Buscar

Recém cadáver - ética médica

Prévia do material em texto

11Rev Assoc Med Bras 2010; 56(1): 11-6
Artigo Original
*Correspondência:
Av. Alberto Torres, nº 111 – 
Alto Teresópolis – RJ
CEP: 25964-000
Tel. (21) 8181-8524
Resumo
ObjetivO. Realizar, a partir de ampla revisão crítica da literatura nacional e internacional, a discussão 
sobre o tema. 
MétOdOs. Revisão da literatura com pesquisa de artigos entre 1977 e 2007 nos sites de pesquisa 
(Biblioteca Virtual em Saúde, PUBMED e SCIELO, utilizando as palavras-chave: newly deceased 
patients, newly dead patients, simulators, recém-cadáveres, simuladores. Busca complementar em 
OLYURV�GD�iUHD�GH�pWLFD�H�ELRpWLFD��$SUHFLDomR�H�UHÁH[mR�FUtWLFD�VREUH�R�DVVXQWR��
ResultadOs. A prática da utilização de recém-cadáver para o aprendizado de procedimentos invasivos 
é muito frequente e pouco admitida. Estes, na maioria das vezes, são realizados às escondidas e 
sem o conhecimento ou consentimento da família, muitas vezes sem a adequada orientação de um 
docente. No Brasil, a regulamentação deontológica e legal não respalda tal uso, devendo a eticidade 
GHVWDV�SUiWLFDV�VHU�GLVFXWLGD�QD�IRUPDomR�GR�SURÀVVLRQDO�GXUDQWH�D�JUDGXDomR��
COnClusãO. É essencial que a discussão da eticidade do uso de recém-cadáveres para a aprendizagem de 
procedimentos invasivos seja realizada pela comunidade acadêmica (docentes e discentes) e estendida 
para os serviços. A realização dos procedimentos por estudantes deve sempre ser precedida de 
autorização do familiar, sendo a prática em simuladores o passo inicial do treinamento dos estudantes. 
Unitermos: Educação Médica. Bioética. Simulação. Cadáver.
análise biOétiCa dO usO de ReCéM-CadáveRes na apRendizageM 
pRátiCa eM MediCina
andRéia patRíCia gOMes1*, seRgiO RegO2, MaRisa paláCiOs3, ROdRigO siqueiRa-batista4 
Trabalho realizado na Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca ( ENSP) – Faculdade Oswaldo Cruz - Fiocruz, Rio de Janeiro, RJ
1. Doutoranda em Saúde Pública na Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca/Fundação Oswaldo Cruz - ENSP – FIOCRUZ e Professora Assistente do 
Departamento de medicina e Enfermagem - DEM pela Universidade Federal de Viçosa - UFV, Viçosa, MG
2. Doutor em Ciências do Instituto de Medicina Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro/ IMS - UERJ e Pesquisador Titular pela Escola Nacional de 
Saúde Pública Sérgio Arouca/Fundação Oswaldo Cruz - ENSP – FIOCRUZ, Rio de Janeiro, RJ
3. Doutora em Ciências da Engenharia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro - COPPE-UFRJ e Professora associada do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva - 
IESC pela Universidade Federal do Rio de Janeiro –UFRJ, Rio de Janeiro, RJ 
4. Doutor em Ciências - Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca/Fundação Oswaldo Cruz - ENSP – FIOCRUZ, e Professor Adjunto do Departamento de 
medicina e Enfermagem - DEM da Universidade Federal de Viçosa UFV, Viçosa, MG 
intROduçãO
$� IRUPDomR� GR� PpGLFR� p� XP� FRPSOH[R� SURFHVVR� TXH�
HQYROYH� D� DTXLVLomR� GH� XPD� FXOWXUD� SURÀVVLRQDO� HVSHFtÀFD��
a qual inclui uma base cognitiva especializada, habilidades, 
FRPSHWrQFLDV�H�YDORUHV�SURÀVVLRQDLV1. Atualmente, as Diretrizes 
Curriculares Nacionais para os Cursos de Graduação em 
Medicina2 SUHFRQL]DP�D�GLYHUVLÀFDomR�GRV�FHQiULRV�GH�SUiWLFD�
com o propósito de proporcionar a formação de um médico 
capaz de atuar em diversos níveis de assistência, prevenção 
e vigilância, no esteio das discussões sobre integralidade e 
interdisciplinaridade.
O processo de treinamento prático, em diferentes cenários, 
diz respeito à constatação de que a aprendizagem dos saberes 
SUySULRV�GD�SURÀVVmR�PpGLFD�QmR�RFRUUH�DSHQDV�D�SDUWLU�GR�TXH�
p� RIHUHFLGR� QRV� OLYURV� RX� QDV� DXODV� H[SRVLWLYDV��PDV� H[LVWHP�
habilidades técnicas que precisam ser aprendidas em diferentes 
níveis do sistema 3. Estas podem ser diferenciadas, inicialmente, 
em dois tipos: (1) aquelas que todo médico deve possuir e (2) 
as que são esperadas apenas dos respectivos especialistas. 
Embora não haja um consenso formal sobre a discriminação 
GRV� GRLV� FRQMXQWRV� GH� KDELOLGDGHV� HVSHFtÀFDV�� HQWHQGH�VH�
que procedimentos de reanimação cardiorrespiratória, suturas 
simples, punções e drenagem de abscessos em geral podem 
ser reconhecidos, sem grandes discordâncias, como parte do 
esperado na formação geral do médico, ou melhor dizendo, 
da formação do médico generalista. Outras habilidades, mais 
HVSHFtÀFDV�� FRPR� D� SXQomR� SHULFiUGLFD�� D� WUDTXHRVWRPLD�� D�
SXQomR�OLTXyULFD���SDUD�FLWDU�DOJXQV�H[HPSORV����HPERUD�SUHFLVHP�
VHU�HQVLQDGDV�D�XP�ERP�Q~PHUR�GH�SURÀVVLRQDLV��SRGHP�RX�QmR�
ser incluídas no rol das habilidades de todos os médicos. Este 
p�XP�SRQWR�EDVWDQWH�SROrPLFR��DÀQDO��TXDLV�VmR�DV�KDELOLGDGHV�
necessárias ao egresso da escola médica? Ao médico generalista? 
Esta deve ser, com certeza, uma discussão a ser realizada nos 
fóruns próprios de educação médica. Sem dúvida, uma questão 
Gomes AP et AL
12 Rev Assoc Med Bras 2010; 56(1): 11-6
especialmente vinculada a este debate diz respeito às práticas 
empregadas pelos discentes para a aquisição de habilidades, 
as quais envolvem, comumente, o treinamento em recém-
cadáveres. Ou seja, indivíduos para os quais tenha acabado 
de sobrevir o óbito. Tal prática - usualmente considerada 
corriqueira e sem maiores dilemas por boa parte dos médicos 
H�GRV�HVWXGDQWHV�GH�PHGLFLQD���H[S}H�VLJQLILFDWLYDV�TXHVW}HV�
éticas, quando apreciada de modo um pouco mais atento. 
Desde esta perspectiva, ganha ressonância a indagação central 
da presente investigação: como proporcionar, no âmbito 
curricular, as oportunidades para que os estudantes possam 
desenvolver as habilidades para a competência médica, 
vinculando os aspectos técnicos aos ético-humanísticos? 
Refletir sobre estas questões - enfocando, especialmente, os 
aspectos éticos da utilização dos corpos de indivíduos recém-
falecidos na aprendizagem de procedimentos invasivos por 
estudantes de Medicina - é o objetivo deste artigo. 
MétOdOs
O caminho percorrido na investigação procurou contemplar as 
discussões sobre a moralidade da utilização de recém-cadáveres 
para a aprendizagem de procedimentos invasivos e habilidades 
inerentes à prática médica. Deste modo, optou-se para a melhor 
FRPSUHHQVmR�GR� DUWLJR� SHORV� OHLWRUHV�� SDUWLU� GD� FRQWH[WXDOL]DomR�
dos principais aspectos éticos da formação prática em Medicina, 
ponderando-se, ato contínuo, sobre as questões morais atinentes 
ao uso de recém-cadáveres na aprendizagem do estudante do curso 
PpGLFR� WUDoDQGR�VH�� ÀQDOPHQWH�� FRQVLGHUDo}HV� VREUH� VLWXDo}HV�
alternativas para a aquisição das habilidades práticas necessárias.
$� FRQGXomR� GHVWDV� UHÁH[}HV� IRL� VXVWHQWDGD� SHOD� UHDOL]DomR�
GH�SHVTXLVD�ELEOLRJUiÀFD�QRV�VLWHV�GH�SHVTXLVD�%96��Biblioteca 
Virtual em Saúde), PUBMED (U.S. National Library of Medicine) 
e SCIELO (Scientific Eletronic Library Online), buscando-se artigos 
no período entre 1977 e 2007 (últimos trinta anos) com as 
seguintes palavras-chave: newly deceased patients, newly dead 
patients, simulators, recém-cadáveres, simuladores. Após análise 
crítica do resumo e do abstract ou título dos artigos obtidos, 
foram selecionados aqueles que tinham como objeto a eticidade 
ou a legalidade do ensino-aprendizagem com o recém-cadáver. 
A partir desta seleção foram consultados artigos apresentados 
nos links como related articles, sendo igualmente selecionados, 
após análise crítica de seu conteúdo, aqueles pertinentes ao tema 
FHQWUDO��)RL�UHDOL]DGD��LJXDOPHQWH��EXVFD�HP�OLYURV�H�ELEOLRJUDÀD�
FRPSOHPHQWDU� HVSHFtÀFD�GD�iUHD�GH�pWLFD�H� HGXFDomR�PpGLFD��
com posterior apreciação crítica sobe o assunto.
ResultadOs
2V�FRQWH~GRV�GRV�WH[WRV�VHOHFLRQDGRV�QD�UHYLVmR�UHDOL]DGD�
foram coligidos três tópicos principais: (1) O contexto da 
formação prática em medicina, (2) Aspectos éticos do uso 
de recém-cadáveres na formação prática em Medicina e (3) 
Buscando soluções: o uso da tecnologia naformação prática 
em Medicina e a seleção de conteúdos.
o contexto da formação prática em medicina
A inequívoca necessidade de treinamento de habilidades 
SVLFRPRWRUDV�DEUH�D�SHUVSHFWLYD�SDUD�TXH�VH�UHÁLWD�KLVWRULFDPHQWH�
sobre a prática da Medicina. É sabido que, no passado, as 
atividades práticas da formação médica ocorriam em hospitais de 
caridade ou unidades públicas4, 5. Em um ou em outro ambiente, 
a população envolvida tinha características comuns: eram 
SREUHV� H� GHSHQGHQWHV� GD� DVVLVWrQFLD� S~EOLFD� RX� EHQHÀFHQWH��
Atualmente, a compreensão da assistência à saúde como um 
direito humano fundamental e constitucional prevalece em nosso 
país6. Cada vez mais os pacientes atendidos no Sistema Único 
de Saúde são reconhecidos como sujeitos morais e cidadãos7, 
observando-se a ótica do cuidado8 e da integralidade, tendo como 
alicerce o artigo 198 da Constituição brasileira.
Como requisitos essenciais para o aprendizado das técnicas 
e consequente desenvolvimento das habilidades, encontram-se 
tanto o conhecimento da fundamentação teórica que ampara 
e orienta tais procedimentos, quanto à possibilidade deste 
ser aplicado. Tal questão - como dar conta da formação 
prática do novo profissional - configura, certamente, um 
capítulo particular na formação médica. A possibilidade de se 
desenvolver a aprendizagem de uma técnica corretamente, sem 
que haja a orientação/supervisão de um docente no momento 
desta prática é, em geral, bastante duvidosa. Reconhece-se 
o papel estratégico da função docente como facilitador da 
aprendizagem e orientador neste processo. 
8P�DVSHFWR�p�DLQGD�PHQRV�FRQVLGHUDGR�QDV�UHÁH[}HV�VREUH�
este aprendizado prático: as repercussões e implicações para 
os indivíduos nos quais essas técnicas são aplicadas. Em quais 
pessoas são efetuados os primeiros procedimentos? Em que 
FRQGLo}HV� LVVR� RFRUUH"� 4XDQGR� VH� SHQVD� HVSHFLÀFDPHQWH� QR�
treinamento de procedimentos invasivos e, mais particularmente 
ainda, em relação àqueles relacionados com o atendimento 
a pacientes em momentos críticos para vida, que tipo de 
comprometimento na qualidade do atendimento pode ocorrer 
e que resultados podemos esperar destes? Uma investigação 
conduzida na década de 90 encontrou uma incidência de 
18% de traumas orais quando da realização de entubação 
endotraqueal por indivíduos em treinamento9. Como, 
então, atenuar a possibilidade de danos? Como ser, de fato, 
ético nesta etapa da formação e permitir a capacitação do 
profissional sem perder a qualidade da atenção à saúde? É 
pertinente o questionamento sobre a realidade da ocorrência 
de tratamentos que são, inclusive, considerados fúteis, sem 
objetivos para determinado paciente serem colocados em 
prática por conta de solicitações da família ou para aproveitar 
o momento para o treinamento10. Será que todos os estudantes 
devem aprender todos os procedimentos invasivos? Será 
que algum estudante deve aprender esses procedimentos 
inicial e diretamente em seres humanos? Será ético efetuar 
terapêuticas e procedimentos sem real proveito para o 
SDFLHQWH"�6mR�TXHVW}HV�TXH�VH�LPS}HP�SDUD�D�UHIOH[mR�
Nos últimos anos fortaleceu-se, no Brasil, a preocupação 
com a formação ética dos novos médicos5, trabalhando-se 
com a lógica da humanização dos serviços e da assistência11. 
Mas, habitualmente, a consideração sobre os problemas éticos 
diretamente envolvidos no aprendizado prático raramente é feita 
de forma sistemática durante o curso e nos momentos críticos 
relacionados com a formação5. Tal constatação insta, também, 
a reconhecer que muitos estudantes, tendo como foco apenas 
seus interesses imediatos e muitas vezes egoísticos, desprezam, 
AnáLise bioéticA do Uso de recém-cAdáveres nA APrendizAGem PráticA em medicinA
13Rev Assoc Med Bras 2010; 56(1): 11-6
ignoram ou apenas perdem possibilidades de crescerem em sua 
competência e sensibilidade moral, como se o bom médico não 
tivesse necessariamente que ter essas qualidades12. Estudos 
realizados nos Estados Unidos mostram que nem mesmo 
naquele país - no qual a doutrina do consentimento é consolidada 
tanto ética como legalmente - estudantes e tampouco hospitais 
de ensino seguem, efetivamente, a determinação de solicitar ao 
paciente a autorização da realização de um procedimento13. De 
fato, muitos estudantes não esclarecem seu grau de treinamento 
e expertise na realização do procedimento e outros nem sequer 
LGHQWLÀFDP�VH�FRPR�WDO��SHQVDQGR�HP�SHUGHU�D�SRVVLELOLGDGH�GH�
realizá-lo por recusa14. Há um fato ainda mais preocupante com 
UHODomR� DR�TXH� HVWXGDQWH�SHQVD� VREUH� D� LGHQWLÀFDomR�� FRP�R�
SDVVDU�GR�WHPSR�HOH�QmR�Vy�QmR�VH�LGHQWLÀFD�FRPR�WDPEpP�SDVVD�
a achar que é desnecessário, provavelmente considerando-se 
apto a desenvolver o atendimento dos pacientes, mesmo em 
VLWXDo}HV�FRPSOH[DV��VHP�VXSHUYLVmR�GH�XP�SURÀVVLRQDO�PDLV�
H[SHULHQWH�H�VHP�TXH�R�SDFLHQWH�R�VDLED��2�IDWR�p�TXH�D�UHFXVD��
HQWUHWDQWR�p�QXPHULFDPHQWH�LQIHULRU�DR�HVSHUDGR��H�QmR�MXVWLÀFD�
aquela atitude, como observou Santen15, quando 102 de 114 
pacientes autorizaram a realização, mesmo conhecendo o status 
GH� HVWXGDQWH� H� TXDQGR� %HQÀHOG16 teve 73% de aceitação dos 
pais em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal. Pacientes de uma 
unidade de Emergência, em um estudo realizado por Hemphill16, 
contudo, desconheciam os papéis e as responsabilidades dos 
HVWXGDQWHV�� R� TXH� FRUURERUD� SDUD� D� UDWLÀFDomR� GH� DWLWXGHV�
desrespeitosas e antiéticas por parte de discentes, que não 
esclarecem sua função ou seu estado de formação. Como reverter 
esta situação, reconhecendo-se a importância do conhecimento por 
parte do paciente do nível de treinamento de seus médicos como um 
comportamento que demonstra o devido respeito pelo paciente18? 
Aspectos éticos do uso de cadáveres na formação prática em 
medicina
2�H[HPSOR�GH�SUiWLFD�FRUULTXHLUD�TXH�SDVVD�DR�ODUJR�GD�UHÁH[mR�
sistemática do processo de formação é a questão do emprego 
de corpos de pessoas recém-falecidas para o aprendizado de 
procedimentos invasivos 19, 20, 21. Esta prática não só é muito 
frequente nos relatos dos estudantes sobre o comportamento 
de seus colegas, como pouco admitida como prática pessoal. 
1mR� p� H[FOXVLYD� GR� %UDVLO� H� RFRUUH� GLVVHPLQDGDPHQWH� HP�
diversos locais do mundo 22, 23, 24. Ademais, é mister considerar, 
inclusive, que pode ter sido desta maneira que muitos médicos 
formados aprenderam a realizar procedimentos como a entubação 
endotraqueal, a punção venosa profunda, a toracotomia, a 
traqueostomia, a pericardiocentese, a punção lombar ou articular; 
procedimentos estes realizados às escondidas atrás de um 
biombo de uma emergência pública. O que pensa a população 
em geral sobre tais fatos? Esta discussão é feita realmente nas 
comunidades? Uma pesquisa realizada, em 1998, por Tachakra,25 
demonstra o desejo das pessoas de saberem sobre a realização 
de tais manobras e procedimentos e ainda de serem consultadas 
sobre o fato, devendo os procedimentos serem realizados de forma 
rápida e respeitosa com o recém-morto. Reconhecido o fato e a 
RSLQLmR�SUHOLPLQDU�GRV�SRVVtYHLV�HQYROYLGRV��SDVVHPRV�j�UHÁH[mR�
sobre a moralidade desta prática. 
É relevante, inicialmente, caracterizar duas situações 
GLIHUHQWHV�� D� VLWXDomR� FOtQLFD� HP� TXH� H[LVWH� XPD� HPHUJrQFLD�
e a morte do paciente é iminente e aquela em que o paciente 
IRL� D� yELWR� PXLWR� UHFHQWHPHQWH� �� R� UHFpP�FDGiYHU�� 'HL[DQGR�
GH� ODGR� D� VLWXDomR� HVSHFtÀFD� GR� DSUHQGL]DGR� QR� PRPHQWR�
da parada cardiorrespiratória - quando ainda estão sendo 
efetuadas as manobras dedicadas à reversão do quadro e do 
paciente é considerado viável, apesar de se considerar que o 
momento da inviabilidade e o próprio conceito de morte sejam 
controversos26,27 – neste trabalho, a apreciação diz respeito 
às situações na quais o corpo já está sem vida, esgotadas 
DV� WHQWDWLYDV� GH� UHDQLPDomR�� 3RGH�VH� HQXQFLDU��ÀQDOPHQWH��
a interrogação proposta da seguinte forma: é correto que se 
utilize o recém-cadáver como material para a aprendizagem 
de habilidades motoras, sobretudo de manobras invasivas, da 
prática médica? Esta avaliação muda se o aprendiz for um aluno 
de graduação ou um médico já formado?
2�SULPHLUR�SRQWR�D�VHU�REVHUYDGR�p�R�SRUTXr�GD�H[LVWrQFLD�
desta prática. A resposta não é difícil. Em princípio, todo médico 
deveria saber realizar, ao menos alguns procedimentos que 
permitam em situações de emergência salvar a vida; dentre 
estes, sobressai a entubação endotraqueal, necessária quando 
da realização do suporte avançado de vida28, 29. A aprendizagem 
de tais habilidades e a manutenção da aptidão para realizá-las, 
p��GH�IDWR��XP�JUDQGH�GHVDÀR�GD�SURÀVVmR�PpGLFD30, 31. Aprender 
no paciente vivo, quando ele efetivamente necessita do 
SURFHGLPHQWR�WUD]��HP�VL��ULVFRV�H[SOtFLWRV�SDUD�R�EHP�HVWDU�H�
sobrevida do paciente. Naquele momento, tanto a rapidez quanto 
a qualidade da atenção dispensada são imprescindíveis para o 
VXFHVVR�GD�WHUDSrXWLFD�H�HVWD�VLJQLÀFD�PXLWDV�YH]HV�D�YLGD�RX�D�
PRUWH��$�SUiWLFD��SRUWDQWR��SRU�XP�QHyÀWR�QmR�DGHTXDGDPHQWH�
instrumentalizado para tal ação, certamente incrementa os riscos 
a que estão submetidos os paciente, como comentado, visto 
que as oportunidades de realizar procedimentos, tidos como 
essenciais pelos estudantes, são infrequentes na maioria das 
vezes em seu período de formação32.
Com base na clareza da pertinência da aprendizagem dos 
procedimentos, pode-se, então, argumentar que aprender em um 
cadáver não traz, de fato, qualquer dano adicional ao falecido33, 34, 
MXVWLÀFDQGR�VH�WDO�XVR�H�HPEDVDQGR�R�QD�WUDGLomR�GD�0HGLFLQD35, 
36��3RUpP��VH�QmR�H[LVWH�D�SRVVLELOLGDGH�GH�RFRUUrQFLD�GH�QRYRV�
danos ao corpo morto, sua família pode sofrer com a percepção 
de que tais procedimentos desnecessários podem representar 
um desrespeito ao falecido37, 38. Por conseguinte, algum dano 
seria produzido nesses familiares. Pergunta-se então: será que 
este tipo de dano representa uma interdição moral a esta prática? 
+DYHUi�DOJXPD�UHJXODPHQWDomR�HVSHFtÀFD"
Pesquisa na base de dados do Conselho Federal de Medicina 
QmR�ORJURX�LGHQWLÀFDU�TXDOTXHU�UHJXODPHQWDomR�HVSHFtÀFD�VREUH�
a questão, nem no Código de Ética Médica nem em pareceres ou 
resoluções. Há, todavia, um artigo no Código Penal Brasileiro39 
que necessita ser considerado. No artigo 212, segundo capítulo 
do quinto título, Dos Crimes Contra o Sentimento Religioso 
H� &RQWUD� R� 5HVSHLWR� DRV� 0RUWRV�� TXDOLÀFD�VH� FRPR� FULPH� R�
vilipêndio a cadáveres ou suas cinzas, com pena de reclusão de 
um a três anos e multa. A única autorização legal para o uso de 
cadáveres para aprendizagem está previsto na Lei n.º 8.501, de 
���GH�QRYHPEUR�GH�������TXH�QmR�VH�DSOLFD�jV�HVSHFLÀFLGDGHV�
DTXL�WUDWDGDV�SRU�VH�WUDWDU�GH�FDGiYHU�GHVWLQDGR�D�ÀQV�FLHQWtÀFRV�
com pelo menos trinta dias de falecimento40.
Gomes AP et AL
14 Rev Assoc Med Bras 2010; 56(1): 11-6
Assim, pode ser compreendido que a interdição legal ao uso 
de cadáveres para o treinamento teria sua origem, no Brasil, no 
sentimento religioso, como também assinalou Zirkin43��,GHQWLÀFDU�
na religião a fonte dessa interdição é razoável, especialmente 
quando se recorda que as três grandes religiões monoteístas 
tiveram papel determinante nesta proibição enquanto tiveram 
SRGHU�SDUD�WDO��e�VLJQLÀFDWLYR�OHPEUDU�TXH�QD�(XURSD�KDYLD�XPD�
interdição a abertura de cadáveres até o Renascimento e que 
esta era fundamentada na crença da ressurreição dos corpos e na 
compreensão de que o homem era feito à imagem e semelhança 
de Deus. Ulteriormente, com a paulatina laicização da sociedade 
europeia, emergiram condições propícias à prática da dissecção, 
passando-se a reconhecer tal atividade como essencial à prática 
médica, a ponto de se tornar célebre a frase escrita por Bichat 
em 1801, defendendo a dissecção de cadáveres: “Abram alguns 
cadáveres: logo verão desaparecer a obscuridade que apenas a 
observação não pudera dissipar”42.
Pode-se indagar, agora, se uma interdição de origem religiosa 
deve ou deveria ter força de interdição a toda uma sociedade. 
Em princípio, qualquer interdição religiosa deve valer apenas 
aos que se associam às religiões de onde elas emanaram. 
Não pode ser, entretanto, uma regra a ser imposta a toda uma 
sociedade democrática e laica como é, ou pretende ser, a 
EUDVLOHLUD��&RP�HIHLWR�� p� OtFLWR�SHUJXQWDU� VH�H[LVWLULD��SRUWDQWR��
uma interdição de fundamento laico ao uso dos recém-cadáveres 
com este propósito. A primeira referência a ser considerada 
é a ética kantiana: “sempre trate a humanidade, quando em 
YRFr�RX�HP�RXWUD�SHVVRD��FRPR�XP�ÀP�HP�VL�PHVPD�H�QXQFD�
como um mero meio”43. Assim, se suas ações não podem ter 
como benefício o indivíduo que acabou de falecer, haveria uma 
interdição ao seu uso como mero meio de treinamento, ainda que 
em benefício potencial de toda a humanidade. Há que se fazer 
uma ressalva, porém: o cadáver de um homem seria merecedor 
das considerações devidas ao ser vivente? Entendendo que ser 
pessoa implica em capacidade de consciência, um cadáver não 
deve mais ser considerado uma pessoa e, assim, não seria mais 
merecedor das considerações devidas às pessoas em geral. Mas, 
p�FODUR��TXH�D�UHÁH[mR�QmR�SRGH�VH�HVJRWDU�QHVVH�SRQWR��DÀQDO�
cada indivíduo falecido teve a sua história, suas relações sociais 
podendo, sim, merecer o respeito pela pessoa que ele já foi e 
o que aquele corpo ainda representa para as pessoas com as 
quais ele se relacionou em vida. 
Torna-se útil lembrar, como base para o início dessa 
abordagem, que a discussão visando a regulamentação da 
doação de órgãos estabeleceu a doação presumida dos órgãos 
(todos seriam, em princípio, doadores de órgãos já que o corpo 
pertenceria ao Estado e não ao indivíduo), ocorreu grande 
reação na imprensa em geral e no próprio âmbito da corporação 
médica*. Defendeu-se de forma bastante vigorosa o princípio 
de que é a família a herdeira de todos os direitos de decisão 
sobre o destino do corpo do recém-falecido. Nada poderia ser 
IHLWR�VHP�TXH�KRXYHVVH�D�FRQFRUGkQFLD�H[SUHVVD�GRV�IDPLOLDUHV��
$VVLP�� SRGH�VH� DÀUPDU� TXH� ID]� SDUWH� GR� ethos da sociedade 
brasileira esta compreensão a respeito da competência para 
decidir sobre o cadáver. Assim, havendo uma interdição legal e 
a percepção de que esta interdição é considerada como válida 
pela sociedade em geral, não é razoável que se admita como 
regra o desrespeito a esta premissa. Ou seja, a aprendizagem em 
recém-cadáveres não deve ser considerada aceitável ou regular 
apesar da origem desta interdição estar no sentimento religioso, 
o que deve ser garantido no âmbito das decisões individuais, 
não necessariamente coletivas.
A discussão pode, no entanto, ser aberta em termos de 
uma nova interlocução quando surge a família como sujeito 
ativo na decisão sobre o futuro do cadáver47, 45. Permanece 
inaceitável a utilização dos recém-cadáveres quando a família 
consultada previamente autoriza o procedimento, tendo em vista 
que o consentimento esclarecido é habitualmente utilizado em 
Medicina, sendo considerado uma das bases da moderna ética 
médica46? Estudos como o de Olsen47 mostram que, mesmo 
quando da realização de um procedimento invasivo como 
a cricotirotomia, 39% das famílias autorizaram a utilização 
do parente recém-falecido como modelo. Mas ainda assim, 
permanece a questão: o consentimento da família autoriza a 
prática no recém-cadáver? Submeter a família ao estresse e ao 
VRIULPHQWR� GHVWD� VROLFLWDomR� p� MXVWLÀFiYHO��PHVPR� TXDQGR� GD�
realização de procedimentos como a entubação endotraqueal48, 
ou deve-se ter em mente que a solicitação deva sempre ser 
feita49? Há ainda a proposta de que haja um consentimento 
presumido para a realização de determinados procedimentos, 
a menos que a recusa seja colocada anteriormente50.E quais 
seriam os procedimentos permitidos? E como daria a recusa, se 
a família na maioria das vezes não é consultada e o indivíduo 
desconhece que tipo de ocorrências podem suceder após a sua 
morte? Poderia se estabelecer um programa de pré-autorização, 
assim como ocorre com a doação de órgãos em diversos países, 
como propõe Morag51? Mas para que procedimentos? Quem 
esclareceria a população?
Buscando soluções: o uso da tecno logia na formação prática 
em medicina e a seleção de conteúdos
8P�SULPHLUR�UHTXLVLWR�p�R�UHFRQKHFLPHQWR�GH�TXH�H[LVWHP�
disponíveis recursos tecnológicos capazes de substituir os 
humanos e os animais neste aprendizado inicial. Os simuladores 
médicos foram introduzidos no treinamento de habilidades 
clínicas em meados dos anos 6052 e na atualidade pode-se 
HQVLQDU�H�DSUHQGHU�HÀFLHQWHPHQWH�D�PDLRULD�GRV�SURFHGLPHQWRV�
essenciais à prática médica utilizando simuladores53. A 
incorporação de simuladores deve fazer parte do treinamento 
habitual nos currículos de formação para a graduação médica. 
1mR�GHYH�VHU�D�H[FHomR�H�VLP�D�UHJUD�DSUR[LPDQGR�RV�HVWXGDQWHV�
GDV�VLWXDo}HV�GH�HPHUJrQFLD�FRP�ÀGHOLGDGH�H�FDSDFLWDQGR�RV�
para a vida real54. É sabido, inclusive que o uso de simuladores 
não precisaria ser restrito aos graduandos devendo, outrossim, 
VHU�HVWHQGLGR�DRV�SURÀVVLRQDLV�HP�VLWXDo}HV�GH�SyV�JUDGXDomR�
lato sensu como a residência médica 54, 55 ou a médicos recém-
formados 56, 57. Postula-se que o uso de simuladores facilitaria a 
aprendizagem por diversos motivos58:
 * Para aprofundamento nesta discussão ver Brasil. Lei 10.211, de 23 de março de 2001. Disponível em http://dtr2001.saude.gov.br/sas/dsra/lei10211.htm Por outro lado, a sociedade deseja que seus 
PpGLFRV�VHMDP�FDSD]HV�GH�UHDOL]DU�WRGRV�RV�SURFHGLPHQWRV�TXH�VmR�LQGLVSHQViYHLV�SDUD�VXD�ERD�DWXDomR�WpFQLFD��&RPR�FRQFLOLDU�LQWHUHVVHV�DSDUHQWHPHQWH�FRQÁLWDQWHV"�&RORFDP�VH��HQWmR��RV�WHUPRV�
para um novo desdobramento desta discussão.
AnáLise bioéticA do Uso de recém-cAdáveres nA APrendizAGem PráticA em medicinA
15Rev Assoc Med Bras 2010; 56(1): 11-6
(1) estudantes podem praticar tantas vezes quanto for a sua 
necessidade;
(2) erros podem ser localizados e corrigidos;
(3) não há qualquer perturbação ou lesão para pessoas 
(pacientes).
Além disso, é perceptível que os próprios alunos em 
treinamento acreditam ser melhor que uma técnica seja 
primeiramente aprendida para depois ser aplicada em um 
paciente, sendo o uso de simuladores uma ótima maneira de 
treinar habilidades em grande número de estudantes por um 
Q~PHUR� VXÀFLHQWH� GH� YH]HV59. O treinamento em simuladores 
passa, então, a ser uma solução apropriada para que os mais 
QRYRV��QD�SURÀVVmR��VHMDP�DSURSULDGDPHQWH�FDSDFLWDGRV32.
Mas mesmo com um treinamento prévio em manequins, sempre 
haverá uma primeira vez em um humano real. Como se sentem 
RV�SDFLHQWHV�FRP� UHODomR�D� WDO�H[SRVLomR�p�XP�TXHVWLRQDPHQWR�
a ser continuadamente pensado. Graeber analisando pacientes 
HP�XPD�(PHUJrQFLD�YHULÀFRX�TXH��GHSHQGHQGR�GR�SURFHGLPHQWR�
a ser realizado, haveria somente um leve declínio na negação 
da realização do procedimento com o treinamento prévio em 
simuladores60, 61. Fundamental e determinante, no entanto, é a 
qualidade da prática, que deverá ser estritamente supervisionada 
SRU�XP�SURÀVVLRQDO�FRPSHWHQWH�TXH�DFRPSDQKDUi�H�RULHQWDUi�R�
DSUHQGL]�GXUDQWH�R�SURFHGLPHQWR��R�TXH�H[LJLUi�TXH�D�VXSHUYLVmR�
GDV� SUiWLFDV� GHL[H� GH� VHU� WmR� IUHTXHQWHPHQWH� DSHQDV� IRUPDO�
e transforme-se em uma supervisão de fato. A despeito do 
que é preconizado pelo Conselho Federal de Medicina, em sua 
Resolução CFM nº 663/75 1, que “determina aos médicos que 
mantenham permanente supervisão dos procedimentos realizados 
por estudantes de medicina, no trato com os doentes”40 e igualmente 
H[SUHVVR�SRU�PHLR�GR�SURFHVVR�FRQVXOWD�&)0�1ž���������3&�&)0�
Nº 13/97 que determina que “a responsabilidade pelo ato médico 
SUDWLFDGR�SHOR�LQWHUQR�GR�FXUVR�GH�0HGLFLQD�FDEH�H[FOXVLYDPHQWH�
ao médico preceptor”62��D�VXSHUYLVmR�HP�HVWiJLRV�H[WUDFXUULFXODUHV�p�
especialmente problemática e demanda das autoridades sanitárias, 
SURÀVVLRQDLV�H�HGXFDFLRQDLV�XPD�DomR�FRQFUHWD�D�UHVSHLWR�
Tomando a utilização dos simuladores para treinamento como 
premissa verdadeira, poderia se banir por completo a prática 
de aprendizagem no recém-cadáver? É bem possível que não. 
Pode-se, sim, aceitá-la eticamente, considerando como condição 
primafacie a obtenção do consentimento daqueles que são 
socialmente reconhecidos como detentores de autoridade para 
determinar o destino dos corpos dos mortos - seus familiares mais 
SUy[LPRV��)LFD��HQWmR��SRVWD�D�REULJDWRULHGDGH�PRUDO�GH�VROLFLWDomR�
GH�DXWRUL]DomR�j�IDPtOLD��(VWD�VH�MXVWLÀFD��LQFOXVLYH��SRU�FRQWD�GD�
compreensão da família 63, 64, 65 e do alto percentual de aceitação 
pelos familiares da realização dos procedimentos 66, 67, 68.
COnClusãO
As questões apresentadas no presente artigo estão longe de 
ser motivo de consenso, demandando, pois, novas investigações 
teóricas e empíricas para se ampliar as possibilidades de discussão. 
(PERUD��FRPR�SURFXUDPRV�GHPRQVWUDU�DR�ORQJR�GR�WH[WR��VHMD�
razoável que se defenda a adoção da obrigatoriedade de obtenção 
do consentimento formal da família do paciente que foi a óbito e 
que se estabeleça uma distinção entre os procedimentos passíveis 
de serem praticados no recém-cadáver àqueles que não levem 
à mutilação, outros pontos ainda restam sem resposta. Caso 
se adote a, aparentemente apropriada, decisão de se limitar a 
prática estudantil àquela efetuada em manequins, ocorrerá que, 
mais da metade dos graduados anualmente nas escolas médicas 
brasileiras, que não tem acesso a pós-graduação por falta de vaga, 
SRGHUi�YLU�D�WHU�VXD�SULPHLUD�H[SHULrQFLD�QRV�SURFHGLPHQWRV�HP�
KXPDQRV�GLUHWDPHQWH�HP�VXD�SUiWLFD�SURÀVVLRQDO�H��SRVVLYHOPHQWH��
VHP�D�VXSHUYLVmR�GH�XP�SURÀVVLRQDO�H[SHULHQWH�
Assim, uma solução razoável é que se restrinja a prática 
estudantil àqueles procedimentos não-mutiladores, sob estrita 
supervisão e após o consentimento familiar, preferencialmente 
após um primeiro treinamento em simuladores e que os 
procedimentos mais invasivos, mutiladores, fiquem restritos à 
formação dos especialistas. Destaque-se que, como alertado 
recentemente69, não nos referimos ao conceito de responsável 
legal, mas de familiares, em um claro paralelo com o preconizado 
no Brasil para as situações de transplante.
Somente em uma sociedade laica e com base na pluralidade 
das opiniões e posturas pode-se chegar a - ou pelo menos tentar 
alcançar - consensos democráticos sobre assuntos nos quais 
OHLV� H� UHJUDV� QmR� VmR� VXÀFLHQWHV� FRPR� UHVSRVWDV�� WDO� TXDO� R�
SUHVHQWHPHQWH�H[SRVWR��7UD]HU�j�WRQD�D�VLWXDomR�H�LPSOHPHQWDU�
HVWD�UHÁH[mR�p�R�DVSHFWR�TXH�GHYH�HVWDU�VHPSUH�QD�SDXWD�GDTXHOHV�
TXH�WUDEDOKDP�FRP�D�IRUPDomR�KXPDQD�H�SURÀVVLRQDO��
&RQÁLWR�GH�LQWHUHVVH� não há
suMMaRy
biOethiCal analysis Of the use Of newly dead patients in MediCal 
leaRning.
Objective.The purpose of this article is to carry out, a discus-
sion on the subject of bioethics and cadavers based upon a 
critic review of literature .
MethOds. A review of literature, was made with a survey of 
articles between 1977 and 2007 in the sites ”Biblioteca Virtual 
de Saúde”, PubMed and SciElo, utilizing the keywords: newly 
deceased patients, newly dead patients, simulators,. This was 
complemented by a critical evaluation of books published in 
the area of ethics and bioethics 
Results. The possibility to develop learning without orientation 
by a supervisor is doubtful.. The utilization of newly dead for lear-
ning invasive procedures is very frequent and seldom admitted. 
These procedures, are usually, carried out secretly, without the 
knowledge and consent of the family. The ethical aspects of these 
practices are not discussed in the practical medical education.cOnclusiOn. It essential that the ethics of use of recent 
deceased become a necessary content of graduate education. 
Performance of these procedures by students should always 
be authorized by family members. The simulators meet the 
requirements of training. Discussions about the ethical and 
bioethical aspects cannot be separated from practical conside-
rations during the students learning time. [Rev Assoc Med Bras 
2010; 56(1): 11-6]
Key words: Death. Bioethics. Medical education .Bioethical Issues.
RefeRênCias
 ����0DFKDGR�0+��2V�PpGLFRV�H�VXD�SUiWLFD�SURÀVVLRQDO��DV�PHWDPRUIRVHV�GH�XPD�
SURÀVVmR�>WHVH@��5LR�GH�-DQHLUR��,83(5-�������
 2. Brasil. Conselho Nacional de Educação, Câmara de Educação Superior. Diretrizes 
Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina. Resolução CNE/ 
CES n. 4, Brasília (DF), 7 de novembro, 1-6; 2001.
 3. Marins JJN. Os cenários de aprendizagem e o processo do cuidado em saúde. 
In: Marins JJN, Rego S, Lampert JB, Araújo JGC. Educação médica em 
Gomes AP et AL
16 Rev Assoc Med Bras 2010; 56(1): 11-6
transformação: instrumentos para a construção de novas realidades. São Paulo: 
Hucitec; Rio de Janeiro: Associação Brasileira de Educação Médica. 2004.
� ����&DSRQL�6��'D�FRPSDL[mR�j�VROLGDULHGDGH��XPD�JHQHDORJLD�GD�DVVLVWrQFLD�PpGLFD��
Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 2000. p.47-61.
 5. Rego STA. A formação ética do médico: saindo da adolescência com a vida (dos 
outros) nas mãos. Rio de Janeiro, Editora Fiocruz; 2003.
 6. Cohn A. A saúde como direito e como serviço. São Paulo: Cortez Editora; 1999.
 7. Brasil. Ministério da Saúde. Política Nacional de Humanização: documento base 
para gestores e trabalhadores do SUS/Brasília: Brasília (DF): Ministério da Saúde. 
Brasília; 2004.
� ����3LQKHLUR�5��&HFFLP�5%��([SHULHQFLDomR��IRUPDomR��FXLGDGR�H�FRQKHFLPHQWR�HP�
saúde: articulando concepções, percepções e sensações para efetivar o ensino da 
integralidade. In: Pinheiro R, Ceccim RB, Mattos RA. Ensinar saúde: a integrali-
dade e o SUS nos cursos de graduação na área da saúde. 2ª ed. Rio de Janeiro: 
Lappis; 2006.
 9. Chen JJ, Susetio L, Chao CC. Oral complications associated with endotracheal 
general anesthesia. Anesthesiology. 1990;28:163-8.
 10. Kasman DL. When is medical treatment futile? A guide for students, residents 
and physicians. J Gen Intern Med. 2004;19:1053-6.
 11. Rego STA, Gomes AP, Siqueira-Batista R. Bioética e humanização como temas 
transversais na educação médica. Rev Bras Educ Méd. 2008;32:482-91.
 12. Becker HS. Boys in white: student culture in medical school. 10th ed. New 
Brunswick: Transaction Publishers; 2007.
 13. Silver-Isenstadt A, Ubel PA. Erosion in medical students’ attitudes about telling 
patients they are students. J Gen Intern Med. 1999;14:481-7.
 14. Cohen DL, McCullough LB, Kessel RW, Apostolides AY, Heiderich KJ, Alden ER. 
Informed consent policies governing medical students’ interactions with patients. 
J Med Educ. 1987;62:789-98.
������6DQWHQ�6$��+HPSKLOO�55��6SDQLHU�&0��)OHWFKHU�1'�µ6RUU\�� LW·V�P\�ÀUVW� WLPH�µ�
Will patients consent to medical students learning procedures? Med Educ. 
2005;39:365-9.
������%HQÀHOG�'*��)ODNVPDQ�5-��/LQ�7+��.DQWDN�$'��.RNRPRRU�):��7HDFKLQJ�LQWXEDWLRQ�
skills using newly deceased infants. JAMA. 1991;265:2360-3.
 17. Hemphill RR, Sally AS, Routree CB, Szmit AR. Patients’ understanding of the roles 
of interns, residents, and attending physicians in the emergency department. Acad 
Emerg Med. 1999;6:339-44.
 18. Santen SA, Hemphill RR, Prough EE, Perlowiski EE. Do patients understand their 
physicians’ level of training? A survey of emergency department patients. Acad 
Med. 2004;79:138-49.
 19. Steen PA, Enger E. Medical training using newly deceased. Tidsskr Nor Laegeforen. 
1994;114:1509.
 20. Moore GP. Ethics seminars’: the practice of medical procedures on newly dead 
patients: is consent warranted? Acad Emerg Med. 2001;8:389-92.
 21. Oliveira RS, Leite JAD, Patrocínio RMSV, Castro JOA, Santana MG. Modelo 
H[SHULPHQWDO�GH�DUWURVFRSLD�GR�TXDGULO�HP�FDGiYHUHV�GH�UHFpP�QDVFLGRV��$FWD�
Ortop Bras. 2005;13:86-90.
 22. Ginifer C, Kelly AM. Teaching resuscitation skills using the newly deceased. Med 
JAust. 1996;165:445-7.
 23. Burns JP, Reardon FE, Truog RD. Sounding board: using newly deceased patients 
to teach resuscitation procedures. N Engl J Med. 1994;331:1652-5.
������7ULQGDGH�)��&DQH�3��7KH�ODZ�RI�WRUWV�LQ�$XVWUDOLD��0HOERXUQH��2[IRUG�8QLYHUVLW\�
Press; 1993. 
 25. Tachakra S, Ho S, Lynch M, Newson R. Should doctors practice resuscitation 
skills on newly deceased patients? A survey of public opinion. J Roy Soc Med. 
1998;91:576-8. 
������6FKUDPP�)5��3RU�TXp�OD�GHÀQLFLyQ�GH�PXHUWH�QR�VLUYH�SDUD�OHJLWLPDU�PRUDOPHQWH�
la eutanasia y el suicidio asistido? Perspect Bioéticas. 2001;6:43-54.
 27. Siqueira-Batista R, Schramm FR. Eutanásia: pelas veredas da morte e da auto-
nomia. Ciênc Saúde Coletiva. 2004;9:31-41.
 28. Brattebe G, Wisborg T. Instruction and training in emergency care procedures of 
recently deceased patients. Tidsskr Nor Laegeforen. 1990;110:1380-1. 
 29. Ardagh M. May we practice endotracheal intubation on the newly dead? J Med 
Ethics. 1997;23:289-94.
 30. Ashby R. Teaching resuscitation on the newly deceased: do we want to know? 
Med J Aust. 1996; 165:412-3. 
 31. Almeida MFB, Guinsburg R, Costa JO, Anchieta LM, Freire LMS. Teaching 
neonatal resuscitation at public hospital in Brazilian state capital. J Pediatr (Rio 
J) 2005;81:233-9.
 32. Rosenson J, Tabas JA, Patterson P. Teaching invasive procedures to medical 
students. JAMA. 2004;291:119-20.
 33. Iserson KV. Law versus life: the ethical imperative to practice and teach using the 
newly dead emergency department patient. Ann Emerg Med. 1995;25:91-4.
 34. Coller BS. The newly dead as research subjects. Clin Res. 1989;37:487-94.
 35. Trainor R. Should the newly dead be used to help the living? An issue in our time. 
Linacre Q. 1989;56:51-63.
 36. Berger JF, Rosnel F, Cassell EJ. Ethics of practicing medical procedures on newly 
dead and nearly dead patients. J Gen Intern Med. 2002;17:774-8.
 37. McNamara RM, Monti S, Kelly JJ. Requesting consent for an invasive procedure 
in newly deceased adults. JAMA. 1995;274:128-9.
 38. Moskop JC. Informed consent and refusal of treatment: challenges for emergency 
physicians. Emerg Med Clin North Am. 2006;24:605-18.
 39. Brasil. Código Penal Brasileiro [citado 27 maio 2007]. Disponível em: http://
www.dji.com.br/codigos/1940_dl_002848_cp/cp.htm. 
������&RQVHOKR�)HGHUDO�GH�0HGLFLQD��5HVROXomR�&)0�1ž���������'LiULR�2ÀFLDO�8QLmR��
Brasília (DF), Seção I, parte 2, 12 agosto 1975.
 41. Zirkin HJ. Research and training on the newly dead. Arch Pathol Lab Med. 
1998;122:213.
 42. Foucault M. O nascimento da clínica. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária; 
1972. p.149.
 43. Kant I. Fundamentação da metafísica dos costumes. São Paulo: Companhia 
Editora Nacional; 1964.
 44. Sperling D. Breaking though the silence: illegality of performing resuscitation 
procedures on the newly-dead. Ann Health Law. 2004;13(2):393-426.
 45. Schimidt TA, Abbott JT, Geiderman JM, Hughes JA, Johnson CX, McClure KB. 
Ethics seminars: the ethical debate on practicing procedures on the newly dead. 
Acad Emerg Med. 2004;11:962-6.
 46. Tay CSK. Recent developments in informed consent: the basis of modern medical 
ethics. APLAR J Rheumatol. 2005;8:165-70.
 47. Olsen J, Spilger S, Windisch T. Feasibility of obtaining family consent for teaching 
cricothyrotomy on the newly dead on the emergency department. Ann Emerg 
Med. 1995;25:660-5.
 48. Brattebo G, Wisborg T, Oyen N, Iserson KV, Bloom JM. Using newly dece-
ased patients in teaching procedures [Correspondence]. N Engl J Med. 
1995;332(21):1445-7.
 49. Kerns AF. Better to layit out the table rather do it behind the curtain: hospitals 
need to obtain consent before using newly deceased patients to teach resuscitation 
procedures. J Contemp Health Law Policy. 1997;13:581-612.
 50. Goldblatt AD. Don’t ask, don’t tell: practicing minimally invasive resuscitation 
techiniques on the newly dead. Ann Emerg Med. 1995;25:86-90. 
 51. Morag RM, De Souza S, Steen PA, Salem A, Harris M. Performing procedures on 
the newly deceased for teaching purposes. What if we were to ask? Arch Intern 
Med. 2005;165:92-6.
 52. Cooper JB, Taqueti Vr. A brief history of the development of mannequin simulators 
for clinical education and training. Qual Saf Health Care 2004;13:11-8.
������,VVHQEHUJ�6%��6FDOHVH�5-��%HVW�HYLGHQFH�RQ�KLJK�ÀGHOLW\�VLPXODWLRQ��ZKDW�FOLQLFDO�
teachers need to know. Clin Teach. 2007;4:73-7.
 54. Hutton A, Kenealy H, Wong C. Using simulation models to teach junior doctors 
how to insert chest tubes: a brief and effective teaching module. Int Med J. 
2008;1:1-5.
 55. Cicarelli DD, Coelho RB, Benseñor FEM, Vieira JE. Importância do treinamento 
GH�UHVLGHQWHV�HP�HYHQWRV�DGYHUVRV�GXUDQWH�D�DQHVWHVLD��([SHULrQFLD�FRP�XVR�GH�
simulador computadorizado. Rev Bras Anestesiol. 2005;55: 151-7.
 56. Assis CR. Como salvar a vida de uma criança? Simulação virtual orientada -suporte 
básico de vida em pediatria [citado 17 jul 2008]. UNIFESP Virtual. São Paulo; 
2003. Disponível em: http://www.virtual.epm.br/material/. 
 57. Cumin D, Merry AF. Simulators for use in anesthesia. Anaesthesia. 
2007;62:151-62.
 58. Gaiser RR. Teaching airway management skills: how and what to learn and teach. 
Crit Care Clinics. 2000;16:1515-25.
������2ZHQ�+��3OXPPHU�-/��,PSURYLQJ�OHDUQLQJ�RI�D�FOLQLFDO�VNLOO��WKH�ÀUVW�\HDU·V�H[SH-
rience of teaching endotracheal intubation in a clinical simulation facility. Med 
Educ. 2002;36:635-42.
 60. Graeber MA, Pierre J, Charlton M. Patient opinions and attitudes toward 
medical student procedures in the emergency department. Acad Emerg Med. 
2003;10:1329-33. 
 61. Graeber MA, Wyatt C, Kasparek L, Xu Y. Does simulator training for medical student 
change patient opinions and attitudes toward medical student procedures in the 
emergency department? Acad Emerg Med. 2005;12:635-9.
 62. Conselho Federal de Medicina. Processo-consulta CFM Nº4.650/96 PC/CFM/Nº 
13/97. [citado 23 out 2008]. Disponível em: http://www.portalmedico.org.br/
pareceres/cfm/1997/13_1997.htm. 
 63. Oman KS, Armstrong JD. Perspectives on practicing procedures on the newly 
dead. Acad Emerg Med. 2002;9:86-7.
 64. Hergenroder GW, Prator BC, Chow AF, Powner DJ. Postmortem intubation training: 
patient and family opinion. Med Educ. 2007;41:1210-6.
 65. Garnes MK, Vassbe K, Forde R. Intubation training on the deceased newborn-
parents’ opinion. Tidsskr Nor Laegeforen. 1999;119:39-41.
 66. Finegold L. Using newly deceased patients in teaching procedures. [Correspon-
dence]. N Engl J Med. 1995;332:1445-7. 
 67. Baren JM, Mahon M. End-of-life issues in the pediatric emergency department. 
Clin Pediatr Emerg Med. 2003;4:265-72.
 68. Jones JW, McCullough LB, Richman BW. Training on newly deceased patients. 
Surgery. 2004;135:108-9.
 69. Fontana-Rosa JC, Oliveira RA. O responsável legal é de fato o responsável? Um 
questionamento ético-legal sobre o termo. Rev Assoc Med Bras. 2008;54:279-82. 
Artigo recebido: 09/11/08
Aceito para publicação: 18/08/09

Continue navegando