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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL UNIDADE UNIVERSITÁRIA DE PARANAÍBA PATRICIA RODRIGUES SILVA ADOÇÃO POR CASAL HOMOSSEXUAL: DISCUSSÃO SOBRE O MELHOR INTERESSE DO ADOTANDO Paranaíba - MS 2014 PATRICIA RODRIGUES SILVA ADOÇÃO POR CASAL HOMOSSEXUAL: DISCUSSÃO SOBRE O MELHOR INTERESSE DO ADOTANDO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS, Unidade Universitária de Paranaíba, como exigência parcial para bacharelado do curso de Direito. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Léia Comar Riva Paranaíba - MS 2014 PATRICIA RODRIGUES SILVA ADOÇÃO POR CASAL HOMOSSEXUAL: DISCUSSÃO SOBRE O MELHOR INTERESSE DO ADOTANDO Este exemplar corresponde à redação final do Trabalho de Conclusão de Curso apresentado e aprovado para obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidade Universitária de Paranaíba. Aprovado, ____/___/____/ BANCA EXAMINADORA ___________________________________ Prof.ª Dr.ª Léia Comar Riva (Orientadora) Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul ___________________________________ Prof. M. Washington Cesar Shoiti Nozu Universidade Federal da Grande Dourados ___________________________________ Júnior Tomaz de Souza Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul À minha família e aos meus amigos. AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, agradeço a Deus pela vida maravilhosa que me concedeu, por todas as bênçãos e conquistas que me permitiu alcançar até então, por todas as dificuldades que só me fortaleceram e pela família especial com a qual me presenteou. Em seguida, agradeço ao meu pai Miguel Rodrigues da Silva, que sempre me apoia. Aos meus primos, meus amigos de infância e adolescência, pelos momentos compartilhados, as brincadeiras, festas e alegrias. Aos meus tios e tias, em especial, minha Tia Lídia, mulher excepcional que tanto faz falta a todos os familiares, e minha Tia Josefa, minha figura materna. A alguns amigos especiais que muito significam: Diana, Dreicy, Lucas, Luiz Afonso, Marcela, Marlucy, Mirely, Paula, Rayane, Ronier, Sérgio e Taís Maria. Aos meus colegas de estágio, com os quais dividi minhas tardes, Diego, Valéria e Will. Ao meu primo Weverton (Gordo), por representar um irmão para mim e pelo companheirismo. Aos alunos da minha sala por cada momento único. Posso afirmar sinceramente que sentirei saudades, afinal, foram cinco anos de convivência. À minha banca, composta pela orientadora Professora Doutora Léia Comar Riva e pelos membros convidados Washington Cesar Shoiti Nozu e Júnior Tomaz de Souza. Aos membros do Fórum da Comarca de Paranaíba-MS, em especial à 1ª Vara Cível que muito me ensinaram e pela sincera amizade. Aos meus estimados professores de escola pelo compromisso com a educação. À Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, que me proporcionou uma formação jurídica que ultrapassa o estudo frio das leis e a todos os professores que contribuíram para a construção dos meus conhecimentos. A todos os técnicos e demais funcionários da UEMS pela atenção de sempre, em especial Júnior Tomaz, Susy, Sandra, Cláudia e Ivanilda. À todas as pessoas que, de algum modo, fizeram parte da minha caminhada acadêmica. Época triste a nossa, em que é mais difícil quebrar um preconceito do que um átomo. (Albert Einstein) RESUMO A pesquisa teve por objetivo investigar a possibilidade, no ordenamento jurídico brasileiro, da adoção por casal homossexual com fundamento no melhor interesse do adotando. Buscou-se averiguar os fundamentos da permissão ou a proibição da adoção conjunta nessa situação. Justificou-se o trabalho pela inovação da temática, por sua relevância em matéria de direito de família e também pelos reflexos observados nos núcleos familiares da sociedade contemporânea. O procedimento metodológico constituiu da pesquisa bibliográfica dos institutos, fundada na discussão teórica do material consultado junto ao Direito Brasileiro. A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, garante à criança e ao adolescente, entre outros direitos, o direito à convivência familiar. A adoção é meio legítimo de colocação em família substituta. Em relação à adoção por casal homossexual, verificou-se que a lei não veda nem a permite expressamente. Por muito tempo, casais homossexuais não podiam adotar conjuntamente, até porque nem a união estável para esses casais era reconhecida. Uma pessoa poderia adotar individualmente e criar o adotando na companhia de seu parceiro do mesmo sexo, mas a criança não tinha nenhum direito para com quem igualmente considerava como pai ou mãe, apenas com o adotante. Durante a pesquisa, constatou-se que, embora a jurisprudência tenha reconhecido possibilidade jurídica da adoção por casal homossexual, ainda são necessários avanços legislativos sobre a temática de modo a respaldar a uniformização dos julgados. Palavras-chave: Adoção. Casal Homossexual. Família. ABSTRACT The research aimed to investigate the possibility, the Brazilian legal system, the adoption by homosexual couples on the basis of the best interests of adopting. We sought to investigate the fundamentals of permission or prohibition of joint adoption in that situation. The work by the thematic innovation was justified due to their importance in the field of family law and also by the effects observed in households of contemporary society. The methodological approach consists of bibliographic research institutes, based on theoretical discussion of the material consulted with the Brazilian law. The 1988 Federal Constitution, in Article 227, prevents children and adolescents, among other rights, the right to family life. Adoption is legitimate means of placement in a foster family. In relation to adoption by homosexual couples, it was found that the law does not seal nor expressly permits. Long, gay couples could not adopt together, because neither the stable union was recognized for these couples. A person could take individually and create adopting the company of his same-sex partner, but the child had no right to whom also considered as a parent, only with the adopter. During the research, it was found that, although the case law has recognized legal possibility of adoption by homosexual couples, are still necessary legislative advances on the subject in order to support the standardization of trial. Keywords: Adoption. Homosexual couple. Family. LISTA DE SIGLAS ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade ADPF - Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental CC – CódigoCivil CF – Constituição Federal ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família STF - Supremo Tribunal Federal STJ – Superior Tribunal de Justiça SUMÁRIO INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 11 1 A FAMÍLIA NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE ........................................................ 13 1.1 Lineamento Histórico ..................................................................................................... 14 1.2 A Família Contemporânea ............................................................................................. 18 1.3 Reconhecimento das Uniões Homossexuais no Brasil ................................................. 20 2 BREVE LINEAMENTO HISTÓRICO DA ADOÇÃO ................................................. 23 2.1 Na antiguidade ................................................................................................................. 23 2.2 Na Idade Média ............................................................................................................... 25 2.3 Na Idade Moderna .......................................................................................................... 25 2.4 A evolução da adoção no Brasil ..................................................................................... 26 2.4.1 A Lei n. 3.133 de 08 de março de 1957 ......................................................................... 28 2.4.2 A Lei n. 4.655 de 02 de junho de 1965 .......................................................................... 28 2.4.3 O Código de Menores - Lei n. 6.697 de 10 de outubro de 1979 .................................... 29 2.4.4 A Adoção na Constituição Federal de 1988 ................................................................... 30 2.4.5 A adoção no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), no Código Civil de 2002 e na Lei da Adoção (Lei nº 12.010, de 12 de agosto de 2009) .................................................................................................................................................. 31 2.5 Requisitos e Aspectos Gerais da Adoção ....................................................................... 32 2.6 O Procedimento da Adoção ............................................................................................ 34 2.7 Algumas Espécies de Adoção ......................................................................................... 37 3 ADOÇÃO POR CASAL HOMOSSEXUAL E O MELHOR INTERESSE DO ADOTANDO ......................................................................................................................... 39 3.1 Adoção por Homossexuais Individualmente ou em Conjunto .................................... 39 3.2 Da Possibilidade Jurídica da Adoção por Casal Homossexual ................................... 40 3.3 Do Melhor Interesse da Criança e do Adolescente ...................................................... 43 3.4 Inexistência de Prejuízos às Crianças e Adolescentes Adotados por Homossexuais .................................................................................................................................................. 45 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................... 49 REFERÊNCIAS .................................................................................................................... 51 11 INTRODUÇÃO Com o passar do tempo, ganharam reconhecimento na sociedade brasileira novos modelos de família, dentre os quais estão os formados por casais homossexuais. Não há como negar essa realidade; pessoas homossexuais planejam constituir família e, muitas delas, desejam, por meio da adoção, agregar filhos a esses planos. Casais homossexuais que desejam adotar conjuntamente encontram barreiras tanto na forma de preconceitos por boa parcela da população como na ausência de leis para regulamentar esse procedimento. Diante das dificuldades, há casos em que um elemento do par entra com o processo de habilitação para proceder, individualmente, à adoção. No contexto atual, com base na Constituição Federal de 1988, a chamada Constituição Cidadã, parece ilógico impedir, somente com o fundamento na orientação sexual, que homossexuais tenham a oportunidade de adotar. Seria negar princípios constitucionais como, por exemplo, o princípio da igualdade e o da dignidade da pessoa humana. O objetivo geral desta pesquisa é analisar, no ordenamento jurídico brasileiro, a possibilidade da adoção por casal homossexual com fundamento no melhor interesse do adotando. Buscar-se-á investigar os fundamentos da permissão ou a proibição da adoção conjunta nessa situação. A importância deste trabalho se reflete na necessidade de entender com mais clareza a constituição de famílias formadas por pessoas homossexuais e se há amparo legal para quando existe o intento de adotar. Ressalte-se que, com o presente trabalho, não se pretende defender a adoção irrestrita por casais homossexuais, mas tão somente a igualdade de condições para adotar quando em comparação com casais heterossexuais e com pessoas que pretendem adotar individualmente. O procedimento metodológico constituirá da pesquisa bibliográfica sobre a temática pesquisada, fundada na discussão teórica do material consultado junto ao Direito Brasileiro. Será objeto do referido estudo a revisão de literatura por meio de consultas em doutrinas, artigos científicos, pesquisas, monografias, jurisprudências, periódicos e demais instrumentos autorizados na confecção de trabalhos acadêmicos. 12 O trabalho é dividido em três capítulos: o primeiro aborda a origem do instituto da família, com apresentação de apontamentos sobre as características da família ao longo da história do homem, inclusive, com menções a uniões homoafetivas; o segundo, de forma resumida, trata da evolução histórica da adoção até chegar no ordenamento jurídico brasileiro contemporâneo; o terceiro discute com precisão a adoção por casal homossexual e o melhor interesse do adotando, e também traz à baila legislação e jurisprudência acerca do tema. Ao final, são apresentadas as últimas considerações da presente pesquisa. 13 1 A FAMÍLIA NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE Antes de aprofundar no tema sobre a adoção por casais homossexuais, é relevante fazer alguns apontamentos, entre eles, buscar-se-á definir o conceito de família e realizar um lineamento histórico sobre esse instituto. Venosa (2012) diz que é difícil a compreensão do conceito de família, pois nem o Código Civil a define. Entre as várias ciências que estudam o tema, não há um consenso em relação à significação desse grupo social. O doutrinador também enfatiza haver flutuação temporal e espacial na acepção desse termo, além de existir diferença nessa extensão conceitual entre os diversos ramos do Direito. Dentro do mesmo sistema jurídico, a noção de família pode ser mais alargada ou mais restrita. O Direito Civil considera como membros familiares os unidos por parentesco ou relação conjugal. No âmbito sociológico, família é o grupo integrado por pessoas que convivem num mesmo ambiente e sob a autoridade de um de seusmembros. Farias e Maia (2012, p. 52) completam esse pensamento ao apontarem que: A maior problemática referente à inquietude gerada não só pelo reconhecimento das relações homossexuais, mas também pelo tema da adoção por homossexuais, advém da falta de consenso sobre a definição de família, visto que, no Brasil, a adoção só pode ser realizada a partir da existência de uma família substituta, ou seja, que substitua em seus direitos e deveres a família natural. Ao longo da história da humanidade houve várias normas que foram instituídas de acordo com o interesse do poder dominante e que há bastante tempo se opõem à vivência livre da sexualidade e da composição familiar. Tanto a dependência entre os sexos, ou seja, a dependência do feminino em relação ao masculino quanto a influência da religião e as conveniências econômicas foram fatores essenciais para garantir a execução e perpetuação do poder nas relações humanas, especialmente na intimidade das relações afetivas e sexuais. Nota-se, portanto, que o conceito de família não é unânime entre os vários pesquisadores da área e, durante a história da humanidade, o entendimento sobre seu significado foi amplamente modificado. Hoje, conforme norma constitucional, há uma predominância do caráter afetivo nas relações entre as pessoas. Nesse sentido, Dias (2011), ladeada por quase todos os doutrinadores, defende: não só a consanguinidade forma uma família, mas também a socioafetividade. 14 1.1 Lineamento Histórico A família é um instituto que muito foi alterado durante o transcorrer da história da humanidade e seu conceito não é imutável. Prova disso é que, atualmente, o entendimento acerca desse grupo e sua extensão não é o mesmo de sociedades de outrora. Venosa (2010, p. 3) diz que para as “[...] primeiras civilizações de importância, tais como a assíria, hindu, egípcia, grega e romana, o conceito de família foi de uma entidade ampla, e hierarquizada, retraindo-se hoje, fundamentalmente, para o âmbito quase exclusivo de pais e filhos menores, que vivem no mesmo lar”. Ainda segundo Venosa (2010), nas sociedades primitivas, não havia relações individuais, todos faziam parte de uma tribo e todos os indivíduos dessas tribos relacionavam- se entre si. Havia o que se pode chamar de endogamia, na qual as mulheres de uma tribo mantinham relações sexuais com todos os homens da mesma tribo. Como consequência lógica desse fato, a sociedade era matriarcal, somente a genitora cuidava da prole. Ora, sempre era conhecida a mãe de um recém-nascido, entretanto, o pai poderia ser qualquer um com quem essa mãe tivera relações sexuais. Houve um ponto na história em que os homens passaram a buscar relacionamentos sexuais com mulheres de outras tribos (exogamia). Nesse contexto, o homem começa a ter relações individuais, dando origem à monogamia, a qual possui um caráter de exclusividade, contudo, persistiram situações de poligamia entre as sociedades antigas, e podem ser encontradas ainda hoje entre alguns povos. É relevante observar que a monogamia não surgiu por motivo afetivo, mas para atender a uma necessidade econômica, porquanto, a família era um fator de produção de destaque: quanto mais membros existisse, mais mão-de-obra para as pequenas oficinas. A situação modifica-se com a Revolução Industrial, quando surge novo modelo de família que perdeu a característica de fator de produção e ganhou um cunho de valores morais, afetivos, espirituais etc. O casamento, na Babilônia, era monogâmico, contudo, sob a influência da religião semítica, os homens podiam ter esposas secundárias. Se a mulher não engravidasse ou possuísse doença grave, o marido podia procurar outra esposa. (VENOSA, 2010). Coulanges (1998) aponta que entre os povos antigos, o casamento tinha o objetivo de procriação, afinal, eram sociedades nas quais havia o culto doméstico, e a continuação da descendência era 15 fundamental para que sempre houvesse quem cultuasse os antepassados mortos. Somente os filhos de sexo masculino poderiam perpetuar esse culto, portanto, as meninas eram desvalorizadas. Para os casais que não conseguiam ter filhos próprios, era permitida a adoção como meio de manter o culto doméstico. Venosa (2010) assevera: Em Roma, o pater familias tinha grande poder sobre as pessoas em sua dependência, a mulher, os filhos e os escravos. No Direito Romano, similarmente ao grego, a família tinha como fundamento o poder paterno ou marital e a afeição, embora pudesse existir, não era o elo da família. Destaque-se a relevância do culto familiar para esses povos, segundo os quais a mera possibilidade de não se perpetuá-lo era inadmissível. Basicamente, a família era um conjunto de pessoas que invocava e dava oferendas aos seus antepassados, os quais, caso não fossem cultuados, cairiam em desgraça, segundo crença existente na época. Nesse diapasão, buscava-se, para continuar o culto doméstico, gerar um filho, obrigatoriamente, fruto do casamento religioso. Para esse fim, uma filha era inútil, porquanto, quando se casasse passaria a idolatrar os deuses e antepassados do marido. As uniões livres, as quais não gozavam dos seus direitos do casamento e só recebiam um pouco de reconhecimento jurídico, foram condenadas pelo Cristianismo, o qual sacramentalizou o casamento. Por muito tempo na história, inclusive durante a Idade Média, nas classes nobres, o casamento esteve longe de qualquer conotação afetiva. A instituição do casamento sagrado era um dogma da religião doméstica. Várias civilizações do passado incentivavam o casamento da viúva, sem filhos, com o parente mais próximo de seu marido, e o filho dessa união era considerado filho do falecido. O nascimento de filha não preenchia a necessidade, pois ela não poderia ser continuadora do culto de seu pai, quando contraísse núpcias. Reside nesse aspecto a origem histórica dos direitos mais amplos, inclusive em legislações mais modernas, atribuídos ao filho e em especial ao primogênito, a quem incumbiria manter unido o patrimônio em prol da unidade religioso-familiar. [...] Desaparecida a família pagã, a cristã guardou esse caráter de unidade de culto, que na verdade nunca despareceu por completo, apesar de o casamento ser tratado na história mais recente apenas sob o prisma jurídico e não mais ligado à religião oficial do Estado. A família sempre foi considerada como a célula básica da Igreja. (VENOSA, 2010, p. 4-5). Gonçalves (2012) elucida que, no direito romano, o pater familias tinha um poder quase absoluto sobre a esposa e os filhos e poderia, sobre os últimos, aplicar castigos físicos, inclusive imoderados, vendê-los ou escravizá-los, decidir se as pessoas sob o seu poder 16 viveriam ou morreriam e podia repudiar, unilateralmente, a esposa. Vigorava dentro da família o princípio da autoridade do pai. O pater familias tinha autoridade sobre todos os descendentes não emancipados, mesmo se fossem casados, e sobre as mulheres de seus descendentes, desde que se casassem com manus. O homem mais velho da família tomava todas as decisões econômicas, políticas, jurisdicionais e religiosas referentes ao seu lar e era o responsável pelo culto doméstico. Nesse período da história romana, todo o patrimônio da família era controlado pelo “pater famílias”. Posteriormente, chegou-se a uma fase do direito romano, na qual surgiram os pecúnios, patrimônios individuais, que eram administrados por quem estava sob a autoridade do pater. Os romanos valorizavam a afeição no casamento, tanto que a sua ausência ensejava o divórcio. Os canonistas não aceitavam a dissolução do casamento, pois acreditavam que esse era divino,realizado por Deus e não poderia ser dissolvido por vontade humana. (GONÇALVES, 2012). Gonçalves (2012) aponta que no período da Idade Média a família era regida pelo direito canônico e o casamento religioso era o único existente e, embora o direito romano fosse predominante, sobretudo quanto ao pátrio poder, também havia influência do direito germânico. Conforme Farias e Maia (2012), no século X, na Europa, a família era composta, basicamente, pelos cônjuges e seus filhos e sua dissolução ocorria facilmente. O Estado permitia total liberdade para que o homem escolhesse com que viveria, seja com parentes ou amigos. Nessa época, não havia fusão do patrimônio do casal, cada cônjuge administrava os próprios bens. Com o tempo desenvolveu-se a família formada por ascendente e descendente e, para preservar os interesses desses últimos, passou a fundir o patrimônio dos cônjuges, criando a indivisibilidade dos bens. Por volta do século XIII, o Estado passou a oferecer maior proteção ao patrimônio por meio da autoridade do Principado e, como consequência, se reduziram laços de linhagem e a família conjugal ganhou força. A autoridade do pai, característica marcante nos séculos XI e XII, foi mantida para que houvesse maior estabilidade na manutenção dos bens. Um fator que serviu de sustentação para a família formada pelos cônjuges ocorreu no final do século XI, com a institucionalização do casamento pela Igreja Católica, a qual valorizou a maternidade como forma de controle da mulher, considerada um ser misterioso por gerar bebês e curar pessoas com plantas. (FARIAS; MAIA, 2012). 17 No século XIV, fruto indireto do movimento político e social burguês, nasceu a família nuclear, constituída por pai, mãe e prole. No final do século XV, aumenta a degradação da imagem da mulher e o direito de primogenitura substitui a indivisibilidade dos bens. É importante enfocar que o direito sucessório excluía as mulheres, mesmo que a primeira criança do casal fosse uma menina. (FARIAS; MAIA, 2012). No transcorrer do tempo, a autoridade paterna mostrou-se engrandecida em diversos momentos. A mulher casada, considerada incapaz, necessitava de autorização do marido ou da justiça para as práticas de atos da vida civil. É nesse período histórico, principalmente após a sacramentalização do casamento, que surge o repúdio aos homossexuais. Nos séculos XV e XVI, existiam dois grupos formados pelos laços de sangue: a família (semelhante à família conjugal nos dias de hoje) e a linhagem (todos os descendentes os quais tinham o mesmo tronco ancestral). (FARIAS; MAIA, 2012) Quanto à família camponesa, acredita-se que essa tenha se desenvolvido sob a proteção do senhor feudal. Entre os séculos XV e XVIII, o foco da família deixou de ser unicamente a garantia do patrimônio, e passou-se a assegurar um maior cuidado com os filhos e privacidade da vida do casal. Em 1750, a família nuclear foi consolidada no seio da burguesia europeia. (FARIAS; MAIA, 2012) Em relação ao Brasil, Farias e Maia (2012) ensinam que, nos séculos XVI e XVII, os padrões mais comuns de famílias já eram encontrados nas colônias. Havia uma definição precisa nas famílias de elite, havia o homem a quem cabia o papel de chefe da família, a ele era dada a autoridade patriarcal; a mulher recebia a tarefa de cuidar do marido, dos filhos e do lar. Famílias com grandes números de membros eram uma característica predominante nessa época. No ano de 1836, famílias numerosas perderam força, existia uma quantidade maior das nucleares e reduziram-se as extensas. No final do século XIX, devido à economia industrial, o mercado de trabalho começa a comportar mulheres, porém, essas ainda não tinham autonomia e dependiam do marido para todos os atos da vida em sociedade; a mulher só era considerada chefe de família na ausência do homem. Na década de 1990, novos modelos de família ganharam destaque e a esses cabia o dever de formar pessoas, tanto no sentido psíquico como no afetivo. (FARIAS; MAIA, 2012) 18 Podemos dizer que a família brasileira, como hoje é conceituada, sofreu influência da família romana, da família canônica e da família germânica. É notório que o nosso direito de família foi fortemente influenciado pelo direito canônico, como consequência principalmente da colonização lusa. As Ordenações Filipinas foram a principal fonte e traziam a forte influência do aludido direito, que atingiu o direito pátrio. No que tange aos impedimentos matrimoniais, por exemplo, o Código Civil de 1916 seguiu a linha do direito canônico, preferindo mencionar as condições de invalidade. (GONÇALVES, 2012, p. 32). É facilmente observado que a família, durante séculos de história, passou por profundas transformações, não só no conceito como também no modo como participa da sociedade na qual está inserida. Possivelmente, continuará passando por mudanças, afinal, dado o seu processo histórico, ela não é uma entidade paralisada em um determinado estado. 1.2 A Família Contemporânea Um olhar sobre a sociedade atual, sobretudo a brasileira, permitiu observar que o conceito de família foi modificado ou ampliado em poucas décadas. Pode-se comparar a família a um ente vivo o qual passa por mudanças muito rápidas e, como consequência, o legislador brasileiro deve sempre tentar acompanhar esse processo de modo a proporcionar proteção a esse instituto. Nas palavras de Venosa (2012, p. 10): O organismo familiar passa por constantes mutações e é evidente que o legislador deve estar atento às necessidades de alterações legislativas que devem ser feitas no curso deste século. Não pode também o Estado deixar de cumprir sua permanente função social de proteção à sua família, como sua célula mater, sob pena de o próprio Estado desaparecer, cedendo lugar ao caos. Daí porque a intervenção do Estado na família é fundamental, embora deva preservar os direitos básicos de autonomia. Essa intervenção deve ser sempre protetora, nunca invasiva da vida privada. Dias (2011) corrobora esse pensamento ao afirmar que a sociedade está em constante processo de mutação, o qual deve ser acompanhado pelo direito. A lei não consegue estar passo a passo com as transformações da sociedade, portanto, a jurisprudência, respondendo ao fato social, antecede-se. Sobre a família, Farias e Maia (2012, p. 58) asseveram que: 19 Atualmente, pode-se definir família a partir de diversos aspectos. No sentido popular e nos dicionários, a palavra família significa o conjunto de pessoas que têm algum parentesco e que geralmente vivem na mesma residência, principalmente o pai, a mãe e os filhos, chamada de família nuclear. Esse padrão familiar é considerado socialmente como normal. [...] De acordo com a Unicef, entende-se família como uma instituição que visa à reprodução física e social de seus membros a partir de relações afetivo-sexuais entre membros por consanguinidade e alianças (casamento, comadres, agregados etc.). Segundo o IBGE, família consiste no 'Conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco, dependência doméstica ou normas de convivência, todos na mesma casa. Novos modelos de famílias convivem com o modelo patriarcal constituído por pai, mãe e prole. Contemporaneamente, formas diferentes de formação familiar causam cada vez menos estranhamento. Ora, a diversificação das formas do instituto família é uma realidade facilmente perceptível. Entre os modelos conhecidos podem-se citar, por exemplo: [...] as famílias nucleares constituídas por marido, esposa e filhos, unidas por matrimônio ou por uniões estáveis; as famílias monoparentais constituídaspor um dos pais e seus filhos, (divididas em matrifocais ou patrifocais, as primeiras são chefiadas por mulheres, composta de mãe e filhos, e as segundas, compostas de pai e filhos); as famílias ampliadas, nas quais parentes do lado materno ou paterno agregam-se ao arranjo nuclear; as famílias reconstituídas, recompostas, mosaicas ou formadas por casais em segunda união, em que um convivente, ou ambos, já ou tiveram união anterior e conceberam filhos; [...] as famílias formadas por casais homossexuais. (RIVA, 2013, p. 194). Tamanha é a importância do instituto da família que esta recebe amparo legal, inclusive, da Magna Carta e a ela é dada proteção Estatal por força do artigo 226 da Constituição Federal. No Código Civil de 2002, em seu livro IV, a família e demais aspectos relacionáveis, tanto no quesito pessoal como patrimonial, é tutelada pelos artigos 1.511 ao 1.783. Seja na Constituição ou no Código Civil, é nítido o protecionismo dado ao ser humano, em especial, às crianças e adolescentes; é uma garantia de um mínimo patrimonial, social e afetivo, tudo para propiciar direitos fundamentais visando à dignidade da pessoa humana. Além de apontar fortes qualidades da família e sua participação na formação de uma pessoa, Diniz (2012) informa que essa se funda tanto no casamento como no companheirismo, na adoção e na monoparentalidade. Também menciona o afeto e o amor como marcas de tal 20 instituto e defende que esse é o instrumento para o desenvolvimento do homem. Indubitavelmente, é dentro da família que se dá o contato inicial da pessoa com a sociedade, é ali onde forma-se um indivíduo do qual se espera um saber viver harmonicamente com outros. Frise-se, por fim, que as alterações pertinentes ao direito de família, advindas da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002, demonstram e ressaltam a função social da família no direito brasileiro, a partir especialmente da proclamação da igualdade absoluta dos cônjuges e dos filhos; da disciplina concernente à guarda, manutenção e educação da prole, contribuição de poder, ao juiz para decidir sempre no interesse desta e determinar a guarda a quem revelar melhores condições de exercê-la, bem como para suspender ou destituir os pais do poder familiar, quando faltarem aos deveres a ele inerentes; do reconhecimento do direto a alimentos inclusive aos companheiros e da observância das circunstâncias socioeconômicas em que se encontrarem os interessados; da obrigação imposta a ambos os cônjuges, separados judicialmente (antes da aprovação da Emenda Constitucional n. 66/2010) ou divorciados, de contribuírem, na proporção de seus recursos, para a manutenção dos filhos etc. (GONÇALVES, 2012, p. 35). Provavelmente, a família nunca antes recebeu tamanha proteção estatal, inclusive, existe a possibilidade, conforme informação do site do IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família) em texto datado de 13 de novembro de 2013, de que essa instituição tenha futuramente um estatuto próprio, o Estatuto da Família, no qual serão agrupadas normas materiais e processuais acerca dessa temática, com vistas a melhor adequar-se à realidade contemporânea e aumentar a celeridade do judiciário em casos envolvendo família. O projeto também prevê a proteção do caráter afetivo das relações tão presente nos grupos familiares da sociedade atual e foi apresentado pela senadora Lídice da Mata (PSB-BA) no dia 12 de novembro de 2013, por iniciativa do IDBFAM para que o Estatuto da Família seja instituído no Brasil. 1.3 Reconhecimento das Uniões Homossexuais no Brasil Por muito tempo, na história brasileira, não se deu o status de entidade familiar às uniões entre pessoas do mesmo sexo. Diniz (2012) esclarece que tal união era considerada sociedade de fato, assim, não podia usufruir dos mesmos direitos e deveres das relações heterossexuais. 21 Atualmente, tanto o Código Civil de 2002 (artigos 1.514, 1.517, 1.565 e 1.723) como a Constituição Federal de 1988 (parágrafos 3º e 5º do artigo 226) mencionam a união estável e o casamento entre homem e mulher, contudo, não proíbem expressamente os mesmos institutos entre pares do mesmo sexo. Ante a inexistência de regulamentação expressa de dita relação, muitos magistrados já entenderam por impossível juridicamente o pedido de um homossexual que requer a meação do patrimônio formado durante anos de convivência com seu parceiro quando este vem a falecer ou quando do término do relacionamento entre ambos. Justificam esta posição por entenderem que a relação entre duas pessoas do mesmo sexo não seria geradora de uma entidade familiar, ao contrário do que ocorre com as relações heteroafetivas. Assim, partindo da visão equivocada de que somente as relações heteroafetivas mereceriam proteção do Direito, ante a inexistência de textos normativos que regulamentem expressamente as relações homoafetivas, acaba a Justiça por cometer graves injustiças, uma vez que deixam à margem do Direito uma parcela considerável dos cidadãos. (VECCHIATTI, 2012, p. 153-154). Também Dias (2011) defende que os magistrados com tal posicionamento estão fundamentando suas decisões de maneira simplista. Vecchiatti (2012) assevera que, para suprir a lacuna normativa em relação às uniões homoafetivas, poder-se-iam usar a analogia, a interpretação extensiva e os princípios gerais do Direito. O Supremo Tribunal Federal (STF), por meio da Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) 132 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.277, em maio de 2011, reconhece que homossexuais constituem entidade familiar na forma de união estável. O STF fundamentou sua decisão, principalmente, com base na proibição de discriminar pessoas pela orientação sexual, esta que é um direito fundamental do indivíduo, no princípio da isonomia e na interpretação do vocábulo família. Assim, preenchidos os requisitos do artigo 1.723 do Código Civil, quais sejam, convivência pública, contínua e duradoura com o objetivo de constituição de família, homossexuais podem vivem em união estável. Como o parágrafo 3º do artigo 226 da Constituição Federal facilita a conversão da união estável em casamento, com a ADPF 132 e a ADI 4.277 pode-se recepcionar a possibilidade de casamento entre pessoas do mesmo sexo. Também o Superior Tribunal de Justiça (STJ), por meio do julgamento do REsp 1.183.378/RS, em outubro de 2011, entendeu que a orientação sexual não é motivo para a proibição da união civil entre homossexuais. Nessa decisão, o relator ministro Luis Felipe 22 Salomão afirmou que o legislador, ao não utilizar expressão restritiva no texto de lei, não deixou excluída a possibilidade jurídica de casamento para essa parcela da população. Tal decisão também se fundamentou na ADPF 132 e na ADI 4.277. No dia 14 de maio de 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), considerando a eficácia “erga omnes” e o efeito vinculante atribuído às decisões dos Tribunais competentes, aprovou a resolução nº 175, segundo a qual os cartórios de registro civil são obrigados a registrar o casamento entre pares homoafetivos e, havendo pedido, converter as uniões estáveis registradas em casamento. 23 2 BREVE LINEAMENTO HISTÓRICO DA ADOÇÃO Ao longo da história, a adoção passou por grandes processos de mutabilidade; atualmente, seu entendimento e finalidade em muito pouco ou quase nada se parecem com o que era nos primórdios do instituto. 2.1 Na antiguidade Embora nem sempre com as mesmas características, o institutoda adoção é mencionado no Código de Hamurabi, na Bíblia, nas Leis de Manu e entre os povos gregos, romanos e egípcios. Conforme Carbonnier (1999 apud VENOSA, 2010), a evolução histórica da adoção ocorreu peculiarmente; utilizava-se, na Antiguidade, como meio de perpetuar o culto doméstico na ausência de filhos biológicos. Wald (2002, p. 200) ensina que: A adoção surgiu historicamente atendendo a imperativos de ordem religiosa. O homem primitivo acreditava, mais do que o homem moderno, que os vivos eram governados pelos mortos. Por esse motivo apaziguava com preces e sacrifícios os ancestrais falecidos para que protegessem os seus descendentes. Somente o culto dos mortos, que encontramos em todas as religiões primitivas, explica a expansão do instituto da adoção e o papel que desempenhou no mundo antigo [...] A adoção permitiu a integração, na família, do estrangeiro que aderia à religião doméstica, uma modificação de culto permitindo a saída de uma família e o ingresso em outra a adoção garantiu o desenvolvimento pacífico do mundo antigo, sendo considerada um dos grandes catalisadores do progresso e da civilização. No direito primitivo, a adoção constituiu um meio eficaz de perpetuar a família e a religião doméstica. Na Antiguidade, adotar era a forma encontrada para garantir a continuação do culto doméstico, conforme reitera Coulanges (1998). Por esse motivo, só podia adotar quem não tivesse filho e só eram adotadas pessoas do sexo masculino, pois as mulheres passariam para o culto doméstico da família do marido. Com a adoção, eram quebrados os laços com a família de origem e novo vínculo era formado com o adotante. 24 A ideia fundamental já estava presente na civilização grega: se alguém viesse a falecer sem descendente, não haveria pessoa capaz de continuar o culto familiar, o culto aos deuses-lares. Nessa contingência, o pater familias, sem herdeiro, contemplava a adoção com essa finalidade. O princípio básico do instituto antigo que passou para o direito civil moderno era no sentido de que a adoção deveria imitar a natureza: adoptio naturam imitarum. O adotado assumia o nome e a posição do adotante e herdava seus bens como consequência da assunção do culto. O direito sucessório, permitido exclusivamente pela linha masculina, também era corolário da continuidade do culto familiar. (VENOSA. 2010, p. 275-276). Evidentemente, a adoção não era motivada por laços afetivos. Não havia preocupação com o bem-estar da pessoa adotada. Era um período da história no qual se motiva a adoção pelos interesses dos adotantes. Foi na Roma que a adoção mais se desenvolveu e onde mais foi utilizada. Além da necessidade de se perpetuar o culto doméstico e dar continuidade à família, ali a adoção atingiu, também finalidade política, permitindo que plebeus se transformassem em patrícios e vice-versa, como Tibério e Nero, que foram adotados por Augusto e Cláudio, ingressando no tribunato. (GRANATO, 2013, p. 38). Chamoun (1977 apud VENOSA, 2010) disciplina que no Direito Romano, na época de Justiniano, havia duas formas de adoção: a adoptio plena, realizada entre parentes, e a adoptio minus, realizada quando o filho era entregue a um não ascendente. Em ambos os casos o filho adotado mantinha direitos sucessórios da família de origem e ganhava o direito à herança do adotante. Com base nesse raciocínio, Venosa (2010, p. 277) ensina que: A adoção plena é modalidade proveniente do Direito Clássico, porém com consideráveis restrições. Ocorria apenas quando o adotante era um ascendente que não tinha o pátrio poder sobre o adotado; como no caso dos de um avô cujo neto fora concebido após a emancipação do pai. O pai adotivo adquiria a patria potestas. Na época de Justiniano, acentuava-se o caráter de que a adoção deveria imitar a filiação natural, ideia que atravessou os séculos. 25 Como ficou evidenciado acima, desde o Direito Romano, procurava-se imitar a filiação natural com a adoção. Ora, o adotante deveria ser pessoa mais velha que o adotando. A diferença de idade precisa ser, no mínimo, próxima à existente entre pai e filho biológico. Não faria muito sentido permitir que uma pessoa adote outra mais velha ou pouquíssimos anos mais nova. 2.2 Na Idade Média Granato (2013) aponta que durante a Idade Média questões como interesses dos senhores feudais e a influência do Direito Canônico fizeram a adoção cair em desuso. A proliferação do Cristianismo fez com que os homens perdessem o medo de morrer sem descendência masculina para continuar o culto doméstico. A Igreja Católica favorecia o parentesco consanguíneo em detrimento do criado pela adoção. Entre os povos bárbaros, a adoção era um meio para instituir chefe de família, uma pessoa para seguir a linha de feitos bélicos. A adoção possibilitava ao adotado o nome, as armas e o poder público do adotante, mas, ao contrário da adoção romana, não ocasionava vínculos de parentesco os quais impedissem casamento. Também é lembrado que no direito hispano-português existia a perfiliação, instituto análogo à adoção, que tinha o objetivo de permitir ao perfilhado herdar os bens de uma pessoa. A forma era privada, escrita e deveria receber a confirmação do príncipe para ser válido. 2.3 Na Idade Moderna Granato (2013) esclarece que em 1683, na Dinamarca, o Código promulgado por Christian V. fazia referência à adoção. Em 1756, na Alemanha, outra referência é encontrada no projeto do Código Prussiano. Tais leis exigiam que a adoção fosse feita por contrato escrito, o qual era apreciado pelo tribunal; que o adotante fosse, pelo menos, 50 anos mais velho que o adotando; e deveriam existir vantagens para o adotado. A adoção era irrevogável e dava direitos sucessórios ao filho adotivo. 26 Em 1804, na França, a adoção recebia tutela legal pelo Código de Napoleão, segundo o qual existiam quatro espécies de adoção: a ordinária, a remuneratória, a testamentária e a oficiosa. Na primeira modalidade, só pessoas com mais de cinquenta anos, sem prole, com diferença de quinze anos de idade do adotado, podiam adotar; o filho adotado herdava os bens do adotante e o processo de adoção passava pela via judicial. Na remuneratória, o adotante podia adotar quem o tivesse salvo - era como se tivesse remunerando essa pessoa pelo salvamento. Na adoção testamentária, o tutor podia adotar após cinco anos de exercer a tutela. Na adoção oficiosa, para beneficiar menores era permitida a adoção temporária. O decreto-lei de 29 de julho de 1939 inseriu, no ordenamento jurídico francês, a legitimação adotiva, a qual estipulava que o adotado, desde que tivesse menos de cinco anos de idade e por motivo qualquer não tivesse pais, tinha seus laços com a família de origem cortados e passava a integrar plenamente a família do adotante. (GRANATO, 2013). Conforme apregoa Granato (2013), em Portugal, o direito romano influenciou as Ordenações Afonsinas, Manoelinas e Filipinas. Mesmo com essa influência, a adoção em Portugal teve desenvolvimento muito aquém em comparação a outros lugares do mundo. Isso porque no direito luso a adoção não passava o pátrio poder ao adotante e, em regra, não dava direito à sucessão ao adotado. A adoção era, apenas, um título de filiação que possibilitava o pedido de alimentos. Só a permissão do príncipe permitia que todos os efeitos da adoção romana também fossem aplicados à adoção portuguesa. 2.4 A evolução da adoção no Brasil Segundo Granato (2013), não havia legislação civil propriamente brasileira. Até a entrada em vigor do Código Civil Brasileiro em 1917, asleis de Portugal valiam no Brasil mesmo após a independência e, portanto, a adoção apresentava por aqui as mesmas características que no país de nossos colonizadores. Em 22 de setembro de 1828 surgiu a primeira lei brasileira sobre a adoção e ela apenas transferia a competência para permitir a adoção ou perfilhamento da Mesa do Desembargo do Paço para os juízes de primeira instância. O Código Civil de 1916, instituído pela Lei nº 3071 de 1º de janeiro de 1916, abordou a adoção em dez artigos (artigos 368 a 378), na parte especial, Livro I (Direito da Família), 27 Capítulo V, Título V. Tal Código limitava bastante quem podia adotar ao estabelecer, no artigo 368, que só era capacitado para adotar os maiores de cinquenta anos, sem prole legítima ou legitimada. Seu parágrafo único previa que "Ninguém pode adotar, sendo casado, senão decorridos 5 (cinco) anos após o casamento." Assim, pode-se inferir a existência do impedimento de adoção por concubinos. O requisito da idade de cinquenta anos para poder adotar deveria ser cumprido pelos dois cônjuges - não era suficiente apenas um atingir a referida idade. No artigo 369, exigia-se a diferença de 18 anos entre a idade do adotante e do adotando. As pessoas solteiras poderiam adotar, desde que individualmente. Em conjunto, somente pessoas casadas poderiam realizar esse ato legal (artigo 370). Ao tutor ou curador era permitido adotar o pupilo ou curatelado após prestar contas de sua administração (artigo 371). Conforme o artigo 378: "Os direitos e deveres que resultam do parentesco natural não se extinguem pela adoção, exceto o pátrio poder, que será transferido do pai natural para o adotivo" e, dessa forma, o adotado era herdeiro do adotante e de sua família natural, mas o adotante só herdava do adotado na falta do pai natural. O artigo 376 do então Código Civil limitava o parentesco em decorrência da adoção ao adotante e adotado, de modo que adotante não podia casar com o cônjuge do adotado e o adotado com o cônjuge do adotante ou com filho superveniente ao pai ou mãe adotiva. A adoção produziria efeitos mesmo sobrevindo filhos à adoção, exceto quando o nascimento comprovasse concepção anterior ao ato de adotar (artigo 377. CC). 2.4.1 A lei n. 3.133 de 08 de março de 1957 A Lei n. 3.133/1957, ao alterar o Código Civil vigente à época, facilitou o procedimento para quem pretendia adotar. Embora possa parecer pouco, ao reduzir a idade mínima do adotante de 50 anos para 30, eliminou-se uma barreira à adoção ao permitir a prática desse ato por casais jovens. Esse procedimento passou a vigorar da seguinte maneira: os casais só poderiam adotar após cinco anos de casados; a diferença de idade entre adotante e adotado passou a ser de 16, e não mais de 18 anos; o adotante ter prole legítima ou legitimada não era mais empecilho para adotar; o adotado tinha opção de acrescentar ao seu sobrenome o do adotante e até 28 mesmo excluir totalmente seu sobrenome de origem; o antigo artigo 377 foi renovado e em seu lugar entrou a regra de que quando adotante tiver filhos legítimos, legitimados ou reconhecidos, a relação de adoção não envolve a de sucessão hereditária. Para a concretização do ato de adotar passou a exigir o consentimento do adotado quando maior de idade ou do representante legal quando o adotado for incapaz ou nascituro. 2.4.2 A Lei n. 4.655 de 02 de junho de 1965 Um aspecto positivo da Lei n. 4.655/1965, o que a tornava diferente de regras precedentes, foi inserir a legitimação adotiva. Segundo essa norma legal: A legitimação adotiva só podia ser deferida quando o menor até sete anos de idade fosse abandonado, ou órfão não reclamado por qualquer parente por mais de um ano, ou cujos pais tivessem sido destituído do pátrio poder, ou ainda na hipótese do filho natural reconhecido apenas pela mãe, impossibilitada de prover a sua criação (art. 1°). Havia também possibilidade de se permitir a legitimação adotiva em favor do menor com mais de sete anos, se já estivesse sob a guarda dos legitimantes à época em que tivesse completado essa idade (art. 1°, § 1°). Essa mesma lei determinava a exigência de um período de três anos de guarda do menor pelos requerentes, para só então se deferir a legitimação (art. 1°. § 2°). [...] Estabelecia a irrevogabilidade da legitimação adotiva mesmo que aos adotantes viessem a nascer filhos legítimos, aos quais considerava equiparados os legitimados adotivos, com os mesmos direitos e deveres (art. 7°). Contudo, contrariando o espírito da lei, excluía o legitimado adotivo da sucessão, se viesse a concorrer com filho legítimo superveniente à adoção (art. 9 e Cód. Civil, § 2° do art.1.605). O rompimento da relação de parentesco com a família de origem, importante medida que não havia sido prevista nas leis anteriores, foi determinado no § 2° do art. 9° e o vínculo se estendia à família dos legitimantes, desde que os seus ascendentes tivessem aderido ao ato da adoção. (GRANATO, 2013, p.45-46). Não houve mudança quanto aos requisitos para os legitimantes, ainda se exigia a idade de trinta anos para pelo menos para um dos adotantes e cinco anos de casamento. Se ficasse provado que havia esterilidade de pelo menos um dos cônjuges, o período de cinco anos era dispensado. Também poderia ocorrer legitimidade adotiva se a pessoa viúva com idade mínima de 35 anos comprovasse que o menor estava integrado na família por prazo maior do que cinco anos. A Lei n. 4.655 /1965 permitia que o adotado recebesse o nome dos adotantes e tivesse o prenome mudado. Com certeza, a legitimação adotiva foi um importante passo na direção da adoção plena. 29 2.4.3 O Código de Menores - Lei n. 6.697 de 10 de outubro de 1979 Segundo Granato (2013), o Código de Menores foi instituído pela Lei n. 6.697. Tal Código inovou ao introduzir a adoção plena, revogando a legitimação adotiva e admitiu a adoção simples. O Código de Menores só regulava a adoção de menores em situação irregular. Para os menores em situação regular, a adoção acontecia nos termos do Código Civil da época, independentemente de autorização judicial. A adoção de menores em situação irregular poderia ser tutelada pelo Código Civil desde que fosse na modalidade simples. Transcreve-se abaixo o artigo 2° da aludida lei: Art. 2º Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor: I - privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de: a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável; b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las; II - vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável; III - em perigo moral, devido a: a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; b) exploração em atividade contrária aos bons costumes; IV - privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; V - Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; VI - autor de infração penal. Parágrafo único. Entende-se por responsável aquele que, não sendo pai ou mãe, exerce, a qualquer título, vigilância, direção ou educação de menor, ou voluntariamente o traz em seu poder ou companhia, independentemente de ato judicial. O artigo 29 da Lei que institui a adoção plena quebrava o vínculo do adotado com a família de origem, salvo impedimentos matrimonias, e esse passava a integrar família do adotante como filho de sangue. Conforme o artigo 30, a adoção plena era admitida para os menores de 7 anos ou mais velhos se quando completadaessa idade já se encontrassem na guarda dos adotantes. A adoção plena seria deferida após estágio de convivência de um ano (artigo 31). Havia o requisito de que só casais com mais de 5 anos de casamento poderiam adotar; contudo, tal prazo era dispensado na hipótese de esterilidade e quando existia estabilidade conjugal, e pelo menos um dos cônjuges tivesse idade superior a 30 anos (artigo 32). Nas palavras exatas do artigo 33, "autorizar-se-á a adoção plena ao viúvo ou à viúva, provado que o menor está integrado em seu lar, onde tenha iniciado estágio de convivência de três anos ainda em vida do outro cônjuge". Os separados judicialmente podem adotar com a 30 condição de que haja acordo quanto a guarda e do cumprimento do estágio de convivência na constância do casamento (artigo 34). Após a concessão da adoção plena, expedia-se mandado para averbação no Cartório de Registro Civil. Os nomes dos adotantes e seus ascendentes deveriam constar na inscrição e registros relativos à origem biológica do adotado eram cancelados (artigo 35). O artigo 36 permitia o uso do nome do adotante para adotado, inclusive possibilitava-se a troca de prenome. O artigo 37 dava caráter irrevogável à adoção plena, mesmo havendo superveniência de filhos. Pela primeira vez na legislação brasileira previu-se a adoção por estrangeiros, embora somente na modalidade simples e, apenas, na falta, ação ou omissão dos pais ou responsáveis para prover o menor (artigo 20). 2.4.4 A Adoção na Constituição Federal de 1988 Medida protetiva foi tomada pela Constituição Federal de 1988 ao abordar discriminações para filhos adotados. No § 6 do artigo 227 está previsto que "os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação". A lei do Divórcio (Lei n° 6.515 de 26 de dezembro de 1977) já havia dado um passo nessa direção, e na parte 2 do artigo 51 prevê o seguinte: "qualquer que seja a natureza da filiação, o direito à herança será reconhecido em igualdade de condições". Mesmo assim, foi a atual Constituição que reconheceu a igualdade entre os filhos, citando expressamente os filhos adotivos, não mais se falando em ilegitimidade de filhos. É importante apontar que a Constituição Federal revogou artigos de lei os quais permitiam tratamentos diferentes em relação à procedência dos filhos, adotivos ou não, oriundos de casamento, união estável ou não. O próprio artigo 227, § 6º, da CF determina a igualdade entre os filhos. 31 2.4.5 A adoção no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990), no Código Civil de 2002 e na Lei da Adoção (Lei nº 12.010, de 12 de agosto de 2009) Antes de tudo, torna-se apropriado apontar que a Lei n. 12.010 de 2009 não tirou a regulamentação das regras pertinentes à adoção do Estatuto da Criança e do Adolescente. Ela, basicamente, limitou-se a modificar alguns artigos do ECA/1990 e revogar outros do CC/2002. Até o presente momento, a adoção de crianças e adolescente é regulada segundo o disposto na Lei 8.069/1990. O CC/2002, no artigo 1618, deixa claro que a adoção de crianças e adolescentes segue os ditames do ECA/1990. No artigo 1619 do CC/2002, permite-se a adoção de maiores de 18 anos, entretanto, essa será assistida pelo Poder Público e dependerá de sentença, sendo-lhe aplicada, no que couber, a adoção geral. Granato (2013) critica que ainda exista adoção de pessoas maiores de 18 anos, pois, segundo ela, essa é uma brecha para fraudar a lei, como, por exemplo, as de previdência social, deixando pensão para quem não teria direito. O ECA/1990, para efeitos da lei, define criança, em seu artigo 2º como a pessoa com idade até 12 anos incompletos e adolescente aquelas compreendidas entre as idades de 12 e 18 anos. Excepcionalmente, pode-se aplicar o ECA aos compreendidos entre as idades de 18 e 21 anos. O artigo 20 do ECA/1990 repete o parágrafo 6º do artigo 227 da Constituição Federal, que enfatiza a proibição de tratamento desigual entre os filhos. A adoção cria laços de filiação entre adotante e adotado, desligando-se o adotado da família biológica, salvo impedimentos para o matrimônio. Segundo § 1º do artigo 39 do ECA, “A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei.” O parágrafo 2º desse mesmo artigo não permite adoção por procuração. Torna-se necessário observar que a adoção é uma filiação jurídica que se baseia em laços afetivos e não sanguíneos. 32 2.5 Requisitos e Aspectos Gerais da Adoção Para que a adoção ocorra nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente, o adotando pode ter no máximo 18 anos na data do pedido, excetuando-se quando já estiver sob a guarda ou tutela dos adotantes (art. 40, ECA). Se o adotando possuir mais de 18 anos, a adoção ocorrerá seguindo as regras do Código Civil. Embora não estabeleça esse dispositivo legal um limite de idade para o pedido de adoção, uma vez já estando o adotando sob a guarda ou tutela do adotante, é indubitável que esse pedido deveria ser antes de o adotando completar vinte e um anos. De fato, ao dispor o parágrafo único do art. 2º do Estatuto que este, só excepcionalmente e nos casos previstos em lei, se aplica às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade, deixa claro que, depois dessa idade, nada mais pode ser requerido com base nessa lei. Ademais, depois dos vinte e um anos, ninguém mais poderia estar sob a guarda ou tutela de outrem. (GRANATO, 2013, p. 73). Se o adotando contar com mais de 12 anos, faz-se necessário o seu consentimento (art. 45, § 2º, ECA). Também se faz necessário o consentimento dos pais do adotando ou de seus representantes legais, salvo se os pais forem desconhecidos ou destituídos do poder familiar (art. 45, ECA). Nos termos do artigo 99 do Estatuto da Criança e do Adolescente, é cabível ação de destituição do poder familiar com a de adoção. Aduz o artigo 1635 do Código Civil que “Extingue-se o poder familiar: I - pela morte dos pais ou do filho; II - pela emancipação, nos termos do art. 5º, parágrafo único; III - pela maioridade; IV - pela adoção; V - por decisão judicial, na forma do artigo 1.638”. Não é caso para a extinção do poder familiar a hipossuficiência financeira dos pais (art. 23, ECA). Também não é suficiente que os pais sofram condenação criminal, salvo se for por crime doloso apenado com reclusão contra o próprio filho ou filha (§ 2º do art. 23, ECA). Quanto aos requisitos relativos ao adotante, exige-se a idade mínima de 18 anos, sem discriminação de estado civil (art. 42, caput, ECA). Proíbe-se que os adotandos sejam adotados por seus ascendentes e irmãos (§ 1º do art. 42, ECA). Outra exigência é em relação à diferença de idade entre adotante e adotando, a qual deve ser de, pelo menos, dezesseis anos (§ 3º do art. 42, ECA). É lícito ao tutor ou curador adotar o tutelado ou curatelado após dar conta de sua administração e saldar eventuais débitos (art. 44, ECA). 33 Estabelece o artigo 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente que: A autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro regional, um registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e outro de pessoas interessadas na adoção. [...]§ 13. Somente poderá ser deferida adoção em favor de candidato domiciliado no Brasil não cadastrado previamente nos termos desta Lei quando: I - se tratar de pedido de adoçãounilateral; II - for formulada por parente com o qual a criança ou adolescente mantenha vínculos de afinidade e afetividade; III - oriundo o pedido de quem detém a tutela ou guarda legal de criança maior de 3 (três) anos ou adolescente, desde que o lapso de tempo de convivência comprove a fixação de laços de afinidade e afetividade, e não seja constatada a ocorrência de má-fé ou qualquer das situações previstas nos arts. 237 ou 238 desta Lei. Em atenção ao parágrafo 5º do artigo 50 do ECA, o qual expressa que serão criados cadastros estaduais e nacional de menores de 18 anos aptos a serem adotados e de interessados habilitados a adotar, o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução 54/08, criou o Cadastro Nacional de Adoção. Granato (2013) afirma que, apesar da ampla divulgação do Cadastro Nacional de Adoção e da finalidade ser um maior intercâmbio entre quem pode ser adotado e quem deseja adotar, na prática, esse cadastro não é plenamente eficiente, pois nele só constam nomes de crianças e adolescentes disponíveis para adoção com situação já definida por sentença transitada em julgado e o próprio artigo 50 do ECA, no parágrafo 7º, permite que somente as autoridades estaduais e federais tenham acesso ao Cadastro Nacional de Adoção. Dita o “caput” do artigo 46 do ECA que “A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso”. Pode-se dispensar o estágio de convivência se o adotando já estiver com a guarda legal ou tutela do adotante por tempo apto a verificar a conveniência da constituição do vínculo (§ 1º do art. 46, ECA). Guarda de fato não acarreta, necessariamente, a dispensa do estágio de convivência (§ 2º do art. 46, ECA). O estágio de convivência deverá ser de, no mínimo, 30 (trinta) dias, cumpridos obrigatoriamente no território nacional se os adotantes forem residentes ou domiciliados fora do Brasil (§ 3º do art. 46, ECA). Equipe interprofissional da Justiça da Infância e da Juventude acompanhará o estágio de convivência, fazendo, ao final, um relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da medida (§ 4º do art. 46, ECA). 34 A adoção é medida excepcional a qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa. Por família natural entende-se o núcleo familiar formado pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes e família extensa ou ampliada é aquela formada por parentes próximos, com os quais a criança ou adolescente conviva e mantenha vínculos de afinidade e afetividade. Uma vez deferida a adoção, após o trânsito em julgado da sentença que a deferiu, essa é irrevogável (§ 1º do art. 39 e art. 25, ambos do ECA). 2.6 O Procedimento da Adoção Conforme Granato (2013), o procedimento de adoção será de jurisdição voluntária se houver consentimentos dos pais naturais ou se esses forem destituídos do poder familiar e será contencioso se os pais no exercício do poder familiar não consentirem expressamente na adoção. Se for procedimento contencioso, segue-se o rito ordinário nos termos do Código de Processo Civil. A Justiça da Infância e da Juventude é competente para julgar o processo de adoção e todos os seus incidentes (art. 148, III, ECA). O processo pode sofrer intervenção dos pais ou responsáveis do adotando e quem tenha legítimo interesse, resguardando-se o segredo de justiça (art. 206, ECA). De acordo com o artigo 206, parágrafo único, cumulado com o artigo 141, parágrafo 2º, ambos da Lei nº 8.069/1990, o processo de adoção é isento de custas processuais, salvo litigância de má-fé. A esse processo serão aplicados subsidiariamente as normas gerais previstas na legislação processual pertinente e a tramitação receberá prioridade absoluta (Art. 152, ECA). Quanto à competência territorial, estabelece o artigo 147 do Estatuto da Criança e do Adolescente que “A competência será determinada: I - pelo domicílio dos pais ou responsável; II - pelo lugar onde se encontre a criança ou adolescente, à falta dos pais ou responsável.” Como processo que é, a adoção ocorre por meio de petição inicial formulada por advogado. Pode-se dispensar o advogado se os pais forem falecidos, destituídos ou suspensos do poder familiar ou concordarem expressamente com o pedido de colocação em família substituta e, nesse caso, a petição será assinada pelos próprios requerentes e encaminhada 35 diretamente ao cartório (art. 166, caput, ECA). A autoridade judiciária e o representante do Ministério Público ouvirão os pais do adotando em caso de concordância com o pedido de colocação em família substituta (§ 1º do art. 166, ECA). Os titulares do poder familiar, antes de consentirem com a adoção, deverão receber orientações e esclarecimentos de equipe técnica qualificada da Justiça da Infância e da Juventude (§ 2º do art. 166, ECA). Será designada audiência com a finalidade de serem ouvidos os titulares do poder familiar pelo representante do Ministério Público e por autoridade judiciária (§ 3º do art. 166, ECA). Só terá validade o consentimento dos pais ou responsáveis legais por escrito se for ratificado em audiência (§ 4º do art. 166, ECA). É possível a retratação do consentimento até a publicação da sentença deferindo a adoção (§ 5º do art. 166, ECA). Será válido, apenas, o consentimento dado após o nascimento da criança (§ 6º do art. 166, ECA). Equipe técnica interprofissional do Poder Judiciário orientará também a família substituta (§ 7º do art. 166, ECA). Existem situações em que as pessoas que desejam adotar ingressam com pedido de habilitação e, nos moldes do artigo 197-A do Estatuto da Criança e do Adolescente, tal pedido começa com a petição inicial, a qual é endereçada à Vara da Infância e Juventude da Comarca onde os requerentes tenham residência ou à Vara Cível na falta de vara especializada, deverá ser acompanhada de: cópias autenticadas de certidão de nascimento ou casamento, ou declaração relativa ao período de união estável; cópias da cédula de identidade e inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas; comprovante de renda e domicílio; atestados de sanidade física e mental; certidão de antecedentes criminais; certidão negativa de distribuição cível. Em sequência, segundo informações do site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), se o candidato à adoção for aprovado, ele estará habilitado e seu nome entrará para o cadastro local e nacional de adoção. Após essa etapa, o requerente deverá, obrigatoriamente, participar de curso de preparação psicossocial e jurídica. Depois do curso, avalia-se, por meio de entrevistas e visitas, a situação socioeconômica e psicológica dos adotantes. Encaminha-se o resultado ao juiz e ao representante do Ministério Público. O adotante fará descrição do perfil da criança ou adolescente desejado. A próxima etapa é a do certificado de habilitação: com o laudo da equipe técnica da Vara da Infância e Juventude e com o parecer do representante do Ministério Público, o juiz sentenciará. Após acolhido o pedido, o pretendente à adoção será incluído no Cadastro Nacional de adoção e esse será válido por dois anos em todo território nacional. 36 Com a certidão de habilitação e com o nome automaticamente na fila de adoção do Estado onde o adotante reside, resta esperar que apareça criança com as características desejadas pelo pretendente à adoção. Observar-se-á a ordem cronológica dos habilitados à adoção. O CNJ lembra que nem todo mundo consegue ser aprovado no processo de habilitação pelos mais variados motivos como, por exemplo, estilo de vida incompatível coma paternidade ou maternidade almejada. Mesmo desaprovado uma vez, pode-se, mediante adequações, recomeçar o processo de habilitação. Quando houver menor de idade compatível com as características solicitadas pelo pretendente à adoção, esse será indicado. Apresenta-se o histórico do menor e, havendo interesse, apresenta-se adotante a adotado. A criança ou adolescente será ouvida e perguntada se quer continuar com o processo. O estágio de convivência será vigiado pela Vara da Infância e da Juventude e por equipe técnica que acompanhará o processo. Se tudo ocorrer bem até esse momento, o pretendente proporá ação de adoção. Segundo Granato (2013, p. 106), “o juiz poderá, liminarmente, ouvido o órgão do Ministério Público, determinar a entrega da criança ou do adolescente aos adotantes, mediante termo de guarda e de responsabilidade, enquanto se processa a adoção”. A criança ou adolescente passa a morar com o adotante. A equipe técnica, a qual continuará acompanhando o processo, entregará ao juiz laudo conclusivo sobre a relação adotiva em andamento. Havendo vantagem para a criança ou o adolescente, o magistrado sentenciará deferindo o pedido de adoção. Cabe contra a sentença que defere a adoção o recurso de apelação, a qual será recebida apenas no efeito devolutivo, exceto no caso de adoção internacional e em casos sujeitos a danos irreparáveis. Saliente-se que a sentença produz efeitos imediatos. (Artigos 199 e 199-A, ECA). Por fim, com o trânsito em julgado da sentença, será expedido mandado para averbação no Cartório de Registro Civil. Cancela-se o registro original da criança ou adolescente adotado e arquiva-se o mandado judicial junto ao Cartório de Registro Civil. Constar-se-ão os nomes dos adotantes como pais e de seus ascendentes como avós na certidão de nascimento do adotado. Pode-se lavrar o novo registro do adotado no Cartório do Registro Civil do Município da residência do adotante. A certidão de nascimento do adotado não conterá informações acerca do processo de adoção. O adotado receberá o nome do adotante e haverá a possibilidade de mudança de prenome caso exista requerimento nesse sentido e haja 37 oitiva do adotado se este for capaz de compreender o ato. Será necessário consentimento se for maior de 12 anos. (Caput e parágrafos do artigo 47 do Estatuto da Criança e do Adolescente). Segundo o artigo 48 do ECA, “o adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter acesso irrestrito ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos”. Acrescenta o parágrafo único desse artigo que se o adotado for menor de 18 anos poderá, mediante adequado procedimento assecuratório do desenvolvimento psicológico do menor, ter acesso às informações do processo de adoção. Urge salientar que uma vez transitada em julgado a decisão que deferiu a adoção essa é irrevogável mesmo com a morte dos adotantes (artigo 49, ECA). 2.7 Algumas Espécies de Adoção Encontra-se junto à legislação e à doutrina algumas espécies de adoção a seguir elencadas: adoção unilateral, adoção conjunta, adoção por divorciados ou separados judicialmente, adoção póstuma, adoção internacional, adoção à brasileira e adoção intuitu personae. Na adoção unilateral, o cônjuge ou companheiro pode adotar o filho do outro, caso em que inclui-se o nome do adotante, mas não se rompe os vínculos de filiação com o outro cônjuge ou companheiro. (Parágrafo 1º do artigo 41, ECA). Também é possível a adoção conjunta, na qual se permite duas pessoas adotarem conjuntamente se forem casadas ou viverem em união estável, desde que comprovada a estabilidade familiar. (parágrafo 2º do artigo 42, ECA). A adoção por divorciados ou separados judicialmente é permitida, isto é, essas pessoas podem adotar conjuntamente, desde que o estágio de convivência tenha começado enquanto perdurava a união do casal, haja afetividade com quem não detenha a guarda e haja acordo quanto à guarda e regime de visitas. (Parágrafo 4º do artigo 42, ECA). 38 Além dessas, “A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença.” (Parágrafo 6º do artigo 42, ECA). Nesse caso é conhecida como adoção póstuma. Conforme o caput e o inciso II do parágrafo primeiro do artigo 51 do Estatuto da Criança e do Adolescente, a adoção internacional só ocorre quando o adotante é residente ou domiciliado fora do Brasil e somente após esgotadas as tentativas em colocação em família substituta brasileira. Granato (2013, p. 138) conceitua o termo adoção à brasileira como “registro de filho alheio como próprio”. Cabe apontar que tal procedimento é crime tipificado pelo artigo 242 do Código Penal Brasileiro. Ainda, segundo a autora, a adoção Intuitu Personae trata-se de método pelo qual os pais biológicos escolhem, geralmente antes mesmo do nascimento, a quem darão o filho, mediante quantia em dinheiro ou não, para ser adotado. Com a criança em mãos, o pretendente a adotar escolherá se praticará a adoção à brasileira ou se tentará pelo processo judicial. O Estatuto da Criança e do Adolescente procura coibir essa modalidade por meio algumas medidas como, por exemplo, cadastros de adoção. 39 3 ADOÇÃO POR CASAL HOMOSSEXUAL E O MELHOR INTERESSE DO ADOTANDO 3.1 Adoção por Homossexuais Individualmente ou em Conjunto Embora ainda possa haver por parte da população algum tipo de receio, o qual pode, muitas vezes, estar fundado em preconceitos ou desconhecimento sobre o assunto, a adoção por homossexuais individualmente não é ignorada no ordenamento jurídico brasileiro. Ora, desde que o pretendente à adoção se disponibilize a passar pelo processo necessário e seja reconhecida a vantagem de tal ato para a criança ou adolescente, a orientação sexual não justifica indeferimento do pedido. Aliás, o inciso IV do artigo 3º da Constituição Federal veda preconceitos com base em origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Inegavelmente, homossexuais têm filhos, biológicos ou não. Como dito acima, quando um indivíduo deseja adotar, o fato de ser homossexual não é um empecilho para que o judiciário o permita. Contudo, quando um casal homoafetivo tem esse mesmo desejo, a situação complica-se um pouco devido à ausência de lei especificando tal situação. Dias (2011) aponta que muitos homossexuais, embora mantenham relacionamento estável com uma pessoa, habilitam-se individualmente para o processo de adoção por medo de não conseguirem em conjunto. Na prática, a criação dos filhos adotivos será pelo casal homoafetivo, porém, juridicamente, o menor só terá direitos em relação a quem conste como pai adotivo. Havendo possibilidade de um homossexual adotar isoladamente ou em conjunto com seu companheiro, tem-se, obviamente, o melhor interesse da criança e do adolescente que a adoção seja deferida ao par e não somente a um, porquanto, dessa forma, terá direitos em relação a ambos os pais. Por meio da decisão do STJ abaixo transcrita, vê-se que os julgadores partilham desse mesmo entendimento: EMENTA: DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. ADOÇÃO DE MENORES POR CASAL HOMOSSEXUAL. SITUAÇÃO JÁ CONSOLIDADA. ESTABILIDADE DA FAMÍLIA. PRESENÇA DE FORTES VÍNCULOS AFETIVOS ENTRE OS MENORES E A REQUERENTE. IMPRESCINDIBILIDADE DA PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DOS MENORES. RELATÓRIO DA ASSISTENTE SOCIAL 40 FAVORÁVEL AO PEDIDO. REAIS VANTAGENS PARA OS ADOTANDOS. ARTIGOS 1º DA LEI 12.010/09 E 43 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DEFERIMENTO
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