplicação de P no solo reduzir acentua- damente a colonização micorrízica (SAGGIN JÚNIOR; SIQUEIRA, 1996). Antes que se verifique a ausência de colonização nas raízes pelo aumento de P no solo, não são verificados benefícios da micorrização no crescimento da planta (SAGGIN JÚNIOR, 1992). Quando a planta se encontra bem nutrida de P, as MAs são dispensáveis. Os FMAs tornam-se uma carga para a planta, pois esta gasta fotossintatos com eles sem que haja um benefício nutritivo adicional. Nesse caso, é comum ocorrer um efeito depressivo no desenvolvimento da planta quando os FMAs estão presentes. Um modelo conceitual dessas relações é apresentado por Siqueira & Colozzi-Filho Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32129 130 Capítulo 5 (1986), em que se discute a variação da natureza da simbiose que pode ser mutualista ou parasítica (Fig. 12). Em solos muito deficientes de P, a simbiose apresenta natureza parasítica, pois o fungo drena fotossintatos da planta sem conseguir retribuir com benefício nutricional. Quando a disponibilidade de P no solo é gradativamente aumentada, a simbiose ganha natureza mutualista, pois o dreno de fotossintatos que o fungos provocam é grandemente compensado pela economia de energia que a planta tem durante o processo de crescimento radicular e absorção ativa e pelo aumento da fotossíntese. O resultado é que a planta micorrizada cresce muito mais que a sem micorrizas. Porém, se a disponibilidade de P no solo atinge valores altos, de modo que a planta sem micorrizas consiga absorver tanto P quanto a micorrizada, o fungotorna-se novamente para a planta um encargo energético sem retorno em economia de energia para obtenção de P. Fig. 12. Modelo conceitual de variação da natureza da simbiose de acordo com a variação de P disponível no solo. Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32130 131Micorriza Arbuscular – Papel, Funcionamento e Aplicação da Simbiose Segundo Siqueira e Colozzi-filho (1986), os níveis de P disponível no solo (usando o extrator Mehlich I) onde se encontram as zonas de transição entre os estados parasítico-mutualista e mutualista-parasítico da simbiose micorrízica estão entre 1 e 10 mg kg-1 e entre 100 e 300 mg kg-1, respectivamente. Os autores estimaram esses valores para o cafeeiro, porém as faixas podem ser válidas para várias espécies vegetais. Um indicativo disso é a faixa de P disponível, onde se verifica a resposta máxima para inoculação em diferentes estudos entre 9 e 27 mg kg-1 (Tabela 2). Entretanto, essas faixas de transição serão grandemente alteradas pela eficiência simbiótica do FMA, conforme já discutido anteriormente, e também pela capacidade que a planta tem de controlar a colonização micorrízica e mantê-la de acordo com o nível de disponibilidade de P no solo (SAGGIN JÚNIOR; SIQUEIRA, 1996). Esse controle é via planta, porém o mecanismo fisiológico e bioquímico do controle não se encontra esclarecido. Em pepino, o controle da colonização de Glomus intraradices é, em primeira instância, feito por meio da redução da taxa de crescimento de unidades de infecção dentro das raízes. Nesse momento, o número de pontos de infecção não é diferente entre plantas com e sem P. Posteriormente, existe uma redução na formação dos pontos de entrada secundários, enquanto nas plantas sem P o número de pontos Tabela 2. Revisão das faixas de P aplicado e P disponível onde ocorrem as respostas máximas para inoculação em diferentes plantas. Muda P aplicado P disponível Referência------------ mg kg-1 ------------ Cafeeiro 87 24 Colozzi-Filho & Siqueira (1986) Cafeeiro 80-160 – Souza et al. (1991) Cafeeiro 200 24 Saggin Júnior et al. (1994) Cafeeiro 80-160 13-27 Vaast et al. (1996) Citros 0 – Antunes & Cardoso (1991) Mamoeiro 87 – Weber & Amorim (1994) Jacarandá-da-baía 0-50 – Chaves et al. (1995) Acacia mangium 120 18 Faria et al. (1996) Fedegoso e trema 30-60 9-21 Paron et al. (1997) Limão-cravo 100-200 – Melloni et al. (2000) Amplitude 0-200 9-27 Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32131 132 Capítulo 5 de entrada secundários aumentam marcantemente. Com o crescimento das raízes e reduzida infecção secundária, as raízes apresentam menor percentagem de colonização que aquelas de plantas em solo com pouco P disponível (BRUCE et al., 1994). Aplicação de micorrizas arbusculares A elevada acidez, associada à alta saturação de alumínio, baixa disponibilidade de nutrientes e elevada capacidade de adsorsão de fósforo, é limitação que ocorre em muitos dos solos tropicais. Conseqüen- temente, quantidades relativamente elevadas de fertilizantes fosfatados são requeridos para o cultivo desses solos. Em virtude da baixa fertilidade natural dos solos e dos altos preços dos fertilizantes industrializados, tem sido dada ênfase ao estudo das associações de plantas com microrganismos que favoreçam o aprovei- tamento de nutrientes em meio com baixa disponibilidade dos mesmos. Pesquisas agronômicas na última década têm mostrado que as limitações à produção na região tropical são melhor evitadas por meio de tecnologias baseadas em processos biológicos (SIEVERDING, 1991). Os efeitos dos fungos que formam as micorrizas arbusculares (FMA) na utilização de fósforo e crescimento das plantas têm sido avaliados em algumas culturas de interesse econômico, visando minimizar os custos das mesmas e maximizar a eficiência de utilização dos fosfatos. A aplicação de FMA, em larga escala, na agricultura é, entretanto, ainda restrita, por esses microrganismos serem biotróficos obrigatórios, o que limita a produção de inóculo. Porém, sua utilização em culturas que passam pela fase de viveiros é viável. Várias culturas olerícolas, espécies ornamentais e arbóreas são cultivadas na fase de formação de mudas em substrato desinfestado, visando ao controle de patógenos prejudiciais às raízes e à germinação de sementes de plantas invasoras. Os procedimentos de desinfestação eliminam ou reduzem bastante os propágulos de FMA, podendo limitar o desenvolvimento das mudas no viveiro e tornando necessária e viável a inoculação com FMAs efetivos. Nas culturas que não possuem essa característica, é importante o conhecimento da influência das diversas Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32132 133Micorriza Arbuscular – Papel, Funcionamento e Aplicação da Simbiose práticas agrícolas na população de fungos nativos, visando ao manejo adequado dos mesmos. A utilização da micorriza tem sido considerada, há 3 décadas, como uma alternativa para a redução no uso de insumos (fertilizantes e pesticidas) na agricultura, em virtude dos seus efeitos benéficos no crescimento de plantas de interesse agronômico, florestal, hortícola e pastoril (MIRANDA; MIRANDA, 1997).Contudo, para que esses benefí- cios sejam alcançados, torna-se necessária uma melhor compreensão da ecologia desses microrganismos, não estando claro ainda, para diversas situações, como obter o máximo benefício dessa simbiose (DODD et al., 1990). Em geral, a população dos fungos micorrízicos arbusculares (FMA) é alta nos agrossistemas com uso reduzido de agroquímicos, cultivo mínimo e rotação de culturas (JASPER et al., 1989). Essa população natural é também diversificada, podendo ser encontrada em torno de cinco a seis espécies ou isolados convivendo na mesma rizosfera (BRUNDRETT, 1991). Em área remanescente da mineração de bauxita, em um povoamento de 5 anos de Acacia mangium, Caproni (2001) encontrou 12 espécies de fungos micorrízicos arbusculares. Algumas espécies, ou mesmo gênero, predominam em relação às demais, conforme observado por Cadet et al. (2001) que, investigando a revegetação de áreas submetidas a pousio, encontraram predominância de Glomus em todos os solos estudados. De acordo com Carrenho (1998), os gêneros Glomus e Acaulospora apresentam maior capacidade de adaptação a solos submetidos a diferentes variações nos teores de matéria orgânica, calagem, textura, entre outros fatores, demonstrando serem espécies resistentes a perturbações ambientais. É interessante observar práticas de consorciação de espécies, onde as culturas companheiras possam interagir. Nesse aspecto, vale destacar o trabalho de Osonubi et al., 1995, em que leguminosas arbóreas inoculadas com FMA, plantadas em sistema alley cropping, beneficiaram a produção de raízes de mandioca também inoculada, plantada como cultura intercalar. Outro aspecto a ser considerado é a rotação de culturas, onde espécies que não formam associações com FMA não devem preceder Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32133 134 Capítulo 5 culturas altamente dependentes da associação e que não passam pela fase de viveiro, necessitando portanto dos propágulos nativos do solo para a colonização e produção. Várias espécies, tais como café (LOPES, 1980; SIQUEIRA et al., 1998), cacau (AZIZAH CHULAN; RAGU, 1986), algodão (PRICE et al., 1989), abacate (MENGE et al., 1978b) e leguminosas arbóreas (MONTEIRO, 1990) entre outras, são beneficiadas pela associação com FMA. Siqueira et al. (1998) mostraram que três isolados de Glomus etunicatum aumentaram a produção de café no campo acima de 50% em relação ao controle, demonstrando que, com a aplicação adequada de fósforo no plantio, a pré-colonização de mudas com o FMA selecionado favorece o desenvolvimento inicial da cultura e a produtividade do café em solos de baixa fertilidade. Uma área de aplicação de FMA é a que envolve a micropropagação de plantas que constitui importante componente da biotecnologia agrícola. As espécies micropropagadastêm usos diversos, variando de flores a porta-enxerto de fruteiras, ou como espécies florestais. Em porta- enxertos de videira, Ravolanirina et al. (1989) mostraram que aumentos no crescimento destes em função da presença de micorrizas eram maiores se a inoculação fosse feita na fase pós-vitro, mesmo se a percentagem de colonização fosse equivalente à inoculação precoce realizada in vitro. A inoculação com FMA no início da fase de enraizamento tem sido válida para grande número de plantas de importância econômica, como a macieira (BRANZANTI et al., 1992), a pereira (GIANINAZZI et al., 1985), e a bananeira (DECLERCK et al., 1995). O efeito benéfico da colonização com FMA tem persistido no campo com abacaxizeiro (MATOS; SILVA, 1996), videira (RAVOLANI- RINA et al., 1989) e morangueiro (VESTBERG, 1992). Lovato et al. (1996) revisaram e discutiram a micorrização de plantas micropropagadas, concluindo que o conhecimento e a experiência acumulados demonstraram que a associação micorrízica deve ser usada na produção de plantas micropropagadas sadias que sejam capazes de superar estresses e que assegurem crescimento adequado mesmo diante de condições adversas. Miolo_Biota.pmd 1/12/2006, 12:32134 135Micorriza Arbuscular – Papel, Funcionamento e Aplicação da Simbiose Outro uso de FMA é o que se refere à inoculação para a formação de mudas para recuperação de áreas degradadas. Em geral, nessas áreas, a população de fungos micorrízicos nativos é baixa em conseqüência da remoção dos horizontes superficiais, o que facilita o estabelecimento do fungo inoculado na fase de formação das mudas, favorecendo o estabelecimento das plantas (FRANCO et al., 1992). Souza e Silva (1996) discutem os aspectos envolvidos na inoculação de fungos micorrízicos em espécies usadas para a recuperação de áreas degradadas, destacando o efeito benéfico da associação micorrízica na fixação biológica de nitrogênio em espécies de leguminosas arbóreas. Referências ABBOTT, L. K.; ROBSON, A. D. Infectivity and effectiveness of five endomycorrhizal fungi: competition with indigenous fungi in field soils. Australian Journal of Agricultural Research, Melbourne, v. 32, p. 621- 630, 1981. ABBOTT, L. K.; ROBSON, A. D. Selection of “efficient” V.A. mycorrhizal fungi. In: NORTH AMERICAN CONFERENCE ON MYCORRHIZAE, 6., Bend, 1984. Proceedings... Corvallis: Forest Research Laboratory, 1985. p. 89-90. ACOSTA-AVALOS, D.; ALVARADO-GIL, J. J.; VARGAS, H.; FRIAS- HERNANDEZ, J.; OLALDE-PORTUGAL, V.; MIRANDA, L. C. M. Photoacoustic monitoring of the influence of arbuscular mycorrhizal infection on the photosynthesis of corn (Zea mays L.). 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