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A HISTÓRIA DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL 2 »A Constituinte de 1823 e os cursos jurídicos A difusão da formação de uma cultura jurídica no Brasil Independente - proporcionando o incremento do sistema jurídico inaugurado com a primeira Carta Magna brasileira, outorgada em 1824 - remete a dois fatores principais: a criação dos primeiros cursos jurídicos em 1827, de importância crucial para a consolidação da vida política e intelectual da Nação soberana, e a fundação, em 1843, do Instituto dos Advogados Brasileiros - IAB. Foram nos debates da Assembleia Constituinte de 1823, logo após a proclamação da Independência e num momento de definição do Estado nacional, que se iniciaram as discussões sobre a instalação de cursos jurídicos no Brasil. José Feliciano Fernandes Pinheiro, futuro Visconde de São Leopoldo apresentou, em sessão de 14 de junho de 1823, indicação pioneira de instalação de uma universidade no Império do Brasil. Tratava-se do lançamento das bases da instrução nacional no “código sagrado” e “de uma maneira digna das luzes do tempo e da sabedoria dos seus colaboradores”. Na sessão de 19 de agosto de 1823, a indicação se transformava no primeiro projeto de lei que fundava e organizava uma universidade no Brasil. A indicação do futuro Visconde de São Leopoldo e o projeto de lei colocado à apreciação apresentaram, desde o primeiro momento, problemas que seriam a tônica das discussões que agitariam a Assembleia nos meses seguintes: a localização das universidades e a seleção das cadeiras. O debate em torno da localização processou-se de forma apaixonada. Advogando mais em favor das províncias de origem, os parlamentares exaltavam as qualidades de suas terras natais. Montezuma saiu em defesa da Bahia. Muniz Tavares preferia Pernambuco. Silva Lisboa (Visconde de Cairu) formalizou um projeto de universidade na Corte. Outros a queriam na Paraíba e houve proposições também para Minas Gerais. Em 4 de novembro o projeto foi aprovado com emendas, permanecendo entretanto, a localização original das universidades: São Paulo e Olinda. A eloquência parlamentar em prol do aprimoramento intelectual, que daria ao Brasil soberano sua maioridade cultural, foi frustrada com a dissolução da Constituinte, em 12 de novembro de 1823. Não era ainda o momento da criação dos cursos jurídicos no Brasil. O Conselho de Estado, que foi instituído logo após o fechamento da Assembleia, para secundar o Imperador, ficou encarregado de elaborar a Constituição, afinal outorgada em 1824 e não estudaria a instalação de universidades no País. »A criação dos cursos jurídicos em 1827 A criação dos cursos jurídicos, uma exigência da cultura brasileira em face da Independência Nacional, era uma decorrência inevitável da militância liberal. Em 1825, o Imperador instituiria, por decreto de 9 de janeiro, um curso jurídico na cidade do Rio de Janeiro, regido pelos estatutos elaborados por Luís José de Carvalho e Melo, Visconde da Cachoeira. Este curso, entretanto, não chegou a ser inaugurado. A questão foi retomada pelo Parlamento em 1826. Um projeto de nove artigos, assinado por José Cardoso Pereira de Melo, Januário da Cunha Barbosa e Antônio Ferreira França, que receberia várias emendas, transformou-se na Lei de 11 de agosto de 1827. Era o encerramento de uma ingente luta em favor da ideia semeada pelo Visconde de São Leopoldo, sob a forma de universidade, na Constituinte de 1823. Mais tarde o visconde, que teve seu nome definitivamente ligado à lei que iniciava uma fase nova na cultura nacional, faria questão de dizer que esse foi um dos momentos mais gratos de sua vida de homem público. Os mesmos estatutos elaborados pelo Visconde da Cachoeira, por ocasião do decreto que tencionara criar o curso jurídico do Rio de Janeiro, regulariam os cursos de Olinda e São Paulo. O Curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Academia de São Paulo, que começou a funcionar em 1º de março de 1828 e o Curso de Ciências Jurídicas e Sociais de Olinda, inaugurado em 15 de maio de 1828, representaram marcos referenciais da nossa história, cujo propósito era a formação da elite administrativa brasileira. 3 A fundação, em 1843, do Instituto dos Advogados - que, ao lado do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, fundado em 1838, participou de forma incisiva na construção da identidade nacional -, assentaria em bases mais sólidas a atuação desses bacharéis. A iniciativa da fundação do Instituto dos Advogados foi inspirada pelas entidades congêneres existentes na França e em Portugal e tinha por finalidade reunir os “cultores” e “agitadores” do Direito, que viriam constituir a Ordem dos Advogados, regularizar o serviço de administração da justiça e completar a organização do Poder Judiciário. A maioria de seus fundadores era composta de graduados das primeiras turmas dos cursos de Olinda e São Paulo, e além da advocacia, alguns serviam à magistratura, atuavam no Legislativo, no Executivo em Ministérios, ou no Conselho de Estado. Quase todos os integrantes eram membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. »A fundação do Instituto dos Advogados Brasileiros O ministro do Supremo Tribunal de Justiça, Conselheiro Francisco Alberto Teixeira de Aragão, que havia proposto a fundação de uma entidade brasileira nos mesmos moldes da portuguesa, criada em 1838, sugeriu a criação de uma entidade que facilitasse, quando fosse oportuno, o advento da Ordem dos Advogados. Ele próprio articularia esse empreendimento, fundando na Corte, em janeiro de 1843, a Gazeta dos Tribunais, um periódico preocupado com a transparência dos atos da justiça e com questões importantes do Direito. Já no primeiro número, a Gazeta publicou um artigo intitulado “A Necessidade de uma Associação de Advogados” e, em 16 de maio de 1843, divulgou os estatutos da Associação dos Advogados de Lisboa, aprovados por portaria de 23 de março de 1838. Após um mês, aproximadamente, teve início a discussão em torno da criação de uma corporação que reunisse e disciplinasse a classe de advogados. Profundamente influenciados pelo estatutos da associação portuguesa, “inclusive no que dizia respeito à finalidade primordial da instituição: a constituição da Ordem dos Advogados”, um grupo de advogados, reunidos na casa do Conselheiro Teixeira de Aragão, organizou os estatutos do Instituto dos Advogados Brasileiros. Submetido à apreciação do Governo Imperial, recebeu aprovação pelo Aviso de 7 de agosto de 1843. O art. 2.º dos estatutos da nova instituição dispunha: “O fim do Instituto é organizar a Ordem dos Advogados, em proveito geral da ciência da jurisprudência”. Em 21 de agosto de 1843, foi eleita a primeira diretoria do Instituto dos Advogados Brasileiros, composta por Francisco Gê Acaiaba de Montezuma, presidente; Josino Nascimento Silva, secretário da assembleia; Nicolau Rodrigues dos Santos França, tesoureiro; e mais 10 nomes que formaram o Conselho Diretor. O Conselheiro Teixeira de Aragão foi agraciado com o título de presidente honorário. A instalação solene ocorreu em 7 de setembro de 1843, no salão nobre do Externato do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro. O presidente Montezuma proferiu, na ocasião, discurso no qual justificou a criação do Instituto e a sua participação para a criação futura da Ordem dos Advogados. “Ela, Senhores”, afirmou referindo-se à Ordem, “não só saberá zelar o subido valor que acaba de receber do Imperante, mas desvelar-se-á por tornar- se digna, em todas as épocas de sua existências, da mais plena e imperial confiança”. E o IAB, de certa forma, conseguiu atingir o objetivo de auxiliar o governo na organização legislativa e judiciária do País, colocando-se como órgão de estudos e debates de questões legislativas e de jurisprudência. Sua atuação na vida nacional caminhou emestreita convergência com o processo de construção do Estado brasileiro. Tanto que a própria Constituição de 1891, o alicerce da 1ª República, fora amparada pelos estudos oferecidos pelo IAB, que, revisados por Rui Barbosa, transformaram-se no anteprojeto submetido e aprovado pela Assembleia Constituinte. Quanto à criação da Ordem dos Advogados, foram muitas as iniciativas para cumprir o que estabelecia o art. 2.º dos estatutos do Instituto dos Advogados Brasileiros. Uma dezena de estudos e projetos elaborados pelo Instituto foi apresentada à apreciação do Poder Legislativo, do Ministério da Justiça e do Governo Imperial, mas todos foram detidos em sua marcha. 4 »A Revolução de 1930 A Primeira República (1889–1930), não promoveu um aumento da participação popular no âmbito do sistema político. A presença das camadas médias na cena política só começou a ganhar alguma visibilidade no Brasil após a Primeira Guerra Mundial. Foi quando fatores como as mudanças na estrutura socioeconômica, promovidas principalmente pela desvalorização do café e pelo crescimento industrial, e os desgastes provocados pelas disputas oligárquicas nas sucessões presidenciais ensejaram movimentos que defendiam a ascenção de uma república verdadeiramente liberal. Em contraposição à chamada política do café-com-leite, reivindicavam-se eleições livres, governo constitucional e plenas liberdades civis. Um indício dessa maior participação política foi a eleição de 1919. Na ocasião, Rui Barbosa, que já havia sido derrotado nas eleições de 1910 e 1914, decidiu realizar um protesto, apresentando-se como candidato. Obteve, sem qualquer apoio da máquina eleitoral, cerca de um terço dos votos, além de conseguir a vitória no Distrito Federal. A Revolução de 1930 fez nascer um novo Estado, que se distanciou do modelo oligárquico pelo caráter centralizador e pela maior autonomia. E, ainda que fosse caracterizada pela heterogeneidade dos grupos comprometidos - que conseguiu aliar uma parcela das oligarquias regionais a um grupo de oficiais descontentes egressos do movimento tenentista e intelectuais liberais -, e por uma troca da elite processada sem grandes rupturas, a revolução fez emergir novas forças no cenário político. Foi o caso dos profissionais liberais e dos jovens políticos que, antes de 1930, formaram a Aliança Liberal e articularam o golpe de estado, como Getúlio Vargas, Osvaldo Aranha, Flores da Cunha, Lindolfo Collor e Francisco Campos, entre outros. »A criação da Ordem dos Advogados do Brasil Foi nesse contexto, e em sintonia com as aspirações de renovação e modernização do País, que se deu a criação da Ordem dos Advogados do Brasil, tendo como personagem central a figura do então procurador-geral do Distrito Federal, André de Faria Pereira. Logo depois de instalado o Governo Provisório, André de Faria Pereira expôs a Osvaldo Aranha, então ministro da Justiça, a necessidade de modificar a organização da Corte de Apelação, visando à normalização dos seus serviços e ao aumento da produtividade de seus julgamentos. Incumbido pelo ministro de organizar um projeto de decreto, o procurador-geral, há muito sócio do Instituto dos Advogados, incluiu o dispositivo do art. 17, criando a Ordem dos Advogados. O êxito da iniciativa foi, segundo ele, um milagre. A instituição da Ordem dos Advogados do Brasil ocorreu, então, quase um século após a fundação do Instituto dos Advogados, por força do art. 17 do Decreto n.º 19.408, de 18 de novembro de 1930, assinado por Getúlio Vargas, chefe do Governo Provisório, e referendado pelo ministro da Justiça Osvaldo Aranha. » O início do funcionamento Como determinava o Decreto n.º 19.408, a Ordem seria regida pelos estatutos votados pelo Instituto dos Advogados Brasileiros e aprovados pelo governo. O presidente do Instituto, Levi Carneiro, nomeou então uma comissão para a elaboração de anteprojeto, formada por A. Moitinho Dória, presidente; Armando Vidal, relator; Edmundo de Miranda Jordão, Antônio Pereira Braga, Edgard Ribas Carneiro, Gabriel Bernardes e Gualter Ferreira. Coube ao próprio Levi Carneiro, desta vez como consultor- 5 geral da República, emitir, em 15 de novembro de 1931, parecer sobre o projeto do primeiro Regulamento da Ordem dos Advogados, que foi aprovado pelo Decreto n.º 20.784, de 14 de dezembro de 1931. O art. 4.º do Regulamento previa a criação do Conselho Federal para o exercício das atribuições da Ordem em todo o território nacional. Para Levi Carneiro, a Revolução de 1930 tinha dado à Ordem dos Advogados do Brasil um alto significado. Em virtude das dificuldades encontradas para implantar a Ordem em todo o território nacional, o Decreto n.º 22.266, de 28 de dezembro de 1932, adiou para 31 de março de 1933 a execução do Regulamento, inicialmente prevista para 1º de maio de 1932. E o Decreto n.º 22.478, de 20 de fevereiro de 1933, aprovou e mandou consolidar, com as modificações posteriores introduzidas pelos Decretos n.º 21.592, de 1º de julho de 1932 e n.º 22.039, de 1º de novembro de 1932, os dispositivos regulamentares da Ordem dos Advogados do Brasil. »Instalação do Conselho Federal O Conselho Federal da OAB funcionou primeiramente no prédio do Instituto dos Advogados Brasileiros. A primeira sessão preparatória foi realizada em 6 de março de 1933 e, em 9 de março, na segunda sessão preparatória, foi realizada a eleição da diretoria, sendo aclamados Levi Carneiro para a presidência e Attílio Vivácqua para a secretaria geral. Em sessão especial, nesse mesmo dia, houve a instalação solene do Conselho Federal, completando a aparelhagem da Ordem dos Advogados do Brasil. O Regimento Interno do Conselho, fixando sua organização administrativa, foi aprovado em 13 de março de 1933. Na solenidade de instalação da primeira sessão ordinária do Conselho Federal, ocorrida em 11 de agosto de 1933, Levi Carneiro referiu-se à etapa vencida pela instituição em brilhante discurso. E sob a condução de Levi Carneiro e Attílio Vivácqua - que foram sucessivamente reeleitos e permaneceram à frente do Conselho Federal por três mandatos consecutivos -, a Ordem dos Advogados foi consolidada. Suas ações concentraram-se, principalmente, nas tarefas de organização da instituição, como solução de problemas de interpretação do Estatuto, ordenamento das seções estaduais e elaboração do Código de Ética. O primeiro Código de Ética Profissional para os advogados, aspiração já antiga da classe, foi aprovado na sessão do Conselho Federal de 25 de julho de 1934, dando cumprimento ao preceituado no art. 84, inciso III, do Regulamento da OAB, encerrando a discussão iniciada em 30 de maio de 1933. 6 »A OAB e a Constituinte de 1934 “A preocupação do meio termo conduzirá a Assembleia a votar uma Constituinte inadaptável às realidades históricas, políticas e sociais do País. A seu critério, ela se apresenta ditatorial e haurida na autoridade daqueles dois poderes, ameaçando arrastar-nos a um sistema que seria fatalmente rompido em um golpe de Estado”. Levi Carneiro, em 06/05/1934. » A dissolução do Congresso e os movimentos oposicionistas O Governo Provisório conseguiu concentrar amplos poderes. Logo após sua instalação, Getúlio Vargas baixaria um decreto, com a assinatura de seus novos ministros, dando ao governo o direito legal de exercer, além do Poder Executivo, a autoridade legislativa. Esse arranjo duraria, segundo o texto, até que uma Assembleia Constituinte eleita processasse a reorganização constitucional do País. Com o fechamento do Congresso Nacional e das Câmaras Municipais, foi criado o cargo de interventor federal nos Estados. Essa concentração de poderes fez emergir disputas pelo poder entre os variados setores que compunhama coalizão revolucionária. Nos meses que se seguiram à Revolução de 1930, cresceu entre os constitucionalistas liberais o anseio por uma representatividade autêntica. Isso implicava o cumprimento das promessas de Vargas de convocar uma Assembleia Constituinte. Para acalmar os grupos que exigiam o regresso ao regime constitucional é publicado, a 24 de fevereiro de 1932, o novo Código Eleitoral, que se configurava numa das principais exigências para a efetivação da nova Carta. A publicação do novo código foi seguida de um decreto que fixava o dia 3 de março de 1933 para a eleição da Assembleia Constituinte. Embora sem resultados práticos, o grupo tenentista reagiu com manifestações de violenta rejeição às medidas de reconstitucionalização. Entretanto, crescia o movimento de oposição ao regime que se prolongava. Em 9 de julho de 1932, São Paulo levantou-se em revolta armada, conhecida como a “Revolução Constitucionalista”. Após dois meses de sítio ao Estado, os revoltosos renderam-se às forças federais. » A Assembleia e a Constituição de 1934 Após o período de impaciência revolucionária, foram realizadas eleições para a Assembleia Constituinte. Em 15 de novembro de 1933, instalou-se, por convocação governamental, a segunda Assembleia Constituinte Republicana. A reunião da Comissão Constitucional, incumbida de dar parecer sobre o anteprojeto de Constituição elaborado no Itamaraty, realizada em 16 de novembro de 1933, elegeria Carlos Maximiliano, Levi Carneiro - presidente do Conselho Federal da OAB, e Raul Fernandes - Conselheiro da Ordem - para presidente, vice-presidente e relator-geral, respectivamente. Foram oito meses de discussão e de elaboração da Carta Magna. Levi Carneiro, representante da bancada das profissões liberais, foi o relator do capítulo sobre o “Poder Judiciário”. Prado Kelly, que viria a ser presidente da OAB em 1960, apresentou trabalhos sobre o problema da educação e da representação profissional. O Conselho Federal da OAB e o Instituto dos Advogados Brasileiros - este de forma mais incisiva dada a incipiente organização da Ordem - encaminharam pareceres dos relatores das suas comissões de acompanhamento dos trabalhos legislativos da Assembleia Constituinte. Para Levi Carneiro, a Constituição na qual ele votara era bem diversa da que veio a ser promulgada em 16 de julho. Suas divergências foram muitas. Ele mesmo afirmaria que fora vencido, ou desatendido, por numerosas vezes. Logo no início dos trabalhos, Levi Carneiro votou contra a “moção Medeiros Neto”, pela qual a Assembleia ratificava os poderes discricionários do Governo Provisório, justificando sua posição em discurso proferido na ocasião. 7 Ele também não assinou o manifesto de apresentação de candidato à presidência da República, nem fez declaração de voto antes da eleição presidencial. Os dirigentes da Assembleia chegaram a propor a inversão dos trabalhos para que se procedesse imediatamente à eleição do presidente da República. Levi Carneiro, indo de encontro à indicação propugnada pelas assinaturas da maioria das bancadas, manifestou-se desfavoravelmente, porque, em sua opinião, esse alvitre desprestigiaria a Assembleia e o próprio presidente, criando uma situação, segundo ele, “esdrúxula”. A opinião pública também repeliu a proposta. A eleição do presidente da República dar-se-ia, então, no dia imediato à promulgação da nova Carta, pelo voto da Assembleia Constituinte. No dia 17 de julho de 1934, Getúlio Vargas foi eleito presidente da República do Brasil, devendo exercer mandato até a realização das eleições diretas que ocorreriam, não fosse o golpe em 1937, em janeiro de 1938. Apesar de a redação do capítulo sobre o Poder Judiciário ter ficado a cargo de Levi Carneiro, alguns dispositivos por ele apresentados - e discutidos nas reuniões do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, não foram aprovados. Prado Kelly fez uma análise muito precisa do quê se configurou na Constituição de 1934, para concluir que o seu propósito foi, unicamente, legitimar o poder instalado com a Revolução de 1930. »O princípio do autoritarismo A década de 1930 foi marcada, mundialmente, pela presença da investida fascista; e a política, na Europa e na América Latina, marchava para a radicalização. O medo da revolução social, nos moldes da Revolução de Outubro, que instalou o comunismo na Rússia em 1917, fomentou na Europa a ascensão da direita radical, logo após a Primeira Guerra Mundial. A ideologia fascista que inspirou Hitler e o nazismo, encontrou ecos na Europa e fora dela. No Brasil, Getúlio Vargas adotou uma política autoritária de extrema direita, encontrado o núcleo de seu apoio na classe trabalhadora. Entretanto, a ideologia facista emergiu tanto contra os movimentos que ameaçavam a ordem existente, como contra os que contribuíam para o seu colapso. Daí a sua feição altamente antiliberal. E também a sua importância após a Grande Depressão, que representou, na década de 1930, uma vulnerabilidade de tudo o que o liberalismo significava. Após a Revolução de 1930, gradualmente, os grupos mais intimamente identificados com as posições do constitucionalismo liberal e do reformismo socioeconômico, perderam força para um movimento conservador maior, assegurado pela habilidosa manipulação política de Getúlio Vargas junto aos militares e à classe média. A essa altura, as camadas médias dividiam-se entre o pessimismo quanto à viabilidade de uma política aberta; o conforto que o lema integralista “Deus, Pátria e Família” engendrava e o fascínio progressista empreendido pela esquerda e seu movimento de frente popular, a Aliança Nacional Libertadora - ANL, liderada por Luís Carlos Prestes. » A Lei de Segurança Nacional Em agosto de 1934, Prestes ingressou no Partido Comunista Brasileiro - PCB, transformando-o em um forte organismo sob a influência direta da Internacional Comunista, organização que em Moscou determinava a linha do movimento comunista. A realização de passeatas antifacistas tornou-se comum e o enfrentamento com os militantes do movimento integralista era a cada dia mais acirrado. O resultado foi o violento choque ocorrido em outubro de 1934 na cidade de São Paulo. O Congresso Nacional, refletindo o conservadorismo estatal e a presença incômoda dos comunistas na frente popular, tentou combater a ameaça de elementos insubordinados e, como resposta ao clima de contestação e desordem, a maioria parlamentar, liderada por Raul Fernandes, aprovou o projeto de Lei de Segurança Nacional, em 30 de março de 1935. Convertida na Lei n.º 38, de 4 de abril de 1935, que definia os crimes contra a ordem política e social, o texto dava ao Governo Federal poderes especiais para reprimir atividades políticas ditas subversivas. Em seguida, o decreto publicado em 11 de julho de 1935 dissolveu a Aliança Nacional Libertadora - ANL criada pelo PCB paralelamente à discussão da Lei de Segurança Nacional, em 30 de março de 1935 – em função do lançamento do manifesto de Prestes, lido por Carlos Lacerda na comemoração 8 de 5 de julho, que conclamava à derrubada do “governo odioso” de Vargas e à tomada do poder por um governo revolucionário. » A Intentona e a defesa de presos políticos Após o fechamento da Aliança Nacional Libertadora - ANL, sucederam-se muitas prisões, e o PCB deu início aos preparativos para a deflagração prematura da insurreição, gestada sob a orientação de Moscou, que ficou conhecida como Intentona Comunista, em novembro de 1935. O levante foi um fracasso e abriu caminho para a escalada autoritária. Durante os anos de 1935 e 1936, o Congresso aprovaria todas as medidas excepcionais solicitadas pelo Executivo: estado de sítio, estado de guerra, prisão de parlamentares e criação de órgãos específicos para a repressão. Em outubro de 1936,começou a funcionar o Tribunal de Segurança Nacional, órgão judiciário subordinado ao Executivo, criado para julgar os comprometidos na insurreição de 1935 e transformado em órgão permanente após a decretação do Estado Novo. A Ordem iniciou sua trajetória na defesa das liberdades democráticas e dos direitos humanos com os acontecimentos políticos de 1935, marcados pelas primeiras medidas da execução do estado de sítio e da Lei de Segurança Nacional, que desembocariam no autoritário Estado Novo, em 1937. O episódio das prisões de Luís Carlos Prestes, Olga Benário, Harry Berger (Arthur Ewert) e Elise Ewert, após a Intentona Comunista, caracterizou um período de intensa repressão e arbítrio. O Conselho Federal da OAB indicou para defesa ex officio dos líderes comunistas Luís Carlos Prestes e Harry Berger o advogado Sobral Pinto, que, por nove anos, travou duras batalhas em defesa da liberdade e contra a violência do regime, apelando, inclusive, para a lei de proteção dos animais, na tentativa de resguardar a integridade física dos presos políticos. Seus clientes, entretanto, só conseguiram a liberdade com a anistia promovida em 1945. Um dos mais respeitados juristas do País - e ex-Conselheiro da Ordem, ministro Evandro Lins e Silva, deu o seu testemunho sobre a atuação da entidade no período. »O golpe de 1937 Com a efetivação do golpe, a 10 de novembro 1937, o regime varguista abraçou abertamente o ideal da extrema direita, adotando um Estado orgânico - onde o cidadão não mais engendrava a pluralidade, mas fazia parte de um projeto político que cerceava sua condição humana e jurídica sob a tutela da violência, assegurada por um aparato policial coercitivo, como elemento essencial de manutenção do poder e da ação totalitários. A corporação policial tinha por finalidade legitimar a máxima da preservação do espírito da ordem ditatorial e manter, acima de tudo, a integridade do mito, para a aceitação compulsória do sonho totalitário. Nesse período, as manifestações da OAB contra o Estado Novo e suas ações repressivas - que perseguiam opositores do regime e cerceavam direitos individuais, corroboradas pela Constituição autoritária outorgada no mesmo dia do golpe - consagraram a entidade como árdua defensora da liberdade, cujas atas de reuniões publicadas no Jornal do Commercio foram censuradas. Em reunião em que se debatia o problema das perseguições a presos políticos e em virtude das prisões, em 1944, dos advogados Adauto Lúcio Cardoso – Conselheiro da Ordem -, Dario de Almeida Magalhães, Virgílio de Mello Franco e dos jornalistas Rafael Corrêa de Oliveira e Austregésilo de Athayde, foi assinado, por todos os dirigentes das instituições de advocacia e centenas de advogados, o requerimento de uma ordem de habeas corpus, que foi concedido. O Conselho Federal ainda fez representações em protesto contra as violências praticadas contra os advogados Nehemias Gueiros e Jader de Carvalho - este vice-presidente da Seção do Ceará, condenado a vinte anos de prisão pelo Tribunal de Segurança Nacional e libertado em maio de 1945. » A Segunda Guerra Mundial No decurso da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a Ordem aprovou várias moções referentes ao conflito, destacando-se os pronunciamentos feitos em solidariedade aos norte-americanos pelo ataque japonês à base de Pearl Harbor; e à comemoração pelo desembarque das tropas aliadas na Europa. Entretanto, a posição do governo brasileiro em relação à guerra foi sempre ambígua, definindo-se, apenas no âmbito formal, após o episódio do afundamento de cinco navios brasileiros provocados por submarinos alemães, entre 5 e 17 de agosto de 1942. Os ataques mereceram destaque nas sessões de 18 e 25 do mesmo mês nas quais a OAB exigiu do governo providências urgentes para o pronto desagravo da soberania nacional. A pressão das manifestações populares fizeram com que o País entrasse oficialmente na guerra no dia 31, por força do Decreto-Lei nº 10.358. 9 O Conselho discutiu também o problema das inscrições na Ordem dos “Súditos do Eixo”, concluindo que deveriam ser mantidas, exceto em caso concreto de atentado à segurança nacional, acrescentando, entretanto, que não seria compreendido que os brasileiros utilizassem esses advogados. Apesar da postura dúbia de Getúlio Vargas, que manteve um governo autoritário mas juntou- se formalmente aos Aliados, o Conselho Federal sempre se posicionou claramente contrário ao Eixo. Entretanto, a defesa da democracia era, acima de tudo, o principal objetivo da Ordem naquele momento. E foi em nome dos ideais democráticos da Nação brasileira que o Conselho Federal criticou os Estados Unidos da América, quando um candidato à presidência norte- americana manifestou a intenção de se apossar das bases estratégicas dos Aliados, instaladas em outros Países. Tal propósito, denunciado pelo jornal carioca Correio da Manhã, foi considerado pelo Conselho Federal um acinte à soberania nacional, sendo expressamente criticado na sessão realizada a 18 de julho de 1944. A derrota dos Países do Eixo atingiu em cheio a ditadura varguista. Pressionado pela oposição e pelo contexto político desfavorável, Vargas renunciou no dia 29 de outubro de 1945, fato que mereceu destaque na sessão realizada pelo Conselho no dia seguinte. » O período da abertura Em nome do restabelecimento democrático, um grupo de advogados cariocas, mineiros e paulistas (cujos principais representantes na Comissão organizadora eram Adauto Lúcio Cardoso, Augusto Pinto Lima, Bruno Almeida Magalhães, Dario Almeida Magalhães, Francisco Serrano Neves, Sobral Pinto, Jorge Dyott Fontenelle, Justo Mendes de Morais, Odilon Braga e Targino Ribeiro), promoveu uma homenagem ao candidato da oposição à Presidência da República, brigadeiro Eduardo Gomes. O grupo elaborou um manifesto subscrito por mais de 1500 advogados, entregue ao brigadeiro em cerimônia realizada no Teatro Municipal no Rio de Janeiro, em outubro de 1945. O manifesto contou com o apoio informal da Ordem, que não podia assumir posições partidárias. Em abril de 1946, o Conselho aprovou voto de regozijo pela instalação do Poder Legislativo. Ainda se readaptando às estruturas democráticas, o governo brasileiro, em abril de 1946, designou o presidente da OAB, Raul Fernandes, para integrar a delegação brasileira à Conferência de Paz em Paris. Esta decisão obteve o apoio do Conselho Federal. Apesar da efetivação da abertura política, com a promulgação da nova Constituição, em setembro de 1946 – que teve em Fernando de Melo Viana, presidente da Ordem entre 1942 e 1944, uma figura central -, a polícia continuou cometendo vários atentados violentos contra advogados e profissionais liberais atuantes na defesa da democracia. A despeito das novas garantias constitucionais, durante o governo do general Eurico Gaspar Dutra (1946-1951) o direito dos trabalhadores e a atuação dos movimentos de esquerda ficaram consideravelmente restritos. O Decreto-Lei n.º 9.070, de março de 1946, que definia as atividades essenciais nas quais não seriam permitidas paralisações, foi editado em um período em que as greves eram efervescentes e recebiam o pronto apoio dos comunistas. Em 1947, o Partido Comunista do Brasil – PCB, que representava a quarta maior organização partidária do País, teve seu registro cassado. Em maio e em setembro de 1946, foram aprovadas moções em face de atentados e violências que vinham ocorrendo, partidas da polícia, em particular contra o atuante advogado Adauto Lúcio Cardoso. Em abril 1948, novamente ocorreram denúncias de abusos cometidos pela polícia: em Alagoas, contra o advogado Aristides Saldanha, que defendia parlamentares comunistas acusados de assalto à cadeia da cidade de São Luís de Quitundes; e contra o jornalista Carlos Lacerda. O Conselho, em solidariedade aos advogados, decidiu solicitarprovidências ao ministro da Justiça e aprovou moção de apoio a Carlos Lacerda. Organizando uma campanha pautada nas propostas de industrialização e melhorias trabalhistas, Getúlio Vargas venceu as eleições de 1950, tomando posse em 31 de janeiro do ano seguinte. Vargas fez o possível para obter o apoio da massa trabalhadora, mas não conseguiu conter a onda de greves que eclodiu em 1953, levando mais de 300 mil operários à ruas. 10 Em maio de 1954, já na nova sede do prédio da Casa dos Advogados - situada na Av. Marechal Câmara, 210, Centro, Rio de Janeiro -, o Conselho Federal da OAB aprovou moção de protesto, dirigida ao ministro da Justiça, contra os novos atentados à dignidade da pessoa humana, cometidos por autoridades policiais em vários pontos do País. Em sessão de 10 de agosto de 1954, o Conselheiro Federal Mayr Cerqueira protestou contra a quebra da ordem jurídica em virtude dos acontecimentos políticos que culminaram com o atentado da Rua Toneleros, contra o jornalista Carlos Lacerda, atribuído ao segurança de Getúlio Vargas, Gregório Fortunato, onde veio a falecer o major da Aeronáutica Rubens Vaz. No dia 31 de agosto, ainda sob o impacto do suicídio de Vargas, ocorrido a 24 do mesmo mês, o Conselho Federal da OAB aprovou voto de pesar pelo falecimento do presidente da República. O senador Assis Chateaubriand, em artigo sobre importação de automóveis, fez acusações à classe dos advogados e à magistratura, o que provocou grande repercussão. Em sessão de 8 de maio de 1956, o Conselho Federal tomou conhecimento da retratação do senador em relação às denúncias feitas a alguns de seus membros. O procurador geral da Justiça do Distrito Federal, Victor Nunes Leal, não satisfeito, oficiou ao senador solicitando que apontasse os envolvidos nas acusações, para que fossem abertos os processos competentes. » A Autonomia ameaçada Na década de 1950, a Ordem dos Advogados do Brasil se viu às voltas com a ameaça de perda de sua autonomia institucional. Na introdução do livro As Razões da Autonomia da OAB, editado pelo Conselho Federal em 1975, José Ribeiro de Castro Filho, então presidente da entidade, afirma que a Ordem dos Advogados do Brasil integra a própria estrutura do estado de direito, com atribuições que só podem ser exercidas, precisamente, sob a condição de não- sujeição e não-vinculação a qualquer dos Poderes. “Até porque da lição da lição da História”, ele acrescenta, “deflui necessariamente que, em todas as épocas de colapso do Direito, a Ordem esteve sempre em crise perante o Poder”. A independência e a autonomia da Ordem dos Advogados do Brasil são pressupostos fundamentais para a consecução da finalidade expressa em seu Estatuto, qual seja: defesa da Constituição, do estado democrático de direito, dos direitos humanos, da justiça social, da boa aplicação das leis e da rápida administração da Justiça, além do aperfeiçoamento da cultura e instituições jurídicas. Não obstante, ao longo da história da entidade, foram muitas as tentativas de cerceamento de seu poder de atuação: entre 1940 e 1950, com a obrigatoriedade de prestar contas ao Tribunal de Contas da União; na década de 1970, com a tentativa de submissão da entidade ao Ministério do Trabalho; em 1998, com duas medidas provisórias que tratavam da vinculação do Conselho Federal e das Seccionais ao Poder Judiciário dos Estados; e no ano 2000, processo ainda em andamento, quando o Ministério Público enquadrou a Ordem novamente como uma autarquia obrigada a prestar contas ao TCU. 11 »O golpe de 1964 Jânio Quadros foi o primeiro presidente da República a tomar posse em Brasília, encarnando as esperanças de um futuro promissor. Todavia, sua inabilidade política – revelada ao adotar medidas descabidas como a proibição do uso de biquíni e das brigas de galo - e sua incerta simpatia pelo regime socialista cubano, instaurado após a Revolução de 1959, fez com que seu governo sofresse com a baixa popularidade e o frágil apoio partidário, levando-o a renunciar a 25 de agosto de 1961, ato considerado por muitos como um golpe fracassado. A renúncia inesperada do presidente da República deflagrou uma crise político-militar e mobilizou o Conselho Federal da OAB que, reunido em sessão a 29 de agosto de 1961, aprovou, por unanimidade, moção proposta pelo presidente nacional da Ordem, Prado Kelly. A sucessão presidencial foi bastante tumultuada, devido a declarada tendência esquerdista do sucessor legal de Jânio, o Vice presidente João Goulart, que estava em visita à China comunista no momento da renúncia. O conflito formado entre os legalistas - que desejavam empossar Jango - e os que tentavam vetar seu retorno ao Brasil, por razões de segurança nacional, obrigou o Congresso a procurar uma alternativa para abrandar os ânimos: a adoção do parlamentarismo. O regime parlamentarista - instaurado a 7 de setembro de 1961, visando limitar a autoridade de Jango – desvirtuou-se de sua função clássica de flexibilização política, sendo utilizado pelo setores conservadores como um instrumento de controle das ações presidenciais. Ao transmitir a presidência da Ordem para Povina Cavalcanti, em 11 de agosto de 1962, Prado Kelly proferiu discurso no qual enfatizava a delicada situação política do País, condenando a instauração, à revelia do povo, do regime parlamentarista. O regime caiu no dia 21 de janeiro de 1963, após ser derrotado nas urnas, através de um plebiscito nacional, por cerca de 80% do eleitorado. Posteriormente, o presidente obteve do Conselho a permissão para convocar sessões extraordinárias circunstanciais, com a finalidade de discutir a evolução da crise política nacional. A OAB temia a perda das garantias constitucionais, caso houvesse uma infiltração comunista no País. Após o plebiscito e o retorno do sistema presidencialista, o crescimento do apoio popular a Jango desagradou profundamente os militares. Aliando-se à “esquerda positiva” e tendo como uma das metas de governo as reformas de base - instituídas por decreto com a finalidade de contornar oposições no Congresso -, João Goulart incentivou grandes mobilizações de massa, sendo um dos organizadores do comício da Central, realizado na Estação Central do Brasil, Rio de Janeiro, a 13 de março de 1964. Em represália ao comício, os setores conservadores, sob a liderança da ala ortodoxa da Igreja Católica, organizaram a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que reuniu mais de 500 mil pessoas nas ruas de São Paulo, a 19 do mês de março. No dia seguinte, os membros do Conselho Federal da OAB foram convocados, extraordinariamente, para debaterem o que se entendia ser um momento de grave ameaça à ordem jurídica, aprovando moção que proclamava a necessidade de se preservar e garantir o livre funcionamento dos poderes constituídos da República. Na década de 1960, a Guerra Fria atingiu seu ápice, espalhando o temor pelo rápido avanço do “perigo vermelho”. A vigência do regime socialista em Cuba e na China, influenciou a eclosão de uma série de golpes de estado, organizados pela extrema direita, em grande parte da América Latina. No Brasil, a instalação do golpe de 1964 e a tomada do poder pelos militares contaram com o apoio da maioria da população brasileira que antevia, nas medidas reformistas de Jango, o primeiro passo para um golpe comunista. Para o Conselho Federal da OAB, a ação das Forças Armadas foi vista como uma medida emergencial para evitar o desmantelamento do estado democrático. Dessa forma, a Ordem recebeu com satisfação a notícia do golpe, 12 ratificando as declarações do presidente Povina Cavalcanti, que louvaram a derrocada das forças subversivas. Povina parabenizou a atuação do Conselho, considerando-a lúcida e patriótica ao alertar, durante a reuniãorealizada a 20 de março, os poderes constituídos da República para a defesa da ordem jurídica e da Constituição. Em maio de 1964, Povina Cavalcanti ainda participou da comissão designada pelo presidente Castelo Branco para verificar a integridade física dos nove membros da Missão Comercial da República Popular da China, que visitavam o Brasil a convite de João Goulart e foram presos no quartel da Polícia do Exército. No dia 22 de dezembro, os chineses foram julgados pelo Tribunal Militar e condenados a 10 anos de prisão por conspiração contra a segurança nacional. Sobral Pinto, encarregado da defesa dos chineses, conseguiu a expulsão dos estrangeiros, única vitória possível em um estado de exceção. »A ditadura militar Passados os primeiros meses do golpe, o Conselho Federal começou a vislumbrar a verdadeira face do novo regime, registrando o crescimento do autoritarismo e das arbitrariedades cometidas pelos militares, que não manifestavam o desejo de abandonar o poder e convocar novas eleições, como era esperado. O primeiro passo dado pela OAB para contrapor-se ao regime ocorreu na sessão de junho de 1964, quando a Ordem decidiu que os advogados com os direitos políticos suspensos pelo governo não estavam impedidos de exercer a profissão. O segundo passo foi concretizado na sessão extraordinária de 15 de outubro, quando os Conselheiros protestaram contra os atentados e perseguições praticadas em prejuízo de advogados. Na reunião, o Conselho condenou, por unanimidade, os agravos sofridos pelo presidente da seccional de Goiás, Rômulo Gonçalves, por requerer o cumprimento do habeas corpus concedido ao advogado José Zacarioti, preso arbitrariamente. Preocupado com a desestruturação da ordem jurídica, burlada pela decretação dos Atos Institucionais nºs 1 e 2, o Conselho Federal da OAB apresentou sugestões à Constituição de 1967 e exigiu a manutenção do fundamento de legitimidade do conceito de segurança nacional. O Conselheiro Letácio Jansen expressou sua convicção quanto à inutilidade das sugestões em face da rigidez do regime vigente, que aprovou Lei de Segurança Nacional de forte apelo autoritário (Decreto-Lei n.º 314, de 13 de março de 1967). O governo, entretanto, chegou a solicitar auxílio da Ordem por meio de expediente do ministro da Justiça, convidando o presidente da OAB para integrar a comissão destinada a regulamentar a Lei Complementar referente à Justiça Federal, em junho de 1967. Em outubro de 1967, o Conselho discutiu os acontecimentos que culminaram com a prisão do ex-presidente da Seção do Paraná, José Rodrigues Vieira Neto, vítima de represálias, durante o exercício da profissão, por parte de autoridade militar. A Ordem enviou ofício aos ministros do Exército e da Justiça, ao Procurador Geral da Justiça Militar, aos Tribunais Superiores e ao Supremo Tribunal Federal, ao Congresso Nacional e ao presidente da República, num gesto de desagravo e de apelo para que fossem resguardados a liberdade profissional da classe e o respeito ao Estatuto dos Advogados. As manifestações do Conselho Federal contra as violências e arbitrariedades praticadas pelas autoridades militares intensificaram-se no ano de 1968. Na sessão de 25 de junho, o Conselho enviou mensagem ao presidente da República e ao ministro da Justiça, expondo a gravidade dos acontecimentos ocorridos no Rio de Janeiro, quando a polícia investiu contra estudantes na "Passeata dos Cem Mil", realizada dias após o assassinato, a tiros, do estudante secundarista Edson Luís, na invasão arbitrária do restaurante estudantil “Calabouço”. O Conselho, então, empenhou-se de forma decisiva pela instalação, em outubro de 1968, do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), aprovado pelo Senado em 1962. Meses depois, o campus da Universidade de Brasília foi invadido por tropas militares e o jornalista e deputado Márcio Moreira Alves, pronunciou na Câmara dos deputados discurso em protesto contra a invasão. As palavras do deputado foram consideradas ofensivas às Forças Armadas e o governo decidiu puni-lo. Para processar o parlamentar, entretanto, era preciso obter licença da Câmara, que foi negada pela diferença de 216 a 141 votos, em 12 de dezembro de 1968. Reunidos em Recife, na III Conferência Nacional dos Advogados, os membros da Ordem aplaudiram a decisão da Câmara. A sessão de encerramento da Conferência coincidiu com o dia da represália do governo, que editou o Ato Institucional n.º 5. »O acirramento do regime Durante a reunião que decidiu o AI-5, o único a votar contra a instituição do ato foi o vice-presidente da República, o civil Pedro Aleixo, ex-Conselheiro da OAB, por acreditar que a decretação do estado de sítio seria suficiente para 13 controlar uma possível onda de contestações ao regime. O grave abalo às liberdades fundamentais, processado pela edição do Ato Institucional nº 5, que entre outras arbitrariedades suspendeu a eficácia do habeas corpus, mobilizou fortes protestos por parte do Conselho Federal da OAB. A Ordem não cessou de envidar esforços para o restabelecimento do pleno estado de direito, sem, entretanto, apoiar quaisquer atos antiditatoriais que fossem contrários aos preceitos éticos que regiam a entidade. Dessa forma, a OAB prestou solidariedade ao embaixador dos Estados Unidos, Charles Burke Elbrick, seqüestrado pelos grupos armados de oposição ao regime (ALN e MR-8), em 15 de agosto de 1969, quatro dias após a Junta Militar assumir o poder. A partir da decretação do AI-5, a OAB, que já vinha se manifestando contra o endurecimento do regime ditatorial, erigiu-se como porta-voz do restabelecimento da ordem jurídica. Embora nem sempre atendida, diversas foram as vezes em que a entidade interveio, exigindo apuração de responsabilidade e denunciando os atentados à dignidade da pessoa humana, tanto em relação a prisões políticas, de advogados ou não, quanto a atos arbitrários promovidos pela censura ou outros mecanismos de coerção instituídos. Entre 1968 e 1970, as principais medidas adotadas contra o regime foram: - Protestos, por ofício, ao ministro da Justiça ou registrados em ata, contra a prisão de diversos advogados brasileiros, destacando-se: Sobral Pinto, George Tavares, Heleno Fragoso (vice- presidente da Seção da Guanabara), Augusto Sussekind de Moraes Rego (representante da Seção do Paraná), Albertino de Souza Oliva, Mário Edson de Barros, João Pereira da Silva, Levy Raw de Moura e Ruy César do Espírito Santo, entre outros, que trabalharam como defensores de presos políticos e de outros advogados, no exercício da profissão, ou foram simplesmente acusados de subversão. - Elaboração de parecer sobre a violação da Declaração dos Direitos da Pessoa Humana e sobre a inconstitucionalidade da Portaria nº 11-B, baixada pelo ministro da Justiça, que tornou obrigatória a censura prévia da Polícia Federal na divulgação de livros e periódicos no território nacional, de acordo com o Decreto-lei n.º 1.077, de 1970. - Pronunciamento contra a edição do Ato Institucional nº 14, a 10 de setembro de 1969, que instituiu a pena de morte, provocando veemente protesto do ex- presidente da OAB, Samuel Duarte. Em sessão de julho de 1970, o presidente da OAB, Laudo de Almeida Camargo, comunicou os resultados de sua entrevista com o presidente da República, Emílio Garrastazu Médici, a fim de convidá-lo para presidir a sessão de instalação da IV Conferência Nacional da OAB, cujo tema central era a contribuição do advogado ao desenvolvimento nacional. Na entrevista, o presidente realçou a colaboração que os advogados sempre deram e poderiam continuar dando ao aprimoramento da ordem jurídica, como sustentação necessária ao desenvolvimento nacional. A OAB, todavia, tinha consciência de que o regime não tencionava abandonar sua face mais autoritária. Foi pensando nisto, que o Conselho Federal,na figura do recém empossado presidente José Cavalcanti Neves, tentou novo diálogo com o governo, enviando dois ofícios ao presidente Médici, em abril de 1971. Os ofícios reivindicavam: o cessamento das violências praticadas contra advogados no exercício da profissão; a necessidade de restabelecimento da garantia legal do habeas corpus; a normalização do funcionamento do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana - CDDPH; a revogação da pena de morte; o restabelecimento das garantias do Poder Judiciário e a observância de norma que impunha a comunicação de qualquer prisão ao Poder Judiciário. O apelo da Ordem pelo retorno à legalidade foi em vão, e os “anos de chumbo” se prolongavam. O projeto Rui Santos, que alterava a organização e o funcionamento do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, cerceando sua atuação, converteu-se na Lei n.º 5.763, de 15 de dezembro de 1971, para agravo do Conselho. O presidente da OAB, José Cavalcanti Neves, totalmente contrário às alterações, manifestou seu repúdio em ata e nota oficial sem, entretanto, aconselhar ou promover a desobediência à lei, reiterando que continuaria como membro da CDDPH. Em 1973, o Conselho decidiu que o presidente da Ordem era membro nato da CDDPH por força de lei, cabendo a ele julgar da conveniência de comparecer às sessões e adotar a conduta mais compatível com o exercício de suas funções. Durante o 6.º Encontro da Diretoria do Conselho Federal com os presidentes dos Conselhos Seccionais, realizado em Curitiba, de 31 de maio a 1.º de junho de 1972, a OAB fez pronunciamento histórico contra o Estado de exceção. A Declaração de Curitiba, assinada ao final do encontro, defendeu os princípios do estado democrático de direito e das garantias fundamentais como elementos essenciais para o progresso socioeconômico. O documento foi “a resposta oficial da Ordem às teses defendidas pelo governo Médici, na tentativa de justificar com índices bem administrados do ‘milagre brasileiro’ a brutal violência da repressão política imposta ao País”, segundo afirma Fernando Coelho em sua obra A OAB e o Regime Militar. 14 O Governo Geisel (1974-1979) foi marcado pela combinação de medidas liberalizantes e repressivas, o que provocou a reação da linha-dura das Forças Armadas, que organizou ações autoritárias para reafirmar seu poderio. Os desaparecimentos de presos políticos mortos pela repressão foram muito comuns na época. Um caso que provocou grande indignação, repercutindo sobretudo na classe média e na Igreja, foi a morte do jornalista Vladimir Herzog, em outubro de 1975. Herzog morreu nas dependências do DOI-CODI em São Paulo, preso sob a acusação de ter ligações suspeitas com o Partido Comunista Brasileiro - PCB. A versão oficial do ocorrido fora suicídio por enforcamento. A OAB colocou-se à disposição da esposa do jornalista para responsabilizar o Estado por sua morte. Meses depois, a morte do operário metalúrgico Manuel Fiel Filho, em circunstâncias semelhantes, fez aumentar a reação da opinião pública pela liberalização. A gestão de Raymundo Faoro (1977-1979) na presidência da OAB teve início com o impacto autoritário do “Pacote de Abril”, instituído pelo governo em 1977. O general Ernesto Geisel, que havia iniciado o processo de abertura política logo após assumir o poder, recuou perante o crescimento das oposições no Congresso, aprovando uma série de medidas arbitrárias. O pacote determinou o recesso do Parlamento, baixou decretos-lei e emendou a Constituição, criando a figura do “senador biônico”. A OAB, então, passou a ser uma das principais instituições da sociedade civil (ao lado, principalmente, da Associação Brasileira de Imprensa - ABI e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB) comprometidas com o processo de abertura, fomentado pelo que se convencionou denominar "Missão Portela". A atuação do senador Petrônio Portela na reivindicação pela anistia ampla, geral e irrestrita dos presos políticos teve o apoio e a interlocução diretos do presidente Raymundo Faoro, que direcionou todo o seu mandato para o combate ao arbítrio. Faoro enfocou, principalmente, a revogação da Lei de Segurança Nacional, bem como a restauração do habeas corpus, das garantias plenas da magistratura, do respeito aos direitos humanos e da convocação de uma Assembleia nacional Constituinte, precedida da abolição do AI-5. »A anistia Um dos motivos principais para a mobilização civil contra a ditadura foi a longa vigência do AI-5 (revogado somente a 1º de janeiro de 1979), que contrastava com as promessas governamentais no sentido da abertura política. A Declaração de Curitiba, aprovada na VII Conferência Nacional dos Advogados, tinha semelhanças com a declaração de mesmo nome aprovada em 1972, pois manifestava o repúdio dos advogados pelo estado de exceção ainda vigente no país. O novo documento clamava, ainda, pela revogação dos atos institucionais e pela anistia ampla, geral e irrestrita. Durante a Conferência, o Presidente Raymundo Faoro, através do Senador Petrônio Portela e do representante do Presidente da República, Ministro Rafael Mayer, recebeu comunicação do General Ernesto Geisel, de que seria decretada a anistia, por que se empenhava a Ordem dos Advogados do Brasil. O Conselho Federal, em junho de 1979, ainda se pronunciaria sobre o projeto de Lei da Anistia enviado ao Congresso Nacional, em parecer do Conselheiro Sepúlveda Pertence. O Conselheiro concluíra que a proposta era concebida pelo Governo como um mero indulto coletivo, acrescentando que, enquanto subsistisse a Lei de Segurança Nacional e a "comunidade de informação" na administração pública, não haveria espaço para a plenitude do regime democrático. A Lei da Anistia somente foi aprovada no governo Figueiredo, em agosto de 1979, após forte pressão da sociedade civil. »Os resquícios do autoritarismo O início dos anos 1980 foi marcado pela mobilização popular em defesa do estado de direito, das eleições diretas dos representantes políticos e da convocação da Assembleia Constituinte. Reivindicava-se o direito do povo à participação política, por meio da eleição de um representante que respeitasse a vontade da maioria e de uma Constituição que garantisse os direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança e a justiça. A nova Constituição deveria substituir a então vigente, elaborada durante o governo Castelo Branco, em 1967. Juntamente com outras entidades representativas da sociedade civil, como a Associação Brasileira de Imprensa - ABI e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, a OAB lutava para combater a repressão política, instaurar a ordem democrática e assegurar a defesa dos direitos humanos. A gestão de Eduardo Seabra Fagundes foi marcada pela continuidade da posição da Ordem dos Advogados do Brasil nos trabalhos do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, que voltava a funcionar. Exigindo a apuração de denúncias dos abusos contra as garantias individuais, o presidente da Ordem teve atuação destacada por censurar a inoperância das decisões e lutar contra o sigilo que regia as deliberações do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana - CDDPH. Para a Ordem afluíram inúmeros pedidos e reivindicações de pessoas 15 atingidas pelo desrespeito aos direitos humanos, como a tentativa de reabertura do processo do desaparecimento do deputado Rubens Paiva, a investigação sobre as ossadas de presos políticos encontradas em Rio Verde - GO e o acompanhamento dos trabalhos de localização da casa de Petrópolis - ou “casa da morte”, como era conhecida -, utilizada como local de refúgio pelos órgãos de segurança. A OAB empenhou-se também em ver revogada a Lei de Segurança Nacional e, de forma veemente, definiu aquele instrumento como diploma de natureza totalitária, excrescente e incompatível num regimeque se pretendia liberal-democrata, defendendo que os crimes contra a segurança do Estado deveriam voltar ao Código Penal (que era objeto de reforma), para evitar as perseguições e o terrorismo penal. A Emenda Constitucional n.º 11, aprovada pelo Congresso em outubro de 1978 (que entre outras medidas revogava o AI-5 e restabelecia o habeas corpus), já fora para Ordem dos Advogados um embuste, ou ressurreição disfarçada do AI-5, pois ao mesmo tempo conferia ao Executivo vastos poderes para decretar “medidas de emergência”, “estado de sítio” ou “estado de emergência”, que podiam ser renovados sem aprovação legislativa por, pelo menos, 120 dias. A revisão da LSN, em 1978, teve a mesma repercussão entre os advogados, que a consideraram uma fraude. A Lei n.º 6.620, de 17 de dezembro de 1978, foi prorrogada duas vezes, até ser totalmente revogada, em 1983, pela nova e ainda vigente Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170 de 14 de dezembro de 1983). Bastante visada pelos militares e órgãos de segurança contrários à abertura política, principalmente por reivindicar a convocação de uma Assembleia nacional Constituinte que defendesse o País do autoritarismo, restituindo-lhe o pleno estado democrático de direito e consolidando a verdadeira abertura, considerada insubsistente com a vigência de leis como a LSN, a OAB foi alvo de um dos muitos atentados a bomba que ocorreram no período. »O episódio Lyda Monteiro Às 13h40 do dia 27 de agosto de 1980, a funcionária Lyda Monteiro da Silva, com mais de quarenta anos de serviços prestados à OAB, foi fatalmente vitimada por um atentado a bomba, desconhecendo-se o autor do ato terrorista. O atentado, executado na forma de um envelope que chegara como correspondência destinada ao presidente do Conselho Federal, Eduardo Seabra Fagundes, ocorreu quando a Seccional de São Paulo e o presidente nacional da Ordem, na qualidade de delegado do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, insistiam na identificação de agentes e ex-agentes dos serviços de segurança suspeitos do atentado sofrido pelo jurista Dalmo Dallari - sequestrado e agredido em 02 de julho de 1980, em São Paulo - que terminou arquivado. Cerca de 6 mil pessoas participaram do enterro da funcionária Lyda Monteiro, realizado em tom de protesto, a despeito da posição da família, que não desejava o cortejo transformado numa manifestação política. Partindo da sede da OAB em direção ao cemitério São João Batista, em Botafogo, no Rio de Janeiro, a caminhada de 8 km, marcada por faixas de muitas cores e tamanhos, foi acompanhada pelo 5.º Batalhão de Polícia Militar e durou três horas e meia. Segundo reportagem da Revista IstoÉ, de 3 de setembro de 1980, houve quem se lembrasse do tenebroso ano de 1968 e de episódios como o enterro do estudante Édson Luís – que antecederam o período mais negro da história da República. “Todo o percurso foi cumprido ao som do Hino nacional e das palavras de ordem ‘O povo indignado repudia o atentado’ ou ‘Chega de omissão, exigimos punição’. (...) Das janelas dos edifícios vinham manifestações de solidariedade. Muitos moradores aplaudiam e alguns acenavam com panos negros”. Sua morte brutal e trágica marcou profundamente a Ordem dos Advogados do Brasil desde o primeiro instante. O Conselho Federal empenhou-se em ver o caso apurado, mas não teve êxito. Na primeira sessão, logo após o atentado, quando a exaltação era predominante; no ano de 1994, quando tentou em vão desarquivar o caso e, até hoje, o nome Lyda Monteiro da Silva aparece como um estigma da impunidade com que agiam os contrários à abertura do regime, ressaltando a inoperância e a desatenção do governo. Ronald Watters, acusado como responsável pelo atentado à sede da OAB, em entrevista concedida ao Jornal do Brasil, de 23 de maio de 1999, revelou que houve, à época, toda uma estratégia para afastar qualquer suspeita sobre a participação de militares no ato terrorista. O governo teria acionado a Polícia Federal na montagem de uma operação usando Watters no papel de bode expiatório em troca de dinheiro e uma fuga tranquila para o exterior. No mesmo dia do atentado, através da Resolução n.º 120/80, o presidente Seabra Fagundes criou a Comissão de Direitos Humanos no Conselho Federal da OAB e apresentou os 14 nomes eleitos para sua composição: Barbosa Lima Sobrinho, Dalmo de Abreu Dallari, Evandro Lins e Silva, Heráclito da Fontoura Sobral Pinto, J. Bernardo 16 Cabral, José Cavalcanti Neves, José Danir Siqueira do Nascimento, José Paulo Sepúlveda Pertence, José Ribeiro de Castro Filho, Miguel Seabra Fagundes, Nilo Batista, Raul de Sousa Silveira, Raymundo Faoro e Victor Nunes Leal. O cartunista Henrique de Souza Filho, o Henfil, caracterizou bem o momento por que passava o Brasil no início da década de 1980, onde os augúrios da abertura e as forças de oposição geravam as mais contraditórias emoções, de desconsolo e de esperança, de ativismo e de medo, onde entidades como a OAB, por meio de seus membros, protegidos ou “mártires”, emergiam como espectros e fomentadores da mudança. Sua carta, Mãe, teve grande repercussão. »Homenagem ao Prêmio Nobel da Paz Em sessão especial conjunta do Conselho Federal e da Comissão de Direitos Humanos para homenagear o Prêmio Nobel da Paz Adolfo Perez Esquivel, em 18 de fevereiro de 1981, o presidente Eduardo Seabra Fagundes fez um relato da problemática dos direitos humanos, ressaltando que a OAB não se curvava ao arbítrio, à violência e às iniquidades praticadas. Falou que a entidade jamais compactuava com advogados que se desviavam do comportamento ético e exigia, portanto, conduta idêntica dos outros órgãos que pretendiam apoiar elementos de seus quadros, responsáveis por atos de violência. Por fim, ressaltou que a reunião significava o reconhecimento ao trabalho do homenageado em favor dos direitos humanos. Adolfo Esquivel disse participar do pensamento do presidente Seabra Fagundes, como do respeito à justiça e à lei. Afirmou que os advogados deveriam continuar sendo os defensores dos injustiçados, pois havia leis que não eram justas, embora de feição legal. Destacou a falta de respeito aos direitos humanos na América Latina e em outros Países, assinalando que a Justiça não devia ser cega, surda nem muda, mas sim deveria ver e bem; ouvir e muito; e falar com clareza contra os que praticavam injustiças, asseverando que “nada se pode construir quando a verdade não salta à luz”, o que ocasionou a sua detenção pela Polícia Federal, para “advertência”. O presidente Seabra Fagundes entregou a Adolfo Esquivel um expediente do Comitê Brasileiro de Anistia e recordou a integração da OAB no Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana - CDDPH, destacando que dele também fazia parte o presidente da Associação Brasileira de Imprensa - ABI, Barbosa Lima Sobrinho. »A atuação da extrema-direita A abertura política, ainda lenta, vacilava a cada novo atentado terrorista. Em todo o País, multiplicavam-se ligações anônimas com ameaças e falsos alarmes de bomba, que obrigavam a evacuação de prédios inteiros. O presidente Figueiredo condenou o terror, chamando de facínoras os que matavam inocentes que nenhuma culpa tinham nas decisões do governo. E, com um áspero recado, vergastou: “Se querem encontrar culpados, peço que desviem suas mãos criminosas sobre a minha pessoa.” No Rio de Janeiro, em 30 de abril de 1981, uma bomba que deveria ser detonada durante um show no Riocentro explodiu dentro do carro dos dois militares que a transportavam. O presidente da OAB, Bernardo Cabral, presidiu reunião no Congresso Nacional - juntamente com o presidente da Associação Brasileira de Imprensa - ABI, Barbosa Lima Sobrinho - para, com os líderes dos partidos políticos, emprestarem apoio ao presidente João Figueiredo, com o objetivo exclusivo de eliminar o terrorismo queinquietava a Nação e adotar medidas destinadas à apuração dos fatos relativos à explosão que ocasionou a morte de um militar e ferimentos graves em um oficial do exército. Durante a reunião foi apresentada uma manifestação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB com o mesmo propósito. Em 1982, a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção do Rio de Janeiro, compilou uma lista de 333 “mortos e desaparecidos” políticos sob o governo militar no período 1964-1981. A estimativa feita pela Anistia Internacional, no período 1964-1979, ficou em 325, um total muito próximo ao cálculo empreendido pela OAB. Os parentes de 69 pessoas mortas e desaparecidas na Guerrilha do Araguaia, após procurarem o apoio de diversas instituições democráticas que se mostraram impotentes para pressionar as autoridades, solicitaram o apoio da OAB a fim de obter informações do governo sobre o destino desses ativistas políticos. Em documento entregue ao presidente da OAB, Bernardo Cabral, os familiares relataram a luta travada entre as tropas do Exército e os guerrilheiros, denunciando que os oficiais não respeitaram as Convenções de Genebra nem a Declaração Universal dos Direitos Humanos no tocante ao tratamento dispensado aos prisioneiros. 17 »Expulsão de estrangeiros Com os adjetivos “ilegal, monstruosa e inconstitucional”, a OAB, por um de seus mais ilustres porta-vozes, o Conselheiro Sobral Pinto, expressou sua repulsa à tentativa do governo de expulsar do País o presidente da União Nacional dos Estudantes - UNE, Francisco Javier Alfaya. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil tornou pública sua preocupação, ressaltando que a coação feita àquele estudante feria o preceito constitucional, reparável pela via do habeas corpus. E resolveu constituir uma comissão que, em caráter de urgência, examinasse a situação do estrangeiro em face da Constituição Federal e do Estatuto dos Estrangeiros, tendo em vista que este só restringia ao alienígena aqui residente a atividade político-partidária, tendo sido remetidas cópias do relatório final dos trabalhos aos Ministérios da Justiça, do Trabalho e da Educação. O próprio Estatuto do Estrangeiros, matéria do Projeto de Lei n.º 9/80, originário da Mensagem Presidencial n.º 64/80, foi objeto de veementes críticas dos setores mais expressivos da opinião pública, destacando-se a OAB, a Associação Brasileira de Imprensa - ABI e, principalmente, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB, porque grande parte dos padres católicos estrangeiros estava na mira das autoridades por incentivar protestos populares, em sua maioria de lavradores que resistiam aos donos de terras invadidas nas regiões Centro-Oeste, Norte e Nordeste do Brasil. Os sacerdotes franceses Aristides Camio e François Gouriou, acusados de incitar invasões de terra no sul do Pará, foram condenados e passaram 2 anos e 4 meses na prisão. O novo projeto que definia o regime jurídico estrangeiro viria de encontro ao asseverado processo de abertura democrática, apresentando inconstitucionalidades e exorbitando arbítrios que o próprio decreto objeto de exame, e imposto pelo regime militar em 1969 (Decreto-Lei n.º 941), não implantou. A oposição conseguiu protelar a votação do projeto, promulgado pelo governo em agosto de 1980, por decurso de prazo. Em outubro, o padre italiano Vito Miracapillo, que vinha irritando as autoridades de Pernambuco, foi deportado por ações “contrárias ao interesse nacional’’. A OAB, ativista na questão dos direitos humanos, repudiou a agressão do governo, que empreendera uma mudança radical na tradicional e característica política nacional de hospitalidade aos estrangeiros; e enviou ao ministro do Supremo Tribunal Federal, telegrama endossando os termos do habeas corpus requerido pelo advogado Villa Verde, em prol da liberdade de consciência e do direito de ser, segundo a sua convicção religiosa. 18 »Os movimentos de redemocratização Em virtude das eleições diretas que seriam realizadas em novembro de 1982 para os governos estaduais, a OAB exigiu que fossem desobstruídos os canais de comunicação entre a sociedade civil e o Estado, para que os cidadãos voltassem a ter a liberdade de escolher seus representantes em processo legítimo de eleição direta, secreta e universal. Por outro lado, a Ordem reivindicava que os partidos políticos fossem autênticos e livres para propagarem seus programas, possibilitando aos eleitores brasileiros o real e inequívoco exercício de proceder à alternância do poder, prerrogativa do processo democrático. Em agosto de 1983, advogados provenientes de todas as partes do País se reuniram na Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, em São Paulo, para a solenidade de abertura do Congresso Nacional de Advogados Pró- Constituinte. A OAB reafirmava sua posição de defesa do ordenamento jurídico do Brasil e do restabelecimento do estado de direito democrático, que entendia possíveis somente por meio da convocação da Assembleia Nacional Constituinte. Muito importante foi a crítica realizada pela entidade à atitude do governo brasileiro, que havia feito acordos com agências financeiras privadas internacionais para o pagamento da dívida externa que o País acumulara, cuja constitucionalidade os advogados brasileiros questionavam. O chamado Acordo Dois, estabelecido com 43 bancos credores estrangeiros, realizou-se sem a aprovação do Congresso Nacional e, segundo o Conselho Federal da OAB, representou um verdadeiro golpe para a soberania do Brasil. »A invasão da OAB/DF A reivindicação por eleições diretas para Presidência da República começou a ganhar ares de movimento organizado em meados de 1983. Para o governo, todos conspiravam. Considerando a necessidade de preservar a ordem pública, em 19 de outubro de 1983, o presidente Figueiredo determinou, pelo Decreto n.º 88.888, o estabelecimento de medidas de emergência na área do Distrito Federal. Em meio à exaltação do período, na madrugada do dia 24 de outubro de 1983, o general-comandante do Planalto, Newton Cruz, ordenou a invasão da sede da OAB, Seção do Distrito Federal - presidida então por Maurício Corrêa -, sob a alegação de que a Seccional promovia um encontro proibido para discutir e contestar as medidas de emergência instaladas no Distrito Federal. A reunião aludida era o I Encontro de Advogados do DF, previsto há mais de um ano. As instalações foram invadidas pela Polícia Federal, que apreendeu as fitas gravadas durante o encontro e interditou o prédio, provocando o repúdio do Conselho Federal, que decidiu tomar medidas enérgicas junto à Presidência da República. »O movimento das Diretas e o colégio eleitoral A bandeira principal da campanha pela redemocratização era a convocação de eleições diretas para a Presidência da República. Ao término de 1983, a OAB, os partidos oposicionistas e outras entidades profissionais civis encetaram a campanha das Diretas Já - o maior movimento de massa da História do Brasil -, visando à introdução de uma emenda constitucional determinando que as eleições presidenciais de 1984 fossem realizadas pelo voto popular. A OAB e o Instituto dos Advogados Brasileiros - IAB lideraram um manifesto ao lado de mais dez entidades civis, onde, entre outros pontos, afirmavam que as eleições diretas não eram a solução imediata de todos os problemas brasileiros, mas constituía uma etapa indispensável e decisiva para equacioná-los de modo democrático. Em nota oficial para a imprensa, o Conselho Federal considerou as objeções que vinham sendo opostas ao pleito, analisou-as e rebateu cada uma. 19 Quando da votação da Emenda Dante de Oliveira, marcada para 25 de abril de 1984 - que, se aprovada, restabeleceriaas eleições presidenciais pelo voto direto para novembro de 1984 -, o Governo Federal determinou, pelo Decreto n.º 89.566, de 8 de abril de 1984, “medidas de emergência” na área do Distrito Federal. A OAB se pronunciou contra o ato. Juntamente com outras nove entidades, afirmou, em nota, que o decreto governamental era manobra para pressionar o Congresso e dificultar a aprovação da emenda. O ideal democrático de eleger direta e livremente o presidente da República foi adiado, na Câmara dos deputados, pela diferença de 22 votos. A Emenda Dante de Oliveira não passou; a sucessão dependeria do Colégio Eleitoral, pela via indireta. A Ordem dos Advogados do Brasil foi contundente em suas críticas ao processo sucessório, por entender que o Colégio Eleitoral, como se apresentava, era espúrio em sua origem, pois fora "montado e articulado para homologação de candidatura alinhada e submissa ao sistema de poder dominante. (...) As contínuas denúncias de corrupção de eleitores do Colégio, a pretendida intimidação da classe política, a assunção de poderes legislativos pela Mesa do Senado Federal, a alegação de exigência de fidelidade partidária – tudo leva à conclusão de que se quer alterar substancialmente os critérios legais e tradicionais de votação, em frontal violação às normas constitucionais e regulamentares existentes a partir de 1967." Afirmando que o processo de abertura para a transição democrática requeria critérios firmes, limpos e justos, para que o autoritarismo fosse, enfim, ultrapassado, a OAB exigiu o respeito à lei e a preservação da dignidade nacional. Marcando o fim do ciclo autoritário, o colégio eleitoral elegeria Tancredo Neves e inauguraria a Nova República. A OAB, por preceitos estatutários, mantivera-se afastada das disputas partidárias, mas reconheceu, com imensa satisfação, o resultado do pleito. A morte de Tancredo, em abril de 1985, foi recebida com profundo pesar pela entidade. José Sarney seria, então, o presidente responsável pela abertura da nova fase da vida nacional. Em nota expedida em homenagem a Tancredo, a OAB enalteceu-lhe as qualidades de "grande personalidade no conjunto dos que lutaram e empreenderam condições para o avanço social em direção a um sistema democrático de governo capaz de conferir ao homem brasileiro uma vida livre e condigna". Na mesma nota, a entidade pedia que a dolorosa perda não frustrasse as aspirações dos milhões de brasileiros conscientes da necessidade de mudança e de democratização da vida nacional, exigindo que todos se compenetrassem de suas responsabilidades políticas, "colocando-se acima das paixões o interesse supremo da Nação, imprimindo-se solução constitucional, nos termos das normas em vigor, à questão política", até que fosse elaborada nova Constituição por meio de Assembleia Nacional Constituinte, livre e soberana. »O incêndio na OAB/DF Em 29 de junho de 1984, a sede da OAB Seção do Distrito Federal sofreu, o que muitos acreditaram, "uma nova ofensa". Um incêndio quatro horas após o encerramento do expediente destruiu dois andares do edifício; todas as instalações elétricas do prédio estavam comprovadamente desligadas. O presidente da OAB/DF Maurício Corrêa, transmitiu sua convicção de que o incêndio tivera origem criminosa, devido às circunstâncias em que ocorrera. Lembrou o presidente, a propósito, que o incidente aconteceu apenas três dias depois que o comandante militar do Planalto, general Newton Cruz, fora citado para contestar ação movida pela Seccional de Brasília, concernente ao episódio da invasão da OAB/DF, ocorrida em 1983. O Conselheiro Moacir Belchior acrescentou que o incêndio representava "a iminência de extinção da História da Ordem no Distrito Federal pela possível queima de seus arquivos". Frisou, ademais, que "o braço que incendiou o 3.º andar da OAB/DF (...) é o mesmo do Riocentro. São os remanescentes do aparelho de repressão. Os remanescentes do DOI-CODI, que não se conformam com a atuação em defesa da democracia e da liberdade, com a independência com que se vem portando a Ordem". O presidente Nacional, Mário Sérgio Duarte Garcia, manifestou a solidariedade do Conselho Federal à Seccional de Brasília, colocando-se inteiramente à disposição para "a adoção das providências adequadas à elucidação dos fatos e eventual responsabilização dos que assim venham a ser julgados culpados, se porventura o incêndio tiver tido origem criminosa". »O II Congresso Nacional de Advogados Pró-Constituinte Realizado em Brasília, em outubro de 1985, o II Congresso Nacional de Advogados Pró-Constituinte teve duas finalidades. Primeiro, conscientizar os advogados dos motivos que levaram a OAB a apoiar a tese da chamada Constituinte exclusiva, que determinaria uma Assembleia Nacional Constituinte livre, soberana e autônoma, excluindo a possibilidade de se transformar o Congresso existente em Constituinte, e a futura Constituinte em Congresso Nacional. Segundo, o encontro seria uma oportunidade para debater o conteúdo da futura Carta Magna e para ampliar as discussões sobre a importância da instalação da Assembleia para o restante da sociedade, uma 20 vez que a Ordem compreendia que a Constituição tinha que ser trabalho do povo. Entre os temas escolhidos para discussão, destacaram-se os referentes aos direitos fundamentais do ser humano e aos direitos dos trabalhadores. »A Assembleia e a Constituição de 1988 Somente em novembro de 1986, o presidente José Sarney assinaria a emenda constitucional que convocava a Assembleia Nacional Constituinte. Uma vez aprovada a emenda pelo Congresso, foi nomeada uma "comissão de notáveis", presidida por Afonso Arinos, para elaborar um projeto de Constituição. Tal comissão foi dividida em dez comitês, que se dedicaram a estudar os dez capítulos da proposta da Constituição. Os trabalhos da Constituinte, no entanto, só teriam início efetivamente em 1987, e a Constituição foi escrita sem um projeto prévio, por meio das subcomissões temáticas, para depois ser sistematizada pela Comissão de Sistematização. A instalação da Assembleia Nacional Constituinte fora anseio e motivo de intensas reivindicações da Ordem dos Advogados desde a decretação dos atos institucionais. A promulgação da Constituição de 1988, a despeito de todos os problemas que apresentava, foi recebida como vitória da democracia. A Constituição revestiu a OAB de legitimidade ativa para o ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIN, perante o Supremo Tribunal Federal, transformando-a em sua guardiã. Também foi grande a influência da Ordem nos Capítulos dos Direitos Humanos e dos Direitos Sociais, que era relatado pelo senador Almir Gabriel, onde se conseguiu escrever, segundo o ex-presidente da OAB Márcio Thomaz Bastos, "uma parte de direitos e tentativa de garantia de direitos individuais, sociais e coletivos que nenhuma outra tem". O Bureau de Acompanhamento da Constituinte, encarregado de formular emendas com as teses e conclusões aprovadas pela Ordem em suas Conferências Nacionais e congressos, teve algumas propostas aceitas pela Comissão de Sistematização, tais a obrigação de que fossem públicas e fundamentadas as decisões judiciais e a inserção constitucional do exercício da advocacia. Foi, entretanto, amargo o golpe recebido pela entidade com o veto do Centrão ao projeto de Reforma do Judiciário, que previa o controle externo do Poder Judiciário através da criação do Conselho Superior de Justiça, que teria por objetivo controlar a ação administrativa dos tribunais e o cumprimento funcional dos deveres dos juízes. O Conselho Superior de Justiça era a contrapartida à proposta aprovada pela Assembleia Constituinte, de autonomia orçamentária e financeira, assegurando, inclusive, que as verbas geridas depois da autonomia fossem aplicadas efetivamente em benefício dos jurisdicionados, tudo para favorecer
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