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1 Nota de aula 1 Introdução ao curso (raciocínio básico e problemas ambientais atuais) Sumário 1 INTRODUÇÃO: O RACIOCÍNIO BÁSICO 2 2 AQUECIMENTO GLOBAL 4 2.1 Descrição do problema 4 2.2 Causas sociais 5 2.3 Consequências sociais 6 2.4 Medidas em curso ou em pauta 8 3 PERDA DE BIODIVERSIDADE 10 3.1 Descrição geral 10 3.2 Causas sociais 11 3.3 Consequências sociais 12 3.4 Medidas 13 4 POLUIÇÃO DO AR 13 4.1 Causas sociais 13 4.2 Consequências sociais 15 4.3 Medidas 16 5 ÁGUA: BREVÍSSIMO COMENTÁRIO 17 2 1 Introdução: o raciocínio básico Este texto tem dois objetivos. O primeiro é apresentar o raciocínio básico da principal abordagem teórica do curso, a teoria econômica do meio ambiente. Este raciocínio é apresentado como uma tentativa de argumentar que boa parte do que se denomina por “problemas ambientais” corresponde a problemas da sociedade. O segundo objetivo é apresentar alguns dos problemas ambientais que mais têm recebido atenção da comunidade científica na atualidade. O segundo objetivo é tratado nas próximas seções, enquanto o primeiro será tratado nesta seção. De início cabe tomar em conta um silogismo, ou dedução, simples, a qual parte de duas premissas: (i) a sociedade altera o estado do meio ambiente e (ii) o estado do meio ambiente altera o estado da sociedade. Por “estado” se entende a situação vigente ou, de modo mais simplório, o status. De forma resumida: (i) sociedade meio ambiente e (ii) meio ambiente sociedade. Qual conclusão se pode deduzir destas premissas? A seguinte: sociedade meio ambiente sociedade Tem-se, pois, que a sociedade, ao alterar o estado do meio ambiente, acaba por alterar seu próprio estado. O meio ambiente se apresenta exatamente como um “meio”, no caso, um meio de propagação de uma mudança causada pela sociedade e que, ao final, sobre ela repercute. A validade da conclusão depende exclusivamente das premissas pois a concatenação apresentada é correta. De qualquer modo, retendo na mente a conclusão, vale repetir o raciocínio para versões mais específicas das premissas, mas, porém, com o mesmo conteúdo. Por exemplo: (i)’ queima de gasolina no motor de um carro aquecimento global (ii)’ aquecimento global aumento do preço dos alimentos Qual é a conclusão? A queima de gasolina, realizada pelos membros da sociedade, ao contribuir para o aquecimento global – esta uma alteração do sistema climático global -, causa aumento do preço dos alimentos consumidos pela sociedade. Da mesma forma, causa e consequência dizem respeito à sociedade. A economia ambiental resumiria a conclusão da seguinte forma: é preciso escolher uma dentre duas opções, andar de carro ou economizar no supermercado. Esta interpretação do problema como uma escolha traz à tona outro conceito fundamental da teoria econômica ortodoxa que é o de trade-off. Trata-se da ideia geral de que para obter algo desejado é preciso abrir mão de algo de valor, é preciso dar para receber, vender para então comprar. O que cria um dilema. Os problemas ambientais, pois, teriam, em seu interior, trade-offs ou dilemas. No caso, há um dilema entre transporte individual e contenção da despesa em alimentos. 3 Um segundo exemplo: (i)’’ consumo de carne bovina eliminação de florestas tropicais (ii)’’ eliminação de florestas tropicais redução da produção de hidroeletricidade Conclui-se que a sociedade, ao consumir carne bovina, contribui para a eliminação de florestas tropicais, e, por consequência, para a redução da oferta de hidroeletricidade. A economia ambiental permitiria concluir que há uma escolha (ou dilema) entre comer bife ou ligar a TV. As três conclusões a que se pôde chegar são representativas do raciocínio básico da economia ambiental em sua vertente ortodoxa. É claro que há sofisticações que permitem analisar, com mais realismo, as causas e consequências dos ditos problemas ambientais. Há, por exemplo, uma questão fundamental cuja omissão dá aparência ingênua às conclusões dos dois últimos raciocínios. Trata-se de que os problemas ambientais não são puramente decorrentes de uma decisão individual, mas sim de múltiplas decisões individuais e, mais importante ainda do que isso, da maneira como tais decisões individuais se concatenam, na prática, para produzir resultados visíveis na escala da sociedade como um todo. Mas o que desejo chamar atenção por hora é: para a economia ambiental, apenas os problemas ambientais com causas e consequências sociais são relevantes. Daí a preponderância da palavra “economia” no termo composto “economia ambiental”. Esta é uma limitação. Por exemplo, a morte de cisnes, cegonhas, peixes e mamíferos aquáticos causada por um derramamento acidental de petróleo não seria, em si, um problema ambiental relevante. O desaparecimento, já há mais de setenta anos, do pássaro de olhos azuis da Amazônia, também não seria relevante1. Mas, contudo, se tais eventos tiverem consequências significativas sobre a sociedade ou, melhor, sobre a economia, há relevância. Feito este esclarecimento inicial, a partir daqui, e até o penúltimo tópico, serão considerados apenas alterações do estado do meio ambiente com causas e consequências sociais. 1 https://news.mongabay.com/2016/05/first-ever-photos-long-lost-blue-eyed-bird/ 4 2 Aquecimento global 2.1 Descrição do problema Figura Temperatura global, diferença em relação ao período 1951-1980 Fonte: NASA, Goddard Institute, http://climate.nasa.gov/vital-signs/global-temperature/ Há inequívoca evidência de que (i) a temperatura global anual aumentou nos últimos sessenta anos e (ii) a concentração, na atmosfera, de gás carbônico (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), entre outros gases, na atmosfera nunca foi maior, na história da humanidade, do que atualmente (HMT, 2006). Esta dupla evidência retoma cálculos elaborados pioneiramente por três cientistas do século XIX, Fourier, Tyndall e Arrhenius, os quais resultaram na proposição de que a duplicação da concentração de gás carbônico na atmosfera causaria mudanças relevantes na temperatura global (HMT, 2006). Este resultado deu origem à teoria do efeito estufa e a uma teoria derivada, a da mudança climática. Esta última estabelece que os três gases mencionados, juntamente com outros, seriam capazes de, uma vez concentrados na atmosfera, reter radiação infravermelha e aquecer a superfície planetária. Por mais que a aceitação da teoria da mudança climática e, de maneira mais importante, de que tal fenômeno esteja ocorrendo, não seja completamente consensual, pode-se dizer que se trata de uma posição dominante na ciência e também no campo da formulação de políticas públicas. O que tem como base um amplo conjunto de evidências mais precisas e detalhadas do que as expostas no parágrafo anterior, compreendendo o derretimento de geleiras (da Groenlândia, p.ex.2), o aumento do nível do mar (IPCC, 2008), a alteração da distribuição mundial das chuvas e da estiagem (IPCC, 2008), do funcionamento de ecossistemas (IPCC, 2008) e a ampliação da frequência de eventos extremos, como os ciclones (IPCC, 2008). Um aspecto fundamental da mudança climática está em sua causa, também objeto de algum debate. Contudo, a posição do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU, hoje a posição dominante, é a de a causa é de ordem predominantemente humana e 2 O livro “A espiral da morte” de Cláudio Angelo, recentemente lançado, começa descrevendo como tais evidências são coletadas. O primeiro capítulo pode ser lido no link: https://www.amazon.com.br/espiral- morte-humanidade-alterou-m%C3%A1quina-ebook/dp/B01CGV3KVG#reader_B01CGV3KVG-0,6 -0,4 -0,2 0 0,2 0,4 0,6 0,8 1 18 80 18 85 18 90 18 95 19 00 19 05 19 10 19 15 19 20 19 25 19 30 19 35 19 40 19 45 19 50 19 55 19 60 19 65 19 70 19 75 19 80 19 85 19 90 19 95 20 00 20 05 20 10 20 15 5 referente à expansão da economia mundial. Em linhas gerais, a mudança climática ocorre pois a sociedade humana passou a lançar, com o desenvolvimento econômico, uma quantidade de substâncias gasosas, por intervalo de tempo, superior à capacidade de dispersão da atmosfera (IPCC, 2008, HMT, 2006). 2.2 Causas sociais Figura Fontes de emissões de gases de efeito estufa, IPCC (2008) No plano mundial, os dois principais gases causadores do efeito estufa são o dióxido de carbono, CO2, e o metano, CH4 (figura acima, gráfico b). O primeiro é emitido, majoritariamente, pela produção3 e consumo de energia fóssil. Por exemplo, pela queima de carvão mineral para produção de eletricidade em termoelétricas, a principal fonte de abastecimento energético de países como os EUA. A queima de petróleo para a produção de gasolina e a subsequente queima de gasolina nos motores dos veículos liberam CO2 para a atmosfera. Outra fonte importante de CO2, especialmente nos países em desenvolvimento, é a queima de biomassa. A maior fração da biomassa queimada em países em desenvolvimento como Brasil, Bolívia, Indonésia e Botswana, corresponde à vegetação que é derrubada no processo de desmatamento, conduzido com o intuito de expandir a área de terras ocupada pela agropecuária, principalmente, mas também pela mineração e silvicultura. Quanto ao metano, ele é proveniente principalmente da agropecuária (fermentação entérica, arrozais, etc.), do setor energético (poços de petróleo, leitos de carvão mineral, dutos de distribuição de gás) e da decomposição de resíduos sólidos em aterros. 3 Este termo não é correto do ponto de vista da primeira lei da termodinâmica, ou lei de Lavoisier, de que a energia não pode ser criada ou destruída, mas apenas transformada. Contudo, é comum, em ciências sociais, utilizá-lo. 6 No Brasil, atualmente, as duas principais fontes de GEE são a produção e o consumo de energia e a agropecuária (figura abaixo). A importância desta última tem como principal componente a fermentação entérica do rebanho bovino, a qual libera metano, gás que possui uma capacidade de geração de efeito estufa 25 superior à do CO2. O País é recordista mundial em pecuária bovina, possuindo o maior rebanho do mundo e sendo o maior exportar de carne bovina. Figura Emissões de CO2, Brasil Fonte: MCT, http://www.mct.gov.br/upd_blob/0235/235580.pdf 2.3 Consequências sociais A figura abaixo indica com símbolos os principais alvos de impactos negativos decorrentes das mudanças climáticas, para cada um dos continentes do mundo. 7 Fonte: IPCC, 2014, http://www.ipcc.ch/pdf/assessment- report/ar5/syr/AR5_SYR_FINAL_SPM.pdf As regiões mais vulneráveis às mudanças climáticas no Brasil são a Amazônia e o Nordeste, e as projeções indicam que em ambas a precipitação tenderia a diminuir e a temperatura a aumentar (Marcovitch et al., sem data) 4. A geração de hidroeletricidade seria prejudicada, com desdobramentos negativos para o restante do País. A agropecuária, a silvicultura (cultivo de árvores) e outras atividades que envolvem o cultivo de plantas e animais (como a aquicultura) são altamente suscetíveis à disponibilidade de água proveniente das chuvas e também a novos patamares de temperatura. A oscilação destas duas variáveis, precipitação e temperatura, também tende a aumentar e este é um fator adicional de estresse para as atividades (PNUMA, 2016). Tudo isso contribui para reduzir a quantidade de biomassa produzida pelas plantas e animais em um dado período de tempo (rendimento físico), o que, por sua vez, repercute em redução do lucro e também da oferta de alimentos. Esta última acaba por ameaçar o consumo, uma vez que tem nítida implicação sobre o preço dos alimentos. No caso da soja, cultura que tende a sofrer perdas de rendimento físico 4 http://mudancasclimaticas.cptec.inpe.br/~rmclima/pdfs/destaques/PDF_resumo_executivo.pdf 8 expressivas (Marcovitch et al., sem data) e de outras culturas de exportação, haverá prejuízo para a balança comercial e o estoque de moeda estrangeira (divisas) do País. Estiagens tendem a se tornar mais prováveis e intensas, ameaçando o abastecimento hídrico dos centros urbanos. No Brasil, isso seria particularmente impactante no Nordeste (Marcovitch et al., sem data). Por mais que ainda não existam evidências claras para constatar a causalidade, parece plausível a conjectura de que a crise hídrica de 2015 foi um produto, além de outros fatores, da mudança climática (Marengo et al., 20155). A probabilidade de eventos climáticos extremos, como secas e enchentes de grande magnitude, mas também furacões e incêndios florestais, tende a aumentar com a mudança climática (PNUMA, 2016). A disseminação de doenças tropicais transmitidas por vetores (hospedeiros), como malária, dengue6, zika e chikungunya, tende a expandir com o aumento da temperatura nos trópicos (PNUMA, 2016). 2.4 Medidas em curso ou em pauta Conforme afirma o documento do PNUMA, “A mudança climática continua a ser uma prioridade na agenda de todos os governos da América Latina e Caribenha (ALC) por causa dos impactos esperados sobre as econômicas da região e [sobre] o bem-estar das comunidades.” Há uma miríade de iniciativas em curso voltadas à (i) mitigação das causas e (ii) adaptação às consequências das mudanças climáticas. Estas são as duas principais frentes de ação. A primeira, de mitigação, compreende a redução de emissões de gases causadores do efeito estufa (GEE). As principais ações de mitigação são os limites nacionais à emissão de GEE, os quais, em países como a Alemanha, são também setoriais, e sistemas de transação de direitos para emitir, como os mercados europeu7, californiano8 e chinês9 de créditos de carbono. Esta última frente também compreende o sistema de transação de direitos operada pelas Nações Unidas, denominado por “Mecanismo de Desenvolvimento Limpo”10. Na vigésima primeira “conferência das partes” (COP), realizada em Paris no ano passado, os países em desenvolvimento, apresentaram metas nacionais ambiciosas de redução de emissões. O Brasil se comprometeu com a ampliação de 28% para 33% da participação de fontes renováveis na matriz energética até 2030 e com a redução à zero até 2100 das emissões 5 http://www.revistas.usp.br/revusp/article/download/110101/108684 6 http://bibliotecadigital.fgv.br/ocs/index.php/sbe/EBE11/paper/view/2938/1333 7 http://ec.europa.eu/clima/policies/ets/index_en.htm 8 http://www.arb.ca.gov/cc/capandtrade/capandtrade.htm 9 http://www.cn.undp.org/content/dam/china/docs/Publications/UNDP-CH-%20PPU- 2016%20Environomist%20China%20Carbon%20Market%20Research%20Report%20EN.pdf?download 10 https://cdm.unfccc.int/ 9 de gases de efeito estufa em geral. O Chile, com a redução das emissões de CO2 em 30% até 2030 com base no nível de 200711. Outra ação de mitigação é a captura e armazenamento de GEE (carbon capture and storage). Trata-se de introduzir modificações nos processos produtivos, as quais atuam em alguns estágios de tais processos para capturar os gases antes de serem emitidos, reduzindo o potencial de impacto sobre o clima deles e/ou os isolando. Posteriormente, os gases são armazenados no subsolo ou lançados nos oceanos, o que permite evitar que fluam para a atmosfera. As tecnologias disponíveisem 200512 eram capazes de capturar 85-95% das emissões de uma planta produtiva. Quanto ao local de armazenamento, são consideradas diversas opções tais como campos de gás ou óleo (armazenamento geológico), a liberação em colunas de ar no oceano ou no fundo do oceano e fixação em carbonetos inorgânicos. O PNUMA recomenda a redução do subsídio à energia e o aumento da eficiência energética, i.e., da quantidade de valor econômico gerado a partir de cada quilowatt de energia. Em relação à adaptação, há programas em todos os continentes voltados a ampliar a imunidade da agropecuária às mudanças climáticas, especialmente às alterações nas chuvas e na temperatura. Há necessidade de integrar as políticas de mudança climática no âmbito da ALC, conforme observa o PNUMA: “A divergência atual das políticas entre os países e a falta de coordenação pode prejudicar os esforços regionais, pois o impacto das inovações de um país pode ser diminuído por políticas de outras nações. Prioridades políticas para a área deveriam considerar incorporar a cooperação na formulação das políticas.” 11 http://www.gob.cl/2015/09/29/asamblea-general-de-la-onu-chile-compromete-reduccion-de-un-30-de- emision-de-gases-de-efecto-invernadero-al-ano-2030/ 12 https://www.ipcc.ch/pdf/special-reports/srccs/srccs_summaryforpolicymakers.pdf 10 3 Perda de biodiversidade 3.1 Descrição geral Figura Estado das espécies de animais, ALC, 2015 O desenvolvimento econômico pós-transição para o capitalismo provocou enorme perda de biodiversidade principalmente via supressão e degradação das florestas. Os principais países desenvolvidos procuraram e, em diversos casos conseguiram, conter tal processo antes da transição para o capitalismo13. Mas ele avançou com grande força nos países em desenvolvimento no século XX e continua a avançar no presente século (figura abaixo). Recentemente, há países que puderam conter a perda de florestas nativas, como é caso do Brasil em relação à floresta amazônica, cuja área anualmente desmatada foi reduzida em 83% no período 2004-2015. 13 Sobre isso, há um curto texto no Boletim de Informações FIPE no link http://downloads.fipe.org.br/publicacoes/bif/2011/10_bif373.pdf 11 Figura Área de floresta em relação ao ano de 1990 Fonte: FAO, FRA 2015, http://www.fao.org/forest-resources-assessment/explore-data/en/ As florestas são os principais reservatórios da diversidade de espécies de plantas e animais do mundo. A importância da ALC neste sentido é inegável, uma vez que concentra de “60-70% das formas conhecidas de vida” e “um quarto das florestas tropicais do planeta (PNUMA, 2016)”. 3.2 Causas sociais O desmatamento é o principal determinante da perda de biodiversidade. Este serve à expansão da agropecuária, e, portanto, é dirigido por duas variáveis econômicas (e, pois, sociais), o lucro dos produtores e o consumo das famílias. A extração de produtos florestais, como a madeira, mas também de animais na forma de caça, causam impacto sobre a biodiversidade. Mas a extração de madeira tem tido, sem dúvida, o maior impacto. Esta atividade ocorre, em grande proporção, de maneira ilegal em boa parte do mundo. Um dado interessante é o de que a maior parte da madeira retirada da Amazônia brasileira é adquirida pelo Estado de São Paulo. A caça predatória também é importante foco de perda de biodiversidade e degradação ecossistêmica nos países em desenvolvimento. A caça de elefantes na África, estimulada pelo alto valor do marfim, atingiu níveis suficientes para causar a extinção de diversas espécies. Houve tentativas de proibir o comércio de marfim no final da década de 1990 e em outros momentos, a partir de acordos com base em um acordo maior, o da Convenção de Comércio Internacional de Espécies Ameaçadas (CITES). Em uma iniciativa recente de enfrentamento dos caçadores de elefantes, o Quênia queimou mais de 100 mil toneladas de marfim de uma 0.8 0.82 0.84 0.86 0.88 0.9 0.92 0.94 0.96 0.98 1 1990 2000 2005 2010 2015 América do Sul Bolívia Brasil 12 só vez em Abril deste ano, o que corresponderia a aproximadamente US$100 milhões no mercado negro14. No país, a comércio de marfim é ilegal. Barragens construídas como parte integrante de usinas hidroelétricas de grande porte, como é o caso de usina de Belo Monte, na cidade de Altamira do Pará, causam impactos negativos diretos, pela submersão de florestas e também indiretos, via desequilíbrio de ecossistemas terrestres e aquáticos. Outras causas são a poluição do ar, da água e do solo, turismo realizado de maneira displicente e espécies exóticas invasoras. Este último caso se refere à plantas e animais não- nativos em uma determinado ecossistema e que, ao ter a acesso a ele, passam a causar danos ao mesmo. Por exemplo, há espécies de árvores de rápido crescimento, oriundas da Ásia e mesmo da Oceania, as quais, se plantadas de maneira pouco cuidadosa, passam a lançar sementes que as disseminam em áreas de floresta nativa. Uma causa interessante mencionada pelo PNUMA é a fotopoluição, associada à urbanização, que consiste em projetar luzes artificiais em ecossistemas, alterando o funcionamento deles por exposição à luz excessiva. A biodiversidade dos ecossistemas aquáticos é diretamente impactada pela pesca, ou seja, a extração seletiva de peixes ou mamíferos de seu habitat. Isso é especialmente verdade para a pesca predatória que tem como uma de suas modalidades a pesca de arraste em que uma rede é lançada no fundo do mar e arrastada pelas embarcações (bottom trawling) e pode penetrar significativamente no solo, em 30 mm ou mais (de Groot, 1983)15. O que acaba por provocar impactos negativos sobre populações de múltiplas espécies, incluindo a fauna bêntica, que geralmente é encontrada a profundidades de 200 metros ou mais. 3.3 Consequências sociais A extinção de espécies compromete e é parte da degradação dos ecossistemas florestais, mas o dano se estende para ecossistemas conectados, como é o caso daqueles encontrados nos rios, lagos e mares e nos solos (microorganismos). O desequilíbrio ecossistêmico reduz a capacidade da natureza para prestar serviços cruciais dos quais a humanidade depende. A provisão de água, de nutrientes necessários ao crescimento das culturas agrícolas e do pasto, a regulação do nível de temperatura, a polinização, tudo isso depende da manutenção da biodiversidade. Adicionalmente, há o estoque de recursos pesqueiros e florestais. Estes impactos são agravados, na atualidade, pela nefasta conexão retroalimentadora entre perda de biodiversidade e mudanças climáticas. Além disso, tornam-se mais prováveis eventos climáticos extremos, incluindo desastres naturais. A difusão da doença de Chagas, malária, dengue, leishmaniose, entre outras doenças infecto- contagiosas, são apontadas por alguns estudos como consequências prováveis, ainda que, para algumas doenças, não há evidência que comprove a causalidade. 14 http://www.theguardian.com/environment/2016/apr/30/kenya-to-burn-largest-ever-ivory-stockpile-to- highlight-elephants-fate 15 http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/0302184X84900027 13 O deslizamento de terra, bastante comum em cidades da ALC, tem suas consequências amplificadas pela eliminação da coberta florestal original, e o mesmo pode ser dito quanto às enchentes. “Em 2014, em torno de 68 mil pessoas foram deslocadas pelas enchentes massivas da Amazônia Boliviana, resultantes de chuvas de grande monta e do desmatamento de grande escala nos Andes peruanos e bolivianos (PNUMA, 2016)”. 3.4 Medidas Apenas as principais medidas serão mencionadas.Uma delas é a criação de áreas protegidas, i.e., zonas em que transformações relevantes do ambiente são proibidas e, caso ocorram, energicamente punidas. No Brasil, recebem o nome de “unidades de conservação”, as quais se localizam principalmente em áreas de floresta, mas também em terras indígenas e habitadas por comunidades tradicionais como os ribeirinhos, caboclos, quilombolas, entre outras etnias16. O desmatamento é permitido apenas caso seja destinado a pequenas áreas de cujo cultivo depende a subsistência dos residentes. Uma medida que tem sido bastante estudada pelos economistas é o pagamento por serviços ambientais. Trata-se de subsidiar a conservação de parcelas de floresta, localizadas em propriedades privadas, com o argumento de que o proprietário deve ser compensado por abrir mão do lucro que obteria caso convertesse a floresta em agropecuária, por exemplo. O manejo florestal de baixo impacto, ou “sustentável”, representa uma alternativa tecnológica à extração madeireira convencional que é extremamente desperdiçadora e degradante para o ecossistema. A difusão desta prática ainda é minoritária, e tem dependido crucialmente da disposição de consumidores de madeira a pagar mais caro pelo produto. E isso pois, a madeira de baixo impacto, especialmente quando certificada, i.e., quando nela se coloca um selo de qualidade, comprovador do baixo impacto, é ainda, em média, mais custosa para o produtor do que a exploração convencional. 4 Poluição do ar 4.1 Causas sociais A concentração de material particulado, ozônio, e de outras substâncias cuja inalação agride o aparelho respiratório humano atingiu níveis críticos na maior parte das maiores cidades do mundo em meados do século passado. Quanto à situação atual na ALC, os três países que registraram, de 2010 a 2013, maior concentração de material particulado17 em suas maiores cidades são México, Chile e Peru. O Brasil ocupou o nono lugar. Tem-se que “[o] crescimento urbano tem sido apresentado como um grande [determinante] da poluição do ar na ALC, devido principalmente ao aumento do consumo de energia e ao transporte (PNUMA, 2016).” Conforme o documento do PNUMA destaca, o aumento da frota de automóveis particulares na década de 2005-2015 foi 16 Mais sobre isso em http://www.icmbio.gov.br 17 Este ranque corresponde ao material particulado com dez ou menos micrômetros de diâmetro. Ver tabela 2.1.1. do documento do PNUMA. 14 “dramático” e também as motocicletas têm participação relevante e crescente nas emissões. De fato, o transporte terrestre de pessoas e cargas é a principal fonte de emissões na região. O transporte marítimo também contribui para o problema, pois “de 70 a 80% das emissões de navios que percorrem os oceanos são liberadas em até 400 quilômetros da costa”. Há um agravante no segmento de transporte marítimo internacional, que é a emissão do carbono negro, um poluente altamente nocivo por conta de seu teor cancerígeno e que, adicionalmente, causa o efeito estufa. Nas áreas rurais e na interface rural-urbana, a queima de biomassa ao ar livre é uma importante fonte de poluição do ar. No Brasil, a concentração de poluentes no ar geralmente ultrapassa os níveis seguros durante a chamada “estação seca”, i.e., o período anual de menor pluviosidade. Isso ocorre por conta das queimadas associadas não apenas ao desmatamento, mas também ao manejo do pasto e à agricultura de corte-e-queima realizada por produtores pobres de pequeno porte18. Há, ainda, a queima de cana-de-açúcar. Há também o problema de poluição do ar em ambientes fechados (indoor pollution), especialmente domicílios em que se utiliza lenha, carvão vegetal e fornos rudimentares para cozinhar (PNUD, 2016). Este problema é bastante grave na África, mas também é registrado na ALC. Outras causas importantes na ALC são a extração e distribuição de combustíveis fósseis e a queima dos mesmos pela indústria e a queima de lixo. 18 http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0103-40142002000100008&script=sci_arttext 15 Figura Concentração de material particulado com até 10 micrômetros de diâmetro, cidades da ALC* * A primeira linha verde (verde claro) é o nível de segurança da organização mundial da saúde (OMC), e a segunda linha verde (escuro) é o limite da união europeia. 4.2 Consequências sociais A principal consequência é a disseminação de doenças respiratórias, o que redunda em mortalidade precoce e na morbidade, i.e., no comprometimento da saúde por tempo relevante. Tais males têm no material particulado fino, com menos de 2.5 micrômetros por diâmetro, seu principal fator precursor dentre todos os poluentes. Em torno de “100 milhões de pessoas vivem em áreas suscetíveis à poluição do ar” (PNUMA, 2016), a maior parte delas localizadas em cidades com mais de 500 mil habitantes. Pneumonia, bronquite e doenças cardiovasculares são alguns exemplos de consequências da poluição do ar. Idosos e jovens são particularmente vulneráveis. 16 4.3 Medidas Um marco importante da política ambiental no plano internacional é o ato do ar limpo (clear air act) promulgado nos EUA em 197019. O “ato do ar limpo” dos EUA é uma legislação federal que estabelece níveis máximos de concentração de poluentes. A agência de proteção ambiental dos EUA estima que o ato tenha, até 1990, evitado mais de duzentas mil mortes prematuras e mais de setecentos mil casos de bronquite crônica20. No Brasil, o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) fixou, em 1990, os limites máximos de concentração no ar dos principais poluentes, material particulado, monóxido de carbono e dióxido de nitrogênio. Estes limites são referidos como “padrões de qualidade” do ar. De acordo com a PNUMA há heterogeneidade quanto aos padrões nacionais na ALC. Alguns países não os possuem, os demais diferem consideravelmente em funções dos níveis fixados e os últimos, em boa parte dos casos são superiores aos recomendados pela OMS. É o caso do Brasil, por exemplo. O que quer dizer que muitos países da ALC são menos conservadores do que a OMS no monitoramento da qualidade do ar e também que, mesmo que os padrões nacionais sejam, em tais países, respeitados, isso não quer dizer que os padrões da OMS o são. É também comum a adoção de planos de manejo da qualidade do ar na escala municipal. Um exemplo de medida que compõem tais planos é a metas de redução do teor de enxofre no óleo diesel veicular, algo que foi implementado no Chile e também no Estado de São Paulo. A violação das metas, ou melhor, dos limites ao teor máximo de enxofre que estabelecem, são punidas com multas. O CONAMA mantém dois Programas de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores, o PROCONVE, voltado a automóveis, caminhões, ônibus e máquinas rodoviárias e agrícolas e o PROMOT, focado nas motocicletas e similares. Ambos os programas fixam obrigações a serem cumpridas pelos fabricantes de motores e de veículos, as quais compreendem não apenas limites máximos de emissão, mas também normas de fabricação (padrões tecnológicos). Uma iniciativa importante de integração das políticas nacionais de poluição no âmbito da ALC é descrito no texto do PNUMA, como segue. “Em março de 2014, o XIX Encontro do Fórum de Ministros do Meio Ambiente da América Latina e do Caribe adotaram o Plano de Ação sobre Poluição Atmosférica Regional, como um exemplo para o desenvolvimento de planos de ação nacionais adequados às particularidades de cada país com ênfase no intercâmbio técnico, capacitação e alternativas de projetos para reduzir a poluição do ar. Este plano (...) estimula os governos a identificar os recursos econômicos necessários para a sustentabilidade de redes [latino-americanas] demonitoramento do ar como um elemento essencial e prioritário para tomada de decisão (PNUMA, 20160.” Foi acordado que os planos devem ser atualizados a cada quatro anos. 19 https://www.epa.gov/clean-air-act-overview/40th-anniversary-clean-air-act 20 Vide link na nota anterior. 17 5 Água: brevíssimo comentário O recurso hídrico tem sido uma das principais preocupações de todas as instituições governamentais ou não dedicadas à proteção ambiental. Os três problemas ambientais anteriormente comentados contribuem para reduzir a quantidade e qualidade em que a água pode ser acessada por todos os seres vivos, incluindo, é claro, o homem. Em 2015 o Brasil amargou uma crise hídrica de grandes proporções e que se estendeu pelas regiões Sudeste, Sul e Nordeste. A governança (gestão) dos recursos hídricos tem caminhado cada vez mais para um modelo em que os usuários participam diretamente da definição de normas, metas e de disposições referentes ao monitoramento e punição de infrações21. Também deve ser destacada a experiência bem-sucedida de pagamento pelo serviço ambiental de proteção de mananciais e oferta de água, que tem ocorrido em Minas Gerais22. 21 http://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/labore/article/view/8642229 22 http://anppas.org.br/encontro5/cd/artigos/GT9-522-502-20100831170114.pdf
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